打印全文
Processo n.º 786/2022
(Autos de recurso contencioso – excepção)

Data: 2/Março/2023

Assuntos:
- Caducidade do direito de recurso
- Suspensão do prazo resultante da formulação do pedido de prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão junto da Administração

SUMÁRIO
Estatui-se no n.º 1 do artigo 110.º do CPAC que “O pedido de prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão dirigido a órgão administrativo, quando se destine a permitir ao interessado o uso de meios procedimentais administrativos ou processuais contenciosos, determina, a partir da data da sua apresentação, a suspensão da contagem dos respectivos prazos.”
Uma vez formulado o pedido de prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão junto da Administração, fica suspensa a contagem do prazo de impugnação administrativa ou contenciosa.
E se a Administração não realizar o direito à informação no prazo de 10 dias a que se refere o n.º 4 do artigo 63.º e n.º 1 do artigo 65.º, do Código do Procedimento Administrativo, a suspensão que já se tinha iniciado com este requerimento mantém-se até que se esgota o prazo de 20 dias aludido no artigo 109.º do CPAC, ou seja, o prazo previsto para a acção intimatória.
Atento o facto de a recorrente ter formulado o pedido de consulta e de passagem de certidão, e feito o desconto dos prazos em que houve suspensão, é de verificar que o recurso contencioso foi apresentado ainda dentro do prazo legal.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 786/2022
(Autos de recurso contencioso - excepção)

Data: 2/Março/2023

Recorrente:
- A有限公司

Recorrido:
- Secretário para os Transportes e Obras Públicas

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A有限公司, sociedade com sede na RAEM, com sinais nos autos, doravante designada por “recorrente”, notificada do despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que ordenou o despejo do terreno ocupado pela recorrente, sito em Coloane, e a remoção de todos os seus bens encontrados nesse mesmo terreno, recorreu aquela recorrente contenciosamente para este TSI, pedindo a anulação do respectivo acto administrativo.
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, pugnando, antes de tudo, pela procedência da excepção de caducidade do direito de recurso por si invocada e prevista nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
*
Notificada, pugna a recorrente pela improcedência da excepção invocada pela entidade recorrida.
*
Aberta vista inicial ao Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público, foi emitido o seguinte douto parecer:
“Na contestação, a entidade recorrida solicitou, em primeiro lugar, a rejeição liminar do presente recurso contencioso, alegando que se verifica in casu o decurso do prazo consagrado na alínea a) do n.º 2 do art. 25.º do CPAC, e daí resulta a consequente caducidade consignada na alínea h) do n.º 2 do art. 46.º do mesmo diploma legal.
Quid juris?
*
Ora, a recorrente reconheceu, no art.3.º da sua resposta (vide. fls. 41 e verso), que em 13/09/2022 ela recebera a notificação do despacho em questão. Vale realçar que está documentalmente provado que em 30/09/2022 ela requereu a consulta do processo administrativo.
Inculca a sensata doutrina (Viriato Lima, Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, pp 96 a 97): Deve entender-se que o prazo de dez dias para formulação à entidade que praticou o acto do requerimento para notificação das indicações ou dos elementos em falta ou para passagem de certidão que os contenha, é um prazo procedimental e, como tal, sujeito ao regime de contagem que resulta da norma do artigo 74.º do CPA.
Em esteira e dado que in casu não se descortina nenhum factor suspensivo ou interruptivo, somos levados a concluir, com tranquilidade, que o sobredito requerimento da consulta fica manifestamente fora do prazo de 10 dias fixados no n.º 2 do art. 27.º do CPAC.
Sufragamos a douta jurisprudência que assevera (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º 33/2011, no mesmo sentido cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 610/2009): Quando a notificação ou a publicação do acto administrativo não dêem a conhecer as restantes indicações da notificação do acto, mencionadas no artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo (a fundamentação integral do acto, a identificação do procedimento administrativo, o órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para esse efeito e a indicação de o acto ser ou não susceptível de recurso contencioso), do n.º 2 do artigo 27.º do Código de Processo Administrativo Contencioso resulta que só fica suspenso o prazo para interposição do recurso contencioso se o interessado requerer, no prazo de dez dias, à entidade que praticou o acto, a notificação das indicações ou dos elementos em falta ou a passagem de certidão ou fotocópia autenticada que os contenha, suspensão essa a partir da data da apresentação do requerimento e até à daquela notificação ou passagem.
Nestes termos, não há margem para dúvida de que o requerimento de consulta da recorrente supra referido não suspende o prazo prescrito na alínea a) do n.º 2 do art. 25.º do CPAC, por virtude de ser apresentado fora do prazo legal de 10 dias (art. 27.º, n.º 2, do CPAC).
Para além disso e por cautela, convém frisar que seja como for, a minuciosa contagem demonstra incontestavelmente que a soma dos dois períodos compreendidos respectivamente de 13/09/2022 a 30/09/2022 e de 13/10/2022 a 31/10/2022 excede igualmente o prazo de 30 dias.
Sendo assim e na medida em que foi interposto em 31/10/2022 o recurso contencioso em apreço, é irrefutável que se verifica, no vertente caso, a caducidade prevista na alínea h) do n.º 2 do art. 46.º do CPAC, daí decorre a procedência da excepção deduzida na contestação.
Dado que o presente recurso contencioso ultrapassou já a fase preliminar e não há lugar à rejeição prescrita no do art. 46.º supra, a apontada caducidade conduz à absolvição da instância.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência da excepção da caducidade do direito de recurso, sendo a entidade recorrida absolvida desta instância.”
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da excepção de caducidade do direito de recurso suscitada pela entidade recorrida:
Por despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 5.9.2022, foi ordenado o despejo do terreno ocupado pela recorrente, sito em Coloane, e a remoção de todos os seus bens encontrados nesse mesmo terreno. (cfr. fls. 17 e 18 dos autos)
A recorrente foi notificada do supra despacho em 13.9.2022. (cfr. fls. 44 dos autos)
Em 30.9.2022, a recorrente pediu a consulta do processo administrativo. (cfr. fls. 45 dos autos)
A recorrente foi notificada do despacho que autorizou a consulta em 12.10.2022. (cfr. fls. 46 dos autos)
No dia seguinte, ou seja, em 13.10.2022, a recorrente solicitou a passagem de determinadas peças constantes do processo administrativo. (cfr. fls. 46 dos autos)
A certidão foi emitida em 20.10.2022 (cfr. fls. 48 dos autos)
O recurso contencioso apresentado pela recorrente deu entrada neste TSI no dia 31.10.2022.
*
A questão colocada é saber se o recurso contencioso foi interposto tempestivamente ou fora do prazo.
Dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso que “O direito de recurso de actos anuláveis caduca no prazo de 30 dias, quando o recorrente resida em Macau.”
Por sua vez, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, estatui-se que “À contagem dos prazos previstos no número anterior é aplicável o disposto no Código do Procedimento Administrativo.”
Ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 74.º do Código do Procedimento Administrativo, prevê-se que “À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo é contínuo e começa a correr independentemente de quaisquer formalidades;
c) (…)”
   
No caso vertente, o acto do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas foi praticado em 5.9.2022, e foi a recorrente notificada do despacho em 13.9.2022.
Sendo assim, se não houvesse qualquer suspensão ou interrupção de prazo, o prazo para recurso contencioso terminaria em 13.10.2022.
Entretanto, não podemos desconsiderar o facto de que na pendência do procedimento, foi pedida pela recorrente à Administração, sucessivamente, a consulta do processo administrativo e a passagem de certidão.
Estatui-se no n.º 1 do artigo 110.º do CPAC que “O pedido de prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão dirigido a órgão administrativo, quando se destine a permitir ao interessado o uso de meios procedimentais administrativos ou processuais contenciosos, determina, a partir da data da sua apresentação, a suspensão da contagem dos respectivos prazos.”
Uma vez formulado o pedido de prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão junto da Administração, fica suspensa a contagem do prazo de impugnação administrativa ou contenciosa.
E se a Administração não realizar o direito à informação no prazo de 10 dias a que se refere o n.º 4 do artigo 63.º e n.º 1 do artigo 65.º, do Código do Procedimento Administrativo, a suspensão que já se tinha iniciado com este requerimento mantém-se até que se esgota o prazo de 20 dias aludido no artigo 109.º do CPAC, ou seja, o prazo previsto para a acção intimatória1.
No caso dos autos, a recorrente formulou o pedido de consulta em 30.9.2022, pelo que, a partir de 1.10.2022, o prazo para recurso contencioso ficou suspenso.
A recorrente foi notificada do despacho que autorizou a consulta em 12.10.2022, pelo que entre 1.10.2022 e 12.10.22 (12 dias) o prazo para recurso contencioso ficou suspenso.
A recorrente formulou no dia seguinte, ou seja, no dia 13.10.2022, a passagem de determinadas peças constantes do processo administrativo.
Mais uma vez, com a formulação do pedido de passagem de certidão, volta a suspender o prazo para recurso contencioso a partir de 14.10.2022.
A certidão foi passada no dia 20.10.2022, pelo que entre 14.10.2022 e 20.10.22 (7 dias), o prazo para recurso contencioso também ficou suspenso.
Feito o desconto dos prazos em que houve suspensão (12 dias + 7 dias), somos a concluir que o recurso contencioso apresentado pela recorrente em 31.10.2022 ainda está dentro do prazo.
Em boa verdade, uma vez que não se verifica que os pedidos formulados pela recorrente junto da Administração constituíam expedientes manifestamente dilatórios, inaplicável é o disposto no n.º 3 do artigo 110.º do CPAC.
Por outro lado, salvo o devido respeito por melhor opinião, somos a entender que não se aplica ao presente caso o disposto no n.º 2 do artigo 27.º do CPAC, por não estar em causa a omissão de quaisquer indicações ou elementos necessários para a notificação do acto.
Nesta conformidade, atentas as considerações acima tecidas, somos a entender, com todo e muito respeito por opinião contrária, que o recurso foi apresentado ainda dentro do prazo previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CPAC, pelo que verificada não está a excepção de caducidade do direito de recurso a que se alude a alínea h) do nº 2 do artigo 46º do CPAC.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de recurso invocada pela entidade recorrida e aludida na alínea h) do n.º 2 do artigo 46º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Sem custas.
Registe e notifique.
***
RAEM, 2 de Março de 2023

Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)

1 Posição propugnada por Cândido de Pinho, CFJJ, Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, 2018, pág. 102
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




Recurso Contencioso (excepção) 786/2022 Página 6