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Processo n.º 204/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 16/Março/2023

Recorrentes dos recursos interlocutórios
- A e B (autores)
- C, S.A.(ré)

Recorrente do recurso final
- C, S.A.(ré)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A e B, com sinais nos autos (doravante designados por “autores” ou “autores recorrentes”) intentaram acção comum sob a forma ordinária contra a C, S.A. (doravante designgada por “ré” ou “ré recorrente”).
Na fase de instrução do processo, por despacho de fls. 370 e 371, foi ordenada a realização de segunda perícia com vista ao apuramento dos valores de mercado das fracções autónomas E16, D16 e D17.
Inconformados, recorreram os autores para este TSI, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
“A. O que resulta da decisão que desatendeu a reclamação da Ré é que não se verifica qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial da Comissão de Avaliação de Imóveis (CAI) da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), nem o mesmo apresenta qualquer vício de fundamentação passível de correcção.
B. Nada há, pois, a apontar ao relatório de fls. 351 e ss., da CAI que justifique a correcção da eventual inexactidão dos seus resultados através de uma segunda perícia.
C. Ao admitir a realização da segunda perícia sem que a mesma se justificasse por não haver fundamento sério de dissensão relativamente ao acerto da avaliação feita no relatório fls. 351 e ss., a decisão recorrida inobservou o disposto no artigo 6/1, in fine, e no último período dos números 1 e 3 do artigo 510º do CPC, pelo que deverá ser revogada com as legais consequências.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.
Vossas Ex.as decidirão, porém, como for de lei e JUSTIÇA!”

Ao recurso respondeu a ré pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Posteriormente, ainda na fase de instrução do processo, por despacho judicial de fls. 470, foi julgada válida a segunda perícia realizada na ausência de um dos peritos.
Inconformada, recorreu a ré para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“A. Alguns dos peritos nomeados pelo douto Tribunal a quo para a realização de segunda perícia decidiram, por sua iniciativa própria, realizar a mesma sem a intervenção de um deles, o que equivale à sua destituição, sem qualquer decisão judicial nesse sentido e sem substituição do perito em causa.
B. Tendo a Recorrente arguido a nulidade do relatório pericial de fls. 429 a 431, por omitir a participação de um perito nomeado pelo douto Tribunal a quo, participação essa que consubstancia, salvo melhor opinião, formalidade essencial prescrita na lei e susceptíveis de, no caso sub judice, influir no exame ou decisão da causa – cfr. n.º 1 do artigo 147º do CPC.
C. Em sede do douto Despacho recorrido, aquela segunda perícia é declarada válida, indeferindo-se a alegada nulidade, fundamentando-se tal decisão no facto de o perito ausente não ter justificado a sua falta.
D. Salvo o respeito devido, e concedendo que a falta não justificada há-de ter uma sanção, afigura-se à Recorrente que não assiste razão ao douto Tribunal a quo. À falta não justificada deveria seguir-se uma multa, conforme, aliás, se indica no douto despacho de fls. 421, eventualmente cumulada com a destituição do perito e sua substituição, nos termos conjugados dos artigos 491º e 494º, aplicáveis ex vi do artigo 511º, todos do CPC. Tal destituição, a ocorrer (não se concedendo que haja motivos para tanto, in casu) seria notificada às partes para os efeitos tidos por convenientes, e posteriormente concluída a segunda perícia com todos os peritos nomeados judicialmente.
E. No entanto, no caso concreto um dos peritos foi, na prática, destituído pelos demais, que concluíram a perícia sem aquele. No entanto, para a Recorrente, reitera-se, é formalidade essencial da segunda perícia a participação de todos os peritos investidos pelo douto Tribunal a quo.
F. O douto Despacho Recorrido, na medida em que declara válida a segunda perícia realizada sem um dos peritos nomeados pelo douto Tribunal a quo, e sem que o mesmo tenha sido judicialmente destituído ou substituído, incorre, salvo o respeito devido, na violação dos artigos 491º e 494º, aplicáveis ex vi do artigo 511º, e 147º, n.º 1, todos do CPC, devendo, consequentemente, ser revogado e substituído por outro que declare nula a segunda perícia e ordene a realização de perícia com intervenção de todos os peritos oportunamente nomeados pelo douto Tribunal a quo.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. mui douta e certamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, o douto Despacho de fls. 470 revogado e substituído por outro que declare nula a segunda perícia de fls. 429 a 431 e ordene a realização de segunda perícia com intervenção de todos os peritos oportunamente nomeados pelo douto Tribunal a quo para o efeito.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

Ao recurso responderam os autores nos seguintes termos conclusivos:
“I. A Recorrente não tem legitimidade para a arguição da nulidade (art.º 149/2 do CPC) por ter sido ela (e o seu próprio perito) quem lhe deu causa.
II. Por isso, servindo, como serve, o relatório de fls. 429-431 ao fim a que se destina (artigo 382º do Código Civil), tinha necessariamente de ser declarado válido – como foi – por força do princípio da aquisição processual (art.º 436º do CPC), sendo mais um elemento de prova sujeito à livre apreciação do julgador (art.º 383º do Código Civil).
III. Ao insurgir-se nas alegações de fls. 481 a 490 contra o facto de o Tribunal a quo ter declarado válida a segunda perícia sem ter destituído e substituído oficiosamente o perito por ela indicado, a Recorrente incorre em contradição insanável de raciocínio.
IV. Isto porque ao ter pugnado no requerimento de fls. 433 a 435 pela repetição da reunião com os mesmos peritos, defendeu a ilegalidade da destituição do Sr. D pelo Tribunal!
V. Ora, se na sua perspectiva, não havia motivo para a destituição do Sr. D, porque razão defende a Recorrente na última parte da conclusão D) das suas alegações que o procedimento correcto teria sido a realização da segunda perícia com todos os peritos nomeados judicialmente, após a destituição do perito faltoso?
VI. Também por este motivo, se outros não houvessem, haverá de improceder o recurso interlocutório da Ré.
VII. Defende a Recorrente na conclusão D) das suas alegações de recurso que à falta não justificada do Sr. D deveria seguir-se uma multa, eventualmente cumulada com a sua destituição e substituição, nos termos conjugados dos artigos 491º e 494º aplicáveis ex vi do artigo 511º, todos do CPC.
VIII. Sucede que o artigo 491º do CPC apenas prevê essa possibilidade por parte do juiz, não lha impondo com caracter de obrigatoriedade.
IX. Logo, ainda que o perito infrinja os seus deveres de colaboração ou desempenhe de forma negligente a tarefa que lhe foi cometida, o juiz tanto pode optar por multá-lo e/ou destituí-lo como por, ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 1 do CPC (poder de direcção do processo), considerar que a sua falta de comparência não impediu a apresentação do relatório pericial, considerando-o por isso válido e parte integrante do processo (artigo 437º do CPC), como sucedeu no caso “sub judice”.
X. Nada, pois a censurar ao despacho recorrido na medida em que o mesmo foi praticado no âmbito do “poder-dever de direcção do processo” previsto no artigo 6º, n.º 1 do CPC, o qual impõe ao juiz, não só que providencie pelo andamento regular e célere do processo, mas também que ordene o que for necessário ao normal prosseguimento da acção e recuse o que for impertinente ou meramente dilatório.
XI. Por outro lado, o requerimento de fls. 433-435 trata-se um acto meramente dilatório, logo ilícito, porque inútil (art.º 87º do CPC).
XII. Inútil, por se saber, de antemão, que, face à imutabilidade dos dados prestados pelos contribuintes nos quais se baseou a deliberação de avaliação da Comissão de Avaliação de Imóveis “A” da Direcção dos Serviços de Finanças, o sentido de uma nova avaliação desse colégio que resultasse da eventual repetição da reunião de 17/03/2017 não poderia nunca ser diferente do da anterior, sob pena de venire contra factum proprium.
XIII. E ilícito por violação do disposto do artigo 9º, n.º 2 ex vi do art.º 147º, n.º 1 do CPC, porque mesmo a ter-se verificado a apontada irregularidade, o que não se concede, a mesma não relevaria por não ter influído no exame e decisão da causa.
XIV. A falta de comparência do Sr. D à reunião de 17/03/2017 só configuraria uma nulidade processual se a lei o declarasse – e não declara – ou a irregularidade eventualmente cometida no despacho recorrido pudesse ter influído no exame ou na decisão da causa – e não influiu.
XV. Ora, como se sabe, a violação só é relevante quando o despacho em causa influa no andamento regular da causa, o que só sucede quando tal violação obste à conveniente instrução e discussão da causa, inviabilizando a sua justa decisão ou quando a violação comprometa a apreciação do fundo da causa na sentença final (vidé Acórdão do TUI, 15/07/2015, Proc.º n.º 36/2015).
XVI. Tal não sucedeu no caso “sub judice”.
XVII. O que teria certamente influído no andamento regular da causa teria sido, isso sim, o deferimento do requerimento de fls. 433-435 com a consequente repetição da perícia colegial já feita no relatório de 429-431.
XVIII. Repetição essa desnecessária, não só por a segunda perícia não invalidar a primeira (art.º 512º do CPC) e a prova pericial se encontrar sujeita à livre apreciação do juiz (art.º art.º 383º do Código Civil), o qual é o perito dos peritos (judex est peritus peritorum), mas por nada sugerir que os elementos já constantes dos autos designadamente a fls. 351-353 e fls. 429-431, por si só ou conjugados com a prova constituenda e/ou constituída até ao encerramento da discussão em primeira instância, não consintam uma decisão conscienciosa sobre a matéria de facto controvertida no quesito 17º da Base Instrutória.
XIX. A validação do relatório de fls. 429-431, não compromete, pois, o julgamento da matéria controvertida nem, por conseguinte, a apreciação do fundo da causa na sentença final, sendo, pelo contrário, mais um elemento de prova à consideração do tribunal.
XX. Por outro lado, na apreciação que o tribunal de recurso faz da influência da violação legal no exame ou decisão da causa, deve também entrar em conta com o prejuízo para a causa com o provimento do recurso, isto é, ponderar se o prejuízo resultante do provimento do recurso excede a lesão resultante da infracção cometida. Se isso acontecer, não deve prover o recurso. Trata-se de aplicar o princípio da proporcionalidade, à semelhança do que se prevê no artigo 332º, n.º 2 do Código de Processo Civil. (cfr. Acórdão TUI, 15/07/2015, Proc.º n.º 36/2015)
XXI. Ora, apenas para que o Sr. D indicado pela Ré pudesse eventualmente votar contra o sentido da deliberação aprovada por maioria na reunião de 17/03/2017, sem, no entanto, o poder alterar por se tratar de uma perícia colegial, perder-se-iam pelo menos quatro anos, o que seria claramente excessivo, sendo que a Recorrente sempre teria tido, como teve, oportunidade de se pronunciar e produzir prova testemunhal e documental (de valor igual ao da prova pericial – cfr. art.ºs 383º e 390º do Cód. Civil, 450º, n.º 2 do CPC) sobre todos os aspectos controvertidos da causa até ao encerramento da discussão em primeira instância.
XXII. Assim, na esteira do entendimento sufragado no supra referido Acórdão do V.nd TUI proferido por unanimidade em 15 de Julho de 2015 no Processo n.º 36/2015, afigura-se indiscutível que o prejuízo para a causa resultante do provimento do recurso interlocutório da Ré excederia consideravelmente a lesão (inexistente) resultante da eventual irregularidade cometida no despacho recorrido.
XXIII. Também por este motivo, deve ser negado provimento ao recurso, ainda que alguma irregularidade processual relevante se pudesse apontar à, aliás, douta decisão recorrida.
Nestes termos e com o mais que V. Exas., muito doutamente, não deixarão de suprir, deve ser negado provimento ao recurso interposto, com as legais consequências.
Vossas Ex.as decidirão, porém, como for de lei e JUSTIÇA!”
*
Feito o julgamento, foi proferida a sentença final.
Inconformada com a sentença que julgou procedente a acção intentada pelos autores e que julgou improcedente a reconvenção deduzida pela ré, recorreu esta jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. O douto Tribunal a quo julgou não provado o facto vertido no artigo 2º da base instrutória.
B. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente, a prova testemunhal e documental nos autos, designadamente os depoimentos de E, F e J, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, cuja reapreciação ora se requer.
C. Considerando os aludidos meios de prova, ficou demonstrado que “A Ré decidiu estipular um preço de favor nos acordos aludidos em D) porque conhecia os Autores, e como atenção aos mesmos”. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência, ser julgado provado o facto vertido no artigo 2º da base instrutória.
D. O douto Tribunal a quo julgou não provado o artigo 6º da base instrutória.
E. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a que não valorou adequadamente a prova testemunhal e documental nos autos, designadamente os depoimentos de E, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, cuja reapreciação ora se requer.
F. Considerando os aludidos meis de prova, ficou demonstrado que “A Ré decidiu estipular os preços aludidos em D) porque ficou expressamente acordado entre as partes que a mesma teria o direito de não celebrar o contrato definitivo”. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência, ser julgado provado o facto vertido no artigo 6º da base instrutória.
G. O douto Tribunal a quo julgou não provados os factos vertidos nos artigos 7º, 8º e 14º a 17º da base instrutória.
H. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quanto à matéria de facto em causa, cuja reapreciação ora se requer.
I. Considerando o depoimento das testemunhas E, F e I, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, bem como os Docs. juntos aos autos pela Recorrente, ficaram demonstrados os factos vertidos nos artigos 7º, 8º e 14º a 17º da base instrutória. Consequentemente, deve a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada quanto a estes artigos da base instrutória, sendo os facos aí vertidos julgados provados.
J. O douto Tribunal a quo julgou não provado o facto vertido no artigo 20º da base instrutória.
K. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quanto à matéria de facto em causa, cuja reapreciação ora se requer.
L. Considerando o depoimento da testemunha J, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, bem como os Docs. juntos aos autos pela Recorrente, ficou demonstrado que os Autores se recusaram pagar o aumento dos custos de construção solicitado pela Ré. Consequentemente, deve a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada, quanto ao citado artigo da base instrutória, devendo, em resposta ao artigo 20º da base instrutória, julgar-se “provado apenas que os Autores se recusaram pagar o aumento dos custos de construção solicitado pela Ré.”
M. O pedido principal dos Recorridos é a execução específica dos Contratos-Promessa, tendo a Recorrente alegado em sede excepção, na sua contestação, que tal não poderia proceder, desde logo, porque os Contratos-Promessa se encontram resolvidos. Como resulta da simples leitura dos Contratos-Promessa dos autos, designadamente a respectiva cláusula 2.2, as partes acordaram expressamente em atribuir à Recorrente o direito de não celebrar o contrato definitivo, fixando-se uma indemnização aos Recorridos, com referência ao dobro do sinal pago.
N. E foi precisamente esse direito, potestativo, que a Recorrente exerceu em 22 de Maio de 2014, quando requereu a notificação judicial avulsa dos Recorridos para, nos termos da aludida cláusula 2.2 e do n.º 1 do artigo 426º do CC, fazer operar a resolução dos Contratos-Promessa, tendo na mesma notificação disponibilizado aos Recorridos as indemnizações que lhe são devidas pelas aludidas.
O. Face ao teor da cláusula 2.2 dos Contratos Promessa, os Recorridos não têm o direito de se opor àquela resolução, que é válida, nem o direito de requerer a execução específica dos Contratos-Promessa, na medida em que por um lado, os mesmos foram resolvidos, e, por outro, o direito à execução específica dos Contratos-Promessa foi expressamente afastado pelas partes. A aludida cláusula 2.2 constitui uma convenção que, por conferir direito de arrependimento à promitente-vendedora, a ora Recorrente, afasta o funcionamento da execução específica. Trata-se da “convenção em contrário” a que alude o artigo 820º do CC.
P. Ao decidir em sentido contrário, indeferindo a excepção de resolução, a douto Tribunal a quo violou na sentença em crise os artigos 339º, 426º, n.º 1 e 430, n.º 1, todos do CC, pelo que deve esta ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente a presente excepção, julgue improcedente a presente acção.
Q. Prevendo a improcedência do pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, os Recorridos peticionam, a título subsidiário, uma indemnização pelo dano excedente, alegadamente a coberto da norma do n.º 4 do artigo 436º do CC.
R. Porém, esta norma apenas se aplica perante o “não cumprimento do contrato” e, como ficou demonstrado supra, os Contratos-Promessa foram validamente resolvidos pela ora Recorrente sem que se verificasse qualquer incumprimento da sua parte.
S. Em todo o caso, os Recorridos nunca teriam direito a ser indemnizados pelo dano excedente, por não estarem preenchidos os requisitos de que depende a aplicação do n.º 4 do artigo 436º do CC, não podendo, caso o presente recuso seja julgado procedente e indeferido o direito dos Recorridos à execução específica dos Contratos-Promessa, ser-lhes reconhecido o direito à alegada indemnização pelo dano excedente.
T. Em 22 de Maio de 2014, a Recorrente requereu a notificação judicial avulsa da Autora para, nos termos da aludida cláusula 2.2 e do n.º 1 do artigo 426º do CC, fazer operar a resolução dos Contratos-Promessa, pelo que, julgando-se procedente o presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada, por violar o artigo 399º do CC (princípio da autonomia privada e liberdade contratual das partes – pois a Recorrente fez operar uma causa de resolução fundada em convenção, nos termos do n.º 1 do artigo 426º do CC, mediante declaração à contraparte, nos termos do n.º 1 do artigo 430º do mesmo diploma) e substituída por outra, que declare que os Contratos-Promessa foram resolvidos através da sobredita notificação judicial avulsa.
U. Ainda que o fosse procedente o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, o que não se concede, não pode deixar de se reconhecer o direito da Recorrente de receber os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções.
V. A douta sentença recorrida, na medida em que indefere o pedido reconvencional subsidiário da Recorrente, de condenação dos Recorridos no pagamento do aumento dos custos de construção, viola o n.º 2 do artigo 752º do CC, pelo que, ainda que o douto Tribunal ad quem confirme a douta sentença recorrida na medida em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, não pode deixar de revogar a sentença em crise e substituí-la por outra, que condene os Recorridos a pagar à Recorrente os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções.
W. Ao abrigo do pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, os Recorridos peticionaram ainda que a Recorrente fosse “condenada na entrega aos Autores do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos contratos, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca.”
X. Decorre expressamente do n.º 5 do artigo 820º do CC que o promitente comprador não tem esse direito quando a constituição de hipoteca seja posterior à promessa de venda.
Y. In casu, a hipoteca é anterior aos Contratos-Promessa, não existindo nestes sequer o compromisso de vender as Fracções livres de ónus ou encargos.
Z. Pelo que, ao deferir tal pretensão dos Recorridos, a douta Sentença em crise viola os n.ºs 4 e 5 do artigo 820º do CC, pelo que, ainda que o douto Tribunal ad quem confirme a douta sentença recorrida na medida em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, não pode deixar de revogar a sentença em crise e substituí-la por outra que indefira o pedido de condenação da Recorrente a pagar aos Recorridos o montante do débito garantido pela hipoteca acrescido dos juros respectivos vencidos e vincendos no valor que se vier a apurar em execução de sentença para expurgação de hipoteca incidente sobre o prédio na parte correspondente à Fracções.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta decisão de fls. 569 e seguintes, ora recorrida, por violar os artigos 399º, 426º, n.º 1, 430, n.º 1 todos do Código Civil, e substituída por outra que:
a) Julgue procedente, por provada, a excepção peremptória de resolução dos Contratos-Promessa, absolvendo a Recorrente dos pedidos;
b) Confirme que os Contratos-Promessa foram validamente resolvidos pela Recorrente, mediante notificação judicial avulsa; e, consequentemente,
c) Ordene o cancelamento, junto da Conservatória do Registo Predial, dos registos, a favor dos Recorridos, constituídos por via das Apresentações n.ºs 142, 143 e 145 de 21/06/2013, da aquisição dos direitos resultantes da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção, das Fracções “D16”, “E16” e “D17”, respectivamente, do prédio ali descrito sob o n.º 22.295, a fls. 81 do Livro B8K, todos titulados pelos Contratos-Promessa resolvidos, que deram origem às seguintes inscrições:
i) inscrição n.º 254498G, relativa à fracção “D16”;
ii) inscrição n.º 254499G, relativa à fracção “E16”; e
iii) inscrição n.º 254500G, relativa à fracção “D17”;
Subsidiariamente, caso assim não se entenda e seja confirmada a douta sentença recorrida na parte em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta Sentença em crise, por violar o n.º 2 do artigo 752º e os n.ºs 4 e 5 do artigo 820º, ambos do Código Civil, e substituída por outra que:
a) julgue procedente, por provado, o pedido reconvencional da Recorrente e, em consequência, condene os Recorridos a pagar à Recorrente a quantia de MOP3.787.551,02 (três milhões, setecentas e oitenta e sete mil, quinhentas e cinquenta e uma Patacas e dois avos), com correcção monetária, mediante a aplicação sucessiva, sobre tal quantia, das taxas de inflação anuais, desde 1 de Junho de 2012 e até à data da prolação da decisão condenatória; e
b) indefira o pedido de condenação da Recorrente na entrega aos Recorridos do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos Contratos-Promessa, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca,
sendo os Recorridos, em qualquer caso, condenados no pagamento de custas e procuradoria condigna, seguindo-se os ulteriores termos até final, assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!”
     
Ao recurso responderam os autores nos seguintes termos conclusivos:
“I. Da impugnação da matéria de facto – Nas conclusões A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K e L das suas alegações os Recorrentes insurgem-se contra as respostas que foram dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 2º, 6º, 7º, 8º, 14º a 17º e 20º da base instrutória.
II. Para demonstrar o erro de julgamento da matéria de facto que imputa ao Tribunal a quo, os Recorrentes reproduzem algumas passagens da gravação da audiência.
III. Mas sem razão.
IV. Primeiro, porque a convicção do Tribunal a quo se baseou no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória e nos documentos de fls. 429-431, 67-72 e 450-461 juntos aos autos, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos (cfr. fundamentação do acórdão da matéria e facto de fls. 563 a 567 proferido em 19/06/2018).
V. Segundo, porque a prova produzida não impõe decisão diversa da recorrida – artigo 599º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil antes concorrendo para a confirmar.
VI. Terceiro, segundo o n.º 1 do art.º 388º, quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo dos documentos autênticos ou particulares mencionados nos art.º 367º e 373º não é admissível a prova por testemunhas, assim, só as palavras das testemunhas, sem qualquer documento que registam as convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento não têm força probatória para comprovar o conteúdo contrário ou para além do documento.
VII. Quatro, porque não foi alegado que os contratos-promessa de fls. 54 a 65 serviram para realizar uma liberalidade a favor da promitente compradora.
VIII. Quinto, porque o recurso, nesta parte, se limita a contrapor a convicção pessoal da Recorrente (e uma mão cheia de conclusões) à convicção formada pelo julgador, o que, se não é despropositada, também não contribui para o remédio, na medida em o Tribunal “a quo”, no exercício do “múnus” de julgar, seguiu o resultado que melhor pareceu ajustado de acordo com a sua livre convicção num quadro de imediação da prova holística produzida.
IX. Faltam, pois, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impusessem sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1 do artigo 599º do CPC).
X. Não se verifica assim nenhuma das hipóteses legais de modificabilidade da decisão de facto previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 629º do CPC.
XI. Nada havendo por isso a censurar à avaliação da matéria de facto, tal como o fez o Tribunal “a quo” nas respostas aos quesitos 2º, 6º, 7º, 8º, 14º a 17º e 20º da base instrutória.
XII. Da excepção da resolução dos contratos – Por outro lado, nas conclusões M, N, O, P e T das suas alegações a Recorrente bate-se pela tese de que a sentença recorrida violou os artigos 399º, 426º, n.º 1 e 430º, n.º 1 todos do Código Civil.
XIII. Mas sem razão. Desde logo, porque da factualidade especificada nas Alíneas F) e G) dos Factos Assentes resulta que o incumprimento dos contratos-promessa é imputável à Ré, sendo que no ordenamento jurídico da RAEM, fora das hipóteses de convenção em contrário e/ou alteração superveniente das circunstâncias, o exercício da resolução tem o seu fundamento apenas na ruptura do sinalagma.
XIV. Tal significa que a resolução por arrependimento do promitente infiel é ineficaz, já que não estão cumpridos os pressupostos inerentes ao direito potestativo de resolução.
XV. Isto por não existir convenção em contrário à execução específica dos dois contratos-promessa de fls. 54 a 65, nem a fixação de pena para o caso do seu não cumprimento como tal poder ser entendida, por força do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 820º do Código Civil,
XVI. Por conseguinte, o não cumprimento por arrependimento do promitente-vendedor confere ao promitente-comprador o direito a requerer, nos termos do disposto nos artigos 436º, n.º 3 e 820º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil, a realização coactiva da prestação através de execução específica do contrato-promessa, ou seja, de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
XVII. Só esta interpretação se compagina com a teleologia do preceito e que vai no sentido de proteger o comprador contra uma prática especulativa por banda dos agentes imobiliários e vendedores de recusarem a celebração do contrato definitivo numa situação inflacionista.
XVIII. Dito por outras palavras, antes a factualidade provada, resulta do regime conjugado dos artigos 436º e 820º do Código Civil que a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não pode ser interpretada como afastamento do direito à execução específica.
XIX. Isto porque o promitente comprador fiel pode optar pelo recebimento do sinal em dobro (artigo 436º, n.º 2) ou, em alternativa, pelo recurso à execução específica (artigo 820º, n.º 1).
XX. Neste sentido, Chu Lam Lam nota que no Código Civil de 1999, independentemente da existência ou não do sinal, o contrato-promessa fica sujeito a execução específica, salvo se esse direito for afastado por declaração das partes em contrário.
XXI. Daí que a prevalecer a tese da validade da resolução unilateral por simples declaração unilateral da promitente compradora, estar-se-ia a derrogar o direito à execução específica que a lei confere ao promitente comprador, como alternativa ao recebimento do sinal em dobro.
XXII. Pois, no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado “direito ao arrependimento”, mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercido por parte do promitente comprador do direito de recorrer à execução específica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de situações imorais na prática do contrato promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens (Acórdão do TSI, de 17/03/2016, Proc.º n.º 1002/2015, publicado no Website dos Tribunais da RAEM).
XXIII. Logo, não tendo as partes afastado a possibilidade de execução específica dos Contratos-Promessa em caso de não cumprimento, tal significa que à Ré não foi conferido o direito à desvinculação ad nutum, ou seja, à resolução dos contratos mediante o pagamento do sinal em dobro como preço do arrependimento.
XXIV. Também neste sentido se decidiu no Acórdão do TSI proferido por unanimidade no Proc. n.º 593/2017, de 12/10/2017 que confirmou nos teros do artigo 631º, n.º 5 do CPC, a sentença proferida nos autos CV3-14-0092-CAO.
XXV. Nada obstava, portanto, à procedência do pedido de execução específica dos contratos promessa especificados na Alínea D) dos Factos Assentes, nada havendo por isso a apontar à sentença recorrida.
XXVI. Da indemnização pelo dano excedente – Nas conclusões Q, R e S das suas alegações a Recorrente, prevenindo a hipótese de o Tribunal ad quem pode conhecer da questão subsidiária da indemnização pelo dano excedente, pretende que a Recorrida nunca teria direito a ser indemnizada pelo dano excedente, por não estarem preenchidos os requisitos de que depende a aplicação do n.º 4 do artigo 436º do Código Civil.
XXVII. Mas, na verdade é que sempre estariam verificados os pressupostos da indemnização pelo dano excedente, embora o conhecimento desta questão se mostre prejudicada pela solução dada ao litígio.
XXVIII. Isto porque quando o promitente-comprador perde o direito a comprar a coisa, perde-o na totalidade, pelo que a indemnização por essa perda há necessariamente de corresponder, não só ao preço pago pela aquisição do direito em 2011, mas também à valorização do bem a que respeita o negócio prometido e de que dá conta o relatório de avalização de fls. 429 a 431 por força do disposto no artigo 436º do Código Civil.
XXIX. Esta previsão pretendeu evitar que a mera estipulação de sinal ou a fixação de uma pena se tornasse um meio de estímulo ao incumprimento (G in ob. cit.).
XXX. Perante os números do relatório de avalização de fls. 429 a 431 relativos ao valor das Fracções em 26/11/2014 permitir que a Ré resolvesse os Contratos-Promessa, impondo-se-lhe apenas a obrigação de restituir em dobro as quantias pagas pela Autora, seria beneficiar o contraente infractor e promover uma prática de todo contrária à boa-fé e à certeza e segurança do comércio jurídico.
XXXI. Desde modo, e perante a vertiginosa subida dos preços do imobiliário desde a data da celebração dos contratos-promessa até à data do encerramento da discussão em 1ª instância, não restam dúvidas de que, caso não tivesse sido admitida a execução específica dos Contratos-Promessa, o dano da Autora teria largamente ultrapassado a compensação que lhe caberia mediante a mera restituição do sinal em dobro.
XXXII. E porque assim é, sempre teria a Autora o direito de ser compensada pelo dano excedente aferido na data do encerramento da discussão em 1ª instância (a liquidar em execução de sentença), que teria sofrido caso não lhe tivesse sido reconhecido em juízo o direito à execução específica.
XXXIII. Do pedido reconvencional subsidiário – Nas conclusões U e V das suas alegações de recurso pretende a Recorrente que, ainda que proceda o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, não pode deixar de se reconhecer o seu direito de receber os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções.
XXXIV. Mas, também aqui, sem razão.
XXXV. Desde logo, porque a Autora nunca se obrigou a pagar o valor resultante do aumento do custo de construção das Fracções, nem tal obrigação consta dos Contratos-Promessa ora em causa, nem de qualquer adenda nesse sentido que os tenha alterado.
XXXVI. Ao invés, o que ficou provado por confissão da Ré no artigo 137º da Contestação foi exactamente o contrário, ou seja, que: «O preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa» (alínea G) dos Factos Assentes).
XXXVII. Trata-se de uma confissão judicial escrita, pelo que tem força probatória plena contra o confitente (artigo 351º, n.º 1 do Código Civil).
XXXVIII. E, tendo ficado confessado pela Ré que o preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago integramente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa, tal significa que nada mais tem a Ré a receber.
XXXIX. Nada, pois a apontar, à decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pela Ré na alínea c) do petitório da sua Contestação.
XL. Da condenação no pagamento do montante do débito garantido – Por último, nas conclusões W, X, Y e Z das suas alegações de recurso pretende a Recorrente que seja revogada a condenação no pagamento do montante do débito garantido pela hipoteca.
XLI. Mas, também aqui, sem razão.
XLII. Primeiro, porque se não impendesse sobre o promitente-vendedor faltoso o ónus de expurgar, distratar ou cancelar a hipoteca sobre o imóvel para garantia de um débito seu a terceiro, pelo qual o promitente-adquirente não fosse corresponsável, a lei não teria atribuído ao adquirente de bens hipotecados o direito de, em lugar do vendedor, cumprir a obrigação garantida pela hipoteca (artigo 716º, alínea a) do Código Civil), ficando, nessa medida, sub-rogado contra ele dos direitos do credor hipotecário (artigo 586º do Código Civil).
XLIII. Segundo, porque independentemente de a Ré dizer que não se obrigou nos contratos-promessa vender as Fracções livres de ónus ou encargos (conclusão Y), tal não significa que tenha ficado exonerada da obrigação de cancelar a hipoteca que sobre elas incide.
XLIV. Desde logo, porque não foi convencionada a transmissão para o promitente-comprador (nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 590º, n.º 1, alínea a) do Código Civil) da responsabilidade pelo pagamento do débito garantido pela hipoteca, como teria sido se as partes tivessem querido exonerar a Ré da obrigação de a cancelar.
XLV. Depois, porque a exoneração da Ré da obrigação de cancelar a hipoteca para garantia de um débito seu a terceiro (pelo qual a Autora não é responsável) não foi convencionada pelas partes, nem tem um mínimo de correspondência no texto dos contratos-promessa, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 230º, n.º 1 do Código Civil).
XLVI. Tampouco se pode dizer que foi essa a vontade tácita das partes, porque tal hipótese não se deduz de qualquer facto ou factos que, com toda a probabilidade, a revelam (artigo 209º, n.º 1 do Código Civil).
XLVII. Sendo que, em caso de dúvida quanto à vontade real das partes, sempre prevaleceria a interpretação que conduzisse ao maior equilíbrio das prestações (artigo 229º do Código Civil).
XLVIII. Seguramente não pretendia a Ré – por tal ser absurdo – que a Autora lhe pagasse, não só o preço das Fracções prometidas dos “Fortuna Business Centre” (FBC), como também o capital (acrescido dos juros) que o “H, S.A.” lhe emprestou para financiar a construção desse edifício!
XLIX. Resulta assim claramente da lei que, na falta de convenção em contrário, impende sobre a promitente-vendedora o dever de expurgar, distratar ou cancelar quaisquer ónus ou encargos que incidam sobre ela, independentemente de tal ter ou não sido expressamente convencionado no contrato-promessa.
L. Ao dever legal de o promitente-vendedor expurgar a hipoteca para garantia de um débito seu a terceiro, pelo qual o promitente-adquirente não seja responsável, ou de indemniza-lo pelo prejuízo resultante do não cumprimento desse dever, corresponde, pois, no polo oposto, o direito ao seu cancelamento ou ao valor correspondente ao expurgo da mesma.
LI. Também neste sentido se decidiu no Acórdão do TSI proferido por unanimidade no Proc. n.º 1147/2017, de 22/03/2018 que confirmou nos termos do artigo 631º, n.º 5 do CPC, a sentença proferida nos autos CV1-14-0091-CAO.
LII. Sucede que no caso ora em que apreço a Ré não cancelou a hipoteca nem entregou à Autora o valor correspondente ao expurgo da mesma, como lhe impunha o artigo 752º, n.º 1 do Código Civil, sendo por isso responsável pelo prejuízo que causou ao credor – artigos 787º, 477º, n.º 1 e 558º, n.º 1 do Código Civil.
LIII. Ou seja, o prejuízo que representa para o credor ter o seu património onerado com uma hipoteca constituída para garantia de um débito pelo qual não é responsável, a qual, enquanto se mantiver, lhe reduz o valor, pelo menos, no montante correspondente ao do débito garantido.
LIV. Cabia, pois à Ré, face ao disposto no artigo 337º, n.º 1 do Código Civil ter elidido a presunção legal resultante do artigo 788º, n.º 1 do mesmo diploma de que a falta de cumprimento da obrigação de cancelar a hipoteca ou de entregar à Autora o valor do débito garantido não procedeu de culpa sua.
LV. Mas o certo é que o não conseguiu fazer, tendo por isso sido condenada a pagar à Autora o montante do débito garantido pela hipoteca acrescido dos juros respectivos vencidos e vincendos no valor que se vier a apurar em execução de sentença para expurgação da hipoteca incidente sobre o prédio na parte correspondente às Fracções autónomas objectos destes autos.
I. À Autora assiste, portanto, o direito ao montante do débito garantido pela hipoteca correspondente às Fracções objecto dos Contrato-Promessa, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos até integral pagamento, devendo manter-se a decisão recorrida, com o mesmo ou por diverso fundamento.
Nestes termos e com o mais que V. Exas., muito doutamente, não deixarão de suprir, deve ser negado provimento ao recurso interposto, com as legais consequências.
Vossas Ex.as decidirão, porém, como for de lei e JUSTIÇA!”

Por Acórdão de 14.5.2020, este TSI negou provimento ao recurso interposto pela ré e determinou não conhecer dos recursos interlocutórios.
Inconformada, recorreu a ré jurisdicionalmente para o Venerando TUI, tendo este decidido, por Acórdão de 19.10.2022, conceder provimento ao recurso (vide Acórdão do Processo n.º 189/2020).
Perante essa situação, procedemos agora à apreciação dos recursos.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) sob o n° 22295, encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, a contar de 30 de Julho de 1991, conforme inscrição nº 2023, a fls. 174 do Livro F8K da aludida Conservatória – em conformidade com o teor do Doc. 2 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea A) dos factos assentes)
As fracções autónomas “E DEZESSEIS”, do décimo sexto andar “E”, “D DEZESSEIS”, do décimo sexto andar “D” e “D DEZESSETE”, do décimo sétimo andar “D”, para escritórios, do prédio supra identificado, encontram-se registadas a favor da Ré na CRP, sob a inscrição n° 4301, a fls. 88 do Livro F20K, com o título constitutivo da propriedade horizontal inscrito definitivamente sob o n° 33712F. - em conformidade com o teor do Doc. 2 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea B) dos factos assentes)
No dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constituiu uma hipoteca e uma consignação de rendimentos voluntária no valor de HKD250.000.000,00 a favor do “H, S.A.” sobre o prédio identificado em a). (alínea C) dos factos assentes)
Por documentos escritos, que as partes intitularam de “contrato-promessa de compra e venda de imóvel”, formalizados no dia 19 de Abril de 2011, a Ré prometeu vender, e os Autores prometeram comprar, as seguintes fracções autónomas:
1. fracção “E DEZESSEIS”, do décimo sexto andar “E”, pelo preço de HKD2.894.000,00, equivalente a MOP2.980.820,00;
2. fracção “D DEZESSEIS”, do décimo sexto andar “D”, pelo preço de HKD1.386.000,00, equivalente a MOP1,427,580.00; e
3. fracção “D DEZESSETE”, do décimo sétimo andar “D”, pelo preço de HKD1.386.000,00, equivalente a MOP1,427,580.00,
todas do prédio urbano identificado em a), em conformidade com o teor dos documentos nºs 3, 4 e 5, juntos com a petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (alínea D) dos factos assentes)
O preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos acordos aludidos em D). (alínea E) dos factos assentes)
Em 25 de Abril de 2011 e 15 de Outubro de 2014 os Autores pagaram o imposto do selo e selo do conhecimento relativo às transmissões intercalares das Fracções no valor MOP40.638,00, em conformidade com o teor dos documentos junto a fls. 67 a 72, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (alínea F) dos factos assentes)
Em 21 de Junho de 2013, os Autores requereram e obtiveram, junto da Conservatória do Registo Predial, o registo da inscrição provisória por natureza, a seu favor, das Fracções sob as inscrições n° 254498G, 254499G e 254500G. (alínea G) dos factos assentes)
Em 22.05.2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa dos Autores para efeitos de declaração da resolução dos três Contratos-Promessa, em conformidade com o teor do documento nº 7 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (alínea H) dos factos assentes)
Nessa data a Ré disponibilizou aos Autores os seguintes montantes:
1) HKD2.772.000,00, equivalente a MOP2.855.160,00 (dois milhões, oitocentas e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta Patacas), relativamente à fracção “D16”;
2) HKD5.788.000,00, equivalente a MOP5.961.640,00 (cinco milhões, novecentas e sessenta e uma mil, seiscentas e quarenta Patacas), relativamente à fracção “E16”; e
3) HKD2.772.000,00, equivalente a MOP2.855.160,00 (dois milhões, oitocentas e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta Patacas), relativamente à fracção “D17”. (alínea I) dos factos assentes)
Em 05.06.2014, os Autores responderam à declaração resolutiva nos termos que constam do Documento junto a fls. 101 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos. (alínea J) dos factos assentes)
A Ré requereu a rectificação judicial das inscrições nºs 254498G, 254499G e 254500G, correndo termos, nesse sentido, os seguintes processos junto deste Tribunal Judicial de Base: CV2-14-0043-CRJ, do 2º Juízo Cível, quanto à inscrição nº 254498G; CV3-14-0047-CRJ, do 3.º Juízo Cível, quanto à inscrição nº 254499G; e CV1-14-0050-CRJ, deste 1º Juízo Cível, quanto à inscrição nº 254500G. (alínea L) dos factos assentes)
Em 1 de Junho de 2012, a Ré solicitou, por carta, aos Autores o pagamento de um valor para correcção do preço de venda das Fracções, tendo em conta o aumento do custo de construção, em conformidade com o teor do documento junto como Doc. nº 4 com a contestação e aqui se dá por integralmente reproduzida, missiva que os AA. não receberam. (alínea M) dos factos assentes)
O valor da fracção E16 em 2011 era de MOP3.910.000,00 e em 2014 de MOP14.091.000,00, da D16 em 2011 de MOP1.870.000,00 e em 2014 de MOP6.751.000,00 e da D17 em 2011 de MOP1.960.000,00 e em 2014 de MOP6.841.000,00. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
As fracções autónomas a que se reportam os autos inserem-se num edifício com um processo de construção conturbado que se arrastava desde a primeira metade da década de 90. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
A construção do edifício iniciou-se na primeira metade dos anos 90. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
Que parou passado algum tempo. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
A Ré retomou as obras no princípio de 2011. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
Alguns materiais tiveram que ser substituídos. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
*
Comecemos pelo recurso da sentença final.
A ré recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 2º, 6º, 7º, 8º, 14º a 20º da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova.
O tribunal recorrido respondeu aos quesitos da seguinte forma:
Quesito 2º - “A Ré decidiu estipular um preço de favor nos acordos aludidos em D) porque conhecia os Autores, e como atenção aos mesmos?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 6º - “A Ré decidiu estipular os preços aludidos em D) porque ficou expressamente acordado entre as partes que a mesma teria o direito de não celebrar o contrato definitivo?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 7º - “No momento da celebração dos acordos aludidos em D) a Ré sabia que iria ter de solicitar aos Autores um ajuste do preço de compra das Fracções, tendo em conta um aumento dos custos de construção”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 8º - “E desde logo avisou os Autores de que iria entrar em contacto com os mesmos, oportunamente, quanto a esse ajuste do preço de compra?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 14º - “E os custos dessa substituição foram sendo apurados durante o ano de 2011?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 15º - “Quando os Autores assinaram os acordos aludidos em D) sabiam que os preços de compra eram de favor?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 16º - “E que seriam corrigidos em função do aumento dos custos da respectiva construção?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 17º - “Durante o ano de 2011, a Ré apurou que o aumento do custo de construção de fracções para escritórios (em relação aos custos de 1995) aumentou em HKD649,00 por pé quadrado?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 18º - “Depois da data aludida em M) os Autores foram contactados telefonicamente e reuniram com a Ré para que esta lhes comunicasse e explicasse tais montantes adicionais que deveriam ser pagos?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 19º - “Apesar de conscientes do baixo preço das fracções, os Autores recusaram-se a colaborar com a Ré?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Quesito 20º - “Preferindo que fosse apenas a suportar o aludido acréscimo de custos?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
A convicção do tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Vejamos.
Pede a ré recorrente que a matéria vertida nos quesitos 2º e 6º seja dada como provada, por entender que os depoimentos das testemunhas dos autores e da ré apontam nesse sentido.
Ora bem, segundo disseram as testemunhas, o preço das fracções era bastante baixo em comparação ao preço de mercado, ou seja, um preço de amigo e que não foi negociado antes da assinatura dos contratos.
É bom de ver que, segundo o relatado pelas testemunhas, atrás dessa relação contratual entre os autores e a ré existia ainda outra(s) eventualmente entre os autores e outros indivíduos.
Não obstante terem dito as testemunhas que no dia em que foi outorgado o contrato-promessa, não foi negociado o preço, mas não sabemos se a negociação teria sido antes ou existiria outros acordos estipulados com outros indivíduos. Isto é, há ainda dúvidas sobre o que se passou atrás entre os autores, a ré e outras pessoas ou entidades.
Aliás, uma das testemunhas foi questionada pelo juiz do tribunal recorrido se sabia alguma coisa sobre o que o Banco tinha combinado com a Hou Keng Van relativamente ao preço, aquela testemunha respondeu que não sabia como era essa relação entre o Banco e a Hou Keng Van…
Mais do que isso, entendemos que a diferença entre os preços estipulados nos contratos-promessa e os valores de mercado indicados pela Direcção dos Serviços de Finanças (cfr. fls. 351 dos autos), para aquela data, não era tão acentuada que permite concluir serem preços excepcionais.
Tudo para apontar que nenhuma censura merece a decisão sobre a matéria de facto vertida no quesito 2º da base instrutória, tal como sustentada pelo tribunal colectivo de primeira instância.
No tocante à questão de saber se ficou acordado expressamente entre as partes que a ré teria direito de não celebrar o contrato definitivo, continua sem se reunir prova suficiente para a sua demonstração.
Alega a recorrente que a cláusula 2.2 dos contratos-promessa concede à recorrente o direito de resolver unilateralmente os contratos-promessa, ou seja, enquanto promitente-vendedora, ter o direito de desistir da promessa de venda.
A cláusula 2.2 diz o seguinte:
“Após a celebração do contrato, se a Parte A não pretender vender, deve restituir à Parte B o sinal em dobro.”
A nosso ver, não se descortina expressamente na referida cláusula que assiste à ré recorrente o direito de desistir da promessa de venda. Apesar de nela constar a expressão “pretender”, mas pretender e ter direito de desistir são duas coisas distintas. Se a ré recorrente por qualquer razão não pretender vender, a sua conduta deve ser entendida como incumprimento.
Portanto, não consta dos contratos que as partes se debruçaram sobre a possibilidade de a ré recorrente ter o direito de desistir da venda das fracções, nem resulta desses mesmos contratos que os autores tinham a obrigação de pagar um preço adicional em função do aumento do custo da reconstrução do prédio, pelo que andou bem o tribunal colectivo ao dar como não provada a resposta ao quesito 6º.
Em boa verdade, estão descritas na motivação as razões por que o tribunal colectivo de primeira instância ter decidido pela não comprovação dos quesitos 2º e 6º, que a seguir se transcreve e com as quais concordamos na íntegra:
“Relativamente aos demais factos, não foi feita prova que com a certeza jurídica necessária permita ao tribunal concluir pela sua veracidade, tal é a situação da matéria dos itens 2º a 6º, versão esta que ainda se torna menos credível quando os valores por que se prometeu vender são muito próximos aos valores de mercado indicados pelas Finanças para aquela data – cf. fls. 351 – não se considerando que se tratava de uma obra que estava parada há mais de 20 anos e cuja conclusão, ou pelo menos data de conclusão se torna incerta aumentado exponencialmente o risco do investimento uma vez que o edifício ainda não havia sido concluído.”
Isto posto, nenhuma censura merece a decisão recorrida quanto a esta parte.
*
A ré recorrente impugna ainda a matéria vertida nos quesitos 7º, 8º, 14º a 17º da base instrutória, que dizem respeito à questão de saber se as partes teriam alguma vez acordado um ajuste do preço de construção.
Efectivamente, há falta de prova dessa factualidade.
Embora haja testemunha (E) que disse ter explicado verbalmente às pessoas de que tinham que pagar um aumento dos custos de construção, mas uma coisa é exigir das pessoas o pagamento, outra é ter acordado com elas o pagamento desse aumento dos custos.
Efectivamente, sendo matéria tão importante, não faria qualquer sentido não terem as partes estipulado expressa e claramente nos próprios contratos.
Não há dúvidas de que as obras de construção estiveram paradas e depois foram retomadas, apenas não se logrou demonstrar que o pagamento dos custos dessas novas obras seria da responsabilidade dos autores. Antes pelo contrário, tendo a promitente-vendedora recebido a totalidade do preço, o crescimento substancial nos custos de materiais de contrução, na falta de qualquer acordo em sentido contrário, teria necessariamente de ficar a seu cargo.
Improcedem, assim, as razões invocadas pela ré recorrente nesta parte.
*
Por fim, a ré vem ainda impugnar as respostas dadas aos quesitos 18º a 20º da base instrutória, pedindo que seja julgada provada aquela matéria.
É bom de ver que, segundo o depoimento da testemunha indicada pela ré, está claro que foram enviadas cartas aos promitentes-compradores, incluindo os autores, com vista a pedir aos mesmos para eles pagarem o aumento do custo de construção e assinarem uma adenda aos contratos que assinaram.
E também de acordo com o mesmo depoimento, não restam dúvidas de que tanto a testemunha como os autores não concordaram em fazer o pagamento nem em assinar os respectivos documentos.
Sendo assim, somos a entender que margens não há para alterar as respectivas respostas.
Entende ainda a ré recorrente que, mesmo que os factos vertidos nos quesitos 18º e 19º da base instrutória não sejam dados como provados, deveria dar-se por provado o quesito 20º no sentido de “os autores recusaram pagar o aumento dos custos de construção solicitado pela ré”.
Sem razão.
Em bom rigor, a matéria vertida nos quesitos 18º a 20º da base instrutória se refere à mesma realidade factual e que está interligada. Sendo assim, uma vez que não foi dada como provada a matéria quesitada nos artigos 18º e 19º da base instrutória, no sentido de que os autores foram contactados telefonicamente e que reuniram com a ré, estando aqueles conscientes do baixo preço das fracções e que se recusaram a colaborar com a ré, não faz sentido apenas dar-se como provada a mera recusa do pagamento do aumento dos custos de construção, pois faltando a premissa de que os autores estavam conscientes do baixo preço das fracções e que tinham o dever de pagar, não se pode dar por verificada a conclusão de que os autores se recusaram a pagar o aumento dos custos de construção solicitado pela ré. Aliás, não logrando a ré demonstrar que era obrigação dos autores o pagamento daqueles custos, seria irrelevante a inserção daquela matéria na resposta ao quesito 20º.
Nesta senda, por não haver razão ou fundamento para alterar a matéria provada pelo tribunal colectivo de primeira instância, improcede o recurso nesta parte.
*
Continuemos.
Considerando que as demais questões suscitadas pela ré recorrente já foram apreciadas no Acórdão de 14.5.2020, damos aqui por reproduzido o teor da análise ali efectuada, com a qual concordamos, nos termos que a seguir se transcreve:
“2. Da resolução unilateral e da execução específica dos contratos-promessa
Conforme se vê no relatório da sentença ora recorrida, os Autores formularam, os seguintes pedidos, uns cumulativamente e outros numa relação de subsidiariedade, pedindo que:
* Seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa, designadamente os efeitos translativos da propriedade para os Autores das Fracções supra identificadas; e
* Seja a Ré condenada na entrega aos Autores do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos contratos, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca.
Subsidiariamente
* Seja a Ré condenada por não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar aos Autores o dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente – correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (artigo 560/5 do CCivil), i.e., no momento do encerramento da discussão e julgamento (artigo 566/1 do CPC) – mais o valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, o que, à data da proposição da presente acção, se cifra já em MOP90.382.618,00 (MOP46.017.349,00 + MOP22.048.398,00 + MOP22.316.871,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Ainda subsidiariamente,
* Seja a Ré condenada pelo não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar aos Autores o dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa (MOP11.712.598,00 = MOP2.980.820,00 + MOP1.427.580,00 + MOP1.427.580,00) x 2 + MOP40.638,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Citada para contestar a Ré veio defender-se, a título principal, por excepção peremptória alegando que dos contratos consta expressamente a cláusula que querendo a Ré pode exercer o direito potestativo de não cumprir o contrato e pagar o sinal em dobro, resolvendo os contratos-promessa de compra e venda, e que mediante a notificação judicial avulsa dirigida aos Autores, ora recorridos, já exerceu o tal direito potestativo de resolver os contratos, tendo-se para o efeito, oferecido para pagar o sinal em dobro.
Só que a tese da resolução unilateral defendida pela Ré não foi acolhida pelo Tribunal a quo, que fundamentou a sua decisão nos termos seguintes:
Ora, da factualidade apurada não é esse o entendimento que resulta.
A cláusula 2ª dos contratos de promessa de compra e venda a que se reportam estes autos mais não é do que uma forma tabular do disposto na parte final do nº 2 do artº 436º do C.Civ.
Por outro lado, e se outra fosse a intenção das partes haveria que nos termos do nº 1 do artº 820º do C.Civ. se ter excluído a possibilidade de execução específica consagrada no nº 3 do artº 436º do C.Civ. aplicável, também, por força do disposto na cláusula 15ª dos contratos sub judice sem que haja qualquer referencia ao seu afastamento.
A possibilidade que a lei consagra no nº 2 do artº 436º do C.Civ. não é um direito do promitente vendedor se desonerar do cumprimento do contrato pagando o dobro do que recebeu, mas sim, uma penalização para o inadimplente de em caso de incumprimento ter de pagar o dobro do que recebeu, sem prejuízo de, a parte que não deu causa ao incumprimento poder sempre optar pela execução específica nos termos do nº 3 do mesmo preceito.
Por outro lado e sem prejuízo do disposto no nº 2 do artº 436º do C.Civ., no caso da parte que cumpriu não optar pela execução específica ou não ser esta possível, poderá haver lugar à indemnização pelo dano excedente nos termos do nº 4 deste mesmo preceito, possibilidade que também não foi excluída.
Ou seja, no caso dos autos, se a intenção das partes fosse a de conceder ao promitente vendedor o direito de escolha entre cumprir ou não cumprir, mediante o pagamento em dobro do que havia sido prestado, haveria que ter expressamente excluído a possibilidade de execução específica e de pagamento de indemnização pelo dano excedente, tal como autorizam o nº 4 do artº 436º C.Civ. quando refere “na ausência de estipulação em contrário” e o nº 1 do artº 820º C.Civ. quando diz “…na falta de convenção em contrário…”.
Destarte, não se tendo convencionado que estavam excluídas aquelas duas hipóteses para o caso de incumprimento – execução específica e indemnização pelo dano excedente – e face ao disposto na primeira parte do nº 2 do artº 820º do C.Civ. não se pode aceitar o entendimento da Ré de que a cláusula 2ª dos contratos por si só as excluía remetendo para o pagamento do sinal em dobro.
Não sendo possível a resolução unilateral e injustificada dos contratos de promessa de compra e venda, há que julgar improcedente a excepção peremptória de que os contratos de promessa de compra e venda a que se reportam os autos foram resolvidos.
Concordamos.
Na verdade, à excepção das situações em que a resolução é fundada na lei ou na convenção, não pode haver lugar à resolução do contrato pelo devedor, por sua iniciativa, com base no incumprimento imputável a si próprio.
Como in casu não foi demonstrada a existência de uma cláusula convencional que permite a resolução do contrato-promessa nos termos queridos pela Ré enquanto promitente vendedora, o Tribunal a quo entende que ela não podia resolver unilateralmente os contratos-promessa mediante a restituição às Rés do sinal em dobro e acabou por julgar inválida a resolução unilateral dos contratos e deferir a pretensão da execução específica dos contratos-promessa nos termos requeridos pelos Autores.
A Ré, por sua vez, continua em sede do recurso a insistir na mesma tese, tendo repetido o alegado direito potestativo de resolver unilateralmente os contratos mediante a simples restituição do sinal em dobro, de modo a impedir a efectivação da execução específica dos contratos-promessa.
Então vejamos.
Como se sabe, a resolução do contrato é feita por manifestação de vontade de uma das partes que pretende fazer extinguir o vínculo contratual, sendo válida desde que para tal tenha fundamento na lei ou no próprio contrato – artº 426º/1 do CC.
In casu, estão em causa três contratos-promessa da compra e venda de imóveis e a tentativa, por parte da promitente vendedora, de resolver unilateralmente e ficar desvinculada à promessa de vender, com fundamento numa cláusula convencional alegadamente constante dos contratos que permite a resolução do contrato-promessa nos termos queridos pela Ré enquanto promitente vendedora, isto é, resolver unilateralmente os contratos-promessa mediante a restituição aos Autores do sinal em dobro
Antes de mais, tal como foi fundada e sensatamente salientado pelo Tribunal a quo, é de afastar a existência da tal cláusula convencional.
Pois, em primeiro lugar, o nº 2 da cláusula 2ª tem esta redacção em chinês: 簽立本合約後,如甲方放棄賣出,則以雙倍訂金賠償給乙方。
Trata-se de uma cláusula inserida nos contratos-promessa de compra e venda de imóvel, que é um negócio formal em face do do disposto nos artºs 404º/2 e 866º do CC.
Para a interpretação da declaração negocial nos negócios formais, a lei dispõe que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – artº 230º/1 do CC.
Para nós, tal como frisou e bem o Tribunal a quo, esta cláusula não é mais do que uma forma tabular do disposto na parte final do artº 436º/2 do CC, e se outra fosse a intenção das partes haveria que nos termos do artº 820º/1 do CC se ter excluído a possibilidade de execução específica consagrada no artº 436º/3 do CC aplicável, também, por força do disposto na claúsula 15ª dos contratos sub judice sem que haja qualquer referência ao seu afastamento.
Por sua vez, o artº 820º/2 do CC reza ainda que a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário.
Por outro lado, nem é invocável a norma do artº 230º/2 do CC, à luz do qual esse sentido (o sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso) pode, todavia, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Tal como dissemos supra na impugnação da matéria de facto, a exigência da forma legal é formalidades ad substantiam, cuja falta implica nulidade, e não meras formalidades ad probationem, que admitem outros meios de prova.
Portanto, quer face à lei quer face ao teor dos contratos, não é conferido à Ré, ora recorrente, qualquer direito potestativo de não cumprir voluntária e definitivamente os contratos, e/ou resolver unilateralmente os contratos-promessa mediante a simples restituição do sinal em dobro.
E ante os elementos fácticos assentes e conjugando os normativos acima citados, nomeadamente os artºs 436º e 820º do CC e supracitados, é de concluir que, in casu, não obstante a existência do sinal, que por força do disposto no artº 820º/2, primeira parte, do CC, não pode ser interpretada como afastamento da execução específica, pois, em regra, a nossa lei, para além de sujeitar o promitente vendedor faltoso à obrigação de restituir o sinal em dobro, permite ao promitente-comprador, autor do sinal, a alternativa de recorrer à execução específica para obter o cumprimento da promessa.
Isto é, o promitente-comprador, autor do sinal, pode optar ou pelo recebimento do sinal em dobro, ou pelo recurso à execução específica.
Assim, se nós reconhecêssemos a validade da resolução unilateral, a iniciativa da promitente vendedora mediante a simples comunicação da intenção de recusar o cumprimento da sua promessa e a restituição do sinal em dobro, estaríamos a derrogar, injustificadamente, o direito à execução específica, que a lei confere ao promitente-comprador, como alternativa ao recebimento do sinal em dobro.
Pois no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado “direito ao arrependimento”, e mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercício por parte do promitente comprador do direito a recorrer à execução específica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de “situações imorais na prática do contrato-promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens” – palavras utilizadas pelo Prof. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 380, embora usadas em contexto algo diferente, são-nos igualmente pertinentes para explicar a mens legislatoris do artº 820º/2, primeira parte do nosso CC.
Portanto, é de concluir que bem andou o Exmº Juiz a quo ao decidir como decidiu, não reconhecendo in casu à Ré, ora recorrente, a prerrogativa de revogar unilateralmente os contratos-promessa nos termos pretendidos, e julgando procedente do pedido de execução específica, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso e que nada temos a censurar a sentença recorrida.
3. Do pedido reconvencional
A Ré deduziu pedido reconvencional da condenação dos Autores no pagamento de um valor pelo aumento dos custos do preço de construção das fracções em causa, caso viesse a ser julgado procedente o pedido de execução específica.
O pedido reconvencional foi julgado improcedente nos termos seguintes:
“Porém, no que a esta matéria concerne não se provaram os factos dos quais emerge o pedido, nomeadamente de que houvesse sido acordado entre as partes que o preço de compra e venda ficava sujeito a ajustes caso os custos de construção viessem a ser superiores ao estimado pela Ré.
Pelo que, não se tendo provado os pressupostos de que emergia e na falta de fundamento legal, só pode este pedido improceder.”
No pedido reconvencional, a Ré apoia-se essencialmente na matéria levada à base instrutória, nomeadamente nos quesitos 2º, 6º, 7º, 8º, 14º a 17º, 18º, 19º e 20º e na invocada violação do princípio da boa fé.
Só que, como vimos, a não demonstração da matéria vertida nesses quesitos na primeira instância foi mantida por este Tribunal ad quem, cai por terra toda a argumentação, ora reiterada pela recorrente em sede do presente recurso, alicerçada na matéria de facto.
Quanto à invocada violação do princípio da boa fé, é de dizer que, ante a matéria de facto tida por assente na 1ª instância e ora mantida intacta em sede do presente recurso, e não se vê em que termos podemos acusar os Autores de terem actuado em violação do princípio da boa fé.
Talvez, por recusa dos Autores à exigência do pagamento dos preços adicionais alegadamente resultantes do aumento dos custos da construção das fracções autónomas em causa, que a Ré tivesse entendido que os Autores agiram de má fé.
Não tem razão a recorrente.
A recusa nunca pode traduzir-se num acto violador do princípio da boa fé, pois é inexigível aos Autores o cumprimento daquilo que não foi consensualmente estipulado nos contratos, nos termos prescritos no artº400º/1 do CC, à luz do qual o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
De qualquer maneira, já chegamos à conclusão de que, no caso sub judice, os Autores, enquanto promitentes-compradores, podem optar, alternativamente, ou pelo recebimento do sinal em dobro, ou pelo recurso à execução específica.
Improcede esta parte de recurso.
4. Da expurgação da hipoteca
Finalmente, a recorrente veio reagir contra a condenação no pagamento aos Autores o montante do débito garantido pela hipoteca acrescido dos juros respectivos vencidos e vincendos no valor que se vier a apurar em execução de sentença para expurgação da hipoteca incidente sobre o prédio na parte correspondente às fracções autónomas objectos destes autos.
Para o efeito alegou em síntese que ela não se obrigou a vender as fracções livres de ónus ou encargos, nem foi estipulada a obrigação de expurgar, distratar ou cancelar quaisquer ónus ou encargos vigentes sobre as fracções e que sendo estes ónus anteriores aos contratos-promessa, não tem aplicação o artº 820º/4 e 5 do CC.
Ora, para nós, na falta de convenção em contrário estabelecida nos contratos-promessa, os bens imóveis objecto da promessa de venda devem ser entendidos bens livres de quaisquer ónus e encargos, pois isto corresponde ao sentido com o qual um declaratário normal pode razoavelmente contar e representa o maior equilíbrio das prestações – artºs 228º e 229º do CC.
Vimos supra que é de proceder a execução específica peticionada pelos Autores.
Assim, se o objecto da promessa da compra e venda for os três imóveis, livres de quaisquer ónus e encargos e a solução jurídica ao caso sub judice for no sentido de deferir a execução específica pretendida pelos Autores, não faz sentido agora revogar a condenação nos termos requeridos pela Ré.
Na verdade, o que fez o Tribunal a quo não é mais do que fazer operar os efeitos de sub-rogação a que se refere a parte final do artº 586º do CC, à luz do qual, fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito.
Estando onerados os bens imóveis, objecto da promessa de compra e venda, obviamente os Autores, enquanto promitentes-compradores, estão directamente interessados na satisfação do crédito para expurgar a hipoteca.
E não faz muito sentido obrigar os Autores a pagar primeiro ao credor hipotecário e só depois vir de novo aos tribunais instaurar uma outra acção contra a ora Ré pedindo que os coloque na titularidade dos créditos de que é devedora a ora Ré com fundamento no pagamento do débito, em lugar da ora Ré, ao credor hipotecário.
Caso esta fosse a solução a adoptar, estaríamos a tolerar e aprovar injustificadamente um grande atropelo à justiça, ou pelo menos à celeridade da justiça, pois estaríamos a penalizar e dificultar a vida dos promitentes-compradores não faltosos e fechar os olhos à atitude censurável da promitente-vendedora faltosa.
Por outro lado, a condenação da Ré nos termos definidos na parte dispositiva da sentença ora recorrida não põe em perigo nem ofende o bem jurídico consistente nos direitos e interesses do credor hipotecário, que os normativos do invocado artº 820º/4 e 5-a) do CC visa tutelar.
Como costumamos dizer: ao aplicar uma norma, o intérprete-aplicador de direito está a aplicar todo o sistema.
Não poucas vezes, não se pode pegar de uma norma isoladamente, ignorando o resto do sistema.
In casu, estão em causa as várias normas, todas válidas, que visam tutelar bens jurídicos e alcançar finalidades diferentes, em certa medida inconciliáveis.
Nós, enquanto intérpretes-aplicadores de direito, se estivermos confrontados com uma situação concreta, como sucede no caso sub judice, em que, estão presentes diferentes bens jurídicos, todos dignos da protecção jurídica mas merecedores dos meios de tutela inconciliáveis, temos a obrigação de procurar harmonizar tanto quanto possível esses meios de tutela inconciliáveis mediante a concordância prática dos valores em causa.
Para nós, o que foi decidido na primeira representa a concordância prática dos valores em conflito, pois a condenação nos termos determinados assegura os direitos e interesses quer do credor hipotecário quer dos promitentes-compradores e não representa gravame à Ré que sendo o verdadeiro responsável pelo débito garantido pela hipoteca e promitente-vendedora dos bens livres de quaisquer ónus e encargos, tem sempre a obrigação de fazer extinguir o débito.
Portanto, o invocado obstáculo, apoiado no disposto no artº 820º/4 e 5-a) do CC, não deve ser considerado impeditivo da condenação nos termos determinados na parte dispositiva da sentença recorrida.
Assim, cremos que bem andou o Tribunal a quo e é de manter a condenação.”
   *
Conforme descrito acima, concluimos que tanto em termos legais como em termos convencionais, a ré não goza do direito potestativo de não cumprir voluntária e definitivamente os contratos, e resolver unilateralmente os contratos-promessa mediante a simples restituição do sinal em dobro.
E confessamos que no âmbito do Processo n.º 948/2020, deste TSI, o mesmo Tribunal Colectivo tinha concedido provimento ao recurso interposto pela promitente-compradora no sentido de condenar a promitente-vendedora (que é a mesma ré nos presentes autos) no pagamento do sinal em dobro. Contudo, a questão colocada naquele recurso apenas se cingiu à questão de saber se a autora naquele processo tem direito a receber o sinal em dobro ou em singelo, por já estar delimitada pelo Acórdão do Venerando TUI no âmbito do Processo n.º 111/2019.
Mais precisamente, o douto Acórdão do TUI (Processo n.º 111/2019) concluiu que foi conferido à promitente-vendedora (a mesma ré nos autos) o direito potestativo de revogar os contratos-promessa e, em consequência, confirmou o Acórdão deste TSI (Processo n.º 327/2017), na parte em que ordenou a remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para apreciar o pedido subsidiário formulado pela promitente-compradora. Isto mostra que a posição por nós assumida no presente recurso não é incompatível com a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 948/2020, deste TSI.
Em boa verdade, e salvo o devido e mui respeito por opinião diversa, se se entendesse que a ré poderia revogar a bel-prazer os contratos-promessa de compra e venda, por forma a afastar a possibilidade da execução específica dos respectivos contratos, sem que exista lei ou acordo que lhe confira esse tal direito, a norma prevista no artigo 820.º do Código Civil, em que se concede ao promitente-comprador não faltoso o direito de pedir a execução específica dos contratos, em alternativa à restituição do sinal em dobro, se tornaria letra morta.
*
Dos recursos interlocutórios
Uma vez confirmada a sentença final, não há necessidade de apreciar o recurso interlocutório interposto pelos autores, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 628.º do CPC.
E em relação ao recurso interlocutório interposto pela ré, determina o n.º 3 do mesmo artigo que “Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o recorrente.”
No caso dos autos, a ré insurge-se contra o despacho que validou a segunda perícia realizada na ausência de um dos peritos.
Em nossa opinião, mesmo que houvesse nulidade na realização da perícia, mas como não foi impugnada a matéria de facto vertida no quesito 1º, em que respeita à questão dos preços das fracções autónomas em causa, a procedência da arguição da alegada nulidade não acarreta qualquer consequência relevante, pelo que, para já não há necessidade de apreciar a questão, por o seu eventual provimento não gerar qualquer interesse para o recorrente.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso interposto pela ré, confirmando a sentença recorrida.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em negar provimento ao recurso final interposto pela ré C, S.A., mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.
No demais, decide não conhecer dos recursos interlocutórios interpostos pelas partes.
Custas pela ré recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 16 de Março de 2023
Tong Hio Fong
(Relator)
Ho Wai Neng
(2º Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(1º Juiz-Adjunto)
(Com declaração de voto vencido nos termos constantes de fls. 731, mantendo a mesma posição.)



Recurso cível 204/2019 Página 25