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Processo n.º 792/2022
(Autos de recurso cível)

Data: 9/Março/2022

Recorrente:
- A Holdings Limited

Recorridos:
- Agência de Viagens e de Turismo B, Limitada (credora reclamante)
- C (exequente)
- Empresa Hoteleira de D, Limitada (executada)
- Outros


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pela exequente C contra a executada a Empresa Hoteleira de D, Limitada, foi penhorado, entre outros, um bem imóvel.
A dada altura, veio a sociedade A Holdings Limited (sociedade comercial, doravante designada por “recorrente”) alegar que foi celebrado um contrato de cessão de créditos com a exequente, em relação a todos os créditos e direitos por ela reclamados nos autos de execução, requerendo a habilitação processual de cessionário na posição da exequente.
Mas o pedido foi indeferido pelo juiz de primeira instância.
Inconformada, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “a. A Recorrente considera que foram violadas normas jurídicas e foram incorrectamente julgados os pressupostos de factos que fundamentam o indeferimento da habilitação.
     b. Em 19 de Maio de 2010, foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre a Exequente nos autos do Proc. n.º CV3-12-0108-CEO, e a Recorrente, em relação aos todos os créditos e direitos reclamados nestes autos, incluindo a penhora registada na Conservatória do Registo Predial, tendo a Recorrente pago à cedente, na mesma data o preço estipulado para a cessão.
     c. A cessão de créditos e a consequente habilitação judicial se tornou imperiosa para a Recorrente, uma vez que a inscrição n.º ... da penhora do imóvel a favor da Exequente, na Conservatória do Registo Predial, é de 16/04/2013, ou seja é anterior ao registo da hipoteca constituída a seu favor para garantia do empréstimo que concedeu à Executada e da consequente dação em cumprimento daquela dívida, além de que existem outros credores da executada.
     d. Em 21 de Maio de 2020, a Exequente requereu a fls. 860 dos autos principais o levantamento da penhora a seu favor, por lhe ter sido pago o valor do seu crédito por terceiro.
     e. Foi elaborada a conta a fls. 873 daqueles autos e foram pagas as custas do processo pela Executada em 09/09/2020, a fls. 880.
     f. Mais tarde, foi requerida pela ora Recorrente a fls. 2 em 28/07/2020, a habilitação processual da cessionário na posição da Exequente, tendo sido junta a pública-forma do contrato de cessão de créditos em Macau.
     g. Subsequentemente foi notificada do despacho a fls. 12 de 21/09/2020 neste Apenso, que refere que a instância executiva foi extinta pelo pagamento e que no acordo resulta claro que não é intenção da Exequente prosseguir a execução, pelo contrário, dele resulta a obrigação da actual Exequente desistir da execução.
     h. O Tribunal a quo só declarou a extinção da instância da execução a fls. 881 dos autos principais no mesmo dia 21/09/2020, tendo tomdao conhecimento, desde 28/07/2020, de que o “pagamento do seu crédito por terceiro” referido pela exequente respeitava (não a um qualquer pagamento por conta da dívida do executado) ao preço da cessão do crédito em causa.
     i. Notificada do despacho a fls. 12, a Recorrente veio esclarecer o Tribunal a fls. 14 de que a intenção da Exequente foi apenas a de cancelar a penhora em causa e não a de extinguir a instância, de desistir da execução, tanto mais que já cedera os seus créditos à cessionária, ora Recorrente – recebendo, em consequência, da cessionária o pagamento devido pela cessão de créditos.
     j. A mesma explicação foi prestada pela Exequente-Cedente, no requerimento de 20 de Novembro de 2020 a fls. 1090-1091 dos autos do Apenso B.
     k. O Tribunal a quo indeferiu a requerida habilitação com o fundamento de que a quantia exequenda foi paga, não interessando por quem e as custas foram pagas pelo executado, impunha-se a extinção da instância.
     l. De facto, não foi requerida pela Exequente a extinção da instância da execução, mas apenas o levantamento da penhora registada sobre o imóvel, e antes de declarar a extinção da instância da execução, o Tribunal a quo tomou conhecimento da existência e do conteúdo do contrato de cessão de créditos e da intenção de prosseguir a execução como exequente por parte da Recorrente.
     m. A declaração feita de que “o crédito foi pago por terceiro” no requerimento de levantamento da penhora do imóvel deve ser conjugada com o contrato de cessão de créditos e com a requerida habilitação judicial pela Recorrente, documentos que não permitem, numa leitura conjugada, concluir que a Exequente pretendia desistir da execução.
     n. Caso subsistissem dúvidas quanto à intenção da Exequente e alcance da cessão de créditos celebrado, o Tribunal devia, de acordo com os princípios do dispositivo e da cooperação, notificar a(s) parte(s) para se pronunciarem e fornecerem os esclarecimentos sobre a dita declaração da Exequente e requerimento da cessionária, ora Recorrente.
     o. Resulta claro na cláusula 6ª do contrato de cessão de créditos, que a posição da exequente é transmitida à cessionária, e que, quando seja necessário, a cedente se compromete a cooperar com a cessionária para o levantamento da penhora sobre o imóvel, ou para desistir a acção ou para o incidente de habilitação.
     p. A cedente é obrigada a colaborar com a Recorrente, e é esta que controla como é que vai exercer os direitos da exequente na execução; a desistência da acção só consta do contrato como mera possibilidade e não como intenção da cedente e da cessionária em não prosseguirem a execução.
     q. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 810º do CPC, o executado ou qualquer pessoa, pode obter a extinção da execução pagando as custas e a dívida exequenda, e quem pretenda usar desta faculdade deve solicitar guias para o depósito da parte líquida ou já liquidada do crédito do exequente e feito o depósito, deve requerer ao juiz a liquidação de toda a responsabilidade do executado.
     r. Nada do previsto nesse preceito sucedeu, nem correram, nos presentes autos, os restantes trâmites processuais da extinção da execução pelo pagamento voluntário.
     s. Foi o executado que pagou as custas e não a Recorrente (que apenas pagou o preço devido pela cessão de créditos), como tal é errado presumir que foi usada a faculdade de extinguir a execução pelo pagamento voluntário, por força do n.º 1 do artigo 810º do CPC.
     t. Por outro lado, mesmo que se entendesse que existiu liquidação da responsabilidade do executado, por o Tribunal ter remetido os autos à conta e o executado ter pago as custas, a liquidação não foi notificada aos credores interessados, como determina o n.º 3 do artigo 811º do CPC.
     u. Assim, a execução não se extinguiu e que o pagamento feito respeito ao preço da cessão, pois o requerimento da Exequente para levantamento da penhora deve ser conjugado com o requerimento da Recorrente para a habilitação judicial, apresentado nos autos dois meses antes da decisão que declarou extinta a instância.
     v. Certo é que a Recorrente requereu a habilitação processual do cessionário na posição da Exequente, em 28/07/2020, antes de ter sido pagas as custas e declarada extinta a execução.
     w. Por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 306º do CPC, a habilitação do cessionário do direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz-se com a junção do título da cessão ao requerimento de habilitação, que é autuado por apenso, e que é notificada a parte contrária para contestar.
     x. O Tribunal a quo, em vez de deferir a requerida habilitação ou e de notificar a Executada para contestar, emitiu em 09/09/2020 uma guia para a Executada pagar as custas, e veio a fundamentar mais tarde o indeferimento da habilitação por a Executada ter tido pago as custas e foi extinta a execução.
     y. Por força do princípio da garantia do acesso aos tribunais, a habilitação ora requerida deve ser admitida, e a instância da execução em que a cessionária pretende entrar e exercer os seus direitos não deve ser declarada extinta ou reaberta com um novo reclamante a assumir a posição processual de exequente, enquanto está pendente a habilitação, sob pena de a cessionária dos créditos em litígio, ora Recorrente, ser impedida de exercer os seus direitos.
     z. Como se vê no apenso da reclamação de créditos, a mandatária da Exequente foi notificada do despacho a fls. 1083-1084, em 13/11/2020, após a dita declaração da extinção, o que, manifestamente, mostra que existe interesse e utilidade para a Recorrente em seguir a causa na posição da exequente.
     aa. Pelos expostos o Tribunal a quo, na sua decisão em crise, de fls. 16, violou os artigos 306º, 810º e 811º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
     Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, bem como, nessa conformidade, admitir a habilitação requerida pela Recorrente e devendo ser anulados os actos posteriormente praticados ao requerimento da habilitação.”
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Ao recurso responderam os recorridos C e E, nos seguintes termos conclusivos:
     “1. 被申請人認同申請人上訴陳述書中的理由。
     2. 請求執行人,現被申請人C僅請求上訴所針對的法院解除於執行案中針對物業作出的查封,沒有聲請宣告執行程序終止,更沒有捨棄執行程序。
     3. 被申請人C提及有關債權因第三人作出支付而獲得清償是與申請人簽署的債權轉讓協議,而支付的是該債權轉讓協議的金,若當時上訴所針對的法院存疑,被申請人C必定會作出澄清。
     4. 申請人有利益以請求執行人的訴訟地位繼續執行案及相關附案,正如申請人C在要求清償債權案卷宗編號CV3-12-0108-CEO-B中,收到通知後發表意見。及
     5. 上訴所針對的法院理應確認其資格,以便有關訴訟在其參與下繼續進行。
     綜上所述,請求尊敬的法官 閣下,裁定上訴理由成立,以產生一切法律效力,並確認申請人的資格,以便執行案卷宗編號CV3-12-0108-CEO及相關附案在其參與下繼續進行。”
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Também respondeu ao recurso a credora reclamante/recorrida Agência de Viagens e de Turismo B, Limitada, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
     “i. 請求執行人在書面聲請書中聲明其債權已經獲得清償,因而向法院聲請解除其針對標示編號為...的租賃批地之權利的查封。法官收到該聲請書後,有權決定停止該執行程序,並同時作出將卷宗移送製作賬目的批示。
     ii. 本案主案卷宗的請求執行人C於2020年5月21日在主案卷宗第860頁的聲請書中聲明其債權已經獲得清償,因而聲請解除其針對標示編號為...的租賃批地之權利的查封,但卻沒有告知法庭任何關於其債權已轉讓予第三人的資訊,更沒有提供任何債權轉讓文件,而僅聲明其債權已因第三人作出支付而獲得清償。
     iii. 按照《民事訴訟法典》第810條第4款的規定,“如聲請人附具請求執行人已聲明受領之證明文件或免除債務或放棄執行之證明文件,又或附具會引致執行停止之其他憑證,則無需預先寄存,而法官須立即命令中止執行程序及就被執行人之責任作結算”,法官閣下只能作出停止執行程序及對被執行人之責任作結算的決定。
     iv. 原審法院法官閣下於2020年6月5日依據《民事訴訟法典》第810條第4款作出了載於主案卷宗第862頁停止該執行程序並將卷宗移送製作賬目的批示,係屬對法律的正確適用,而非上訴人在上訴陳述中所指的對《民事訴訟法典》第810條1款進行了不正確的解讀。
     v. 實際上,透過請求執行人提交的“其債權已經獲得清償”的聲明,無法得出請求執行人並無停止執行程序的意願,更無法得出請求執行人提交該聲明是為了上訴人能夠提出確認繼受人資格附案程序的結論。相反,卻能得出請求執行人在本案中已無訴之利益的結論。
     vi. 而且,一旦請求執行人放棄對被執行人名下的唯一不動產的查封,無異於其放棄透過執行程序受償的事實可能性,申請取消查封登記實質上與放棄執行無異,請求執行人的該申請同樣屬於《民事訴訟法典》第810條第4款所規定的執行停止之情況。
     vii. 上訴人本應在請求執行人向法庭聲明債權已受償的同時,同步告知法院有關債權轉讓的事實,並同時向法院申請確認資格的附隨事項及指出其申請確認資格的正當性是由於作出了債權之轉讓,但上訴人並未向法院提出相關聲請,而是在請求執行人向法院聲明其債權已受清償的兩個月之後,在法官已作出批示停止執行程序及就被執行人之訴訟費用責任已進行結算之後,且該批示之效力已經轉為確定之後,才向法院申請確認資格的附隨事項。
     viii. 上訴人忽視了在其提交確認資格的申請之前,執行程序已經出現了《民事訴訟法典》第229條e)項的嗣後出現進行訴訟屬無用之情況。
     ix. 在上訴人和請求執行人的轉讓協議對被執行人產生效力之前,請求執行人的執行程序便已經停止了,出現了訴訟程序嗣後無用的情況。
     x. 儘管上訴人和請求執行人一再強調並沒有捨棄執行程序的意願,但事實卻是,上訴人和請求執行人在二者之間簽署債權轉讓協議之後,卻並沒有對身為債務人的被執行人作出應有的通知。
     xi. 根據澳門《民法典》第577條第1款的規定,「就債權之讓與對債務人作出通知,即使非透過法院作出,或有關讓與一事已為債務人接受時,讓與即對債務人產生效力。」
     xii. 而上訴人和請求執行人卻並沒有這樣做,沒有對被執行人作出通知,為此,該債權轉讓協議對被執行人而言,並沒有產生效力。
     xiii. 亦即,無論是在實體法律關係中還是在該執行程序中,對被執行人享有債權的一直都是請求執行人,也只有請求執行人在該執行程序中具有訴之利益。
     xiv. 因此,當請求執行人向法院聲明其希望透過本執行程序而獲得清償的債權已經獲得滿足的時候,事實上出現了訴訟嗣後無用的情況,也就是澳門《民事訴訟法典》第229條e)項所指的情況,訴訟已經基於嗣後出現進行訴訟無用之情況而消滅。
     xv. 據此,在請求執行人這個訴訟主體本身在執行程序中已經不具有訴之利益的前提下,亦無法見到可對該已不存在的訴訟主體正當性的訴訟當事人地位申請繼受資格的理由。
     xvi. 原審法官已於2020年6月5日依據《民事訴訟法典》第810條4款作出了載於主案卷宗第862頁停止該執行程序並將卷宗移送製作賬目的批示,已經透過該批示確認請求執行人希望透過執行程序獲得清償的債權已經獲得滿足故而停止執行程序並進行結算,且該批示已在上訴人的繼受資格申請之前轉為確定,故請求執行人在該執行程序中已不存在需要透過訴訟程序獲得債務償還的訴之利益。
     xvii. 《民事訴訟法典》第813條所指的裁定執行程序停止的批示,是從訴訟程序角度而言,必須確保訴訟費用已獲繳納,而與執行程序本身需要滿足的債權無關,從該批示轉為確定之後,直至被執行人履行繳納執行程序訴訟費用義務,從而獲得法官裁定執行程序停止批示的期間,此期間處理的只是單純的訴訟費用的賬目和金額結算問題,並不影響在訴之利益已經因獲得滿足而出現訴訟程序嗣後無用的情況。
     綜上所述以及依賴法官閣下之高見,請求尊敬的法官閣下裁定上訴人的上訴理由不成立,維持原審法官的裁決。”
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Temos nos autos a seguinte situação:
- Na pendência dos autos de execução deduzidos pela exequente, esta formulou no dia 21 de Maio de 2020 junto do juiz do processo o seguinte: “Visto que o crédito foi pago por terceiro, requer-se a Vossa Ex.ª o deferimento do levantamento da penhora do imóvel…” – cfr. fls. 860 do processo principal
- Face ao requerimento da exequente, o juiz de primeira instância ordenou a sustação da execução com remessa dos autos à conta.
- No dia 28 de Julho de 2020, a recorrente apresentou o pedido de habilitação processual de cessionário na posição da exequente – cfr. fls. 2 a 8 dos presente apenso.
- Entretanto, foi o pedido indeferido pelo juiz do processo nos seguintes termos transcritos:
“Com o devido respeito, o que resulta declarado nos autos principais, pela exequente (fls.861), é que a quantia exequenda lhe foi paga (não interessando por quem).
Se foi paga, a sorte do processo da execução era, como foi, à conta, e, na sequência do que, pagas as custas (e foram, pela executada) impunha-se, como se proferia, despacho final de extinção da instância.
Se não houver qualquer pagamento, se o que houver foi transação onerosa (cessão de crédito) entre a requerente e a exequente, tendo esta, enquanto exequente, faltado à verdade com a predita declaração, é coisa que não afecta a extinção da execução.
Pelo exposto, indefiro a requerida habilitação.
Custas pela requerente.
Notifique.”

É esta a decisão recorrida.
A questão que se coloca é saber se, tendo sido ordenada a sustação da execução com remessa dos autos à conta, em virtude da declaração por parte da exequente do recebimento da dívida exequenda, ainda é possível admitir-se a habilitação processual de cessionário.
Vejamos.
Preceitua-se no artigo 810.º do CPC o seguinte:
“1. Em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa obter a extinção da execução, pagando as custas e a dívida exequenda.
2. Quem pretenda usar desta faculdade deve solicitar verbalmente, na secretaria, guias para depósito da parte líquida ou já liquidada do crédito do exequente, que não esteja solvida pelo produto da venda ou adjudicação de bens; feito o depósito, requer ao juiz a liquidação de toda a responsabilidade do executado.
3. Apresentado o requerimento e comprovado o depósito, a execução é suspensa, ordenando-se a liquidação requerida.
4. Quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, não há lugar ao depósito preliminar, ordenando-se logo a suspensão da execução e a liquidação da responsabilidade do executado.” – realçado e sublinhado nosso

Depois, prevê o artigo 811.º a liquidação da responsabilidade do executado:
“1. Se o requerimento for feito antes da venda ou adjudicação de bens, liquidam-se unicamente as custas e o que faltar do crédito do exequente.
2. Se já tiverem sido vendidos ou adjudicados bens, a liquidação tem de abranger também os créditos reclamados para serem pagos pelo produto desses bens, conforme a graduação e até onde o produto obtido chegar, salvo se o requerente exibir título extintivo de algum deles, que então não é compreendido; se ainda não estiver feita a graduação dos créditos reclamados que tenham de ser liquidados, a execução prossegue somente para verificação e graduação desses créditos e só depois se faz a liquidação.
3. A liquidação é notificada ao exequente, aos credores interessados, ao executado e ao requerente, se for pessoa diversa.
4. O requerente deposita o saldo que for liquidado, sob pena de ser condenado nas custas a que deu causa e de a execução prosseguir, não podendo tornar a suspender-se sem prévio depósito da quantia já liquidada, depois de deduzido o produto das vendas ou adjudicações feitas posteriormente e depois de deduzidos os créditos cuja extinção se prove por documento; feito este depósito, ordena-se nova liquidação do acrescido, observando-se o preceituado nos números anteriores.
5. Se o pagamento for efectuado por terceiro, este só fica sub-rogado nos direitos do exequente mostrando que os adquiriu nos termos da lei substantiva.” – realçado e sublinhado nosso

No caso dos autos, a exequente veio na pendência da acção executiva dizer ao tribunal que o seu crédito foi pago por terceiro, requerendo que fosse levantada a penhora incidida sobre o imóvel.
Face ao solicitado pela exequente, o juiz de primeira instância ordenou a sustação dos autos com remessa à conta.
Observa Galvão Telles1, quitação é “a declaração pela qual o credor declara achar-se a obrigação cumprida, considerando assim o devedor quite para com ele”.
Embora a exequente não tenha dito a que título recebeu aquela quantia e por quem foi paga, mas não deixa de ser uma quitação, a qual se traduz numa confissão com força probatória plena ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código Civil.
Depois de os autos serem remetidos à conta, e antes de a execução ser declarada extinta (que se operou em 21.9.2020), veio a recorrente requerer a habilitação de cessionário, alegando que foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre ela e a exequente, pedindo que seja habilitada para prosseguir a execução.
Tal pedido foi indeferido pelo tribunal recorrido.
Vejamos se tem razão.
Em boa verdade, em qualquer estado do processo executivo pode o executado ou um terceiro fazer cessar a execução mediante o pagamento das custas e da dívida exequenda.
Em termos de tramitação processual, uma vez apresentado o requerimento e a prova do depósito da quantia exequenda e das custas (prováveis), é ordenada a suspensão da execução para efeitos de liquidação da responsabilidade do executado.
E segue o mesmo procedimento quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente, como foi o caso.
Por outro lado, a lei prevê que quando o pagamento for pago por terceiro, este pode ficar sub-rogado nos direitos do exequente mostrando que os adquiriu nos termos da lei substantiva (artigo 811.º, n.º 5 do CPC).
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, “Se o remidor2 for um terceiro (isto é, não for o executado), aquele só fica sub-rogado nos direitos do exequente se os tiver adquirido segundo o regime da lei substantiva (artº 917.º, nº 5, correspondente ao artigo 811.º, n.º 5 do nosso Código), ou seja, a transmissão do crédito para o terceiro e a substituição do credor por este só opera se se verificarem as condições substantivas da sub-rogação. Isto pressupõe que, no âmbito da sub-rogação voluntária, o credor que recebe a prestação tenha expressamente sub-rogado o terceiro nos seus direitos até ao momento do cumprimento (artº 589º CC, correspondente ao artigo 583.º do CC de Macau)…”.
Isso quer dizer que, mesmo que a execução se encontre sustada com remessa dos autos à conta, face ao estatuído no n.º 5 do artigo 811.º do CPC, não está o interessado (ou seja, o terceiro pagante) impedido de deduzir o incidente de habilitação, sendo que, uma vez verificadas as condições substantivas da sub-rogação previstas na lei civil, esse terceiro passará a exercer na execução todas as faculdades atribuídas à exequente.3
No caso sub judice, a exequente veio declarar perante o tribunal recorrido que o crédito foi pago por terceiro (mas não disse por quem), enquanto a recorrente veio depois deduzir o incidente de habilitação de cessionário alegando que entre ela e a exequente houve um acordo de cessão de créditos.
Em boa verdade, o requerimento apresentado pela recorrente trouxe um problema que tem que ser resolvido, que é o seguinte: das duas uma, ou a quantia que a exequente confessou ter recebido do terceiro se destinava a saldar a dívida exequenda, ou entre a exequente e o terceiro tinha sido outorgado um contrato de cessão de créditos, sendo a quantia por ela recebida uma contrapartida pela cessão dos créditos.
Na primeira situação, o n.º 5 do artigo 811.º do CPC estipula que quando o pagamento for pago por terceiro, este pode ficar sub-rogado nos direitos do exequente mostrando que os adquiriu nos termos da lei substantiva.
Se for na segunda, haverá uma efectiva transmissão ou cessão de créditos para a recorrente, nos termos consentidos pelo artigo 571.º e seguintes do Código Civil.
Seja como for, é por meio de incidente de habilitação que se resolve qualquer uma dessas situações.
Pelo que, a nosso ver, não se vislumbra que a pretensão solicitada pela recorrente no incidente de habilitação de cessionário seja evidentemente inviável. Para já devendo o tribunal indagar o que aconteceu entre as partes, aquilo que elas pretendiam efectivamente, ordenando, sempre que entender relevante para esclarecer quaisquer dúvidas, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, sobre os factos de que lhe é lícito conhecer, por decorrência do princípio do inquisitório consagrado no n.º 3 do artigo 6.º do CPC.
Nestes termos, com todo o respeito por diferente opinião, somos a entender que o pedido de habilitação deduzido pela recorrente não é manifestamente inviável, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos processuais até final, se outra razão a tal não obstar.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela recorrente A Holdings Limited e, em consequência, revoga a decisão recorrida, determinando o prosseguimento do incidente de habilitação, nos seus ulteriores termos, se outra razão a tal não obstar.
Custas, a final, pela parte vencida.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 9 de Março de 2023
   Tong Hio Fong
   (Relator)
   Rui Pereira Ribeiro
   (Primeiro Juiz Adjunto)
   Fong Man Chong
   (Segundo Juiz Adjunto)
1 Direito das Obrigações, 5.ª edição, pág. 263
2 Tradicionalmente ao pagamento voluntário chama-se remissão da execução, sendo remidor aquele que efectua o pagamento da dívida exequenda
3 É este o entendimento perfilhado por Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998, pág. 406
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Recurso Cível 792/2022 Página 17