Processo n.º 29/2023
(Autos de recurso laboral)
Data: 16/Março/2023
Recorrente:
- YYY Resorts, S.A. (ré)
Recorrido:
- A (autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos (doravante designado por “autor” ou “recorrido”) intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da YYY Resorts, S.A. (doravante designada por “ré” ou “recorrente”) no pagamento do montante de MOP$550.663,99, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP$386.464,11, acrescida de juros legais.
Inconformada, interpôs a ré recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização ao Autor A, no valor de MOP$66.937,67 a título de gozo de um descanso compensatório adicional remunerado.
II. Entende a ora Ré que esta matéria foi incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vício de erro de julgamento e erro na aplicação do Direito.
III. Somos do entendimento que o Tribunal a quo não interpretou correctamente o sentido da norma ora em crise, ou seja, o artigo 38º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008 que remete para as situações do artigo 36º, n.º 2, alíneas 1) e 2) do mesmo diploma.
IV. Após analisar o artigo 38, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, que menciona que as situações previstas no artigo 36º, n.º 2 das alíneas 1) e 2), não nos parece que o Tribunal a quo tenha qualquer tipo de razão.
V. Tal como ficou demonstrado o briefing era usado para efeitos de transição de turnos, mormente, para que os colegas que se encontravam no final do turno pudessem entregar aos que iam começar um novo turno os instrumentos de trabalho, tais como o “walkie talkie”, assim o trabalhador não tem direito a qualquer período de descanso compensatório adicional, nos termos em que foi condenado.
VI. Além disso, o trabalho antecipado de 30 minutos por dia, já foi considerado como trabalho extraordinário e a, ora Recorrente, foi condenada a pagar o montante de acordo com o calculo de 1.5 do salário por hora, conforme está legalmente previsto.
VII. Acontece que o descanso compensatório adicional é somente atribuído em algumas situações que estão previstas do n.º 1 no artigo 38º da Lei n.º 7/2008, conforme o Autor pede na sua petição, nem sempre que se recebe horas extraordinárias tem direito a descanso compensatório adicional.
VIII. Na lei estão previstas as situações em que o trabalhador tem direito a esse descanso compensatório adicional.
IX. Não nos parece, existir as situações previstas no artigo 36º, n.º 2, alínea 1) e 2) e do artigo 38º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, logo a Ré não precisa de prestar a compensação adicional pelas horas extraordinárias do trabalho, assim, parece-nos que o Tribunal a quo entendeu mal ao condenar a ora Recorrente no pagamento do descanso compensatório adicional.
X. Desta feita verifica-se assim, salvo melhor e douta opinião, uma errada aplicação do Direito por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente na quantia peticionada a título de gozo de um descanso compensatório adicional remunerado nos termos do artigo 38º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso não respondeu o autor.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 13/09/2007 a 30/09/2021, o Autor esteve ao serviço da Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
E O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (B)
A Ré sempre fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (C)
O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (D)
Entre 13/09/2007 e 30/04/2010 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$5.500,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$500.00. (E)
Entre 01/05/2010 e 30/04/2012 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$6.143,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$500.00. (F)
Entre 01/05/2012 e 10/03/2014 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$6.907,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$500.00. (G)
Entre 11/03/2014 e 10/03/2016 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7.709,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$800.00. (H)
Entre 11/03/2016 e 10/04/2017 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8.662,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$800.00. (I)
Entre 11/04/2017 e 10/04/2019 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$8.896,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$800.00. (J)
Entre 11/04/2019 e 10/04/2021 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$9.252,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$800.00. (K)
Entre 11/04/2021 e 30/09/2021 a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$9.852,00 a título de salário de base mensal, acrescido de um subsídio de “housing allowance” no valor de MOP$800.00. (L)
Entre 13/09/2007 a 30/09/2021, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho por cada ano civil, nomeadamente: (1.º)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
25-10-08
18-11-08
25
2009
2009
24
16-03-10
10-04-10
25
24-09-11
18-10-11
24
2012
2012
24
12-03-13
06-04-13
25
26-04-14
31-05-14
35
13-10-15
06-11-15
24
2016
2016
24
21-01-17
14-02-17
24
03-03-18
27-03-18
25
06-10-19
31-10-19
25
Desde o início da relação de trabalho até 30/09/2021, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (2.º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (3.º)
Entre 13/09/2007 a 31/12/2008, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (4.º)
Entre 01/01/2009 a 30/09/2021, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (5.º)
Entre 01/01/2009 e 30/09/2021, a Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (6.º)
Desde 13/09/2007 a 01/04/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (7.º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (8.º)
Entre 13/09/2007 a 31/12/2008, descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau, a Ré não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. (9.º)
Entre 13/09/2007 a 31/12/2008 a Ré nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (10.º)
Entre 13/09/2007 a 31/12/2008, descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau, a Ré não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado. (11.º)
Entre 01/01/2009 a 01/04/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (YYY) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (12.º)
Entre 01/01/2009 a 01/04/2021 a Ré (YYY) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (13.º)
Entre 01/01/2009 a 01/04/2021, sempre descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau, a Ré (YYY) não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado ao sétimo dia após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (14.º)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Entende a ré recorrente que, não obstante que o autor comparecia no local de trabalho com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, esse trabalho (extraordinário) prestado pelo autor já foi compensado, e não se verificando as situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º da Lei n.º 7/2008, o trabalhador não tem direito a receber a compensação correspondente ao descanso adicional prevista no artigo 38.º do mesmo diploma legal.
Vejamos.
Estatui o n.º 1 do artigo 38.º do referido diploma legal o seguinte:
“Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração:
1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo;
2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo.”
Por sua vez, dispõe-se nas alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 36.º o seguinte:
“O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Se verifiquem casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
3) O empregador tenha de fazer face a acréscimo de trabalho não previsível, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder doze horas.”
Atentas as disposições legais supra citadas, é bom de ver que o trabalhador só tem direito a gozar descanso adicional remunerado se tiver prestado trabalho extraordinário em casos de força maior, quando o empregador estiver na iminência de prejuízos importantes ou o empregador tiver de enfrentar acréscimo de trabalho não previsível, uma vez que nesses casos, o empregador escusa-se a obter o consentimento do trabalhador. Fora dessas situações, por haver acordo, expresso ou tácito, sobre a prestação do trabalho extraordinário, conforme o previsto nas alíneas 2 e 3 do n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 7/2008, o trabalhador não tem direito ao descanso compensatório a que se alude no artigo 38.º. Bem ou mal não nos cabe aqui apreciar, devendo a lei ser cumprida.
No caso dos autos, por não se vislumbrar que o trabalho prestado pelo autor se traduzia em trabalho extraordinário prestado em casos de força maior, nem que o empregador estava na iminência de prejuízos importantes ou que tinha que enfrentar acréscimo de trabalho não previsível, ao caso não é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 7/2008.
Importa atentar no que se diz no Parecer n.º 1/III/2008 da 3.ª Comissão Permanente1 da Assembleia Legislativa:
“Apenas nas situações excepcionais no n.º 2 do artigo 36.º está o trabalhador obrigado a prestar trabalho extraordinário, sendo essa prestação determinada pelo empregador. Nessas situações é irrelevante a vontade do trabalhador, violando este o dever de obediência, consagrado na alínea 4) do n.º 1 do artigo 11.º, caso se recuse a prestar o trabalho extraordinário tal como determinado pelo empregador. A desobediência é, contudo, legítima se se não verificarem os pressupostos constantes no n.º 2 do artigo 36.º.” – sublinhado nosso
Em boa verdade, no caso de o empregador determinar a prestação de trabalho extraordinário fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador não tem o dever de obedecer àquelas ordens.
Isto posto, procede o recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ré YYY Resorts, S.A., revogando a sentença na parte referente à condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de MOP66.937,67, a título de descanso compensatório.
Custas pelo autor, nesta instância.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 16 de Março de 2023
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Versão portuguesa, pág. 35 e 36
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Recurso Laboral 29/2023 Página 13