Processo nº 776/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 9 de Março de 2023
ASSUNTO:
- Execução
- Penhora
- Bens de terceiro
SUMÁRIO:
- De acordo com o disposto no artº 808º do C.Civ. a execução apenas pode incidir sobre bens de terceiro quando estejam vinculados à garantia do crédito ou sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor que este haja procedentemente impugnado;
- A aquisição do bem por terceiros que não o executado que haja sido registada antes de realizada a penhora é eficaz relativamente a credores do transmitente que não beneficiem de penhora ou de qualquer outra garantia que goze da prioridade do registo nos termos do artº 812º do C.Civ..
_____________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 776/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 9 de Março de 2023
Recorrente: A
Recorrida: B Limitada
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar execução ordinária contra
B Limitada, também com os demais sinais dos autos.
Pedindo que seja penhorado o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21366.
Proferido despacho de indeferimento quanto à requerida penhora do imóvel, veio a Requerente interpor recurso do mesmo apresentando as seguintes conclusões:
1) O bem cuja penhora é requerida pelo recorrente é o direito resultante da concessão por arrendamento do terreno urbano que se situa na XX nºs XX, Avenida XX nº XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21366 e inscrito na matriz predial sob o n.º 40727.
2) O recorrente tenta reclamar, nos termos do artº 764º, nº 1 do CPC, o crédito no processo em que a penhora é mais antiga.
3) Para tal, proferiu um despacho o douto Tribunal a quo, apontando que, nos termos do artº 704º, nºs 1 e 2 do CPC, só pode penhorar os bens do devedor e, em Outubro de 2015, o direito a penhorar passou a ser o bem da C Limited mediante dação em cumprimento, indicando ainda que, em conjugação das disposições do artº 809º do CC, é possível, juridicamente, que o acto de disposição decorra posterior à penhora, mas a penhora não deve ocorrer após o acto de disposição. Pelas razões invocadas, foi indeferido o requerimento do recorrente.
4) Salvo o devido respeito e melhor opinião, o recorrente não concorda com isso.
5) Não se pode negar a expressão literal da norma acima citada “são ineficazes em relação ao exequente”.
6) Porém, quanto ao deferimento do pedido de penhora do recorrente, além do disposto no artº 809º do CC, há que ter em consideração as disposições do artº 814º, nº2 do CC e dos artºs 764º, nº 1 e 783º do CPC.
7) Importa referir que antes do registo do acto de dação em cumprimento, existiam quatro registos de penhora sobre tal direito que foram requeridos em processos de execução diferentes.
8) Segundo as disposições do artº 764º, nº 1 do CPC e as regras de experiência comum, é muito provavelmente que o bem penhorado vai ser vendido no processo de execução que foi registado mais cedo.
9) Nos termos do artº 814º, nº 2 do CC e do artº 783º do CPC, após a venda em execução, os bens são livres dos registos efectuados posteriormente ao registo mais antigo, incluindo o de dação em cumprimento, e são oficiosamente mandados cancelar os registos dos direitos reais que caducam após o pagamento do preço e do cumprimento das obrigações fiscais.
10) Por outras palavras, vendido o bem, não é garantido o direito adquirido pela C através da dação em cumprimento
11) Então, por um lado, obter o pagamento do preço através da venda, para satisfazer o credor no processo em que a penhora seja mais antiga, por outro lado, o recorrente, que também tem a mesma vontade de reclamar o crédito, é excluído por causa da caducidade da dação em cumprimento devido à venda do bem, o que conduz à insatisfação do seu crédito. A contradição aqui verificada não é esperada pelo legislador.
12) Quanto ao direito resultante da concessão por arrendamento do terreno, foi registada definitivamente, em 16/04/2013, a penhora pedida pelo exequente D no âmbito do processo nº CV3-12-0108-CEO do TJB.
13) Deste modo, o que mais razoável é, a protecção de “são ineficazes em relação ao exequente” prevista no artº 809º do CC deve estender ao credor que reclama o crédito no processo em que a penhora seja mais antiga e ao credor como o recorrente que tinha intentado acção de execução e tem a intenção de reclamar o crédito no processo de execução em que a penhora é mais antiga.
14) Além disso, quanto ao acto de dação em cumprimento, no registo predial existem duas acções declaratórias de nulidade, anulabilidade e ineficácia.
15) Caso sejam julgadas procedentes as acções, o registo de dação em cumprimento será cancelado por nulidade, anulabilidade ou ineficácia e o direito sobre o bem volta ao estado antes do acto de dação em cumprimento.
16) A executada neste processo intentou uma acção declaratória contra a C Limited em Novembro de 2020, pedindo a declaração de ineficácia e nulidade ou anulabilidade do acto de dação em cumprimento, bem como o cancelamento do respectivo registo. Daí verifica-se que a executada também entende que o bem em causa é pertencente a ela.
17) Em direito material, a nulidade e ineficácia não dependem de uma sentença judicial prévia.
18) Portanto, a nulidade ou ineficácia da dação em cumprimento não deve impedir o recorrente de pedir a penhora do bem em causa.
19) Além disso, surgiram três registos de penhora após o registo da dação em cumprimento.
20) Nos termos do artº 86º, nº 2, al. a) do Código do Registo Predial, são ainda feitas provisoriamente por natureza as inscrições de penhora se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado ou requerido.
21) E o artº 106º, nº 1 do mesmo Código também refere que “havendo registo provisório de arresto, penhora ou apreensão de bens inscritos a favor de pessoa diversa do executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou o direito lhe pertence.”
22) Portanto, a lei não proíbe a possibilidade para o recorrente requerer a penhora.
23) Nesta conformidade, deve deferir o pedido do recorrente de penhorar o direito resultante da concessão por arrendamento a fim de reclamar o crédito no processo em que a penhora é mais antiga.
Notificado o Ministério Público em representação da Executada para contra-alegar este silenciou.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos
a) Da certidão do Registo Predial junta aos autos consta que relativamente ao prédio descrito naquela Conservatória sob o nº 21366, pela apresentação nº 142 de 27.10.2015 foi inscrita a aquisição do direito à concessão por arrendamento a favor de C Limited, por dação em cumprimento - cf. fls. 25 -.
2. Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida.
«Nos termos do artº 704º/nºs 1 e 2 do CPC, só se pode penhorar os bens do devedor para quitar a dívida. Podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele.
Agora, tal como disse o exequente, os direitos a penhorar passaram a ser os bens da C por dação em cumprimento em Outubro de 2015. Como a C não é executada neste processo, juridicamente não se vê a possibilidade de penhorar os bens dela.
No que diz respeito aos vários registos de penhora indicados pelo exequente, os quais, na realidade, foram efectuados antes do acto de dação em cumprimento. De acordo com as disposições dos artº 809º do CC, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição dos bens penhorados. Isso quer dizer que, juridicamente, é possível que o acto de disposição venha depois da penhora, mas, em princípio, a penhora não deve ocorrer após o acto de disposição.
Face ao exposto, decide-se indeferir o pedido da penhora do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21366, deferindo-se a restante medida de penhora requerida em fls. 228 dos autos.».
Vem o Recorrente sustentar que tem direito a pedir que o bem seja penhorado uma vez que sobre o mesmo já existem outras penhoras e uma vez penhorado o bem nesta execução pode o exequente ir reclamar o seu crédito nos termos do artº 764º nº 1 do CPC no processo em que a penhora tenha sido realizado em primeiro lugar, sendo que, quando o bem for vendido é vendido livre dos registos feitos posteriormente, neste caso a aquisição a favor do actual proprietário registado e nesse caso são pagos os credores reclamantes entre eles o agora Recorrente.
Não assiste razão alguma ao Recorrente.
Nos termos do artº 807º do C.Civ. o credor cuja obrigação não haja sido voluntariamente cumprida tem o direito de executar judicialmente o património do devedor exigindo judicialmente o respectivo cumprimento.
De acordo com o disposto no artº 808º do C.Civ. a execução apenas pode incidir sobre bens de terceiro quando:
- estejam vinculados à garantia do crédito;
- sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor que este haja procedentemente impugnado.
Ora, nada se invocando a respeito, nem o primeiro nem o segundo requisito previstos no artº 808º do C.Civ se verificam.
Por sua vez o que o artº 809º do C.Civ estabelece é que são ineficazes relativamente ao exequente os actos de disposição e oneração dos bens penhorados, o que sem sombra de dúvida se reporta às penhoras efectivamente realizadas antes do acto de disposição e ao exequente a favor de quem essas penhoras foram feitas.
E nunca como o Recorrente pretende a todas as penhoras que venham a ser feitas posteriormente ao registo do acto de disposição em total violação das regras da prioridade do registo.
O que o Recorrente pretende fazer crer que tem direito é que pode beneficiar das penhoras sobre o bem feitas a requerimento e em benefício de outros credores.
A preferência resultante da penhora ou de qualquer outra garantia goza da prioridade do registo nos termos do artº 812º do C.Civ..
Logo, ainda que fosse realizada a penhora a requerimento do Recorrente a aquisição anterior por terceiros do bem que queria penhorar nunca lhe seria ineficaz porque goza da prioridade do registo, o que, face ao disposto no artº 814º do C.Civ. significa que caso o bem venha a ser vendido em execução depois de pagos os credores que gozam de garantia, arresto ou penhora anteriores ao registo da aquisição o remanescente do produto da venda reverte para o adquirente do bem que havia registado o seu direito após aquela – a aquisição - e antes do aqui Recorrente, pelo que, este – o Recorrente - nunca teria nada a receber.
Sendo certo que cabia ao Exequente e agora Recorrente conhecer a falta de fundamento dos argumentos por si invocados, bem andou o tribunal “a quo” ao indeferir a requerida penhora do bem, nada mais havendo a acrescentar dada a simplicidade da questão.
III. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 9 de Março de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)
776/2022 CÍVEL 1