Processo nº 700/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 16 de Março de 2023
ASSUNTO:
- Nulidade da decisão
- Conhecimento pelo tribunal de excepção invocada pelo Réu
SUMÁRIO:
- Não enferma de nulidade por excesso de pronuncia a decisão que julga procedente a excepção peremptória da compensação invocada pelo Réu.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 700/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 16 de Março de 2023
Recorrente: A
Recorrido: B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
A e C, também, com os demais sinais dos autos,
Pedindo que:
- seja declarado a ineficácia, em relação ao Autor, da escritura de compra e venda da 1/2 da quota de propriedade da fracção abaixo indicada, celebrada entre o 1.º Réu, na qualidade de procurador do Autor, e o 2.º Réu, em 30 de Outubro de 2015 no Cartório Notarial das Ilhas;
e,
- seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição da 1/2 da quota de propriedade da fracção abaixo indicada, que foi pedido pelo 2.º Réu em 12 de Novembro de 2015 à Conservatória do Registo Predial, cujo número é de *****8G.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente, requer-se:
- seja declarado a nulidade da escritura pública da 1/2 da quota de propriedade da fracção abaixo indicada, celebrada entre o 1.º Réu e o 2.º Réu em 30 de Outubro de 2015 no Cartório Notarial das Ilhas;
e,
- seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição da 1/2 da quota de propriedade da fracção abaixo indicada, que foi pedido pelo 2.º Réu em 12 de Novembro de 2015 à Conservatória do Registo Predial, cujo número é de *****8G.
Caso não sejam julgados procedentes os dois pedidos acima referidos, subsidiariamente, requer-se:
- seja condenado o 1.º Réu a devolver ao Autor a quantia de HKD1.500.000,00 (equivalente a MOP1.545.000,00), acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.
Proferida sentença, foi julgada parcialmente procedente a acção intentada pelo Autor e parcialmente procedente a excepção peremptória deduzida pelo 1.º Réu, e em consequência, decide:
1. condenar o 1.º Réu a pagar ao Autor uma quantia de HKD577.796,58 (equivalente a MOP595.130,48), acrescida de juros legais desde a citação do 1.º Réu até integral pagamento;
2. julgar improcedentes os demais pedidos formulados pelo Autor contra os dois Réus, e absolver os dois Réus dos mesmos;
3. julgar improcedentes os pedidos formulados pelo 1.º Réu, que seja condenado o Autor como litigante de má-fé e condenado o Autor a indemnizar o 1.º Réu.
Não se conformando com a decisão proferida vem o 1º Réu e agora Recorrente interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
a) Na petição inicial, o Recorrido B requereu que a escritura em causa não produzisse efeito em relação ao Recorrido (pedido subsidiário de nulidade) e cancelasse o respectivo registo predial, com base apenas no abuso da representação por parte do Recorrente A e na simulação por parte do 2.º Réu C.
b) O “abuso da representação” previsto no art.º 262.º do Código Civil e a “simulação” prevista no art.º 232.º do Código Civil são os fundamentos dos pedidos formulados pelo Recorrido B.
c) Em seguida, o Recorrido B formulou subsidiariamente os pedidos, com fundamento em: “Caso sejam improcedentes os pedidos relativos ao abuso de representação e à simulação, o Autor requer subsidiariamente o reembolso da quantia de HKD1.500.000,00 por parte do 1.º Réu.”; “Pelo exposto, o 1.º Réu deve devolver ao Autor o montante de HKD1.500.000,00 que foi recebido na qualidade de procurador do Autor.”
d) O Recorrido B nunca apresentou na sua “petição inicial” uma vontade de “compensar” o empréstimo devido ao Recorrente A com a quantia adquirida pela venda da 1/2 da quota da propriedade da fracção em questão.
e) Salienta-se no “acórdão” recorrido: “(…), mesmo que não conseguisse reembolsar atempadamente ao 1.º Réu o empréstimo, também não tinha intenção de vender o bem imóvel em questão; e, reiterou que, a procuração outorgada só servia para garantia de reembolso e não podia ser efectivamente exercida. Mais, o Autor não recebeu com antecedência qualquer notificação de que o 1.º Réu iria vender a outrem a 1/2 da quota do bem imóvel em questão, nem deu consentimento para a venda.”
f) E, o Recorrente A formulou na “contestação” apenas os seguintes pedidos: “julgar procedente a excepção dilatória apresentada pelo 1.º Réu e absolver do 1.º Réu da instância deduzida pelo Autor B; julgar procedente a excepção peremptória apresentada pelo 1.º Réu e absolver do 1.º Réu da instância deduzida pelo Autor B; ou, dar como provados os factos alegados pelo 1.º Réu na parte de impugnação da presente contestação e, absolver o 1.º Réu dos pedidos do Autor; em fim, requer a V. Exa. que se digne condenar o Autor B como litigante de má-fé e, em consequência, condenar o Autor a indemnizar ao 1.º Réu A de acordo com o meio de indemnização considerado mais adequado por V. Exa.; além disso, mais requer a V. Exa. que se digne condenar o Autor B no pagamento de todas as custas e procuradoria decorrentes da presente acção.”
g) No entanto, o “acórdão” recorrido alegou os seguintes fundamentos: “No caso vertente, há um contrato atípico celebrado entre o Autor e o 1.º Réu. Através do respectivo acordo, o Autor outorgou ao 1.º Réu a procuração em questão, a fim de garantir o dinheiro emprestado pelo 1.º Réu ao Autor (in casu, um dos litígios entre as duas partes é se eles acordaram que a procuração não podia ser efectivamente exercida, mas, esse acordo não foi provado). Tendo em conta que o 1.º Réu exerceu efectivamente a procuração em questão, e concluiu a respectiva transacção com o 2.º Réu, e considerando que o Autor não conseguiu ilidir a eficácia da transacção, nos termos do contrato celebrado entre o 1.º Réu e o Autor, o 1.º Réu é obrigado a deduzir o montante devido pelo Autor do montante recebido de HKD1.500.000,00 e, em seguida, devolver o saldo ao Autor. Dos factos provados não resulta que há este acordo específico entre as duas partes, mas, seja como for, o preenchimento da declaração das partes deve ser realizado de harmonia com o disposto no art.º 231.º do Código Civil. Com base nas regras da boa-fé, é evidentemente considerado que as duas partes também acordaram que o eventual saldo deveria ser devolvido ao Autor.”
h) Tanto o Recorrido B como o Recorrente A também não referiram uma vontade de “compensação” parcial que foi indicada no “acórdão” recorrido, nem apresentaram uma intenção de “compensação” parcial tanto na “petição inicial” como na “contestação”.
i) O Recorrente A, com o consentimento do Recorrido B, exerceu esta procuração e recebeu o preço de HKD1.500.000,00 (um milhão e cinquenta mil dólares de Hong Kong), para compensar uma parte do empréstimo devido pelo Recorrido ao Recorrente; mas, já não o contrário.
j) Mesmo que o Juiz do tribunal a quo, com base nos fundamentos por si expostos, considerasse a existência de uma relação de crédito e dívida entre o Recorrente A e o Recorrido B, a “compensação” parcial feita através da presunção (como se referiu no “acórdão” recorrido) é apenas uma “compensação” condicional.
l) Nos termos do disposto no art.º 839.º, n.º 2 do Código Civil, a declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo.
m) Como se justificou no “acórdão” recorrido: “(…), o tribunal crê a inexistência de qualquer fundamento que se afigura eficaz, para sustentar que a compensação deve ser efectuada no dia em que foi intentada a presente acção, e não ser imediatamente efectuada após o 1.º Réu ter vendido ao 2.º Réu o bem em questão de acordo com o quadro do contrato atípico celebrado entre ele e o Autor, e ter efectivamente recebido o preço de compra e venda no dia 30 de Outubro de 2015. Se a respectiva compensação não for considerada efectuada imediatamente em 30 de Outubro de 2015, o que significa que o 1.º Réu terá um duplo benefício, ou seja, por um lado, o capital devido pelo Autor tem vindo a gerar juros, e por outro lado, o 1.º Réu pode reter o preço de compra e venda recebido pelo 2.º Réu.”
n) Aqui, deve ainda considerar-se que, caso o Recorrido B tivesse a vontade de “compensação” no momento em que instaurou a presente acção ordinária, não arrolaria C, comprador da 1/2 da quota da propriedade da fracção autónoma em causa, como o 2.º Réu.
o) Mais, subsidiariamente, o Recorrido B pediu expressamente na sua “petição inicial”: “a condenação do 1.º Réu a devolver ao Autor a quantia de HKD1.500.000,00, equivalente a MOP1.545.000,00, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.”
p) Obviamente, o “acórdão” recorrido viola os limites da condenação previstos no art.º 564.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, isto é, a condenação na sentença em objecto diverso do que foi pedido.
q) Além disso, o Juiz do tribunal a quo também manifestou expressamente: “Dos factos provados não resulta que há este acordo específico entre as duas partes,(…)”
r) O Recorrente A considera que o “acórdão” recorrido padece do vício de “nulidade”, nos termos do disposto no art.º 571.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Civil.
s) Relativamente à questão acima referida, a jurisprudência do tribunal de Portugal tem a resolução, vide Ac. STJ, de 18.11.1975:BMJ, 251.º-107; Ac. RE. de 10.3.1988: BMJ, 375.º-468; Ac. STJ, de 15.6.1989:AJ, 0.º/89, pág. 23; Ac. RL, de 22.4.1999: BMJ, 486.º-360.
t) O Recorrido B instaurou acção contra o Recorrente A e o 2.º Réu C, e formulou os pedidos na sua “petição inicial”, com fundamento em que o Recorrido entende que o Recorrente “constitui o abuso de representação previsto no art.º 262.º do Código Civil” e o “acto de compra e venda entre os dois Réus mais incorre em simulação prevista no art.º 232.º do Código Civil”.
u) Relativamente às alegações falsas do Recorrido B, o Recorrente A alegou ao Juiz do tribunal a quo que a acção instaurada pelo Recorrido constitui a litigância de má-fé prevista no art.º 385.º do Código de Processo Civil.
v) Como se referiu nos factos constantes dos articulados 60º a 64º da contestação do Recorrente A, o Juiz do tribunal a quo não deu como provado o empréstimo devido pelo Recorrido B ao Recorrente no valor de HKD1.745.700,00 (um milhão, setecentos e quarenta e cinco mil e setecentos dólares de Hong Kong).
x) Mas, o Recorrido B “estava bem ciente” de que, através da procuração reconhecida notarialmente, tinha autorizado o Recorrente A a vender a 1/2 da quota da propriedade da fracção autónoma em causa; e, em 30 de Outubro de 2015, o Recorrente vendeu, em nome do Recorrido, a 1/2 da quota da propriedade da fracção autónoma em causa e concluiu o registo predial legal (cfr. doc. 6 constante da petição inicial).
y) No entanto, de acordo com o princípio de publicidade do registo predial, e em conjugação com a eficácia de presunção geral prevista no art.º 7.º do Código do Registo Predial, o Recorrido B nunca justificou por que razão não sabia que a 1/2 da quota de propriedade da fracção autónoma em causa já tinha sido vendida ao 2.º Réu C em 30 de Outubro de 2015.
z) O Recorrido B só deduziu acção ordinária em 16 de Janeiro de 2018 para tentar ilidir este negócio jurídico.
aa) No “acórdão” recorrido, forma julgadas improcedentes todas alegações do Recorrido B.
bb) Relativamente à apreciação da questão de “litigância de má-fé” apresentada pelo Recorrente A no “acórdão” recorrido, não se deu como provado o segundo empréstimo de HKD895.700,00 e, em consequência, não há fundamento para condenar o Autor como litigante de má-fé.
cc) Nos termos do disposto no art.º 385.º do Código de Processo Civil, nomeadamente o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 deste artigo, e em conjugação com os supra fundamentos expostos no “acórdão” recorrido, o Juiz do tribunal a quo não apreciou os factos de o Recorrido B “ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar” e, “ter alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa”.
dd) Como o Recorrente A invocou na contestação as disposições legais acima referidas como fundamentos de direito para requerer a condenação do Recorrido B como litigante de má-fé.
ee) O Recorrente A considera que o “acórdão” recorrido padece do vício de nulidade, nos termos do disposto no art.º 571.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
No fim, quanto ao vício de nulidade por “contradição entre fundamentos e a decisão”
ff) Em primeiro lugar, existe uma “compensação” parcial dos créditos e dívidas entre o Recorrente A e o Recorrido B?
gg) Ou, encontra-se preenchida a “compensação” proposta no “acórdão” recorrido?
hh) O pedido subsidiário do Recorrido B na sua “petição inicial” é: “a condenação do 1º Réu a devolver ao Autor a quantia de HKD1.500.000,00, equivalente a MOP1.545.000,00, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento”.
ii) Do pedido subsidiário formulado pelo Recorrido B resulta que o Recorrido não admitiu qualquer acordo de “compensação”.
jj) O Juiz do tribunal a quo no acórdão recorrido, por um lado, alegou: “há um contrato atípico celebrado entre o Autor e o 1.º Réu. Através do respectivo acordo, (…).”
ll) No entanto, o Juiz do tribunal a quo mais alegou: “(…). Dos factos provados não resulta que há este acordo específico entre as duas partes, mas, seja como for, (…). Com base nas regras da boa-fé, é evidentemente considerado que as duas partes também acordaram que o eventual saldo deveria ser devolvido ao Autor.”
mm) Por outro lado, quando deve ser realizada a “compensação” acima referida? No “acórdão” recorrido o Juiz do tribunal a quo alegou que: “o tribunal crê a inexistência de qualquer fundamento que se afigura eficaz, para sustentar que a compensação deve ser efectuada no dia em que foi intentada a presente acção, (…).”
nn) Além disso, o “acórdão” recorrido mais alegou: “(…), após a audiência de julgamento, o segundo empréstimo alegado pelo 1.º Réu no valor de HKD895.700,00 não foi dado como provado (vide quesito 20.º), pelo que deve ser considerada a existência de um empréstimo de HKD850.000,00 entre o Autor e o 1.º Réu no presente processo.”
oo) O Juiz do tribunal a quo negou que o Recorrente A “compensasse” alguma parte do empréstimo do Recorrido B com a quantia de HKD850.000 em causa.
pp) Isto é, não foi efectuado qualquer acordo de “compensação” no dia 30 de Outubro de 2015.
qq) Além disso, o Recorrido B indicou expressamente no articulado 35º da sua “réplica”: “(…) até ao presente, o Autor ainda não liquidou as dívidas com o 1.º Réu.”
rr) E, o Recorrido B apresentou a “réplica” acima referida em 3 de Março de 2018.
ss) No entanto, o Juiz do tribunal a quo mais alegou: “Se a respectiva compensação não for considerada efectuada imediatamente em 30 de Outubro de 2015, o que significa que o 1.º Réu terá um duplo benefício, (…).”
tt) Com base na inexistência de facto provado, o Juiz do tribunal a quo proferiu uma decisão contraditória com o pedido subsidiário do Recorrido B, a fim de evitar o “duplo benefício”.
uu) O que é previsto no art.º 567.º do Código de Processo Civil, mas, quanto à justificação do mesmo artigo, o tribunal de Portugal já teve uma jurisprudência, vide Ac. RP, de 10.1.1980; Col. Jur., 1980, 1.º-8.
vv) Nos termos do disposto no art.º 571.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, o Recorrente A entende que o “acórdão” recorrido padece do vício de “nulidade”.
Tendo em consideração os fundamentos abaixo indicados, o Recorrente A entende que o “acórdão” recorrido padece do vício de nulidade, com base nas “condenação em objecto diverso do que foi pedido”, “não pronúncia sobre questões que deveria apreciar”, e/ou a “contradição entre os fundamentos e a decisão”, previstas no art.º 571.º, n.º 1, alíneas e), d) e c) do CPC, bem como o “acórdão” recorrido também viola a “compensação” sob condição prevista no art.º 839.º, n.º 2 do CC, e em conjugação com alíneas a) e b) do n.º 2 do CPC, requer a V. Exa. que se digne decidir:
- julgar procedente o recurso e declarar nulo o “acórdão” recorrido;
- reenviar o processo para novo julgamento, por nulidade do acórdão recorrido.
Contra-alegando veio o Autor/Recorrido apresentar as seguintes conclusões:
- A condenação em objecto diverso do que foi pedido, a contradição entre os fundamentos e a decisão
1. Nos pontos 8 a 26 e 39 a 55 das alegações do recurso, o Recorrente alegou que, o Recorrido e o Recorrente também não apresentaram uma vontade ou intenção de compensação parcial, e o acórdão proferido pelo tribunal a quo é diverso ou oposto dos pedidos subsidiários do Recorrido, bem como há a contradição entre os fundamentos e a decisão, pelo que o acórdão recorrido padece do vício de nulidade nos termos do disposto nos art.º 564.º, n.º 1, art.º 571.º, n.º 1, alíneas c) e e) do CPC.
2. O Recorrido não pode concordar com o ponto de visto do Recorrente.
3. In casu, relativamente ao segundo pedido subsidiário formulado pelo Recorrido (restituição do preço de venda e respectivos juros), o Recorrente na contestação deduziu excepção peremptória e impugnou o conteúdo, alegando que o Recorrido pediu ao Recorrente o empréstimo pelas duas vezes, e as dívidas entre as partes já foram compensadas. Em seguida, nas alegações legais, o Recorrente alegou novamente que, o recorrente, na qualidade de procurador, vendeu ao 2.º Réu a 1/2 da propriedade da fracção em causa de que era titular o Recorrido, com o objectivo de compensar o empréstimo devido pelo Recorrido.
4. Em conjugação com os factos dados como provados na presente causa, nomeadamente os factos provados n.ºs 4, 5, 7 a 12 e 17 (vide fls. 7 a 9 do acórdão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5. Pode-se saber que, o Recorrente já expressou claramente na contestação e nas alegações legais que exerceu o poder da procuração em causa para vender a 1/2 da propriedade da fracção em questão e cobrar o preço de venda, a fim de recuperar o seu crédito, ou seja, o Recorrente tinha a vontade ou intenção de compensação, só que não foi dado como provado o facto alegado pelo Recorrente que o Recorrido lhe pediu novamente uma quantia de HKD895.700,00 em 28 de Agosto de 2015 (ou seja, o segundo empréstimo).
6. Além disso, com base no facto de que o Recorrido devia ao Recorrente a quantia de HKD850.000,00 e os juros de mora, o Recorrente podia exercer o direito da procuração em causa para vender a 1/2 da propriedade da fracção e cobrar o preço de venda de HKD1.500.000,00, a fim de compensar a dívida e juros acima referidos, caso contrário, o Recorrido não tinha razão nenhuma para concordar com a outorga da procuração em causa para a finalidade garantida de reembolso.
7. Em segunda lugar, até 30 de Outubro de 2015, data em que foi vendida a 1/2 da quota da propriedade da fracção acima referida, o Recorrido devia pagar ao Recorrente a dívida e juros acima referidos, e o Recorrente também devia devolver ao Recorrido o preço de venda da fracção, pelo que nos termos do disposto nos art.º 838.º (nomeadamente o n.º 2) e art.º 690.º do Código Civil, o Recorrente e o Recorrido são reciprocamente credor e devedor, mesmo que as duas dívidas não forem de igual montante, também pode dar-se a compensação na parte correspondente, bem como o Recorrente deve finalmente a devolver ao Recorrido o saldo após a compensação parcial, não podendo apropriar-se do mesmo.
8. De facto, tanto o Recorrente como o Recorrido também devia calcular o valor do pagamento de juros, conforme o valor do empréstimo, a data de vencimento e a mora em 3 vezes da taxa dos juros legais, estipulados no acordo de empréstimo; e, liquidar o valor final do capital e juros de mora devidos pelo Recorrido ao Recorrente na data da venda da fracção e da cobrança do respectivo preço.
9. Portanto, in casu, não há compensação condicional indicada pelo Recorrente, mas sim só existe uma compensação parcial conforme acordado no acordo de empréstimo.
10. Em seguida, o tribunal a quo na decisão já justificou expressamente por que razão deu como provada a existência de compensação parcial acordada do crédito e dívida entre o Recorrente e o Recorrido, e a data e o valor da liquidação, pelo que o Recorrido concorda com os fundamentos de facto e de direito expostos pelo tribunal a quo na sua fundamentação (vide fls. 12 a 15 do acórdão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11. Pelo exposto, o Recorrido entende que o tribunal a quo não proferiu uma sentença em objecto diverso ou oposto dos pedidos subsidiariamente formulados pelo Recorrido, e não há contradição entre os fundamentos do tribunal a quo e a sentença proferida. Uma vez que o acórdão recorrido não padece do vício de nulidade, deve ser negado provimento ao recurso por improcedência destes dois fundamentos invocados pelo Recorrente.
- Não pronúncia sobre questões que deveria apreciar
12. O Recorrente alegou nos pontos 27 a 38 das alegações do recurso que, o tribunal a quo não apreciou os factos de que o Recorrido ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e ter alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, pelo que o “acórdão” recorrido padece do vício de nulidade nos termos do disposto no art.º 571,º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
13. O Recorrido não pode concordar com o ponto de visto do Recorrente.
14. Na réplica, o Recorrido já apontou os pedidos principais (abuso da representação), o primeiro pedido subsidiário (simulação) e o segundo pedido subsidiário (restituição do preço de venda e respectivos juros), o que não excedeu os limites previstos pela lei. A fim de extinguir os direitos do Recorrido acima referidos, o Recorrente na contestação deduziu uma excepção peremptória da compensação de dívida e impugnou os fundamentos (vide os pontos 37 a 48 da réplica apresentada pelo Recorrido contra o Recorrente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
15. O Recorrido não produziu prova com sucesso, o que levou à improcedência dos pedidos principais e primeiro pedido subsidiário e, e, consequência, sofreu o decaimento parcial, mas, o sucesso ou não da produção de prova nada tem a ver com se tinha deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou se tinha alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa.
16. Como referiu o tribunal a quo na decisão na parte respeitante ao reconhecimento de factum probandum (vide os 3.º e 4.º parágrafos de fls. 5 da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), os quesitos 20º a 23º não foram dados como provados, mas, o tribunal a quo não julgou que o Recorrente tinha deduzido a pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, com base em que o Recorrente não apresentou prova suficiente para apurar os factos sobre o segundo empréstimo de HKD895.700,00.
17. Em segundo lugar, o Recorrido na petição inicial já alegou que, o Recorrente, em nome de Recorrido, celebrou com o 2.º Réu o contrato de compra e venda da 1/2 da quota da propriedade da fracção em causa, o que constitui o abuso da representação e a simulação, tratando-se de factos da causa de pedir. E, o direito de acção do Recorrido não tinha caducado pelo decurso do tempo no momento em que foi instaurada a presente acção, pelo que não importa quando o Recorrido teve conhecimento do acto de venda e, quando foi instaurada a presente acção.
18. Mais importa que, in casu, não há facto provado para verificar que o Recorrido deduziu a pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou alterou a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa.
19. Nestes termos, o Recorrido não constitui a litigância de má fé prevista no art.º 385.º do Código de Processo Civil.
20. Relativamente à alegação do Recorrente de que o Recorrente (sic.) é litigante de má fé, o tribunal a quo decidiu expressamente a fls. 15 a 16 do acórdão: “Relativamente ao pedido do 1.º Réu na parte em que pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé, tendo em conta os factos constantes dos quesitos sobre se o Autor tem má-fé, nomeadamente, considerando os factos de que não se deu como provado o segundo empréstimo alegado pelo 1.º Réu, no valor de HKD895.700,00, e de que é reconhecido na decisão do presente acórdão que o 1.º Réu é obrigado a devolver parcialmente ao Autor o montante, não há fundamento para que o Autor seja condenado como litigante de má-fé.”
21. Pelo acima exposto, o Recorrido entende que, o tribunal a quo não proferiu uma decisão onde omitiu a pronúncia sobre o Recorrido como litigante de má-fé. Sendo que o “acórdão” recorrido não padece do vício de nulidade, pelo que deve ser negado provimento ao recurso por improcedência deste fundamento invocado pelo Recorrente.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Em 23 de Fevereiro de 1999, o Autor e D adquiriram em conjunto, na forma de 1/2 da quota de propriedade, uma fracção autónoma para finalidade residencial, localizada no rés-do-chão BR/C da Travessa ...... n.ºs 11 a 13 e da Travessa ......, n.º 2, em Macau, pelo preço de MOP$180.000,00. (alínea A dos factos provados)
2. A fracção acima referida foi descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º **** a fls. 169v. do livro B25 e, inscrito na matriz predial da Direcção dos Serviços de Finanças sob o n.º ****4, cujo registo de aquisição foi inscrito em nome do Autor e de D sob o n.º ****G. (alínea B dos factos provados)
3. Em 1 de Junho de 2015, o Autor outorgou ao 1.º Réu a procuração de fls. 16 a 18 dos autos (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (alínea C dos factos provados)
4. Em 30 de Outubro de 2015, o 1.º Réu exerceu o poder conferido pela procuração em causa, ou seja, declarou, na qualidade de procurador do Autor, vender ao 2.º Réu a 1/2 da quota da propriedade da fracção acima referida, pelo preço de HKD$1.500.000,00 (equivalente a MOP$1.545.000,00), bem como celebrou a respectiva escritura de compra e venda no Cartório Notarial das Ilhas. (alínea D dos factos provados)
5. Na escritura de compra e venda em questão, o 1.º Réu declarou, na qualidade de procurador do Autor, que já tinha recebido o montante de HKD$1.500.000,00. (alínea E dos factos provados)
- Após a audiência de julgamento, foram dados como provados os factos: (os fundamentos da verificação dos factos constam de fls. 349 a 351 dos autos)
6. Desde a aquisição da fracção autónoma referida na alínea A até ao presente, o Autor e D, na qualidade de proprietário, têm vindo a controlar e administrar a fracção supramencionada, sem interrupção. (resposta ao quesito 1º)
7. Durante a exploração de actividade comercial, o Autor pediu ao 1.º Réu um empréstimo de HKD850.000,00 devido à necessidade do fluxo de caixa. (resposta ao quesito 2º)
8. Relativamente ao empréstimo acima referido, o Autor e o 1.º Réu celebraram um acordo em 1 de Junho de 2015 (vide fls. 12 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (resposta ao quesito 3º)
9. Ambas as partes acordaram que, o Autor devia reembolsar ao 1.º Réu o montante de HKD$850.000,00 até 16 de Julho de 2015. (resposta ao quesito 4º)
10. Para garantir a devolução do empréstimo, o 1º Réu optou pela forma de outorga de procuração pelo Autor. (resposta ao quesito 5º)
11. Para o efeito, o 1.º Réu requereu ao Autor que lhe outorgasse uma procuração, para lhe conferir os poderes, incluindo o de venda ou promessa de venda da fracção autónoma em causa. (resposta ao quesito 6º)
12. Findo o prazo do empréstimo, o Autor não conseguiu reembolsar ao 1.º Réu o empréstimo de HKD$850.000,00. (resposta ao quesito 9º)
13. O 1° Réu não informou ao D, comproprietário, sobre os seus planos, preço e detalhes e as respectivas cláusulas da compra e venda da referida fracção. (resposta ao quesito 13º)
14. Antes da celebração da escritura, o 2º Réu não se deslocou à fracção para efeitos de verificação. (resposta ao quesito 14º)
15. Concluídos os trâmites de notariado e de registo, o 2.º Réu não se mudou para a fracção acima referida. (resposta ao quesito 15º)
16. Antes de comprar a 1/2 da quota da propriedade da fracção acima referida, o 2.º Réu bem sabia que o 1.º Réu não tinha a chave daquela fracção. A chave ainda estava na posse dos Autor e D e a fracção continuava a ser efectivamente administrada por eles. (resposta ao quesito 16º)
17. Até ao presente, o Autor nunca recebeu do 1.º Réu o montante indicado na alínea E dos factos provados. (resposta ao quesito 19º)
18. Provado o que consta da alínea D) do Factos Assentes. (resposta ao quesito 22º)
b) Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«De acordo com os pedidos e fundamentos das duas partes expostos na primeira parte do presente acórdão, são as seguintes questões a conhecer na presente causa:
4.1 Se o 1.º Réu, pelo abuso da representação, vendeu, em representação do Autor, ao 2.º Réu a 1/2 da quota da propriedade do bem imóvel em questão;
4.2 Caso seja improcedente a questão 4.1, deve conhecer se a venda de 1/2 da quota da propriedade do bem imóvel pelo 1.º Réu, em nome do Autor, ao 2.º Réu, constitui um negócio simulado;
4.3 Caso sejam improcedentes as supra duas questões formuladas pelo Autor, se o 1.º Réu deve devolver ao Autor o preço de compra e venda de HKD1.500.000,00 (o conhecimento desta questão abrange o conhecimento da excepção peremptória deduzida pelo 1.º Réu);
4.4 Se o Autor, como referiu o 1.º Réu, deve ser julgado como litigante de má-fé.
*
4.1.
O Autor alegou que, a pedido do 1.º Réu, outorgou-lhe uma procuração como condição de empréstimo, ambas as partes acordaram que a procuração só servia para finalidade garantida e, não podia ser efectivamente exercida.
O Autor alegou que, o 1.º Réu, na qualidade de procurador, tinha vendido o bem imóvel em causa ao 2.º Réu, o que violou o acordo acima referido que a procuração não podia ser efectivamente exercida. Quando o 2.º Réu também teve conhecimento da restrição acima referida, esta compra e venda não podia produzir efeitos em relação ao Autor.
Dispõe-se, respectivamente, nos art.º 251.º, art.º 260.º e art.º 261.º do Código Civil:
“Artigo 251.º
(Efeitos da representação)
O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
Artigo 261.º
(Representação sem poderes)
1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
2. Contudo, o negócio celebrado por representante sem poderes é eficaz em relação ao representado, independentemente de ratificação, se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justificassem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do representante, desde que o representado tenha conscientemente contribuído para fundar a confiança do terceiro.
3. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
4. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
5. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.
Artigo 262.º
(Abuso da representação)
O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.”
De acordo com as disposições dos artigos acima referidos, para que os pedidos principais do Autor sejam julgados procedentes, devem ser dados como provados pelo menos dois elementos, respectivamente:
- Quando o 1.º Réu, na qualidade de procurador (ou seja, representante), exerceu a procuração outorgada pelo Autor, os poderes por si exercidos enquadraram-se formalmente no âmbito permitido pela procuração, mas, de facto, o que violou as instruções do constituinte (ou seja, representado);
- A contraparte (in casu, é o 2.º Réu) conhecia ou devia conhecia o abuso da representação por parte do 1.º Réu.
Após a audiência de julgamento, os factos dados como provados não podem demonstrar a ocorrência das situações acima referidas (vide os quesitos n.ºs 7, 8, 10 ,17 e 18)
Uma vez que os poderes exercidos pelo 1.º Réu (vendeu, em nome do Autor, a 1/2 da quota da propriedade do bem imóvel em questão de que era titular o Autor) se enquadravam formalmente no âmbito permitido pela procuração (vide fls. 16 a 17 dos autos), pelo que os primeiros dois pedidos principais formulados pelo Autor (o pedido de ineficácia da escritura púbica em questão e o pedido de cancelamento do respectivo registo) não podem ser julgados procedentes quando não se deu como provada a ocorrência do abuso de poder.
*
4.2.
O Autor formulou subsidiariamente mais dois pedidos, com fundamento em que a compra e venda em questão é simulada, requerendo ao Juízo que declarasse ineficaz a transacção em questão e cancelasse o respectivo registo.
A finalidade da compra e venda realizada entre os dois Réus servia apenas prejudicar ou tirar o direito legal do Autor à 1/2 da quota da propriedade (sendo essa a razão do Autor), isto é, o 1.º Réu não pretendia realmente vender e o 2.º Réu não pretendia efectivamente comprar.
Independentemente de que a transacção realizada entre o procurador e comprador constitui legalmente ou não a simulação alegada pelo Autor e prevista no art.º 232.º do Código Civil, é afirmado que, conforme aquele artigo, a prova de um negócio jurídico ser simulado consiste em que se encontram simultaneamente preenchidos os três elementos:1
- Existência de uma declaração negocial;
- Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros;
- Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
In casu, após a audiência de julgamento, os factos dados como provados não podem demonstrar a ocorrência das situações acima referidas (vide os quesitos 10º, 11º e 12º)
Pelo exposto, é evidente que não pode ser julgado procedente o pedido subsidiário do Autor - que a transacção em questão é simulada, quando não é provado que se encontram simultaneamente preenchidos os três elementos acima indicados.
*
4.3.
Relativamente ao último pedido subsidiário do Autor, pediu a condenação do 1.º Réu a devolver-lhe o preço da compra e venda em questão, recebido pelo 2.º Réu, no valor total de HKD1.500.000,00, acrescido de juros legais desde a citação até integral pagamento.
Na sua contestação, o 1.º Réu alegou que a compra e venda litigiosa em causa é válida, e o preço de HKD1.500.000,00 devia ser utilizado para compensar as dívidas entre ele e o Autor. Tendo em consideração os alegados pelo 1.º Réu na contestação, e em conjugação com o facto provado n.º 5, é evidentemente considerado que o 1.º Réu confessou a recepção do respectivo montante do 2.º Réu.
Por outro lado, os factos provados n.ºs 5 e 17 demonstram que, até ao presente, o Autor nunca recebeu a quantia acima referida de HKD1.500.000,00.
No caso vertente, há um contrato atípico celebrado entre o Autor e o 1.º Réu. Através do respectivo acordo, o Autor outorgou ao 1.º Réu a procuração em questão, a fim de garantir o dinheiro emprestado pelo 1.º Réu ao Autor (in casu, um dos litígios entre as duas partes é se eles acordaram que a procuração não podia ser efectivamente exercida, mas, esse acordo não foi provado). Tendo em conta que o 1.º Réu exerceu efectivamente a procuração em questão, e concluiu a respectiva transacção com o 2.º Réu, e considerando que o Autor não conseguiu ilidir a eficácia da transacção, nos termos do contrato celebrado entre o 1.º Réu e o Autor, o 1.º Réu é obrigado a deduzir o montante devido pelo Autor do montante recebido de HKD1.500.000,00 e, em seguida, devolver o saldo ao Autor. Dos factos provados não resulta que há este acordo específico entre as duas partes, mas, seja como for, o preenchimento da declaração das partes deve ser realizado de harmonia com o disposto no art.º 231.º do Código Civil. Com base nas regras da boa-fé, é evidentemente considerado que as duas partes também acordaram que o eventual saldo deveria ser devolvido ao Autor.2
Para mais, o 1.º Réu não alegou na sua contestação, nem apresentou prova para indicar que havia um acordo entre eles, que o eventual saldo não deve ser restituído e sim destinado à indemnização ou à punição pela violação contratual.
Do conteúdo acima referido, basta concluir que o 1.º Réu deve devolver o saldo, se houver, após a dedução das dívidas ainda não pontualmente pagas pelo Autor.
Na sua contestação, o 1.º Réu indicou que, excepto a quantia de HKD850.000,00 confessada pelo Autor na petição inicial, o Autor pediu ao 1.º Réu mais um empréstimo de HKD895.700,00 em 28 de Agosto de 2015, mas, o Autor nunca lhe reembolsou os empréstimos no valor total de HKD1.745.700,00.
No entanto, após a audiência de julgamento, o segundo empréstimo alegado pelo 1.º Réu no valor de HKD895.700,00 não foi dado como provado (vide quesito 20.º), pelo que deve ser considerada a existência de um empréstimo de HKD850.000,00 entre o Autor e o 1.º Réu no presente processo.
De acordo com os factos provados n.ºs 8 e 9, relativamente ao empréstimo de HKD850.000,00 acima referido, o Autor e o 1.º Réu celebraram em 1 de Junho de 2015 o acordo de fls. 12 dos autos, e ambas acordaram que o Autor devia reembolsar ao 1.º Réu o respectivo montante até ao dia 16 de Julho de 2015.
Analisando os artigos 35, 36 e 39 da contestação do 1.º Réu, na sua excepção peremptória, o 1.º Réu alegou que o Autor tinha o dever de pagar os juros.
Conforme fls. 12 dos autos que contém as assinaturas de ambas as partes, a parte desfavorável ao declarante e com plena força probatória, demonstra-se que os juros vencidos acordados pelas duas partes são calculados a três vezes da taxa de juro legal.
Os juros de mora da dívida de HKD850.000,00 são calculados, a partir da data da mora, ou seja, 17 de Julho de 2015 (inclusive) até 30 de Outubro de 2015, dia em que o 1.º Réu recebeu a quantia de HKD1.500.000,00, cujo valor é de HKD72.203,42.
Isto é, até 30 de Outubro de 2015, o valor total do capital e juros é de HKD922.203,423. Depois de o 1.º Réu ter recebido o montante de HKD$1.500.000,00 do 2.º Réu, tal montante foi imediatamente compensado com a dívida acima referida. Além disso, tendo em conta o artigo 33 da réplica do Autor (vide fls. 117 dos autos), alegou que nunca devolveu ao 1.º Réu um montante total de HKD285.000,00 a título de reembolso, pelo que não deve fazer qualquer dedução ao valor a ser devolvido pelo 1.º Réu.
Aqui há a acrescentar que, o tribunal crê a inexistência de qualquer fundamento que se afigura eficaz, para sustentar que a compensação deve ser efectuada no dia em que foi intentada a presente acção, e não ser imediatamente efectuada após o 1.º Réu ter vendido ao 2.º Réu o bem em questão de acordo com o quadro do contrato atípico celebrado entre ele e o Autor, e ter efectivamente recebido o preço de compra e venda no dia 30 de Outubro de 2015. Se a respectiva compensação não for considerada efectuada imediatamente em 30 de Outubro de 2015, o que significa que o 1.º Réu terá um duplo benefício, ou seja, por um lado, o capital devido pelo Autor tem vindo a gerar juros, e por outro lado, o 1.º Réu pode reter o preço de compra e venda recebido pelo 2.º Réu.
Pelo acima exposto, após a dedução do capital e juros geridos até 30 de Outubro de 2015, o 1.º Réu ainda deve devolver ao Autor um saldo de HKD577.796,58. A partir do momento em que o 1.º Réu foi citado, a obrigação de devolver o saldo acima referido se encontra em mora, pelo que devem ser pagos ao Autor os respectivos juros de mora.
*
4.4.
Relativamente ao pedido do 1.º Réu na parte em que pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé, tendo em conta os factos constantes dos quesitos sobre se o Autor tem má-fé, nomeadamente, considerando os factos que não se deu como provado o segundo empréstimo alegado pelo 1.º Réu, no valor de HKD895.700,00, e que é reconhecido na decisão do presente acórdão que o 1.º Réu é obrigado a devolver parcialmente ao Autor o montante, não há fundamento para que o Autor seja condenado como litigante de má-fé.».
Invoca o Recorrente a nulidade da sentença recorrida por entender que:
- condenou em objecto diverso do que foi pedido;
- não se pronunciou sobre questões que devia apreciar;
- contradição entre os fundamentos e a decisão.
Não assiste razão ao Recorrente.
Vejamos porquê.
O único pedido do Autor que procedeu em parte foi aquele onde se pedia a condenação do 1º Réu a pagar-lhe MOP1.545.000,00.
Por sua vez e como resulta da própria sentença o 1º Réu veio invocar uma excepção peremptória da compensação invocando créditos seus sobre o Autor de valor ao tempo em dívida de igual montante pelo que nenhum dos dois teria algo a pagar.
Todo o raciocínio supra transcrito do ponto 4.3. da decisão recorrida explica que entre o que se provou dos factos invocados pelo Autor no sentido de que tinha direito a receber os HKD1.500.000,00 equivalentes a MOP1.545.000,00 e entre o que se provou dos créditos invocados pelo 1º Réu que tinha apenas a receber HKD850.000,00 acrescidos dos juros de mora a contar de 17.07.2015 a 30.10.2015 no valor de HKD72.203,42, sendo o valor total do capital e juros de HKD922.203,42, operando a compensação invocada pelo 1º Réu, julgou parcialmente procedente o pedido subsidiário do Autor e parcialmente procedente a excepção peremptória invocada pelo 1º Réu da compensação e condenou este a pagar a diferença no montante de HKD577.796,58 equivalente a MOP595.130,48.
Destarte não assiste razão alguma ao Recorrente quando vem invocar que o tribunal se pronunciou para além do pedido quando o que resulta é que o tribunal julgou parcialmente procedente a compensação invocada pelo 1º Réu e aqui Recorrente.
Vir agora invocar que ao se julgar parcialmente procedente a excepção peremptória da compensação por si invocada implica a nulidade da decisão por decidir para além do pedido quase que raia a má-fé nos termos da al. a) do nº 2 do artº 385º do CPC, quando a excepção foi suscitada pelo 1º Réu e Recorrente.
Mais invoca o Recorrente a nulidade da sentença recorrida por entender que não apreciou o pedido formulado pelo 1º Réu de condenação como litigante de má-fé do Autor.
O pedido de condenação como litigante de má-fé do Autor foi apreciado no ponto 4.4. da sentença recorrida dada por reproduzida supra.
O que parece resultar das conclusões de recurso do Recorrente é não concordar com a decisão do tribunal, mas mais uma vez invoca argumento que devia saber não ter fundamento pois a questão foi expressamente apreciada pelo tribunal, sendo certo que o que se invocava para a condenação em má-fé não se provou.
Destarte, também haverá de improceder o recurso com este fundamento.
Por fim invoca o Recorrente a contradição entre os fundamentos e a decisão, mas também aqui o Recorrente se perde na argumentação não ponderando que a decisão resultou da procedência da acção interposta pelo Autor no sentido de que tinha direito a receber o preço pela venda do direito que tinha sobre o imóvel e pela procedência da excepção peremptória da compensação invocada pelo 1º Réu, arrastando-se depois em considerações que em nada contribuem para a solução jurídica do caso sub judice.
Pelo que, também com este argumento há de ser de negar provimento ao recurso.
Destarte, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo do Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 16 de Março de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro (Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Vide o Acórdão proferido em 13 de Maio de 2015 pelo TUI no processo n.º 69/2014
2 O espírito legal do art.º 690.º do Código Civil também sustenta o resultado deste preenchimento (neste sentido, “pacto marciano” não é geralmente considerado uma proibição absoluta). De facto, não é geralmente reconhecido pelo sistema jurídico um acordo de que a parte, quem apresentou os bens dados em garantia – fica geralmente em desvantagem devido à necessidade de empréstimo, pode perder todos os direitos e interesses dos bens dados em garantia. Em situação semelhante, o eventual saldo deve ser restituído, vide o art.º 922.º, n.º 1 do Código Comercial.
3 HKD850.000,00 + (HKD850.000,00 x 29,25% x 106 dias / 365 dias) = HKD 850.000,00 + HKD72203,42 = HKD922.203,42
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700/2022 CÍVEL 4