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Processo n.º 42/2023
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 09 de Março de 2023

ASSUNTOS:

- Fundamentos de embargos à execução que já tinham sido objecto da decisão do tribunal de recurso

SUMÁRIO:

    Quando, no recurso interposto pela Exequente para o TSI contra a decisão proferida no processo executivo (principal), foi invocado que o acordo particular é um título executivo, tese esta que foi acolhida pelo TSI, num segundo momento, em sede de embargos à execução, o Executado voltou a invocar as cláusulas constantes do acordo para tentar vingar a tese de que o acordo não tem força executiva, circunstâncias estas que determinam o fracasso dos embargos, já que tal questão já tinha sido decidida anteriormente por este TSI e formou caso julgado (artºs 575º e 576º do CPC).
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 42/2023
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 09 de Março de 2023

Recorrente : A

Recorrida : B

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 02/06/2022, veio, em 20/10/2022, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 81 a 109, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls. 40 a 41 verso, proferido em 2 de Junho de 2022, através do qual foram rejeitados os embargos à execução deduzidos pelo Recorrente, com fundamento no disposto no artigo 700º, nº 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil (CPC).
     II. Decidiu o M. Juiz a quo que o fundamento da oposição do Recorrente não se ajustava ao disposto nos artigos 697º a 699º do CPC e, bem assim, que a mesma é manifestamente improcedente.
     III. A rejeição dos embargos pelo Tribunal a quo assenta, essencialmente, na circunstância dos fundamentos apresentados pelo Embargante, ora Recorrente, terem já sido apreciados e analisados pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), proferido em 24/02/2022 no proc. nº 986/2021, na sequência do recurso apresentado pela Exequente, aqui Recorrida, do despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial de execução.
     IV. De acordo com a decisão ora recorrida, como o Acórdão do TSI decidiu que o documento que sustenta a execução reúne os pressupostos previstos no artigo 677º, alínea c) do CPC, o Tribunal a quo concluiu que, sendo os fundamentos dos embargos idênticos aos já apreciados pelo TSI, no caso, a inexequibilidade do título e a inexigibilidade da obrigação exequenda, esses fundamentos são manifestamente improcedentes, rejeitando por isso os embargos ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 700º do CPC.
     V. Salvo melhor opinião, quando a lei admite o indeferimento liminar da pretensão apresentada por uma das partes em litígio, exige-se que a sua improcedência seja manifesta, ou seja, indiscutível.
     VI. A improcedência da pretensão será manifesta ou evidente quando a factualidade alegada não admita uma outra solução jurídica.
     VII. Nos presentes Autos discute-se a interpretação das cláusulas do acordo celebrado entre o Recorrente e a Recorrida, sendo também essa uma das questões suscitadas nos embargos à execução.
     VIII. Pese embora o TSI tenha decidido que esse documento era susceptível de ser qualificado como título executivo, questão que foi submetida à análise do TSI pela Recorrida, o facto desta instância ter determinado o prosseguimento do processo executivo não conduz, necessariamente, à imediata, por manifesta, improcedência da oposição à execução deduzida pelo Recorrente com o fundamento invocado pelo Tribunal a quo.
     IX. E isto porque como o título executivo demonstra, tão somente, a probabilidade da certeza do direito de crédito invocado pelo exequente, a lei admite que o executado invoque, em oposição à execução, factos extintivos ou modificativos da obrigação susceptíveis de conduzir à incerteza do direito de crédito consubstanciado no título (cfr. artigo 697º, alínea g) do CPC), defendendo-se assim amplamente da pretensão do exequente, arguindo quer questões de facto quer de direito (cfr. artigo 699º, nº 1 do CPC).
     X. Por essa razão, deveria o Tribunal a quo ter admitido os embargos com vista à apreciação dos fundamentos jurídicos invocados pelo Recorrente, principalmente os que se referem à interpretação da declaração das partes vertida no documento que sustenta a execução.
     XI. E isto porque a possibilidade das várias instâncias jurisdicionais serem livres de optar pela solução jurídica que considerem adequada ao caso, o Acórdão do TSI invocado para a rejeição liminar dos embargos não constitui o único fundamento, ou o fundamento suficiente, para se concluir pela manifesta improcedência da oposição à execução deduzida pelo Recorrente.
     XII. Razão pela qual concluímos que o Tribunal a quo, não tendo apreciado os fundamentos jurídicos invocados pelo Recorrente nos embargos deduzidos e, eventualmente, decidir de acordo com a solução jurídica adequada ao caso, incorre numa errada interpretação e aplicação da lei.
     XIII. Com efeito, e como resulta dos Autos, foi celebrado entre o Recorrente, A, enquanto 1º outorgante, e a Embargada, ora Recorrida, B, enquanto 2ª outorgante, e, C, enquanto 3º outorgante, em 25 de Junho de 2019, um Acordo, sendo este o documento que sustenta a acção executiva intentada pela Recorrida contra o Recorrente.
     XIV. Esse Acordo foi celebrado pelas razões que se encontram expressamente enunciadas nas cláusulas 2ª, nºs 1 e 2, e 3ª, nº 1.
     XV. Para que um documento particular possa ser qualificado como título executivo, aquele deve formalizar a constituição de uma obrigação, i.e., (i) ser fonte de um direito de crédito ou que (ii) nele se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída, como é o caso do reconhecimento de dívida ou da confissão da realidade de factos constitutivos de obrigações.
     XVI. Sucede que do documento em causa não se extrai qualquer constituição ou reconhecimento de dívida por parte do Recorrente, tal como previsto no n.º 1 do artigo 452º do Código Civil (CC}.
     XVII. O que resulta do Acordo é que o Recorrente prometeu pagar à Recorrida o montante de HKD 700,000.00 que D alegadamente lhe devia, a título de capital, nos termos da cláusula 3ª, nº 1 desse acordo, sendo que o pagamento dessa quantia ficou dependente da verificação de diversas condições.
     XVIII. Condições que ficaram consignadas nas obrigações estabelecidas para ambas as partes (Embargante/Recorrente e Embargada/Recorrida), numa relação de correspectividade e interdependência, sendo por isso o mesmo acordo um contrato bilateral ou sinalagmático, e não uma simples declaração unilateral (cfr. artigo 452º, nº 1 do CC).
     XIX. Com efeito, no que se refere às obrigações do Recorrente, ficou acordado entre ambas as partes que:
     (i) O Recorrente prometeu pagar à Recorrida o montante de HKD 700,000,000.00 que D lhe devia, a título de capital (Cláusula 3ª, nº 1, 2ª parte)
     (ii) O Recorrente comprometeu-se a colocar de imediato no mercado a fracção autónoma "AR/C", melhor identificada nos autos principais, com vista à sua venda a terceiro (Cláusula 3ª, nº 2:);
     (iii) O preço entregue pelo comprador ao Recorrente pela aquisição da fracção "AR/C" destinava-se, em primeiro lugar, ao pagamento total e integral do empréstimo contraído por aquele junto do Banco X S.A. e, das despesas de distrate da respectiva hipoteca voluntária registada (Cláusula 3ª, nº 3) sendo o remanescente do referido preço seria entregue à Recorrida, no prazo de 90 dias a contar da data da celebração da respectiva escritura pública de compra e venda, para os efeitos previstos no n.º 1 da cláusula 3ª (Cláusula 3ª, nº 4);
     (iv) A escritura pública de compra e venda da fracção "AR/C" deveria ser celebrada no prazo de 1 ano a contar da outorga do Acordo, sendo o preço de venda desse imóvel fixado exclusivamente pelo Recorrente (Cláusula 3ª, nº 6);
     (v) O prazo para a celebração da escritura pública poderia ser estendido por mais 1 ano, caso de não surgisse nenhum comprador que aceitasse o valor fixado pelo Recorrente (Cláusula 3ª nº 7);
     (vi) Se o preço de venda da fracção "AR/C, depois de liquidado o empréstimo bancário ao BXX e demais despesas referidas na cláusula 3ª, nº 3, fosse insuficiente para cobrir o valor de HKD 700,000.00, o Recorrente comprometeu-se a pagar a diferença a favor da Recorrida, no prazo de 1 ano a contar do pagamento a que se refere o n.º 4 da mesma cláusula (Cláusula 3ª, nº 8);
     (vii) O Recorrente aceitou e reconheceu a validade do Acordo, os direitos e as obrigações do mesmo e a não colocar em causa a respectiva validade e reconheceu e conferiu a qualidade de título executivo ao Acordo, em caso de violação do mesmo pela Recorrida (Cláusula 7ª).
     XX. Por sua vez, no que se refere às obrigações da Recorrida, ficou acordado entre ambas as partes o seguinte:
     (i) A Recorrida transferia para o Recorrente todos os créditos que detivesse sobre a devedora, D, nos termos e para os efeitos do artigo 583º do Código Civil, ficando o Recorrente sub-rogado em todos os direitos, privilégios e garantias da Recorrida em relação à dívida contra a referida devedora, logo que o Recorrente lhe pagasse o valor de HKD 700,000.00 (Cláusula 5ª);
     (ii) A Recorrida intentava, logo após a celebração do acordo, procedimentos judiciais contra a devedora D, e outras acções judiciais contra os adquirentes de imóveis da mesma devedora, para garantia e cobrança dos seus créditos (Cláusula 6ª, 1ª parte):
     (iii) A Recorrida entregava ao Recorrente todas as quantias que recebesse em resultado desses processos judiciais, logo que efectivada a sub-rogação dos seus direitos ao Embargante nos termos da cláusula 4ª do Acordo (Cláusula 6ª (2ª parte);
     (iv) A Recorrida aceitou e reconheceu a validade do Acordo, os direitos e as obrigações do mesmo e a não colocar em causa a respectiva validade e reconheceu e conferiu a qualidade de título executivo ao Acordo, em caso de violação do mesmo pelo Recorrente (Cláusula 7ª).
     XXI. Foi com base neste Acordo que a Recorrida instaurou a acção executiva contra o aqui Recorrente e do qual resulta que as partes estabeleceram livremente obrigações mútuas, a saber, (a) o Recorrente prometeu pagar à Recorrida, com o produto da venda de uma fracção, a quantia que D lhe devia, e, por sua vez, (b) a Recorrida obrigou-se a agir no sentido de obter judicialmente o reconhecimento dos seus créditos contra a devedora D e outras acções judiciais contra os adquirentes de imóveis da mesma devedora, logo após a celebração do acordo (cfr. Cláusulas 3ª, nºs 1, 2 e 3, e 6ª).
     XXII. Sendo que quando o Recorrente entregasse a quantia à Recorrida esta transferiria para à primeiro os créditos obtidos contra a devedora D naqueles processos judiciais (cfr. cláusulas 5ª e 6ª).
     XXIII. Donde, o Recorrente não assumiu a responsabilidade pela referida dívida de forma a que passasse a assumir a posição de devedor, não reconhecendo que deve à Recorrida Embargado a mencionada quantia, limitando-se a celebrar uma promessa de pagamento da mencionada quantia, na forma e prazos acima referidos, devendo por sua vez a Recorrida interpor as referidas acções judiciais, para garantia e cobrança dos seus créditos, sendo que os valores obtidos nessas acções deviam ser devolvidos ao Recorrente, efectivada que fosse a sub-rogação nos termos do disposto no artigo 583º do CC prevista na cláusula 5ª do referido acordo.
     XXIV. O acordo não é, por isso, um reconhecimento de dívida nem uma transmissão de dívida, para os efeitos previstos, respectivamente, no 452º, nº 1 e 590º, alínea b), ambos do CC.
     XXV. Primeiro, porque a declaração do Recorrente não é unilateral, porquanto nela intervieram ainda a Recorrida e um terceiro;
     XXVI. E, em segundo lugar, porque a declaração de promessa de pagamento da referida quantia apenas seria válida se a prestação futura da Recorrida, estabelecida na cláusula 6ª do acordo, fosse satisfeita, obrigação esta de que depende a concretização do acordado entre ambas as partes na Cláusula 5ª do mesmo acordo.
     XXVII. Ou seja, se a Recorrida não interpusesse as referidas acções judiciais, de acordo com a obrigação estabelecida na Cláusula 6ª, a Cláusula 5ª não seria susceptível de ser executada, pois aquele não seria titular de nenhum crédito sobre a devedora D passível de ser transferido para o Recorrente.
     XXVIII. O que significa que o sentido da declaração do Recorrente apenas pode ser interpretado como dependendo da execução do mesmo acordo pela Recorrida na sua totalidade, nos exactos termos que constam das referidas cláusulas 6ª e 5ª do mesmo acordo.
     XXIX. Conclui-se, pelo exposto, que não estamos perante um reconhecimento ou confissão de dívida susceptível de se enquadrar no disposto no artigo 677º, alínea c) do CPC, mas sim perante um acordo em que as partes se obrigam a efectuar determinadas prestações, se e quando estiverem reunidas determinadas condições como as que acima se descreveram.
     XXX. Pelo exposto, o documento apresentado à execução pela Recorrida não traduz nem a constituição, nem o reconhecimento imediato de qualquer obrigação pecuniária, na medida em que a execução do acordo pelo Recorrente encontrava-se sujeita a determinados circunstancialismos causais, razão pela qual não pode servir como título executivo.
     XXXI. Acresce que, desde a assinatura do Acordo até à instauração da acção executiva ocorreram factos que fundamentam a não verificação do requisito da exigibilidade do crédito que a Recorrida reclama, nos termos previstos nos artigos 697º e 699º, ambos do CPC.
     XXXII. O artigo 677º, alínea c) do CPC confere exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo devedor que constituam ou reconheçam obrigações pecuniárias, devendo a obrigação exequenda ser certa, exigível e líquida (cfr. artigo 686º do CPC).
     XXXIII. Para a acção executiva ser adequada a assegurar a realização efectiva do alegado direito do credor (aqui Recorrida), a obrigação exequenda pressupõe que (a) a prestação se encontre qualitativamente determinada, ainda que esteja por liquidar ou por individualizar (obrigação certa) e que (b) a prestação se encontre vencida, que o seu vencimento dependa de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 766º, nº 1 do CC, ou de simples interpelação do devedor (obrigação exigível).
     XXXIV. A certeza e a exigibilidade são pressupostos de carácter material que condicionam a exequibilidade do direito, sem os quais não é legalmente admissível a satisfação coactiva da pretensão.
     XXXV. Quando se verifiquem os pressupostos previstos no artigo 766º, nº 2 do CC, no artigo 263º do CC, artigo 688º, nº 1 do CPC, e no artigo 422º do CC, a prestação não é exigível.
     XXXVI. Sendo que nos casos previstos nos artigos 263º do CC, 688º, nº 1 do CPC e 422º do CC, i.e., quando a obrigação é sujeita a condição suspensiva que ainda não se verificou ou quando o credor não satisfez a sua contraprestação, incumbe ao credor provar documentalmente que se verificou a condição ou que efectuou ou ofereceu a prestação (cfr. artigo 688º, nº 1 do CPC).
     XXXVII. Sendo que, no presente caso, em que nos encontramos perante obrigações sinalagmáticas, caracterizado pela existência de obrigações para ambas as partes, e, bem assim, pela correspectividade e interdependência entre elas, a lei equipara a falta de realização ou oferta da prestação a efectuar pelo exequente a uma situação de inexigibilidade.
     XXXVIII. Ora, no caso dos Autos, a relação entre as obrigações assumidas pelo Recorrente e pela Recorrida resulta claramente do texto do Acordo que sustentou a execução interposta pela segunda contra o primeiro.
     XXXIX. Com efeito, o Recorrente prometeu pagar à Recorrida a referida quantia, comprometendo-se a "colocar de imediato", ou seja, logo após a celebração do Acordo, no mercado imobiliário a fracção autónoma "AR/C".
     XL. A venda daquela fracção permitiria ao Recorrente obter a quantia que prometeu pagar à Recorrida, dívida que respeita à relação de mútuo existente entre esta e a devedora (D) e relativamente à qual o Recorrente declarou expressamente, desde logo, a sua qualidade de terceiro e estranho a tal relação contratual (cfr. Cláusula 3ª, nºs 1, 2 e 3 do Acordo).
     XLI. Por sua vez, a Recorrida comprometeu-se, "desde já", ou seja, logo após a celebração do acordo, intentar procedimentos judiciais contra a referida devedora e acções judiciais contra os adquirentes de imóveis da mesma para garantir a sua qualidade de credor, com vista à posterior sub-rogação dos seus direitos ao Embargante (cfr., respectivamente, Cláusulas 6ª e 5ª do Acordo).
     XLII. Ou seja, ficou acordado entre ambas as partes que os valores que fossem recebidos pela Recorrida no âmbito dessas acções judiciais deviam ser devolvidos ao Recorrente logo que efectivada a sub-rogação.
     XLIII. Razão pela qual ficou prevista a obrigação da Recorrida intentar, "desde já", ou seja, logo a seguir à assinatura do Acordo, os competentes procedimentos judiciais contra a devedora D, e, bem assim, das acções judiciais contra terceiros que, entretanto, tivessem adquirido imóveis que eram propriedade dessa devedora.
     XLIV. E isto porque à data da assinatura do Acordo, ou seja, em de 25 de Junho de 2019, o paradeiro da devedora D era já incerto e muitos dos imóveis de que a mesma era proprietária estavam a ser vendidos a terceiros por procuradores daquela devedora, havendo assim a suspeita que muitas dessas transacções eram simuladas e contra os interesses dos credores daquela devedora.
     XLV. Não restam, por isso, dúvidas de que a promessa de pagamento da mencionada quantia pelo Recorrente à Recorrida, na forma e prazos acima referidos, ficou dependente de várias obrigações a que esta se auto vinculou as quais não foram por esta cumpridas.
     XLVI. Na verdade, tendo o Recorrente assumido a obrigação de colocar no mercado imobiliário a fracção "AR/C" com vista à sua venda, a Recorrida também se obrigou, por sua vez, a intentar as referidas acções contra a devedora (D) e os adquirentes de imóveis desta, por forma a transferir para o Recorrente os seus créditos sobre aqueles, não cumprindo com a obrigação a que se comprometeu e não realizando, por isso, a condição.
     XLVII. De acordo com o disposto no artigo 263º do CC, "As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutivo.".
     XLVIII. Condição essa que se encontra expressamente prevista na Cláusula 6ª do Acordo, tendo ambas as partes acordado que a exigibilidade da obrigação do Recorrente ficava subordinada a um acontecimento futuro, i.e., a uma condição, que consistia em serem interpostas pela Recorrida as competentes acções judiciais contra a devedora e contra os adquirentes de imóveis que fossem propriedade desta, para garantia e cobrança dos seus créditos, para que os valores obtidos nessas acções fossem devolvidos ao Recorrente, efectivada que fosse a sub-rogação nos termos do disposto no artigo 583º do CC (cfr. Cláusulas 6ª e 5ª do Acordo).
     XLIX. Nesta sequência, não qualificar a declaração da Recorrida perante o Recorrente constante da Cláusula 6ª do Acordo como efectuada a título de condição, equivale a dizer que nenhum sentido útil e aceitável pode ser reconhecido e atribuído a essa cláusula.
     L. Considerando o disposto nos artigos 228º e 230º, ambos do CC, atendendo ao teor da Cláusula 6ª do Acordo e, em especial, que nessa cláusula ficou escrito expressamente que a Recorrente declara " ... desde já ... ", ou seja, imediatamente após a celebração do acordo, que vai "intentar procedimentos judicias contra a devedora ... e, bem assim, outra acções judiciais contra os adquirentes de imóveis da mesma devedora para garantia e cobrança dos seus créditos ... ", ficando assim obrigada a entregar ao Recorrente todas as quantias que receber em resultado desses mesmos processos judiciais logo que efectivada a sub-rogação dos seus direitos pelo Recorrente (de acordo com a obrigação assumida através da Cláusula 5ª), conclui-se existir uma condição.
     LI. Na verdade, se nos encontrássemos perante uma mera confissão de dívida, as cláusulas 5ª e 6ª não fariam qualquer sentido e seriam destituídas de efeito útil, porquanto ao Recorrente bastava declarar-se devedor daquela quantia, ficando obrigado a entregar o correspondente montante à Recorrida sem que esta ficasse sujeita a qualquer obrigação.
     LII. Por isso, o sentido da declaração do Recorrente apenas pode ser interpretado como dependendo da execução do mesmo acordo pela Recorrida e respectivas obrigações assumidas por esta, nos exactos termos que constam das referidas cláusulas 5ª e 6ª do mesmo acordo.
     LIII. A promessa de pagamento da referida quantia consignada naquele Acordo não pode ser encarado como um mero "cheque em branco" a favor da Recorrida, porque se à data da assinatura do Acordo a vontade das partes fosse apenas prever que o Recorrente pagava à Recorrida o montante que a D devia a esta, bastava a mera confissão dessa dívida por parte daquele.
     LIV. Não teriam por isso ambas as Partes manifestado a vontade de fazer constar expressamente no Acordo uma cláusula que garantisse que a Recorrida teria de agir imediatamente junto dos Tribunais de Macau para assegurar que o seu crédito sobre a devedora D fosse judicialmente reconhecido e, dessa forma, o Recorrente poder ser ressarcido do valor que iria pagar à Recorrida.
     LV. Se o Acordo fosse uma mera confissão de dívida em que o Recorrente reconhece ser devedor à Recorrida da quantia de HKD 700,000.00, bastava às partes estabelecerem a forma e o prazo de pagamento dessa quantia a esta última, sendo completamente desnecessárias e destituídas de qualquer efeito útil as Cláusulas 5ª e 6ª desse acordo.
     LVI. A condição imposta à Recorrida visou garantir que a promessa de pagamento do Recorrente tinha como contrapartida a recuperação desse valor por parte deste, através da entrega pela primeira de todas as quantias que eventualmente recebesse em resultado daqueles processos judiciais, logo que efectivada a sub-rogação dos seus direitos nos termos previstos no mesmo Acordo, pelo que o Recorrente não estava obrigado a pagar a referida quantia enquanto a Recorrida não interpusesse as referidas acções judiciais.
     LVII. A obrigação do Recorrente encontrava-se dependente da referida condição suspensiva, pelo que à Recorrida incumbia alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que essa condição se tinha verificado, de acordo com o regime previsto no artigo 688º do CPC, o que esta não fez.
     LVIII. Como a obrigação do Recorrente estava sujeita à referida condição, que não foi cumprida pela Recorrida, sendo que esta última também não demonstrou a ocorrência do facto que condicionava a exigibilidade daquela obrigação, nos termos previstos no artigo 688º, nº 1 do CPC, a obrigação não é exigível.
     LIX. Consequentemente, a Recorrida/Embargada não dispõe de título executivo bastante que permita sustentar a execução instaurada contra o Recorrente/Embargante.
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    B, Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 114 a 120, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. 事實上,中級法院於2022年02月24日所作之第986/2021號合議庭裁判中已一一地審理了上訴人現所提出的異議理由(尤其是欠缺執行名義及有關協議第6條條款所謂的「條件」)。
     2. 該合議庭裁判已處於確定狀態,因此該合議庭裁判已具既判案之效力。
     3. 既然上訴人在異議起訴狀內沒有質疑涉案協議的真實性,那麼中級法院於2022年02月24日所作之第986/2021號合議庭裁判中以一般受意人的角度解釋協議內的條款及作出相關之決定似乎不存有任何的法定障礙。
     4. 既然中級法院已審理了上訴人所提出的異議問題,那麼中級法院就有關問題所作之裁決已在本案的訴訟當事人之間產生既判案的效力(見《民事訴訟法典》第417條之規定)。
     5. 因此,原審法院認為上訴人所提出的異議理由明顯屬不可能成立的決定顯然並無不妥之處,因為於本案中針對上訴人所提出的異議理由已有既判案效力之決定。
     6. 綜上所述,除對不同的見解給予應有的尊重外,上訴人此一上訴理由明顯是不成立的。
     7. 根據涉案協議的文義可見(尤其是協議第3條第1款),上訴人已透過其清晰的意思表示向被上訴人承諾將會向後者支付一筆港幣700,000.00元的款項。
     8. 協議第3條第2至6及第8款之約定實際上只是約定了被上訴人應如何履行其支付的方式及時間。
     9. 實際上,該等條款是不會影響到上訴人必須履行其支付義務。
     10. 所以,上訴人是絕對具有法定義務須向被上訴人支付相關之港幣700,000.00元。
     11. 因此,協議第3條第6及7款之期間過後,被上訴人可提起執行程序強制要求上訴人履行協議之約定,以便向其支付港幣700,000.00元之款項。
     12. 另需特別指出的是,於2021年09月份,上訴人已向第三人出售了協議所述的不動產獨立單位。但又如何?事實上,直到目前為止,上訴人依舊沒有履行支付之約定。
     13. 至於如何解讀協議第5及6條條款的問題,被上訴人並不認同協議第6條條款構成上訴人支付款項的前提條件;反之,第6條條款從合同的行文及架構而言其只是上訴人支付了相關約定金額之後的結果。
     14. 此外,要求被上訴人提訴此一行為亦絕非上訴人支付港幣700,000.00元之款項之對應給付;反之,僅是上訴人支付了港幣700,000.00元之款項後,被上訴人就有義務向上訴人交付所有因有可能提起的訴訟而收回的款項,皆因上訴人支付了約定款項後其便自動代位取得被上訴人針對D的債權。
     15. 因此,除對不同的見解給予應有的尊重外,協議第6條條並不構成一項條件,亦非上訴人支付涉案款項的對應給付。
     16. 綜上所述,此一部分的上訴理由應同樣地裁定為不成立。
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    Dos elementos constantes dos autos resultam provados os seguintes com interesse para a decisão da causa:
    - Em 29/06/2021 pela Exequente foi proposta acção excutiva contra o Recorrente/Embargante/Executado com base num acordo celebrado entre eles;
    - Por decisão do TJB datada de 8/7/2021 foi decidido que tal acordo não tem força executiva;
    - Contra tal decisão foi interposto o recurso para este TSI, tendo este decidido por acórdão de 24/2/2022 (Proc. nº 986/2021) que tal acordo pode ser título executivo, revogando a sentença da 1ª instância;
    - Seguidos os trâmites da execução, em 04/05/2022 pelo Executado foram deduzidos embargos à execução com os fundamentos constantes de fls. 21 a 36 dos autos;
    - Em 02/06/2022 pelo TJB foi proferida a decisão recorrida que julgou improcedentes os embargos.
     
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     
     異議人向本院提交載於卷宗第21至36頁之異議狀。
     在異議狀中,異議人主要指出作為執行名義之協議並不構成《民事訴訟法典》第677條第c)項規定所指之文件,包括:
     - 異議人沒有在上指協議對有關債務作出自認、又或設定或確認有關債務,提出有關支付取決於一系列條件,包括異議人需出售指定的不動產且被異議人亦須針對債務人D提起訴訟以擔保及收回有關已清償之款項,而被異議人既沒有在宣告原債務人D無償還能力之卷宗(見編號:CV1-19-0002-CFI卷宗)請求清償涉案債權,亦沒有針對原債務人提起訴訟以收回債款,主張協議不屬債務移轉而不具執行力;及
     - 協議具雙務性質且取決於被異議人針對原債務人D提起訴訟以收回債款向異議人返還,而非單純為異議人對原債務人之債務予以認諾,認為在上述條件尚未成就之前提下協議所指之債務屬不可要求。
     異議人同時表示協議所指之AR/C獨立單位已於2021年9月8日售出且出售款項已由大西洋銀行股份有限公司收取以償還異議人所擔保之債務。
     異議人提出反對執行之異議依據,與本法庭於主案卷第20至25頁背頁之批示初端駁回主案執行程序所主張之理據大致相同。然而,透過被異議人針對上指批示向中級法院提起之上訴,尊敬的中級法院法官裁定上訴理由成立並撤銷本法庭之上述批示(見主案卷第92至105頁),以下僅轉錄上述裁判所提出之分析:
     “... No caso vertente, foi celebrado entre a exequente e o executado um acordo, nos termos do qual o executado confessou ser devedor da quantia de HKD700.000,00 para com a exequente, quantia essa que tinha sido emprestada pela exequente a favor de uma pessoa chamada D, que se encontra actualmente em parte incerta.
     Mais acordaram a exequente e o executado que, uma vez efectuado o pagamento da referida quantia à exequente, esta transfere para o executado, por sub-rogação, todos os seus direitos que tem para com a D, nos termos do artigo 583.º do Código Civil.
     Não obstante o executado não ser o devedor do empréstimo concedido pela exequente, mas não deixa de ser verdade que aquele assumiu a obrigação de pagar a quantia de HKD700.000,00 à exequente, dentro do prazo máximo de dois anos a contar da outorga do referido acordo, mas decorrido o prazo não logrou o executado pagar à exequente o montante por si assumido.
     Face às considerações acima expostas, é bom de ver que o executado, ora recorrido, já reconheceu a existência de dívida para com a exequente, sendo assim, o acordo celebrado pelas partes pode servir como título executivo.
     Ademais, é fora de dúvida que a obrigação assumida pelo executado é uma obrigação pecuniária, face ao objecto mediato da prestação que é o pagamento da quantia de HKD700.000,00.
     Apesar de as partes terem estipulado no referido acordo que o executado, para pagamento da dívida, iria proceder à venda do seu bem imóvel, somos a entender que isso mais não seja do que uma forma de pagamento da dívida, e que não releva para efeito de qualificação como título executivo.
     Finalmente, ao contrário do defendido pelo recorrido, não se vislumbra, a nosso ver, que o reconhecimento da dívida pelo recorrido e a posterior sub-rogação deste nos direitos da recorrente encontrava-se dependente da instauração, por esta, de acções judiciais contra a devedora D e contra os adquirentes de imóveis desta.
     É verdade que a cláusula 6.ª do referido acordo foi consignado que a recorrente iria intentar procedimentos judiciais contra aquela primitiva devedora e adquirentes de imóveis desta, mas não se descortina do teor do mesmo acordo que a tal diligência seja condição prévia e necessária para o reconhecimento e pagamento da dívida em causa.
     Isto posto, por verificados estarem os pressupostos previstos da alínea c) do artigo 677.º do CPC, o documento em causa pode servir de fundamento à instauração da presente execução, devendo, assim, conceder-se provimento ao recurso...”
     由此可見,異議人提出反對執行之異議依據已在上述裁判作出審理及分析,因此,儘管異議人不認同上述裁判,異議人以相同理由提出涉案執行名義不具執行力且其所載之債務屬不可要求以反對執行之主張顯然不能成立。
     此外,異議人提出協議所指之AR/C獨立單位已出售之情況,亦不構成《民事訴訟法典》第697條及第699條第1款規定所指之異議依據。
     基於此,本法庭決定根據《民事訴訟法典》第700條第1款b)及c)項之規定,駁回異議人A提出之異議。
     訴訟費用由異議人承擔。
     *
     通知及採取必要措施。

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    Quid Juris?
    Ora, importa frisar que uma boa parte das questões levantadas pelo Recorrente já foi objecto da decisão do TSI (Proc. nº 986/2021, de 24/02/2022), tendo decidido que o acordo junto aos autos do processo de execução tem força executiva. Bem ou mal, tal decisão já formou caso julgado. Nos embargos, o Executado veio a rebater a mesma questão, o que é inútil, para além de não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 699º do CPC.
    Aqui, merece fazer distinção entre duas realidades diferentes: uma é por decisão deste TSI que o acordo particular tem força executiva, outra é saber se o Executado tem ou não razões bastantes para obstar à execução nos termos legalmente fixados, admitindo-se que o acordo é um título executivo.
    Atendendo às conclusões do Recurso do Recorrente, é pertinente deixar aqui algumas notas esclarecedoras:
    1) – Nas conclusões indicadas sob os nºs IX a XII, o Recorrente voltou a dizer que o acordo não tem força executiva, o que é inútil e contra a força do caso julgado decorrente do acórdão proferido no Proc. Nº 986/2021;
    2) – Nas conclusões de nºs XIII a XX, o Recorrente voltou a analisar as cláusulas do acordo, tendo concluído que o acordo não é um título executivo, mais uma vez, está a fazer “algo inútil”, porque pretendia tirar uma conclusão diversa da fixada por este TSI no processo acima citado;
    3) – O que o Recorrente devia fazer é invocar fundamentos para demonstrar que, apesar de o acordo ser título executivo, existem motivos que obstem à execução ou que modifiquem os termos da obrigação que o título define, por exemplo, sendo certo que o documento com força executiva certifica uma dívida no valor de 100 patacas, mas verdadeiramente a quantia em dívida é 50 patacas, e não volta a atacar a natureza jurídica do documento em causa que é um título executivo reconhecidamente.
    4) – Os argumentos invocados nos embargos são ambíguos, não distinguem entre os factos e o Direito.
    5) – Nesta parte, entendemos que o Tribunal recorrido bem andou ao julgar improcedentes os embargos deduzidos pelo Executado/Recorrente.
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    Uma nota final: poderia discutir-se se a Exequente devia ou não reclamar o seu crédito no processo de insolvência (Proc. nº CV1-19-0002-CFI) em que foi declarada insolvente a devedora D para, que, depois, o Executado, uma vez que cumprisse a sua promessa de pagar a dívida, fosse substituir a reclamante no referido processo de insolvência. Mas como esta matéria não foi levada às conclusões do recurso, logo ficamos impedidos de sobre ela pronunciarmos por força do disposto no artigo 598º do CPC.
    Pelo expendido, é de negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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    Síntese conclusiva:
    Quando, no recurso interposto pela Exequente para o TSI contra a decisão proferida no processo executivo (principal), foi invocado que o acordo particular é um título executivo, tese esta que foi acolhida pelo TSI, num segundo momento, em sede de embargos à execução, o Executado voltou a invocar as cláusulas constantes do acordo para tentar vingar a tese de que o acordo não tem força executiva, circunstâncias estas que determinam o fracasso dos embargos, já que tal questão já tinha sido decidida anteriormente por este TSI e formou caso julgado (artºs 575º e 576º do CPC).
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de tudo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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    Custas pelo Recorrente nesta instância.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 09 de Março de 2023.
   Fong Man Chong
   (Relator)
   Ho Wai Neng
   (Primeiro Juiz Adjunto)
   Tong Hio Fong
(Segundo Juiz Adjunto)




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