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Processo n.º 107/2022
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Nam Kwong União Comercial e Industrial, Limitada
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Data da conferência: 15 de Março de 2023
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Declaração da caducidade da concessão
- Falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário
- Actividade vinculada
- Princípios gerais do direito administrativo

SUMÁRIO
Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão, pelo que não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Nam Kwong União Comercial e Industrial, Limitada, melhor identificada nos autos, interpôs o recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 16 de Junho de 2021, que declarou a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 2178 m2, situado na Península de Macau, na Rua do Dr. Lourença Pereira Marques (Ponte-Cais n.º 5-B), por incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno.
Por acórdão proferido em 2 de Junho de 2022 (Processo n.º 681/2021), o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, confirmando o acto recorrido.
Inconformada, recorre Nam Kwong União Comercial e Industrial, Limitada para o Tribunal de Última Instância, imputando ao acórdão ora recorrido os seguintes vícios:
- Nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 76.º in fine do CPAC e nos art.ºs 108.º, n.º 1, 562.º, n.ºs 2 e 3 e 571.º, n.º 1, al. b), todos do CPC;
- Nulidade por omissão de pronúncia sobre a prova carreada para os autos e sobre o exame crítico da mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 76.º do CPAC e nos art.ºs 556.º, n.º 2, 562.º, n.ºs 2 e 3 e 571.º, n.º 1, al. b), todos do CPC;
- Violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, violação do disposto nos art.ºs 104.º, n.º 5, 166.º, n.º 1, al. 1) e 215.º, al. 3), da Lei n.º 10/2013; e
- Violação do princípio da protecção de confiança legítima, corolário do princípio da boa-fé e o da proporcionalidade e adequação art.ºs 5.º, n.º 2 e 8.º do CPA.
Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, propendendo pelo não provimento do recurso jurisdicional.

2. Factos
Foram dados como provados os seguintes factos com pertinência para a decisão do recurso:
1. No dia 13 de Agosto de 1996 a Recorrente pediu a conversão da licença de uso privativo (licença de ocupação a título precário) em concessão, por arrendamento, do terreno situado na Rua do Dr. Lourenço Pereira Marques, Ponte-Cais n.º 5-B, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 23390, para nele construir um edifício destinado a comércio e serviços.
2. Por Despacho n.º 41/SATOP/98, de 20 de Maio, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 20, II Série, foi convertida em concessão, por arrendamento, a licença de ocupação de que a Recorrente era titular, relativa ao referido terreno, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 6/86/M, de 26 de Julho.
3. E nos termos do n.º 1 da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do sobredito despacho, ou seja, até 19 de Maio de 2023.
4. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção da Ponte-Cais n.º 5-B e de um edifício com 4 (quatro) pisos, adstritos à função económica dos Portos, a explorar directamente pela concessionária, nos termos da legislação aplicável, nomeadamente das Portarias n.º 218/90/M, de 30 de Outubro e n.º 171/95/M, de 12 de Junho.
5. De acordo com o número um da cláusula quinta do contrato, o prazo global de aproveitamento do terreno foi fixado em 30 meses, contados da data de publicação no Boletim Oficial do despacho que titula o respectivo contrato, ou seja, até 19 de Novembro de 2000.
6. A Recorrente pagou a totalidade das prestações do prémio do contrato no valor de MOP5,876,200.00 (cinco milhões oitocentas e setenta e seis mil e duzentas patacas).
7. Por requerimentos T-673, de 29 de Janeiro de 1997, e T-9870, de 12 de Setembro de 1997 (Ref/CLC/97/0178), a Recorrente submeteu à DSSOPT o pedido de aprovação do Projecto de Obra e o de alteração de obra, respectivamente.
8. O Projecto de Obra veio a ser aprovado por Despacho do Sr. Subdirector da DSSOPT, de 10 de Julho de 1998, tendo sido comunicado à Recorrente em 21 de Julho de 1998, ou seja, decorridos mais de 10 (dez) meses sobre a data do pedido.
9. Por requerimento T-3090, de 09 de Setembro de 1998 a Recorrente solicitou junto da DSSOPT a emissão da respectiva Licença de Obras, juntando para o efeito as declarações de responsabilidade, cópia da apólice de seguro e cópia da licença de tapumes.
10. Por Ofício n.º 5891/DURDEP/98, de 23 de Setembro, foi autorizada a emissão da licença para obras de construção (Licença de Obras N.º 294/98), a qual foi emitida a 18 de Setembro de 1998.
11. Por requerimento T-3292, de 28 de Setembro de 1998, a Recorrente apresentou junto da DSSOPT o pedido de início de obra, nos termos previstos no artigo 44.º do DL 79/85/M, de 21 de Agosto.
12. Por Despacho de 05 de Novembro de 1998, a DSSOPT autorizou o início da obra, conforme Ofício n.º 6725/DURDEP/98, de 16 de Novembro.
13. Por requerimento de 27 de Março de 2000, a Recorrente veio requerer, junto do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a alteração da finalidade de construção da Ponte-Cais n.º 5-B para a construção de um terminal de contentores.
14. Pedido que foi reiterado por requerimento de 08 de Novembro de 2000.
15. Por requerimento T-1263, de 15 de Fevereiro de 2001, a Recorrente deu conhecimento à DSSOPT do pedido de alteração de finalidade de construção da Ponte-Cais n.º 5-B para a construção de um terminal de contentores, e de que ainda não tinha obtido qualquer resposta, tendo para o efeito juntado os requerimentos de 27/03/2000 e 08/11/2000.
16. A Recorrente nunca recebeu resposta a esse seu pedido.
17. No dia 30 de Junho de 2015, a Recorrente enviou uma carta ao Exmo. Senhor Chefe do Executivo, apresentando um Estudo Prévio, e requerendo a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais 30 (trinta) meses.
18. Ao mesmo tempo, em 17 de Julho de 2015, a Recorrente veio requerer a emissão da Planta de Condições Urbanísticas, cfr. certidão N.º 001/DPU/2021, do Chefe do Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT.
19. Tendo apresentado um Estudo Prévio por requerimento T-8408, de 20 de Julho de 2015.
20. Através do Ofício n.º 12849/DURDEP/2015, de 21 de Setembro, a DSSOPT informou a Recorrente de que não estavam reunidas as condições para a apreciação desse Estudo Prévio, uma vez que não foi apresentada uma Planta de Condições Urbanísticas válida.
21. Em 02 de Junho de 1999, a Entidade Recorrida notificou a Recorrente, pelo ofício n.º 2835/DURDEP/99, de 02 de Junho, que havia constatado que o aproveitamento do terreno não tinha ainda sido iniciado, pelo que lhe transmitiu que deveria iniciar a obra de imediato ou apresentar justificação para a não execução da mesma.
22. A Recorrente informou a DSSOPT, pelo requerimento com o registo de entrada n.º T-5225 de 11 de Junho de 1999, de que tinha iniciado as obras de construção em 06 de Setembro de 1998, tendo concluído as obras de demolição da antiga ponte-cais, os trabalhos de limpeza de objectos e de escavação entre outros, porém, tinha dado início a uma reestruturação interna da empresa e, como tal, tinha suspendido todos os trabalhos, desde Dezembro de 1998, prevendo a retoma da obra para Julho de 1999, o que não veio a suceder.
23. Uma vez mais, verificando a Entidade Recorrida que o aproveitamento não foi iniciado na data em que a Recorrente havia estimado o recomeço dos trabalhos, foi aquela, de novo, intimada pelos serviços mediante o ofício n.º 350/DURDEP/2001, de 22 de Janeiro, apesar de nesta data haver já expirado o prazo de aproveitamento, o que ocorreu em 19 de Novembro de 2000.
24. Defendeu-se a Recorrente dizendo que tinha submetido ao STOP um pedido de autorização para alteração da finalidade da Ponte-Cais n.º 5-B, para terminal de contentores, pedido esse submetido em 27 de Março de 2000 e reiterado em 08 de Novembro de 2000, ao qual ainda não tinha obtido qualquer resposta, pelo que era seu entendimento que a obra se encontrava suspensa.
25. Pelo do ofício n.º 350/DURDEP/2001, de 22 de Janeiro, a ora Recorrente foi notificada de que a licença de obras se encontrava caducada pelo que deveria iniciar as formalidades para obter a dita licença.
26. A Recorrente deu conhecimento à Entidade Recorrida, pelo requerimento com o registo de entrada n.º T-1263, de 15 de Fevereiro de 2001, de que tinha submetido o pedido de alteração de finalidade de construção da Ponte-Cais n.º 5-B para a construção de um terminal de contentores e, porque não tinha ainda obtido qualquer resposta, entendeu não executar as obras estipuladas no contrato de concessão outorgado.

3. O Direito
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela recorrente no presente recurso.

3.1. Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação de facto
Imputa a recorrente o vício previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, por absoluta falta de fundamentação de facto, alegando que os factos por si alegados no recurso contencioso “não foram objecto de decisão por parte do douto Acórdão recorrido, não se pronunciando o mesmo especificadamente sobre os factos que considerasse provados e mesmo aqueles que considerasse como não provados”.
Nos termos da norma indicada, é nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como é sabido, tanto a doutrina como a jurisprudência têm vindo a considerar que só constitui a dita nulidade da sentença a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente.
“Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da fundamentação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”, sendo que “por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. 1
E importa esclarecer que “a nulidade da alínea b) (quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão) só se verifica na ausência total de fundamentação.
Se a fundamentação é deficiente ou incompleta, não há nulidade. A sentença será então, ilegal ou injusta, podendo da mesma ser interposto recurso, nos termos gerais.”2
Sobre a questão ora em causa, este Tribunal de Última Instância tem reiterado o seu entendido no sentido de que a insuficiência de fundamentação não gera a nulidade da sentença mas sim pode redundar em erro de julgamento3 e que “apenas a total omissão de fundamentos constitui a falada nulidade de sentença e não já a deficiente fundamentação”.4
E “não se deve confundir a falta de fundamentação da sentença, que só no caso de falta absoluta se pode conduzir à sua nulidade, com a escassez ou insuficiência da fundamentação ou o seu erro jurídico, consubstanciado no erro de julgamento, em que se baseia a discordância de recorrente”.5
Posto isto e face à argumentação e aos motivos expostos pelo Tribunal recorrido no seu acórdão para fundamentar a decisão, cremos que não se verifica, in casu, o vício imputado.
Constata-se nos autos que nas alegações do recurso apresentadas a recorrente elencou os factos que, na sua tese, não foram atendidos pelo TSI (fls. 347 a 350), sobre os quais deveria o TSI selecionar e produzir prova, por forma a valorar do comportamento das partes contraentes na execução do contrato de concessão, a fim de aferir se a não conclusão do aproveitamento do terreno se deveu a alguma conduta e/ou omissão, quer da concessionária quer da Administração.
Invoca a recorrente o disposto no art.º 76.º in fine do CPAC e nos art.ºs 108.º, n.º 1 e 562.º, n.ºs 2 e 3 do CPC.
Desde logo, é de salientar que no acórdão recorrido o Tribunal recorrido indicou expressamente a “factualidade com interesse à boa decisão da causa face aos elementos probatórios existentes nos autos” (parte III do acórdão), cumprindo devidamente o exigido do art.º 76.º do CPAC, dos art.ºs 108.º, n.º 1 e 562.º, n.º 2 do CPC, no que respeita à matéria de facto.
E não é a arguição de nulidade do acórdão (por não especificação dos fundamentos de facto) meio próprio para questionar a bondade da matéria de facto julgada pelo tribunal.
Por outro lado, é de dizer que, se não se encontrar na matéria de facto provada os factos alegados pela recorrente, é precisamente porque o Tribunal recorrido não os entende relevantes para a decisão da causa.
“Da sentença no processo de recurso contencioso só devem constar os factos provados relevantes (artigo 76.º do Código de Processo Administrativo Contencioso). Os factos alegados pelas partes, não constantes da sentença como factos provados, ou são factos não provados ou são factos irrelevantes.” 6
No presente caso está em causa um acto administrativo que declarou a caducidade da concessão do terreno por não aproveitamento, por culpa da recorrente, do mesmo terreno no prazo estipulado no contrato de concessão para o efeito.
Os factos alegados pela recorrente reportam-se, no essencial, às datas posteriores ao termo do prazo de aproveitamento, ou seja, depois de 19 de Novembro de 2000, referentes aos “sucessivos pedidos” apresentados pela recorrente, incluindo os pedidos de alteração de finalidade de construção e do projecto de construção, de prorrogação do prazo de aproveitamento, de aprovação do estudo prévio, etc..
Ora, tal como se constata no acórdão posto em causa, o Tribunal recorrido considera irrelevantes os factos ocorridos depois do termo do prazo de aproveitamento.
“Na verdade, não obstante a Administração não ter respondido os pedidos de alteração de finalidade e do projecto de construção formulados pela Recorrente em 15/02/2001 e 20/03/2002, respectivamente, o certo é que tal inércia não exime a responsabilidade da Recorrente na falta de aproveitamento do terreno concedido.
Em primeiro lugar, tais pedidos de alteração só foram deduzidos depois de ter verificado o termo do prazo de aproveitamento.
A Recorrente não pode invocar acontecimentos ocorridos em 15/02/2001 e 20/03/2002 para justificar a sua falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo verificada em 19/11/2000.
Em segundo lugar, ainda que admitisse, por hipótese, a possibilidade de invocação, a sua pretensão também não pode prosseguir.
Vejamos.
Como é sabido, o legislador prevê o mecanismo de indeferimento tácito para as situações da falta de resposta dentro do prazo legal por parte da Administração.
Consagra o art.º 102.º do CPA que: ….
Como se vê, decorrido o prazo legalmente fixado para a Administração decidir sobre pretensão da alteração de finalidade, a recorrente, ou exerce o respectivo meio legal de impugnação do indeferimento tácito, ou começa imediatamente as obras de construção anteriormente aprovadas, e não é sem fazer nada por mais de 10 anos.
Não ter agido de forma devida, tem de suportar as respectivas consequências legais.”
Ora, com tal exposição, que merece a nossa concordância, não se pode afirmar que o Tribunal recorrido não fez apreciação dos factos alegados pela recorrente, ocorridos já após o termo do prazo de aproveitamento, sendo certo que tais factos não foram considerados essenciais para a decisão.
Concluindo, não se vê a verificação do vício imputado pela recorrente.

3.2. Da nulidade por omissão de pronúncia
Invoca ainda a recorrente a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia sobre a prova carreada para os autos e sobre o exame crítico da mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 76.º do CPAC e nos art.ºs 556.º, n.º 2, 562.º, n.ºs 2 e 3 e 571.º, n.º 1, al. b), todos do CPC.
Desde logo, é de dizer que o vício ora alegado pela recorrente é previsto na al. d), primeira parte, do n.º 1 do art.º 571.º, segundo a qual é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
Antes de mais, é de salientar que no âmbito do recurso contencioso não se encontra nenhuma norma a exigir que a sentença deve expor as razões decisivas para a convicção do julgador nem fazer o exame crítico da prova carreada para os autos.
Sobre a questão ora colocada, é de reiterar aqui o entendimento exposto nos acórdãos deste TUI, proferidos nos Proc.s n.º 32/2008, de 29 de Junho de 2009 e n.º 7/2018, de 23 de Maio de 2018, que faz consignar o seguinte:
«Como se sabe, em processo civil, na acção declarativa com forma ordinária, que constitui o paradigma para as restantes formas de processo civil e, por conseguinte, para os restantes direitos processuais, há uma cisão entre o julgamento de facto e o julgamento de direito.
O julgamento da matéria de facto tem lugar por meio de uma decisão em que o tribunal (na maior parte dos casos o tribunal colectivo) “... declara quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador” (art. 556.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Posteriormente, tem lugar o julgamento de direito, que se consubstancia na sentença, que é sempre proferida por um juiz (singular).
A estrutura da sentença consta do art. 562.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe:
Artigo 562.º
(Sentença)
“1. A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
3. Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
4. ...”
Assim, em processo civil, na sentença o juiz não indica os factos não provados, mas apenas os factos provados. Deste modo, mesmo que o Código de Processo Civil fosse aplicável à sentença no recurso contencioso, estava o recorrente equivocado ao defender a aplicação de norma que se aplica à decisão de julgamento de facto e não à sentença, em que se consubstanciou o Acórdão recorrido.
Na verdade, o artigo 556.º, n.º 2 do Código de Processo Civil não se aplica à sentença.
No recurso contencioso não há uma separação entre o julgamento de facto e de direito. À semelhança do processo penal, no recurso contencioso, na sentença (ou Acórdão se se tratar do TSI), procede-se ao julgamento de facto e de direito.
O Código de Processo Administrativo Contencioso contém uma norma respeitante à sentença no recurso contencioso, que é o artigo 76.º e que dispõe:
“Artigo 76.º
(Conteúdo da sentença e acórdão)
A sentença e o acórdão devem mencionar o recorrente, a entidade recorrida e os contra-interessados, resumir com clareza e precisão os fundamentos e conclusões úteis da petição e das contestações, ou das alegações, especificar os factos provados e concluir pela decisão final, devidamente fundamentada”.
Ora, esta norma determina que a sentença especifique os factos provados, mas não os factos não provados, pelo que, tendo aplicação directa ao nosso caso, não será de aplicar subsidiariamente o artigo 562.º do Código de Processo Civil. Mas ainda que o fosse, o resultado seria o mesmo.
Ou seja, tanto em processo civil, como em processo administrativo contencioso, a sentença não indica os factos alegados pelas partes não considerados provados pelo tribunal, mas indica apenas os factos provados.
Não tem, pois, razão o recorrente nesta parte.
Já quanto à tese do recorrente, de que Acórdão recorrido é nulo porque não especificou os meios de prova usados para considerar os factos provados, nem os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, a questão é mais complexa.
O artigo 76.º Código de Processo Administrativo Contencioso, atrás transcrito, não impõe ao julgador tal obrigação, naquela norma que se refere à estrutura da sentença no recurso contencioso.
Mas já o n.º 3 do artigo 562.º do Código de Processo Civil determina que “na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”.
Na sentença, além dos factos considerados provados na decisão sobre a matéria de facto – factos sujeitos à livre apreciação do julgador (artigo 558.º, n.º 1) – o juiz considera, ainda, os factos cuja prova se baseia em meios de prova que escapam ao julgador da matéria de facto (factos admitidos por acordo ou não impugnados nos articulados, provados por documentos – prova plena – ou por confissão escrita).
Na sentença, quando o juiz examina criticamente as provas fá-lo “... de modo diferente de como fez o julgador da matéria de facto: não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova, mas de verificar atentamente se existiram os factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório”7.
Assim, o Acórdão recorrido não tinha de especificar os meios de prova usados para considerar os factos provados, nem os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.»8
É de mantar tal posição.
Resumindo, reafirma-se que, no recurso contencioso de anulação, a lei não exige que a sentença indique os factos não provados nem especifique os meios de prova usados para considerar os factos provados, nem ainda os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Improcede o recurso, também nesta parte.

3.3. Do erro nos pressupostos de facto e de direito
O vício foi imputado pela recorrente com violação do disposto nos art.ºs 104.º, n.º 5, 166.º, n.º 1, al. 1) e 215.º, al. 3), da Lei n.º 10/2013.
Nos termos da al. 3) do art.º 215.º da Lei n.º 10/2013, “Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º”.
As letras da al. 3) são muito claras, das quais resulta que no caso de expiração do prazo fixado para o aproveitamento do terreno, sem que o terreno tenha sido aproveitado por culpa do concessionário, é aplicado o disposto no n.º 3 do art.º 104.º e no art.º 166.º, referentes respectivamente à aplicação, por inobservância de prazos de aproveitamento, das penalidades estabelecidas no respectivo contrato ou da multa e à caducidade da concessão.
Há de ver se no caso vertente é aplicável o disposto na al. 3) do art.º 215.º da Lei n.º 10/2013, ou seja, se o terreno concedido não foi aproveitado por culpa da recorrente, que deixou passar o prazo sem que tenha realizado o aproveitamento do terreno.
Ora, conforme a factualidade assente, o terreno em causa foi concedido à recorrente, com o prazo global de aproveitamento fixado em 30 meses, que terminou em 19 de Novembro de 2000.
No entanto, até ao termo do referido prazo, o terreno ainda não se encontrava aproveitado, apesar da aprovação do Projecto de Obra, que foi comunicada à recorrente em Julho de 1998, da emissão da licença para obras de construção em 18 de Setembro de 1998 e da autorização para o início da obra em 16 de Novembro de 1998, bem como ainda da notificação feita pela Administração em 2 de Junho de 1999 e 19 de Novembro de 2000, no sentido de chamar atenção da recorrente para o aproveitamento do terreno.
Assim sendo, não merece censura o entendimento contido no acórdão recorrido no sentido de o incumprimento do prazo de aproveitamento é imputável à recorrente.
Alega a recorrente que a falta de aproveitamento do terreno se ficou a dever à “inércia da Administração na aprovação dos sucessivos pedidos” por si apresentados.
No entanto, é de frisar que, com excepção do pedido de alteração da finalidade de construção, todos esses pedidos, incluindo os de alteração do projecto de construção (em Março de 2002), de Estudo Prévio e de prorrogação do prazo de aproveitamento (em Junho de 2015) bem como o de emissão da Planta de Condições Urbanísticas (em Julho de 2015), foram apresentados depois do termo do prazo de aproveitamento.
É de recordar que, em relação ao pedido apresentado antes do termo do prazo de aproveitamento, uma vez que a recorrente não reagiu com a forma legalmente prevista, deve suportar as respectivas consequências legais.
Invoca a recorrente ainda a violação do disposto no n.º 5 do art.º 104.º da Lei n.º 10/2013, mas sem razão.
Na verdade, a norma prevê a possibilidade de suspender ou prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno, a requerimento do concessionário e por autorização do Chefe do Executivo, “por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”.
No caso vertente, nem se coloca a possibilidade prevista, pois não está em causa uma situação de não aproveitamento do terreno no prazo fixado “por motivo não imputável ao concessionário”.
Por outro lado, a norma contida no n.º 5 do art.º 104.º não pode ser aplicada aos casos em que o prazo de aproveitamento já expirou na vigência da Lei de Terras antiga de 1980, dado que não podia ser pedida a suspensão ou a prorrogação do prazo de aproveitamento, que já se esgotara à data da entrada em vigor da Lei de 2013. E do n.º 5 do art.º 105.º da Lei de 1980 apenas pode retirar-se que o concessionário podia apresentar justificação para o não cumprimento dos prazos.9
É de aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 104.º e no art.º 166.º da Lei n.º 10/2013, já que estão preenchidos os pressupostos do n.º 3 do art.º 215.º da mesma Lei.
Prevê expressamente a al. 1) do n.º 1 do art.º 166.º que as concessões provisórias de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam por “não conclusão do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais, ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa”.
Salienta-se que, no presente caso, foi expressamente estabelecido no contrato de concessão o prazo e termo de aproveitamento do terreno em causa, não se tratando do caso de omissão contratual.
Daí que, verificada uma das situações previstas no art.º 166.º da Lei n.º 10/2013 em que se deve declarar a caducidade da concessão provisória, é de crer que não merece censura o acórdão recorrido (bem como o acto administrativo impugnado).
Não se verifica o vício de erro nos pressupostos de facto e de direito, imputado pela recorrente.

3.4. Da violação do princípio da protecção de confiança legítima, corolário do princípio da boa-fé e o da proporcionalidade e adequação art.ºs 5.º, n.º 2 e 8.º do CPA
A questão ora colocada também já foi objecto de apreciação em vários acórdãos do Tribunal de Última Instância, sendo de entendimento uniforme deste Tribunal que, face à Lei n.º 10/2013, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do CPA.10
No caso sub judice, afigura-se-nos que, face à falta de aproveitamento, por culpa da recorrente, no prazo de aproveitamento estipulado, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão do terreno.
É esta a posição uniforme que o Tribunal de Última Instância tem assumido em casos semelhantes em que foi declarada a caducidade da concessão pelo não aproveitamento do terreno no prazo fixado para o efeito, por culpa do concessionário. 11
O acto não foi praticado no exercício de poderes discricionários, sendo um acto vinculado.
Ao contrário dum acto praticado no exercício de poderes discricionários, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.12
Repetindo, no caso ora em apreciação, evidentemente estamos perante um acto vinculado.
E no âmbito da actividade vinculada, não se releva a alegada violação dos princípios indicados pela recorrente.
Mesmo que a caducidade não seja declarada pela Administração logo depois do termo do prazo de aproveitamento, nada impede que o faça posteriormente.
Acrescentando, e no que concerne à questão da culpa, este Tribunal de Última Instância também já teve oportunidade para se pronunciar, tendo entendido que se pode ver aqui um conceito indeterminado, cuja determinação constitui uma actividade vinculada, de mera interpretação da lei, com base nos instrumentos da ciência jurídica, não havendo intenção de conceder uma margem de apreciação à Administração. E nos casos em que está em causa a interpretação da culpa passada do concessionário no não desenvolvimento do terreno, o conceito indeterminado não envolve qualquer juízo de prognose, mas apenas envolve a avaliação da conduta passada, porque o seu conteúdo é apurável através de métodos teorético-discursivos. Daí que não pode estar em causa a violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé, etc..13
É de concluir pela improcedência do recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.

                 15 de Março de 2023
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra, 2012, p. 140.
2 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, 3.ª edição, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2018, p. 568.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 15 de Fevereiro de 2012, Proc. n.º 1/2012.
4 Cfr. Ac. do TUI, de 14 de Julho de 2004, Proc. n.º 21/2004.
5 Cfr. Ac. do TUI, de 16 de Janeiro de 2008, Proc. n.º 5/2007.
6 Cfr. Ac. do TUI, de 16 de Outubro de 2019, Proc. n.º 16/2017.
7 J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 643.
8 Cfr. também Ac. do TUI, de 22 de Julho de 2020. Proc. n.º 54/2020.

9 Cfr. Ac. do TUI, de 11 de Abril de 2018, Proc. n.º 38/2017 e de 3 de Abril de 2020, Proc. n.º 7/2019.
10 Cfr. Ac.s do TUI, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018; de 31 de Julho de 2018, Proc. n.º 69/2017; de 3 de Abril de 2020, Proc. n.º 7/2019; de 22 de Julho de 2020, Proc. n.º 54/2020; de 16 de Setembro de 2020, Proc. n.º 94/2020; de 4 de Dezembro de 2020, Proc. n.º 128/2020 e de 6 de Janeiro de 2021, Proc. n.º 177/2020, entre outros.
11 Cfr. Ac.s do TUI, de 31de Janeiro de 2019, Proc. n.º 103/2018; de 3 de Abril de 2020, Proc. n.º 7/2019; de 10 de Julho de 2020, Proc. n.º 38/2020 e de 6 de Janeiro de 2021, Proc. n.º 177/2020, entre outros.
12 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
13 Cfr. Ac.s do TUI, de 3 de Maio de 2000, Proc. n.º 9/2000; de 11 de Abril de 2018, Proc. n.º 38/2017 e de 5 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 88/2018.
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Processo n.º 107/2022