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Processo nº 109/2022
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), A., propôs, no Tribunal Judicial de Base, acção especial de divórcio contra B (乙), R., ambos com os sinais dos autos; (cfr., fls. 47 a 51-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, após contestação, (cfr., fls. 103 a 138), proferiu o Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base “despacho saneador-sentença” julgando a acção improcedente; (cfr., fls. 460 a 462).

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Inconformada, a A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 11.07.2019, (Proc. n.° 184/2017), concedeu provimento ao dito recurso, ordenando a devolução dos autos ao Tribunal Judicial de Base para, após audiência de julgamento se proferir nova decisão; (cfr., fls. 835 a 841-v).

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Na sequência do assim decidido, realizada a audiência de julgamento, e proferido Acórdão a decidir a matéria de facto constante da base instrutória, julgou-se (novamente) improcedente a “acção especial de divórcio” pela A. proposta, absolvendo-se o R. do pedido deduzido; (cfr., fls. 847 a 851-v, 1047 a 1053 e 1055 a 1059-v).

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Ainda inconformada, a A. recorreu.

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Em apreciação do aludido recurso, em 26.05.2022, e nos Autos de Recurso Civil e Laboral no Tribunal de Segunda Instância registado com o n.° 498/2021 proferiu-se veredicto que confirmou a aludida sentença do Tribunal Judicial de Base.

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Traz agora a A. a este Tribunal de Última Instância o presente recurso, alegando para concluir nos termos seguintes:

“1. O acórdão recorrido julgou improcedente o recurso interposto pela recorrente, com fundamento em que não podia esta fazer prova da existência da relação matrimonial entre ela e o recorrido, salvo o devido respeito, a recorrente não está de acordo;
2. Primeiro, entende a recorrente que a «certidão de casamento» n.º XXX, da série de Chan Zheng Zi (80) (constante das fls. 293 a 395 (sic.) dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e a «certidão de casamento» n.º XXXX, da série de Fo Shi Zheng Zi (90) (constante das fls. 7 a 9 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), ambas do Cartório Notarial da Cidade de Foshan, apresentadas por ela, são suficientes para comprovar o registo de casamento entre ela e o recorrido no Interior da China, ou seja a existência da relação matrimonial entre as partes;
3. A recorrente alegou ter contraído casamento com o recorrido na Cidade de Foshan da Província de Guangdong no dia 9 de Março de 1979, pelo que, ao abrigo dos dispostos no art.º 49.º, n.º 1 do Código Civil, a celebração da relação matrimonial entre a recorrente e o recorrido, a sua duração e validade, devem ser reguladas pela lei do lugar em que foi contraído o casamento – ou seja pela lei do Interior da China;
4. As duas «certidões de casamento» apresentadas pela recorrente foram emitidas pelo Cartório Notarial da Cidade de Foshan sob a forma de “escritura pública”;
5. De acordo com a «Lei do Notariado» e o «Código Civil» do Interior da China, o registo de casamento é um tipo de registo civil no Interior da China, e o Cartório Notarial da Cidade de Foshan (agora designado por Cartório Notarial Zhujiang da Cidade de Foshan) tem, na qualidade de cartório notarial, poderes para certificar o estado civil da pessoa singular, e a escritura pública outorgada de acordo com as supracitadas normas entra em vigor a partir da data da sua emissão;
6. De acordo com o acordo de confirmação recíproca estabelecido na «Resposta sobre a Confirmação Recíproca de Documentos Comprovativos de Registo Civil e Instrumentos Notariais entre o Interior da China e Macau n.º 598, da Série Gang Ban San Zi (94)», as aludidas duas «certidões de casamento» podem ser directamente aplicáveis e produzir efeito jurídico em Macau, sem necessidade de autenticação;
7. Ao abrigo dos dispostos na «Lei de Processo Civil» da RPC, nas «Disposições do Supremo Tribunal Popular sobre as Provas no Processo Civil n.º 33, da Série Fa Shi (2001)», nas «Disposições do Supremo Tribunal Popular sobre as Provas no Processo Civil n.º 19, da Série Fa Shi (2019)», e na «Explicação dada pelo Supremo Tribunal Popular sobre a Aplicação da Lei de Processo Civil da RPC», as duas «certidões de casamento» apresentadas pela recorrente são instrumentos notariais lavrados pelo órgão competente para exercer a função notarial, isto é, o cartório notarial, podem servir directamente de fundamento para o reconhecimento dos factos, e fazem parte da prova documental nos processos civis, com fé pública legal de presumir a autenticidade;
8. De acordo com a lei do Interior da China, as duas «certidões de casamento» supracitadas têm força probatória legal e vantagem, e é de hierarquia relativamente elevada em termos de prova nas acções judiciais. Nos processos cíveis, o tribunal obriga-se a aceitar o conteúdo da escritura pública e o considerar como fundamento para o reconhecimento dos factos, salvo se as partes fornecerem prova em contrário suficiente para ilidir completamente o respectivo conteúdo.
9. Com base no acordo de confirmação recíproca entre o Interior da China e Macau, e no Código Civil de Macau, devem os tribunais de Macau admitir directamente as referidas duas «certidões de casamento», por serem documentos autênticos dotados de força probatória plena e fé pública legal.
10. O acórdão recorrido decidiu não dar crédito às duas «certidões de casamento» acima referidas, invocando como fundamento que, mediante a «decisão de revisão» n.º XX, da série de Fo Shi Zhu Jiang Che Zi (2016), do Cartório Notarial Zhujiang da Cidade de Foshan da Província de Guangdong, já foram anuladas as respectivas certidões;
11. Porém, é de mencionar que, a aludida «decisão de revisão» foi posteriormente anulada pela «decisão de nova revisão» n.º XX, da série de Fo Shi Zhu Jiang Fu Zi (2018), do Cartório Notarial Zhujiang da Cidade de Foshan da Província de Guangdong (constante das fls. 770 a 776 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), e foi declarada a manutenção da validade das duas «certidões de casamento» em causa;
12. Segundo a «Lei do Notariado», as «Regras do Procedimento Notarial», e as «Disposições do Supremo Tribunal Popular sobre Julgamento de Processos Cíveis Relativos à Actividade Notarial (n.º 6 da Série Fa Shi [2014])» da RPC, se as partes considerem errado um instrumento notarial passado pelo serviço notarial e pretendam anular o mesmo instrumento, só podem requerer a revisão ao serviço notarial, sendo o resultado da revisão, em qualquer circunstância, decisão final tomada sobre o respectivo instrumento notarial.
13. Mesmo que seja intentada acção junto do tribunal popular do Interior da China, o tribunal não tem direito de proferir directamente uma decisão anulatória ou modificativa da escritura pública. Só podem as partes, com base na decisão transitada em julgado do tribunal popular, requerer a revisão ao serviço notarial.
14. Em suma, a revisão é a única via de apreciação e apuramento da escritura pública, e a anulação da escritura só pode ser feita através do requerimento de revisão. Apenas o cartório notarial que passou a escritura pública tem competência para anular a mesma escritura, e não são competentes os tribunais populares, o Ministério da Justiça ou as associações do notariado;
15. Por isso, nenhuma das sentenças apresentadas pelo recorrido, e nenhuma decisão judicial proferida por qualquer tribunal, pode modificar, impedir ou diminuir a eficácia das supracitadas duas «certidões de casamento», e na verdade, no que diz respeito à causa administrativa movida pelo recorrido no Interior da China, todas as decisões judiciais proferidas acabaram por indeferir a acção do recorrido, e não conheceram do mérito da causa, isto é, se é legal e válido o acto de registo de casamento entre a recorrente e o recorrido.
16. E a única entidade competente para anular as duas «certidões de casamento» em causa, ou seja o Cartório Notarial Zhujiang da Cidade de Foshan da Província de Guangdong, proferiu a «decisão de nova revisão», decidindo manter a validade das certidões e não as anular.
17. Na aludida «decisão de nova revisão», foram a recorrente e o recorrido notificados dos meios de assistência e do prazo para apresentar queixa de revisão, conforme as «Soluções para Queixas na Revisão Notarial (Experimentais)» da RPC, no entanto, a recorrente e o recorrido não apresentaram queixa no prazo de 60 dias, o que deve ser considerado como falta de oposição à «decisão de nova revisão».
18. De acordo com o art.º 39.º da «Lei do Notariado» da RPC, o resultado constante da referida «decisão de nova revisão» é decisão final tomada por órgão de poder legal, dito por outra palavra, desde o início, são incontestáveis a legalidade, a validade e a força probatória das aludidas duas «certidões de casamento» no Interior da China.
19. E a recorrente também apresentou o ofício n.º XX da série de Chan Min (2017), enviado pelo Departamento de Administração Civil do Distrito Chancheng da Cidade de Foshan (constante das fls. 568 a 569 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), que reconheceu a existência do registo de casamento entre a recorrente e o recorrido, certificou que eles já concluíram as formalidades de registo de casamento nos termos da «Lei de Casamento da República Popular da China (1950)» e do «Regulamento do Registo de Casamento da República Popular da China (1955)», e o registo de casamento foi homologado pela instituição legal, ou seja o “Comité Revolucionário do Distrito Chaoyang da Cidade de Foshan”.
20. Pelo exposto, embora a decisão proferida pelo tribunal do Interior da China indicasse o erro cometido pelo serviço notarial no tratamento da «decisão de nova revisão», acabou por não anular a respectiva escritura com base nesse erro, nem declarar a nulidade da mesma (o tribunal não é competente para o efeito), ou ilidir o facto atestado na escritura. E a decisão do tribunal do Interior da China nunca negou o casamento notarizado entre a recorrente e o recorrido.
21. Nestes termos, de acordo com as disposições legais do Interior da China e o Código Civil de Macau, quando o tribunal determine se existe relação matrimonial entre a recorrente e o recorrido, devem prevalecer as duas «certidões de casamento» acima referidas, que constituem provas documentais legais e válidas, com força probatória plena;
22. Por outro lado, o recorrido nunca deduziu impugnação ou reconvenção da falsidade das duas «certidões de casamento» em causa, e conforme o Código Civil de Macau e as jurisprudências, não sendo declarada a falsidade das duas «certidões de casamento» em questão, o facto atestado nelas, ou seja a existência da relação matrimonial entre a recorrente e o recorrido, constitui prova legal com força probatória plena, cuja admissão não pode ser recusada pelo tribunal;
23. Quanto à admissão do parecer pericial do Laboratório Judicial Fawei de Guangdong, apresentado pelo recorrido e admitido pelo acórdão recorrido (constante das fls. 586-593 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), é de mencionar que, não está em causa uma perícia prevista na «Lei de Processo Civil» da RPC, e tal parecer foi apresentado na acção administrativa intentada pelo recorrido contra o Departamento de Administração Civil do Distrito Chancheng da Cidade de Foshan, com fundamento na ilegalidade do registo de casamento feito no ano de 1979, na qual se pediu a declaração da nulidade do registo de casamento entre o recorrido e a recorrente;
24. Porém, de acordo com a decisão administrativa n.º XX da série de Zui Gao Fa Xing Jian (2018) (do Supremo Tribunal Popular da RPC) (constante das fls. 698-710 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), não foi conhecido o mérito da referida acção devido à absolvição da instância, e o tribunal popular do Interior da China nunca procedeu ao julgamento do conteúdo do respectivo parecer (incluindo, mas não se limitando à sua genuinidade e ao eventual valor probatório), pelo que o tribunal recorrido violou os dispostos no direito probatório do Interior da China ao afirmar que “a sua genuinidade ser reconhecida pelo tribunal do Interior da China”;
25. Esse parecer é apenas um documento particular que, na falta de julgamento e reconhecimento pelo tribunal, não produza qualquer eficácia probatória legal, e em comparação com as duas «certidões de casamento» apresentadas pela recorrente, não tem valor probatório superior ao dos documentos autênticos, não podendo ilidir a genuinidade e força probatória das respectivas certidões;
26. Pelo exposto, o acórdão recorrido, após ter admitido como prova documental as duas «certidões de casamento» apresentadas pela autora, ignorou completamente a força probatória plena das mesmas, e ao invés, admitiu um parecer pericial que nunca foi julgado e reconhecido pelo tribunal do Interior da China, violando as disposições legais do Interior da China e no Código Civil de Macau relativas ao direito probatório;
27. A recorrente já cumpriu o ónus da prova e apresentou ao tribunal as supracitadas duas «certidões de casamento», que não são anuladas ou declaradas falsas, e mantêm-se válidas. Deve o tribunal, segundo as disposições legais, admitir directamente as respectivas certidões para reconhecer o facto de terem a recorrente e o recorrido contraído casamento na Cidade de Foshan da Província de Guangdong no dia 9 de Março de 1979, e proceder ao julgamento das restantes partes conforme a lei vigente em Macau.
28. Por outro lado, o acórdão recorrido violou a lei substantiva do local onde a recorrente e o recorrido contraíram casamento;
29. A recorrente não concorda com o seguinte fundamento invocado pelo acórdão recorrido, segundo o qual devido à falta do livrete de casamento legalmente reconhecido, não ficou provado o casamento entre a recorrente e o recorrido:
30. O livrete de casamento é documento comprovativo da celebração da relação matrimonial emitido aos cidadãos pelo órgão do Estado, mas trata-se da eficácia dum documento comprovativo, e não do símbolo do “exercício do poder através do título”. O mais importante é que, se foi efectuado ou não o registo de casamento, pelo que, sempre que haja documento comprovativo do requerimento e registo de casamento entre a recorrente e o recorrido, a perda do livrete de casamento não prejudica a legalidade e validade da relação matrimonial entre eles.
31. E a certidão consta das fls. 288 dos autos, passada pelo então governo popular do Interior da China – Comité Revolucionário do Distrito Chaoyang da Cidade de Foshan, é suficiente para reconhecer que a recorrente e o recorrido dirigiram-se, em pessoa, ao órgão de registo de casamento para requerer o registo de casamento, foi deferido tal requerimento, e para o efeito, foi emitido o livrete de casamento “n.º XXX da série de Chao Jie Zi”;
32. De acordo com a lei do Interior da China, o livrete de casamento não é o único fundamento ou título do registo de casamento e da celebração da relação matrimonial, e existe documento comprovativo da emissão, pelo órgão do Estado do Interior da China (Comité Revolucionário), do livrete de casamento n.º XXX da série de Chao Jie Zi, ficando assim provado que a recorrente e o recorrido já completaram o registo de casamento em conformidade com a lei do Interior da China, existindo entre eles uma verdadeira relação matrimonial. Nestes termos, os fundamentos do acórdão recorrido violaram a lei do Interior da China;
33. É de reiterar que as acções judiciais intentadas no Interior da China não ilidiram o registo de casamento entre a recorrente e o recorrido, e para o efeito, é necessário esclarecer, mais uma vez, a natureza e a eficácia das várias acções judiciais intentadas no Interior da China;
34. Na causa administrativa, o recorrido intentou acção contra o Departamento de Administração Civil do Distrito Chancheng da Cidade de Foshan, com fundamento na ilegalidade do registo de casamento feito no ano de 1979, e pediu para declarar a nulidade do registo de casamento entre o recorrido e a recorrente. E na causa, a decisão que tem a maior eficácia jurídica é a decisão administrativa n.º XX da série de Zui Gao Fa Xing Jian (2018), proferida pelo Supremo Tribunal Popular da RPC.
35. A referida decisão julgou que o registo de casamento efectuado no ano de 1979 não se encontra no âmbito de admissão do processo administrativo contencioso pelos tribunais populares, e rejeitou o pedido de revisão formulado pelo recorrido. Ao mesmo tempo, entendeu que o tribunal inferior exorbitou das suas competências ao apreciar as questões de natureza substantiva do registo de casamento.
36. Isso significa que entre os processos administrativos contenciosos de nulidade do registo de casamento, deve prevalecer o resultado na decisão administrativa n.º XXX, da série de Fo Cheng Fa Xing Chu Zi (2015), ou seja “é extemporânea e injustificada a acção intentada por B, pelo que não é de conhecer do mérito da causa, ou seja a legalidade do registo de casamento, e é de indeferir a acção de B”.
37. O STP indeferiu a acção do recorrido, mantêm-se inalterados todos os factos existentes, e não foi judicialmente negado o facto objectivo da legalidade e validade do “registo de casamento entre B e A efectuado pelo Departamento de Administração Civil do Distrito Chancheng da Cidade de Foshan”, pelo que, obviamente, a conclusão tirada pelo acórdão recorrido está contrária e em desconformidade com o reconhecimento da duração de casamento entre a recorrente e o recorrido, feito conforme a lei do Interior da China.
38. Em sede da causa cível, o recorrido intentou acção contra o Cartório Notarial Zhujiang da Cidade de Foshan da Província de Guangdong, pedindo para condenar o Cartório Notarial Zhujiang a pagar-lhe um montante de RMB¥5.000.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos económicos causados pela «decisão de nova revisão» do mesmo cartório. A decisão final é a sentença cível n.º XXXX da série de Yue 06 Min Zhong (2019) (do Tribunal Popular Intermédio da Cidade de Foshan da Província de Guangdong) (constante das fls. 998-1020 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
39. Na referida causa, os tribunais populares do Interior da China entenderam que uma das questões nucleares reside em saber se os actos notariais praticados pelo cartório notarial, ou seja a emissão da escritura pública n.º XXXX e da «decisão de nova revisão», são culposos, não estando envolvido o erro no conteúdo da escritura pública, ou a necessidade de anulação da escritura, ou o reconhecimento da eficácia da mesma.
40. Não se enquadra nas espécies de processo civil previstas pelo art.º 40.º da «Lei do Notariado» da RPC, razão pela qual não foi produzido o efeito jurídico susceptível de alterar qualquer direito e dever civil ou relação jurídica.
41. Em síntese, não é de entender que as decisões cíveis e administrativas proferidas no Interior da China, apresentadas pelo recorrido, podem afectar juridicamente o conteúdo atestado nas escrituras públicas em questão, e não foram declarados falsos os mesmos instrumentos e o conteúdo atestado neles. As aludidas decisões judiciais não fizeram contraprova suficiente para ilidir as duas «certidões de casamento» apresentadas pela recorrente e o respectivo conteúdo atestado, quer dizer, as acções judiciais do Interior da China não ilidiram o registo de casamento entre a recorrente e o recorrido;
42. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido invocou erradamente as supracitadas decisões, interpretou isoladamente frases constantes delas, e violou a lei do Interior da China quanto ao reconhecimento do registo de casamento entre a recorrente e o recorrido;
43. Por outro lado, segundo a «Explicação dada pelo Supremo Tribunal Popular sobre a Aplicação da Lei de Processo Civil da RPC», os factos assentes na decisão judicial proferida pelo tribunal popular que já produziu efeitos jurídicos têm a força vinculativa, sendo inalterável o seu reconhecimento e directa a sua invocação nos outros casos.
44. E a sentença civil n.º XXXXX da série de Yue XXXX Min Chu (2018), proferida pelo Tribunal Popular do Distrito Chancheng da Cidade de Foshan da Província de Guangdong, deu como assentes os seguintes factos: “Durante o tratamento da escritura pública n.º XXX requerida por B, este forneceu ao serviço notarial uma certidão passada pelo gabinete do Comité Revolucionário do Distrito Chaoyang, datada de 6 de Março de 1980, da qual consta que B e A dirigiram-se ao Distrito Chaoyang para efectuar o registo de casamento, e no mesmo dia, foi emitido o livrete de casamento n.º XXX da série de Chao Jie Zi”;
45. Os aludidos factos não foram ilididos ou negados na decisão final, ou seja sentença cível n.º XXXX da série de Yue 06 Min Zhong (2019), pelo que devem ser considerados como factos assentes nas primeira e segunda instâncias. Porém, no acórdão recorrido, o TSI, com fundamento em “as provas existentes apenas comprovaram que B tinha apresentado o pedido de casamento, mas não fizeram prova da emissão, por parte do serviço competente, do documento comprovativo de casamento”, entendeu que não ficou provado o registo de casamento entre o recorrido e a recorrente, verificando-se, assim, a desconformidade com os factos reconhecidos por decisão judicial do tribunal popular conforme a lei do Interior da China.
46. A intenção original do supracitado texto da decisão administrativa n.º XX da série de Zui Gao Fa Xing Jian (2018) é: na causa administrativa em questão, o recorrido só forneceu prova do requerimento de casamento, mas não forneceu prova do registo de casamento. No entanto, a referida prova é relacionada com o mérito da causa, e só é considerada se for necessário o conhecimento do mérito.
47. Importa reiterar que, segundo a lei do Interior da China, nomeadamente as «Disposições do STP sobre Julgamento de Processos Cíveis Relativos à Actividade Notarial (n.º 6 da Série Fa Shi [2014])» da RPC, entendeu o STP que não deve conhecer da questão substantiva do “registo de casamento controvertido”, e apontou a correição a impor às decisões da 2ª instância e da revisão. Por isso, é errada a conclusão tirada pelo acórdão recorrido através da interpretação da decisão administrativa n.º XX da série de Zui Gao Fa Xing Jian (2018) do STP, e desconforme aos fundamentos de facto e de direito da decisão do tribunal popular.
48. Além disso, o teor seguinte à expressão “este Tribunal entende” na decisão do STP não constitui condenação nem facto assente, e não produz efeitos jurídicos de reconhecimento dos factos ou de resultado da decisão quanto aos outros casos, pelo que não se pode negar, com base no respectivo teor, a eficácia das duas «certidões de casamento» apresentadas pela recorrente, e o acórdão recorrido violou obviamente os dispostos relativos ao efeito jurídico das diversas partes integrantes da decisão judicial do Interior da China.
49. Na «Resposta dada pelo Gabinete dos Trabalhos de Execução do Supremo Tribunal Popular sobre a Citação do Dispositivo e Fundamentação da Sentença como Título de Execução», o STP do Interior da China afirmou expressamente que a parte “este Tribunal entende” não pertence à condenação.
50. E segundo a jurisprudência do STP: “Normalmente, o teor da fundamentação duma decisão judicial não tem força vinculativa ou força do caso julgado quanto aos outros casos, quer no que diz respeito ao reconhecimento de factos, quer no que diz respeito ao resultado da decisão”.
51. Por isso, de acordo com a lei e as jurisprudências do Interior da China, no dispositivo ou na parte “este Tribunal entende” da sentença do tribunal do Interior da China, não foi concluída a acareação e não se produz a eficácia probatória;
52. O acórdão recorrido invocou como fundamento o teor da parte “este Tribunal entende” nos processos civis e administrativos contenciosos do Interior da China, ampliou obviamente o efeito jurídico da respectiva parte, e tal entendimento e invocação não correspondem às regras referentes à força probatória de decisão judicial do Interior da China, definidas pelo STP.
53. Importar reiterar que, quer nos processos civis, quer nos processos administrativos contenciosos, existiu apenas a condenação que se traduz no indeferimento da acção do recorrido ou no indeferimento do pedido de revisão da recorrente, não podendo as decisões em causa ser entregues a qualquer órgão (incluindo os tribunais de Macau) para efeitos de referência e execução;
54. Pelo exposto, o acórdão recorrido violou a lei substantiva do local onde a recorrente e o recorrido contraíram casamento, ou seja a lei do Interior da China, incluindo mas não se limitando a violar o reconhecimento da existência do registo de casamento entre a recorrente e o recorrido, a eficácia das sentenças proferidas pelos tribunais do Interior da China, o reconhecimento dos factos, os fundamentos de direito invocados e sua eficácia probatória, decisões essas que não correspondem às disposições legais no Interior da China, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido, e proferida uma sentença substitutiva nos termos legais.
55. Além disso, tanto o acórdão recorrido como a sentença da 1ª instância confirmada pelo acórdão recorrido são nulos por oposição entre fundamentos e decisão, incorrendo no vício de nulidade previsto pelo art.º 571.º, n.º 1, al. c) do CPC;
56. Importa reiterar que, tanto o acórdão recorrido como a sentença da 1ª instância entenderam que as provas fornecidas pela recorrente não eram suficientes para comprovar a existência da relação matrimonial entre a recorrente e o recorrido, mas, de facto, a recorrente já apresentou duas «certidões de casamento», provas essas que já foram admitidas pelo tribunal;
57. As supracitadas duas «certidões de casamento» são documentos autênticos passados por cartório notarial do Interior da China, não foram anuladas pelo cartório emissor nem ilididas por qualquer sentença judicial conforme a lei do Interior da China, e quer nos processos movidos no Interior da China, quer no presente processo, nunca foram declaradas falsas, podendo fazer prova plena da relação matrimonial entre a recorrente e o recorrido;
58. Porém, nos presentes autos, o recorrido não provou a anulação das duas «certidões de casamento» acima referidas, não arguiu a falsidade das mesmas e forneceu prova em contrário, e não conseguiu fazer prova da falta de contracção de casamento com a recorrente, da inexistência do registo de casamento, ou da declaração da nulidade do casamento, de modo a ilidir o facto atestado nas «certidões de casamento» em causa.
59. Pelo exposto, tendo admitido as duas «certidões de casamento» acima referidas, o acórdão recorrido chegou à conclusão de “não se pode entender que existe relação matrimonial entre a autora e o réu”, verificando-se assim contradição evidente. O acórdão recorrido incorreu obviamente no vício de nulidade por oposição entre fundamentos e decisão, razão pela qual pede-se ao MM.º Juiz para declarar nulo o acórdão recorrido, revogar o acórdão recorrido e proferir uma decisão substitutiva nos termos legais”; (cfr., fls. 1344 a 1369-v e 75 a 170 do Apenso).

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Respondendo, pugna o R. pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 1414 a 1436).

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Adequadamente processados os autos, e nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Pela A. da “acção especial de divórcio” contra o R. proposta vem apresentado o presente recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a sentença pelo Tribunal Judicial de Base prolatada que lhe negou provimento à dita acção.

Para boa – cabal – compreensão das razões do assim decidido, passa-se a transcrever o teor do Acórdão ora recorrido:

“I. RELATÓRIO
A (adiante designada por “Autora” ou “Recorrente”) intentou acção de divórcio contra B (adiante designado por “Réu” ou “Recorrido”), pedindo a declaração da dissolução da relação matrimonial celebrada entre ambos.
Após o julgamento, o Mm.º Juiz do TJB julgou improcedente a acção intentada pela Autora e absolveu o Réu do pedido.
A Autora, inconformada, interpôs recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância, indicando as seguintes conclusões nas suas alegações do recurso:
“1. O tribunal da 1.ª instância proferiu em 4 de Dezembro de 2020 a decisão da matéria de facto (constante de fls. 1047 a 1053, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, adiante designada por “decisão recorrida”).
2. O tribunal da 1.ª instância proferiu em 14 de Janeiro de 2021 o seguinte acórdão (constante de fls. 1055 a 1059, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, adiante designado por “acórdão recorrido”).
- Nestes termos, este tribunal julgou improcedente a acção de divórcio intentada pela Autora A contra o Réu B, e absolveu o mesmo do pedido.
3. Face a tal, salvo o devido respeito por Mm.º Juiz da 1.ª Instância, a Recorrente não se conforma e discorda com a decisão da 1.ª Instância que julgou improcedente a acção intentada pela Recorrente.
I. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
4. Nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, alíneas a) e b) e no art.º 599.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), vem impugnar a decisão da matéria de facto através do recurso (constante de fls. 847 a 851 e 1047 a 1053 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
- Quesito 1º: A Autora e o Réu contraíram casamento em 9 de Março de 1979 em Foshan, na Província de Cantão da República Popular da China? O tribunal a quo deu como “não provado”.
- Quesito 17º: A Autora não tinha completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do livrete de casamento? O tribunal a quo deu como provado que a Autora e o Réu não tinham completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do livrete de casamento.
Quesito 24º: No caso dos autos, o competente departamento do registo de casamento não emitiu o livrete de casamento à Autora e ao Réu? O tribunal a quo deu como provado que, no caso dos autos, o competente departamento do registo de casamento não emitiu o livrete de casamento à Autora e ao Réu.
- Quesito 50º: A Autora não assinou o mesmo formulário de casamento? O tribunal a quo deu como provado que a assinatura do formulário de casamento constante de fls. 279 não pertencia à Autora.
5. A recorrente considera que, de acordo com os documentos e depoimentos testemunhais (nomeadamente C(丙) e D (丁)) constantes de fls. 279, 285 a 291, 385 a 390, 411 a 417, 556 a 563, 586 a 593, 606 a 610, 698 a 710, 807 a 824, 903, 998 a 1020 dos autos, deveria ser dado como provado o facto constante do quesito 1º da Base Instrutória.
6. E, de acordo com os documentos e depoimentos testemunhais (nomeadamente C(丙) e D(丙)) constantes de fls. 279, 285 a 291, 297, 299, 385 a 390, 411 a 417, 556 a 563, 586 a 593, 606 a 610, 698 a 710, 807 a 824, 903, 998 a 1020 dos autos, não deveriam ser dados como provados os factos constantes dos quesitos 17º, 24º e 50º da Base Instrutória.
7. Pela razão de que o tribunal a quo incorreu em:
- Erro de entendimento da decisão judicial do Interior da China;
- Erro de entendimento do regime jurídico do notariado do Interior da China;
- Violação da força probatória;
- Erro de entendimento da força jurídica do relatório pericial apresentado pelo Réu;
- Omissão da pronúncia e violação das regras da experiência comum.
A. Erro de entendimento da decisão judicial do Interior da China
8. No que diz respeito ao processo administrativo do Interior da China, quer na 1.ª instância quer na de 2.ª instância, ou tanto na revisão como no recurso de revisão, o resultado final da decisão judicial é o indeferimento do pedido formulado pelo demandante B (ou seja, ora Réu e Recorrido no presente caso), bem como não conheceu da questão substantiva de saber se o acto de registo de casamento entre a Recorrente e o Recorrido era legal e válido.
9. No que diz respeito ao processo administrativo do Interior da China, quer na 1.ª instância quer na de 2.ª instância, o resultado final da decisão judicial é o indeferimento do pedido formulado pelo demandante B (ou seja, ora Réu e Recorrido no presente caso).
10. O processo civil acima referido nunca convocou a Recorrente para participar como litigante ou terceiro, não dando à Recorrente uma oportunidade de defesa.
11. A Recorrente não foi convocada pelo tribunal de julgamento para participar no processo civil do Interior da China, então, a Recorrente não podia exercer o direito de defesa.
12. Isto é, com base apenas na decisão administrativa e na sentença civil já constantes dos autos, a validade do registo do casamento entre a Recorrente e o Recorrido não foi dada como provada ou não provada por uma decisão judicial transitada em julgado e com eficácia jurídica.
13. Independentemente da acção administrativa ou da acção civil acima referidas, os tribunais das instâncias do Interior da China não proferiram nas sentenças uma decisão de anulação da escritura pública n.º XXX, da escritura pública n.º XXXX e da Decisão da Nova Revisão, todas feitas por Cartório Notarial de Zhujiang.
14. Através da análise das decisões judiciais do Interior da China acima referidas, pode-se ter as seguintes duas conclusões:
- A questão da validade do casamento entre a Recorrente e o Recorrido não foi apreciada pelas entidades;
- A escritura pública n.º XXX, a escritura pública n.º XXXX e a Decisão da Nova Revisão, todas feitas por Cartório Notarial de Zhujiang, não foram anuladas por qualquer entidade.
B. Erro de entendimento do regime jurídico do notariado do Interior da China;
15. De facto, tanto a sentença administrativa como a sentença civil também não podem anular o acto notarial feito pelo cartório notarial.
16. De acordo com as Regras do Procedimento Notarial publicadas pelo Ministério da Justiça da República Popular da China em 18 de Maio de 2006, a RPC redefiniu o regime do tratamento da impugnação notarial.
17. O regime acima referido estabelece as três vias para resolver a impugnação:
- Revisão por cartório notarial;
- Tratamento de reclamações por associações industriais; e,
- Acção civil no tribunal popular;
18. Após 1 de Março de 2006, só o cartório notarial que emite a escritura pública tem o direito de anular a escritura pública. Tanto o tribunal popular e o departamento administrativo judicial, como as associações notariais também não têm o direito de anular a escritura pública.
19. Isto é, a anulação da escritura pública só pode ser feita pelo cartório notarial que emitiu a respectiva escritura pública, não podendo o tribunal anular a escritura pública emitida pelo cartório notarial.
20. Quando a “Decisão da Nova Revisão” ainda não foi anulada ou ilidida pelo cartório notarial, as seguintes decisões constantes da “Decisão da Nova Revisão” ainda são válidas e eficazes:
- A “Certidão de Casamento” n.º XXX não é anulada e mantém-se em vigor;
- A “Certidão de Casamento” n.º XXXX não é anulada e mantém-se em vigor; e;
- A Decisão de Revisão 2016 Foshi Zhujiang Sazi n.º XX (cartório notarial de Zhujiang, cidade de Foshan, província de Guangdong) foi anulada.
21. Na prática judicial do Interior da China, o ponto de vista dominante é: de acordo com o Código de Processo Civil e a Lei Notarial da China, o sujeito de anulação da escritura pública é o cartório notarial. Não há base legal para anular a escritura pública por meio de acção civil do tribunal popular e a matéria litigiosa (acção de anulação da escritura pública) não pertence ao âmbito de atribuições do tribunal popular.
22. Se os danos forem causados por acto notarial, cabe ao cartório notarial e ao seu notório a responsabilidade de indemnização civil. Mas, o acto notarial não pertence ao acto administrativo e é irrecorrível.
23. Combinando o acima mencionado direito material, direito do procedimento e direito processual com os pontos de vista judiciais no Interior da China, pode-se resumir as três conclusões a seguir (destinam-se apenas a todas as provas documentais constantes dos autos de interposição de recurso):
- Relativamente à escritura pública da “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX e à escritura pública da “Certidão de Casamento” (90) Foshi Zheng Zi n.º XXXX, as suas eficácias ainda são válidas.
- A Decisão de Revisão 2016 Foshi Zhujiang Sazi n.º XX (cartório notarial de Zhujiang, cidade de Foshan, província de Guangdong) foi anulada pelo Cartório Notarial de Zhujiang;
- A Decisão da Nova Revisão 2018 Foshi Zhujiang Fuzi n.º XX (Cartório Notarial de Zhujiang, cidade de Foshan, província de Guangdong) ainda é a decisão final do Cartório Notarial de Zhujiang.
24. Através da análise das sentenças judiciais acima referidas e do regime jurídico do notariado, pode-se afirmar que só o Cartório Notarial de Zhujiang da Cidade de Foshan da Província de Guangdong tem o direito de anular a escritura pública da “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX, a escritura pública da “Certidão de Casamento” (90) Foshi Zheng Zi n.º XXXX, a Decisão de Revisão 2016 Foshi Zhujiang Sazi n.º XX (cartório notarial de Zhujiang, cidade de Foshan, província de Guangdong) e a Decisão da Nova Revisão 2018 Foshi Zhujiang Fuzi n.º XX (Cartório Notarial de Zhujiang, cidade de Foshan, província de Guangdong).
25. Na Decisão da Nova Revisão 2018 Foshi Zhujiang Fuzi n.º XX (Cartório Notarial de Zhujiang, cidade de Foshan, província de Guangdong), emitida pelo Cartório Notarial de Zhujiang, que é ainda válida e é a decisão final, foi tomada uma decisão de anulação da “Decisão de Revisão”, ou seja, a Decisão de Revisão 2016 Foshi Zhujiang Sazi n.º XX (cartório notarial de Zhujiang, cidade de Foshan, província de Guangdong) é inválida ab initio.
26. Até ao presente, a Decisão da Nova Revisão é a decisão final efectiva, pelo que a Recorrente entende que as eficácias das escrituras públicas da “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX e “Certidão de Casamento” (90) Foshi Zheng Zi n.º XXXX ainda são válidas, cuja posição jurídica nunca foi mudada e é válida do início ao fim, devendo os factos por si autenticadas também produzir a força probatória plena.
27. Com base nisso, no 2.º parágrafo da fundamentação da sentença (fls.8) (ou seja, constante de fls. 1058v. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), é completamente errada a conclusão do tribunal a quo que indicou que a escritura pública da “Certidão de Casamento” (90) Foshi Zheng Zi n.º XXXX foi julgada inválida pelos tribunais da China.
28. Os tribunais do Interior da China nunca tiveram poder ou competência para declarar inválidas as escrituras públicas em causa ou anular as mesmas; caso contrário, apenas o cartório notarial que emitiu as escrituras públicas em causa tem o poder de anular as mesmas.
29. A conclusão do tribunal a quo acima referida não tem fundamento de facto nem de direito, o que pode ser totalmente imputável à falta do entendimento do conteúdo das decisões judiciais do Interior da China e do regime do notariado do Interior da China pelo tribunal a quo.
C. Violação da força probatória
30. No interior da China, a menos que seja apresentada prova em contrário no processo civil para ilidir a convicção do tribunal relativamente ao conteúdo da escritura pública, caso contrário, o tribunal deve admitir esta escritura pública e considerar como provados os factos autenticados pela respectiva escritura pública.
31. Nos termos do disposto no art.º 69.º do Direito Processual Civil da República Popular da China, a escritura pública tem a plena força probatória, e os factos autenticados pela escritura pública devem ser utilizados pelo tribunal popular como base para a determinação dos factos.
32. Para excluir a força probatória da escritura pública, é necessário apresentar prova em contrário no decurso da acção, a fim de ilidir a convicção do tribunal relativamente ao conteúdo do documento notarial.
33. Nos termos do disposto nos art.º 358.º, n.º1, art.º 363º, n.º 1, art.º 364.º, n.º 1, art.º 365.º, n.º 1 e art.º 366.º, n.º 1 do Código Civil de Macau, as escrituras públicas em causa (incluindo a “Certidão do Casamento” n.º XXX, a “Certidão do Casamento” n.º XXXX e a “Decisão da Nova Revisão”) constituem prova legal com plena força probatória para verificação da relação matrimonial entre a Recorrente e o Recorrido, pelo que o Tribunal a quo deve admiti-las, ou seja, o quesito 1.º do despacho saneador deve ser dado como provado.
34. Mesmo que o Recorrido pudesse deduzir o incidente da falsidade das escrituras públicas em causa para negar a força probatória das escrituras públicas apresentadas pela Recorrente, o mesmo não fez isso, pelo que as escrituras públicas ainda têm a plena força probatória.
35. Considerando a plena força probatória resultante das escrituras públicas em causa, a Recorrente entende que o Tribunal a quo tinha que tomar directamente os factos juridicos autenticados (isto é, as escrituras públicas) como fundamento para determinar o facto da presente causa, ou seja, a Recorrente e o Recorrido contraíram casamento, registado em 1979 na cidade de Foshan da Província de Guangdong.
36. Mais, caso o tribunal superior concordar com a sentença civil do Tribunal Popular da Segunda Instância da Cidade Foshan da Província de Guangdong (2019 Yue 06 Min Zhong n.º XXXX) que considera que a escritura pública da “Certidão de Casamento” (90) Foshi Zheng Zi n.º XXXX e a Decisão da Nova Revisão 2018 Foshi Zhujiang Fuzi n.º XX (Cartório Notarial de Zhujiang, cidade de Foshan, província de Guangdong) estão em violação dos procedimentos e, portanto, considera que o tribunal a quo tem o direito de negar a sua força probatória plena, o que pode ser enquadrado no âmbito da livre apreciação das provas.
37. Há que salientar que, a Recorrente nunca foi convocada pelo tribunal de julgamento para participar na acção civil acima referida. A Recorrente não é a parte no processo civil nem é o terceiro assistente naquele processo.
38. Como afirma um egrégio processualista: todos são obrigados a reconhecer o julgado constituído entre as partes (il giudicato fra le parti), mas não podem ser prejudicados por ele”, acrescentando logo a seguir que “por prejuízo se não entende um mero prejuízo de facto, mas sim um prejuízo jurídico”.
39. Uma vez que a Recorrente não podia exercer o direito de defesa no processo de recurso civil, nem participou nele como parte ou terceiro, acreditando-se que o sistema do Interior da China é semelhante ao nosso sistema, ou seja, a força de caso julgado ou a força pré-determinada dos factos provados no processo civil acima referido não pode vincular a Recorrente que não participou no processo.
40. Mais, a sentença civil n.º XXXX de 2019 Yue 06 Min Zhong (Tribunal Popular da Segunda Instância da Cidade de Foshan da Província de Guangdong) (constante de fls. 998 a 1020 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) também entende que a “Certidão de Casamento” n.º XXX deve ser válida.
41. Isto é, entre as escrituras públicas em causa, ainda existe uma é legalmente válida, ou seja, a escritura pública da “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX, bem como a mesma não está em violação de qualquer lei ou procedimento, e foi junta aos autos como prova.
42. No julgamento da matéria de facto, o tribunal aprecia livremente as provas, mas, ainda há excepções a esta regra nos termos do disposto no art.º 558.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, sendo um exemplo das excepções: nos termos do disposto no art.º 365.º, n.º 1 do Código Civil, os documentos autênticos tem o valor probatório previsto na lei.
43. Uma vez que a “Certidão de Casamento”(80) Chan Zheng Zi n.º XXX emitida pelo Cartório Notarial de Zhujiang é uma escritura pública com força probatória plena, a menos que a sua força probatória seja ilidida com base na falsidade alegada pelo Recorrido, caso contrário, o Tribunal a quo não pode não admitir os factos jurídicos autenticados por esta escritura pública, ou seja, a Recorrente e o Recorrido contraíram casamento, registado em 9 de Março de 1979 na Cidade de Foshan da Província de Guangdong, bem como deve ser dado como provado o quesito 1º do despacho saneador.
D. Erro de entendimento da força jurídica do relatório pericial apresentado pelo Réu/ Recorrido
44. No julgamento da matéria de facto, relativamente ao quesito 50.º do despacho saneador, o tribunal a quo deu como provado que a assinatura constante do formulário do pedido de contrair casamento de fls. 279 não pertencia à assinatura da recorrente, com fundamento no relatório pericial de identificação de caligrafia apresentado pelo Recorrido (constante de fls. 586 a 593 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
45. Com base no facto de que o Tribunal a quo entendeu que a assinatura no formulário do pedido de contrair casamento de fls. 279 não pertencia à assinatura da Recorrente, e em consequência, deu como provado o quesito 17.º do despacho saneador, ou seja, deu como provado que a Recorrente e o Recorrido não completaram os trâmites administrativos necessários para o registo e a emissão do livrete de casamento.
46. O relatório pericial de identificação de caligrafia apresentado pelo Recorrido é uma prova ilegal ou não pode produzir a força probatória pericial, pela razão de que este relatório pericial nunca foi admitido pelos tribunais do Interior da China, nem a Recorrente participou nele. o Recorrido encarregou unilateralmente às instituições relevantes para realizar este relatório pericial de identificação de caligrafia, e os respectivos materiais de exame também foram apresentados unilateralmente pelo Recorrido às instituições.
47. De acordo com as alegações da testemunha, C (丙), o relatório pericial de identificação de caligrafia apresentado pelo Recorrido enferma dos graves vícios nos materiais de exame, incluindo:
- A Recorrente não participou pessoalmente no respectivo exame caligráfico, e o Recorrido só apresentou as assinaturas da Recorrente extraídas de outros documentos para fazer uma comparação com a assinatura aposta no formulário do pedido de contrair casamento;
- Ocorreu pelo menos 30 anos entre as assinaturas a ser comparadas, bem como existe a questão com a escrita simplificada e tradicional.
48. O respectivo relatório pericial de identificação de caligrafia não foi elaborado pela ordem dos tribunais do Interior da China, mas sim encarregado unilateralmente apenas pelo Recorrido a uma instituição desconhecida através do pagamento.
49. Daí pode-se ver que, o relatório pericial de identificação de caligrafia acima referido violou completamente o direito processual civil do Interior da China ou as normas processuais previstas no direito processual civil de Macau. Face a tal prova produzida e controlada unilateralmente pelo Recorrido, a Recorrente não tinha o direito de se pronunciar, portanto, o que não é científico nem objectivo, não podendo produzir a força probatória pericial.
50. O Tribunal a quo deu como provado que a assinatura aposta no formulário do pedido de contrair casamento não era a assinatura da Recorrente, só com base no laudo relatório pericial de identificação de caligrafia, o que é realmente muito descuidado e imprudente.
51. Com base nisso, o Tribunal a quo não deveria dar como provado o quesito 50.º do despacho saneador com base no laudo relatório pericial de identificação de caligrafia e, deveria julgar não provado o quesito 50.º do despacho saneador, bem como deveria também julgar não provado o quesito 17.º do despacho saneador.
E. Omissão da pronúncia e a violação das regras da experiência comum
52. Além dos escrituras públicas e relatório pericial de identificação de caligrafia acima referidos, ainda existem nos autos várias outras provas para sustentar a existência da relação matrimonial entre a Recorrente e o Recorrido e a emissão do livrete de casamento aos dois.
53. Do formulário do pedido de contrair casamento entre a Recorrente e o Recorrido constava: “Chaojizi n.ºXXX (朝結字XXX號)”; e, a assinatura de um funcionário com apelido Lu que tratou este pedido e a data (constante de fls. 279 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
54. De acordo com os depoimentos prestados em 16 de Novembro de 2020 pelas testemunhas C (丙) e D (丁) na audiência de discussão e julgamento, “Chaojiezi n.º XXX” é o número do livrete de casamento.
55. O número do livrete de casamento entre a Recorrente e o Recorrido já foi escrito no formulário do pedido de contrair casamento.
56. De acordo com as leis do Interior da China aplicáveis ao casamento naquela altura, uma vez que o departamento relevante não aprovasse o casamento, não seria emitido o livrete de casamento, nem haveria o número do livrete de casamento, bem como seriam imediatamente registadas as razões de não aprovação de casamento e notificadas por escrito.
57. Somente quando o registo de casamento foi aprovado, podia ser obtido o número do livrete de casamento. Portanto, o número do livrete de casamento e o registo de casamento têm o nexo de causalidade, ou seja, a aprovação do registo de casamento é a causa e, a aquisição do número do registo de casamento e do livrete de casamento são os resultados.
58. Daí pode-se saber que, o pedido do registo de casamento destas duas pessoas foi aprovado e existia o livrete de casamento entre as duas, cujo número é “Chaojiezi n.º XXX”.
59. Também pela razão de que as duas pessoas tinham completado os trâmites administrativos necessários para o registo de casamento, foi-lhes emitido o livrete de casamento.
60. Mas, tanto na decisão da matéria de facto proferida em 4 de Dezembro de 2020 como no acórdão proferido em 14 de Janeiro de 2021, o Tribunal a quo nunca apreciou ou justificou o número do livrete de casamento “Chaojiezi n.º XXX”, sem considerando o significado do número do livrete de casamento “Chaojiezi n.º XXX”.
61. A Recorrente e o Recorrido tinham perdido os respectivos livretes de casamento, razão pela qual se impõe o pedido de emissão da escritura pública de casamento para valer a relação matrimonial entre eles, ou seja, a “Certidão de Casamento” n.º XXX.
62. De acordo com a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo em 4 de Dezembro de 2020, relativamente ao facto constante do quesito 25º do despacho saneador, o Tribunal a quo considera que o livrete de casamento é um documento comprovativo para verificar a relação matrimonial legal (constante de fls. 1047 a 1053, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
63. Mas, de acordo como o depoimento prestado por C (丙) em 16 de Novembro de 2020 na audiência de discussão e julgamento, o livrete de casamento não é o único documento comprovativo para verificar a relação matrimonial legal.
64. Através dos arquivos da “Certidão de Casamento” n.º XXX, o Recorrido pediu ao Comité Revolucionário do Distrito de Chaoyang da Cidade de Foshan a emissão de 2.ª via de certidão de casamento, pela razão de que tinha perdido o livrete de casamento (constante de fls. 285 a 291, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), o que também comprovou que o Recorrido tinha obtido o livrete de casamento e teve conhecimento do facto do registo de casamento.
65. A supra certidão emitida pelo Comité Revolucionário do distrito de Chaoyang da cidade de Foshan já provou que tinha sido efectuado o registo de casamento entre a Recorrente e o Recorrido, e tinha sido emitido o livrete de casamento.
66. De acordo como o depoimento prestado por C (丙) em 16 de Novembro de 2020 na audiência de discussão e julgamento, o Comité Revolucionário do distrito de Chaoyang da cidade de Foshan era um órgão do governo popular naquela altura, e a certidão por ele emitido tinha a força probatória de documento autêntico.
67. Uma vez que, naquela altura, o Comité Revolucionário era responsável pelo registo de casamento dos residentes do Interior da China (não era responsável pelo actual Departamento dos Assuntos Civis), a certidão de casamento constante dos autos e emitida pelo Comité Revolucionário do distrito de Chaoyang da cidade de Foshan é equivalente a um documento autêntico e, a posição do Comité Revolucionário era autoritária e com a autoridade para aprovar o registo de casamento, pelo que o Tribunal a quo não devia pôr em causa a força probatória da respectiva prova.
68. Por outro lado, de acordo como o depoimento prestado por testemunha C (丙) em 16 de Novembro de 2020 na audiência de discussão e julgamento e, o documento constante de fls. 903 dos autos, a Recorrente constituiu uma advogada do Interior da China, Dra. E (uma colega de C) para oficiar ao Departamento de Assuntos Civis da Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan, a fim de consultar o assunto de registo de casamento entre a Recorrente e o Recorrido.
69. O Comité Revolucionário do distrito de Chaoyang da cidade de Foshan e o Departamento de Assuntos Civis da Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan são também os órgãos do governo popular, e os documentos autênticos emitidos por eles têm a força probatória plena.
70. Devido à perda do livrete de casamento, a Recorrente não conseguiu apresentar ao Tribunal a quo o livrete de casamento como fundamento da verificação da existência de casamento, mas, o que não significa que não possa ser provada a existência do válido registo de casamento entre a Recorrente e o Recorrido por outras provas
71. De acordo como o depoimento prestado por testemunha C (丙) em 16 de Novembro de 2020 na audiência de discussão e julgamento, após o casamento, a Recorrente e o Recorrido, na qualidade de cônjuges um do outro, requereram em 1979 a fixação de residência em Macau.
72. Isto é, a Recorrente e o Recorrido, na qualidade de relação conjugal, requereram a imigração para Macau, bem como as condições nacionais do Interior da China naquela altura não permitiam o pedido da imigração para Macau na qualidade de relação de namorado e namorada.
73. A Divisão de Controlo Fronteiriço do Departamento de Segurança Pública da Cidade de Foshan (佛山市公安局出入境管理支隊) também emitiu a respectiva certidão para comprovar que a Recorrente A acompanhou com o marido B para a fixação de residência em Macau em 1979 (constante de fls. 563 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
74. Naquela altura, é normal que o Departamento de Segurança Pública da Cidade de Foshan devia ter apreciado o documento de registo de casamento entre a Recorrente e o Recorrido antes de permitir que os mesmos imigrassem, na qualidade de cônjuges, para Macau.
75. Mais, a Recorrente e o Recorrido também requereram a imigração para Canadá com as escrituras públicas em causa (constante de fls. 297 e 299, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
76. A recorrente entende que o Tribunal a quo ignorou totalmente a verdade dos factos, omitiu os factos objectivamente constantes das provas documentais ou alegados pelas testemunhas, nomeadamente os factos indicados nas provas, como as certidões emitidas pelo Comité Revolucionário, o número do livrete de casamento constante do formulário do pedido de contrair casamento, e o ofício de resposta enviado pelo Departamento de Assuntos Civis, etc.. Tais provas não são prova a ser livremente negada ou admitida pelo Tribunal a quo.
77. De acordo com o sistema político do Interior da China naquela época, o Comité Revolucionário era equivalente ao actual Governo Municipal, e o certificado por ele emitido tinha a força probatória plena do documento autêntico.
78. O Departamento de Assuntos Civis equipara-se à Conservatório do Registo Civil de Macau, sendo os ofícios por ele emitidos também um dos documentos autênticos, e devendo igualmente ter a força probatória plena.
79. Mesmo de acordo com as regras da experiência comum, a Recorrente acredita que, in casu, todas as provas (nomeadamente a certidão emitida pelo Comité Revolucionário, o arquivo do formulário do pedido de contrair casamento, e o ofício de resposta enviado pelo Departamento de Assuntos Civis) são suficientes para o Tribunal ter o convencimento quanto à existência ou não do registo de casamento entre a Recorrente e o Recorrido e à existência ou não do válido casamento, ou a força probatória da contraprova do Recorrido não é suficiente para derrotar a força probatória das provas apresentas pela Recorrente, para que seja determinado que as provas apresentadas pela Recorrente atingem o nível de preponderância probatória, e possa concluir que se deu como provados os factos de: a Recorrente e o Recorrido terem solicitado casamento no passado; os dois já terem completado os trâmites administrativos necessários para o registo de casamento; ter sido aprovado o registo de casamento; e, ter sido emitido o livrete de casamento.
80. O quesito 1º do despacho saneador devia ser dado como provado, e os quesitos 17º, 24º e 50º deviam ser dados como não provados.
81. Pelo exposto, requer-se ao tribunal superior que julgue procedente o recurso da Recorrente e, julgue que há desvio, violação da prescrição sobre a eficácia probatória legal ou violação das regras de experiência comum na apreciação das provas por parte do Tribunal a quo aquando da apreciação da matéria de facto. Nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC, requer-se a alteração da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, incluindo a alteração dos seguintes quesitos da Base Instrutória para:
Quesito 1.º: A Autora e o Réu casaram em Foshan, na Província de Cantão da República Popular da China, em 9 de Março de 1979?
O Tribunal a quo julgou como “não provado”.
Através do tribunal superior, será alterado como “provado”.
Quesito 17.º: A Autora não tinha completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do certificado de casamento?
O Tribunal a quo deu como provado que a Autora e o Réu não tinham completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do livrete de casamento.
Através do tribunal superior, será alterado como “não provado”.
Quesito 24.º: No caso dos autos o competente departamento do registo de casamento não emitiu o certificado de casamento ao Réu e à Autora?
O Tribunal a quo deu como provado que, no caso dos autos, o competente departamento do registo de casamento não emitiu o livrete de casamento à Autora e ao Réu.
Através do tribunal superior, será alterado como “não provado”.
Quesito 50.º: A Autora não assinou o formulário de casamento?
O Tribunal a quo deu como provado que a assinatura do formulário de casamento constante de fls. 279 não pertencia à Autora.
Através do tribunal superior, será alterado como “não provado”.
82. Em seguida, de acordo com todos os factos provados (incluindo os factos a ser alterados pelo tribunal superior), requer-se que se revogue a decisão recorrida e substitua o tribunal a quo para passar julgar procedente a separação de facto alegada pela Recorrente e dissolver a relação matrimonial entre as partes.
II. Nulidade da sentença – oposição entre a fundamentação e a decisão
83. A Recorrente entende que, relativamente à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo (decisão recorrida) e ao acórdão da 1.ª instância (acórdão recorrido), existem contradições insanáveis nos fundamentos probatórios e na fundamentação da decisão.
84. Pela razão de que, após a análise da fundamentação da decisão recorrida e do acórdão recorrido, o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido da Recorrente (pedido de dissolução do casamento), o que fundamentou-se, essencialmente, num facto necessário de que as provas apresentadas pela Recorrente não eram suficientes para convencer o tribunal de que existia um casamento celebrado entre a Recorrente e o Recorrido.
85. In casu, o Tribunal a quo não deu provimento à acção deduzida pela Recorrente, só com fundamento de que as provas apresentadas pela Recorrente não podem comprovar a existência da relação matrimonial entre a Recorrente e o Recorrido, ao invés de que foi provado que os mesmos nunca contraíram casamento ou foi declarada a nulidade ou a inexistência do casamento celebrado entre eles.
86. A Recorrente não conseguiu provar o facto alegado na sua petição inicial e posto afirmativamente em causa (quesito 1º da Base Instrutória), mas, o que não significa conduzir aos factos contrários, nomeadamente a Recorrente e o Recorrido não contraíram casamento, o casamento é nulo ou inexistente
87. Se o Tribunal a quo considere que a Recorrente não cumpriu o ónus da prova, conduziu não provar a existência do casamento celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, e também levou julgar improcedente o pedido de divórcio formulado pela Recorrente, com fundamento de que não podia provar a existência de casamento que é um pressuposto para o divórcio, mas, definitivamente, o que não significa que eles não tenham uma relação matrimonial e, em consequência, julgou improcedente o pedido de divórcio formulado pela Recorrente.
88. Sem dúvida que, o Tribunal a quo tem a incompatibilidade e a contradição insanável entre os factos provados e os não provados e, entre a fundamentação probatória sobre a matéria de facto e a decisão.
89. Nestes termos, requer-se ao tribunal superior que se digne: julgar procedente a impugnação deduzida pela Recorrente relativamente à nulidade; nos termos do disposto no art.º 571.º, n.º 1, al. c) do CPC, julgar que a decisão recorrida padece do vício da oposição entre a fundamentação e a decisão ou, tem a contradição insanável na fundamentação; declarar nula a decisão recorrida; e, proferir uma outra decisão para substituí-la ou reenviar para novo julgamento.
Pelo exposto, caso houver alguma omissão, requer-se ao Mm.º Juiz que se digne:
1. indicar a complementação de acordo com a lei, e admitir o presente recurso;
2. citar o Recorrido para resposta;
3. julgar procedente o recurso;
4. julgar a existência de desvio na apreciação das provas quando o Tribunal a quo apreciou a matéria de facto, o erro de entendimento da decisão judicial do Interior da China, o erro de entendimento do regime jurídico do notariado do Interior da China, o erro de entendimento da força jurídica do relatório pericial apresentado pelo Réu, a omissão da pronúncia e a violação das regras da experiência comum; e, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC, alterar a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto:
a) Quesito 1.º: A Autora e o Réu casaram em Foshan, na Província de Cantão da República Popular da China, em 9 de Março de 1979? Alterará-se como provado.
b) Quesito 17.º: A Autora não tinha completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do certificado de casamento? Alterará-se como não provado.
c) Quesito 24.º: No caso dos autos o competente departamento do registo de casamento não emitiu o certificado de casamento ao Réu e à Autora? Alterará-se como não provado, e;
d) Quesito 50.º: A Autora não assinou o formulário / requerimento de casamento? Alterará-se como não provado.
5. E, de acordo com todas as provas provadas (incluindo os factos a ser alterados pelo tribunal superior), revogar a decisão recorrida, substituir o tribunal a quo para passar julgar procedente a separação de facto alegada pela Recorrente e, dissolver a relação matrimonial entre as partes.
Caso o Mm.º Juiz considere a inadequação da alteração directa, subsidiariamente, requer-se que se digne:
6. Ordenar a devolução dos autos para o tribunal da 1.ª instância, e julgar o pedido da Recorrente com base nos factos a ser alterados pelo resultado do recurso e, em conjugação com os demais factos provados.
Caso o Mm.º Juiz não concorde com os pedidos acima referidos, subsidiariamente, mais requer-se que se digne:
7. Julgar procedente a impugnação deduzida pela Recorrente relativamente à nulidade; julgar que nos termos do disposto no art.º 571.º, n.º 1, al. c) do CPC, a decisão recorrida padece do vício da oposição entre a fundamentação e a decisão ou, tem a contradição insanável na fundamentação; declarar nula a decisão recorrida; e, proferir uma outra decisão para substituí-la ou reenviar para novo julgamento.”
*
E, o Réu apresentou as seguintes conclusões na sua resposta:
“1. O recurso interposto pela Recorrente incide essencialmente sobre as duas partes:
1). Na decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, a conclusão do julgamento do Tribunal a quo sobre os quesitos 1º, 17º, 24º e 50º;
2) o Acórdão da causa proferido pelo tribunal da 1.ª instância.
2. Relativamente ao quesito 1º, a decisão do tribunal a quo escreve:
i. Quesito 1º
ii. A autora e o Réu contraíram casamento em 9 de Março de 1979 em Foshan, na Província de Cantão da República Popular da China (cfr. fls. 6 a 9 dos autos)?
iii. Não provado.
3. A presente causa é uma acção de divórcio. A fim de provar a existência da relação matrimonial entre a Recorrente e o Recorrido, a Recorrente não apresentou o livrete de casamento, mas apresentou um total de duas escrituras públicas, ou seja, a escritura pública da “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX do cartório notarial da Cidade de Foshan, adiante designada por “escritura pública n.º XXX” e, a escritura pública da “Certidão de Casamento” (90) Foshi Zheng Zi n.º XXXX emitida com base naquela escritura pública, adiante designada por “escritura pública n.º XXXX”.
4. Através da “Decisão da Revisão” (2016) Foshi Zhujiang Sazi n.º XX, estas duas escrituras públicas foram posteriormente anuladas pelo cartório notarial de Zhujiang da cidade de Foshan da Província de Guangdong, e são inválidas ab initio, pela razão de que “o conteúdo essencial das duas escrituras públicas acima referidas não é consistente com a verdade”.
5. A Associação Notarial da cidade de Foshan proferiu em 25 de Maio de 2018 uma “Decisão da Nova Revisão”, cuja conclusão é: 1). A anulação da “Decisão da Revisão” (2016) Foshi Zhujiang Sazi n.º XX; 2). A escritura pública n.º XXX é mantida e não foi anulada; 3). A escritura pública n.º XXXX é mantida e não foi anulada.
6. Após o conhecimento desta decisão, o Recorrido B instaurou acção civil no Tribunal Popular do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan contra o Cartório Notarial de Zhujiang da Cidade de Foshan, pedindo ao tribunal que decida que ocorreram a manifesta culpa e violação da lei na “Decisão da Nova Revisão” (2018) Foshi Zhujiang Fuzi n.º XX proferida em 25 de Maio de 2018, o que constitui a violação dos direitos, razão pela qual a Ré deve compensar B a título de perdas económicas resultantes pela violação dos direitos.
7. Em 14 de Dezembro de 2018, o Tribunal Popular do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan proferiu a sentença civil n.º XXXXX de (2018) Yue XXXX Min Chu. Na qual, foi determinado que: “no momento em que se procedeu à escritura pública n.º XXXX (no Cartório Notarial de Zhujiang) e à “Decisão da Nova Revisão”, a Ré violou os procedimentos notariais, as regras de emissão de certificado e as normas da indústria estabelecidas pelo Departamento Administrativo Judicial do Conselho de Estado, pelo que se deu como provada a existência da culpa”. Em seguida, referiu-se que “B não podia apresentar provas para comprovar a perda e o valor concreto resultantes pela culpa da Ré, bem como não tem o nexo de causalidade entre a culpa da Ré e a perda alegada por B relativamente à renda das habitações e ao proveito dos prédios, pelo que o tribunal não sustenta”, e consequentemente, foi negado provimento ao pedido do Autor, B.
8. B e o Cartório Notarial de Zhujiang da cidade de Foshan não se conformaram com a sentença, e decidiram recorrer para o Tribunal Popular da Segunda Instância da Cidade de Foshan.
9. Em 25 de Dezembro de 2019, o Tribunal Popular da Segunda Instância da Cidade de Foshan proferiu a sentença civil n.º XXXX de (2019) Yue 06 Min zhong. Na qual foi determinado que: “A já tinha recebido a “Decisão da Revisão” em 20 de Junho de 2016, e apresentou uma “carte de reclamação” em 3 de Abril de 2018, o que já foi definitivamente ultrapassado o prazo limite de 60 dias. Mas, a Associação Notarial da cidade de Foshan, como uma instituição para admitir e rever o litígio e a reclamação, admitiu esta reclamação, o que excedeu manifestamente o prazo limite. Por isso, de acordo com as “Medidas de Tratamento de Litígios e Reclamações em Revisão Notarial (a título experimental)”, o Cartório Notarial de Zhujiang admitiu a proposta da Associação Notarial da cidade de Foshan e lançou o procedimento de nova revisão, e a “Decisão da Nova Revisão” por ele proferida carece de legitimidade do procedimento. Este tribunal dá como provada a decisão do tribunal da 1.ª instância que a “Decisão da Nova Revisão” proferida pelo Cartório Notarial de Zhujiang violou o procedimento correcto. ……Este tribunal determinou que o Cartório Notarial de Zhujiang era culposo no procedimento de tratamento da escritura pública n.º XXXX e na tomada da “Decisão da Nova Revisão”, pelo que este Tribunal não sustenta a sua pretensão do recurso”. Em seguida, foi determinado que “não sustenta isto, pela razão de que B não podia provar a existência do nexo de causalidade entre a sua perda económica e as actividades notariais do Cartório Notarial de Zhujiang”, e consequentemente, relativamente à decisão tomada ao Recorrente, Cartório Notarial de Zhujiang, “rejeita-se o recurso e mantém-se a decisão inicial”.
10. Foram juntos aos presentes autos as duas sentenças civis acima referidas e, a sentença civil n.º XXXX de (2019) Yue 06 Min Zhong é a decisão final.
11. A Lei de Processo Administrativo Contencioso da República Popular da China tem as seguintes disposições:
Artigo 70º - A sentença do tribunal popular pode ser anulada ou parcialmente anulada e pode condenar o réu a realizar o novo acto administrativo, em qualquer uma das situações do acto administrativo a seguir:
……
(3) violação dos procedimentos legais.
12. A “Decisão da Nova Revisão” carece de legitimidade do procedimento e viola os procedimentos legais, pelo que o seu conteúdo e a sua conclusão também são inválidos, e podem ser anulados por sentença do tribunal popular.
13. Desta forma, a “Decisão da Revisão” anulada pela “Decisão da Nova Revisão” recuperou a sua eficácia.
14. E, as duas escrituras públicas apresentadas pela Recorrente que foram anuladas pela Decisão da Revisão, são totalmente inválidas e inválidas ab initio.
15. De acordo com as leis do Interior da China, se o procedimento for ilegal, mesmo que o conteúdo substantivo e o resultado do julgamento estejam correctos, eles serão invalidados ou poderão ser anulados. Por exemplo, quando o juiz violou o impedimento, mesmo que o conteúdo da sentença seja justo, o resultado da sentença é inválido ou pode ser anulado. Isto é, enquanto o procedimento é ilegal, o seu conteúdo substantivo ou o resultado do tratamento, independentemente de ser correcto ou incorrecto, não mais será considerado ou admitido.
16. O Tribunal do Interior da China não decidiu que o Cartório Notarial de Zhujiang violou a lei por falta de legitimidade do procedimento e, em consequência, determinou que a Decisão da Nova Revisão era inválida, com fundamento em que o recorrente B não podia formular naquela acção civil uma queixa de natureza do direito administrativo, mas, o que não pode encobrir a situação que a “Decisão da Nova visão” violou manifestamente a lei.
17. Portanto, insiste em citar continuadamente as duas escrituras públicas restituídas pela “Decisão da Nova Revisão”, o que é incorrecto.
18. Nos parágrafos 4 a 6 de fls. 44 da sentença civil n.º XXXX de (2019) Yue 06 Min Zhong, escreve-se: “as escrituras públicas n.ºs XXX e XXXX servem apenas de prova da respectiva causa e, a admissão ou não das escrituras públicas n.ºs XXX e XXXX é apreciada e determinada pelo tribunal a que a causa está afecta”.
19. Daí pode-se saber que, o tribunal do Interior da China também não reconheceu o pleno efeito probatório destas duas escrituras públicas, mas sim defendeu que o tribunal a que a causa está afecta (tribunal de Macau) decidia, por si só, o efeito probatório destas escrituras públicas.
20. Combinando a “Notificação sobre a emissão de cópia de escritura pública civil relacionada a países estrangeiros, Taiwan, Hong Kong e Macau” (97 Si Gong Zi n.º 010) e os anexos à “Notificação sobre o tratamento de escritura pública de certidão de fiança de solteiro (não recasado) ”, todas as do Departamento Notarial do Ministério da Justiça da República Popular da China, ou seja, de acordo com as “Medidas de Gestão do Registo de Casamento de Pessoas a sair para o Estrangeiro”, as escrituras públicas relativas a países estrangeiros, Hong Kong, Macau e Taiwan sobre o estado civil são válidas apenas por seis meses devido à sua grande “variabilidade”. Actualmente, o Cartório Notarial de Zhujiang decidiu restaurar as duas escrituras públicas de “Certidão de Casamento” relacionadas a Hong Kong, Macau e Taiwan há 39 anos e 29 anos, o que violou completamente os dois regulamentos obrigatórios do Ministério da Justiça e é claramente ilegal.
21. A escritura pública é apenas uma prova, e a sentença é um instrumento legal autoritário que produz efeitos legais.
22. No Interior da China, o efeito probatório da sentença judicial é superior ao da escritura pública, isto porque: (1) os tribunais têm estatuto constitucional e os cartórios notariais não têm estatuto constitucional; (2) o tribunal é órgão judicial nacional, e o cartório notarial é o órgão certificador para emitir o certificado civil; (3) a sentença do tribunal tem a força de caso julgado para as partes, e a escritura pública serve apenas como prova para actos civis; (4) a sentença do tribunal tem a força obrigatória e a força de obediência para toda a sociedade; e, a escritura pública é apenas um tipo de prova e tem a maior força probatória em comparação com outras provas; (5) o Supremo Tribunal Popular é responsável perante o Congresso Nacional do Povo; e o Cartório Notarial de Zhujiang está sob a jurisdição do Gabinete Judicial de Foshan e é um dos seus departamentos funcionais; (6) “Um governo, dois Yuan” significa que o Supremo Tribunal Popular e o Conselho de Estado são iguais na constituição, e o Conselho de Estado tem 27 instituições, como os ministérios, comissões, departamentos, serviços, etc. Nas quais, é criado o Ministério da Justiça, competindo ao Ministério da Justiça os departamentos judiciais provinciais e os departamentos judicias municipais; (7) Quem desobedecer a sentença do tribunal, é suspeito de cometer o crime de recusa de execução da sentença ou despacho; e, quem não reconhecer o efeito probatório da escritura pública, só assume as consequências da apresentação da prova e da acareação que lhe sejam desfavoráveis na acção civil.
23. É absolutamente certo que o Tribunal Colectivo do TJB decidiu não admitir as duas escrituras públicas apresentadas pela Recorrente, após referência à sentença do tribunal do Interior da China.
24. A Recorrente entende que, pelo menos, a escritura pública n.º XXX deve ser válida. Este entendimento é incorrecto, pela razão de que o conteúdo da escritura pública n.º XXX contém grande erro.
25. Uma vez que foi erradamente escrita a data de nascimento da Recorrente na escritura pública n.º XXX, era necessário requerer a escritura pública n.º XXXX, para corrigir o erro da escritura pública acima referido.
26. Como acima ficou dito, a escritura pública n.º XXXX já foi anulada.
27. Não se pode considerar que a “Decisão da Nova Revisão” que “carecia de legitimidade do procedimento” mantenha-se em vigor, só com fundamento em que o Tribunal do Interior da China não declarou anulada “Decisão da Nova Revisão” no processo civil.
28. Os magistrados, como os do sistema continental, conhecem certamente as consequências da “falta de legitimidade do procedimento” nos actos administrativos.
29. As decisões judiciais do Interior da China não têm efeito legal até que sejam reconhecidas pelo Tribunal de Segunda Instância de Macau, e o Juiz a que a causa está afecta pode decidir, por si só, se tem valor de referência e qual tipo de efeito probatório tem.
30. O Juiz do Tribunal a quo julgou se foram admitidas as duas escrituras públicas apresentadas pela Recorrente, o que não violou o princípio de “livre apreciação das provas”.
31. Tendo em vista que as duas escrituras públicas utilizadas pela Recorrente para provar o quesito 1º da matéria de facto não foram admitidas pelo tribunal da 1.ª instância, o Tribunal a quo deu como “não provado” o quesito 1 º da matéria de facto, o que é correcto.
32. A recorrente não se conforma com as conclusões da decisão recorrida relativas aos quesitos 17º, 24º, e 50º.
33. A questão essencial nestes três quesitos é saber se: o departimento de registo de casamento tinha emitido o “livrete de casamento”.
34. Após o julgamento, o Tribunal a quo considera que:
i. A Autora e o Réu não tinham completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do livrete de casamento (quesito 17º).
ii. No caso dos autos, o competente departamento do registo de casamento não emitiu o livrete de casamento à Autora e ao Réu (quesito 24º).
iii. A assinatura do formulário de casamento constante de fls. 279 não pertencia à Autora (quesito 50º).
35. Quando a recorrente, Sra. A, instaurou uma acção de divórcio, tinha a responsabilidade e obrigação da apresentação de provas ao tribunal para comprovar o casamento legal entre as duas partes já estabelecido!
36. In casu, o “livrete de casamento” é o único documento legal para a celebração de um casamento legal. Se A possa apresentar ao tribunal o “livrete de casamento”, o casamento legal é existente; se não possa apresentar ao tribunal o “livrete de casamento”, o casamento legal é inexistente. Mas, durante todo o processo, A ainda não conseguiu apresentar a prova mais crítica e essencial ao tribunal – “livrete de casamento”.
37. O Recorrido, Sr. B, não tem qualquer ónus de provar a “inexistência do casamento legal”, mas, a fim de ajudar o tribunal a apurar a verdade, o Recorrido apresentou voluntariamente as provas relativas à “inexistência do casamento legalmente celebrado” entre eles.
38. Em 18 de Dezembro 2015, através da acção administrativa, o Recorrido instaurou uma acção para o Tribunal Popular do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan contra o Departamento de Assuntos Civis do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan, pedindo que se julgue inválido o acto administrativo do registo de casamento entre B e A, feito pelo Réu, Departamento de Assuntos Civis do Distrito de Chancheng, e a Recorrente participou na acção como terceiro.
39. O Recorrido alegou que, no momento em que foi preenchido o formulário do pedido de contrair casamento, a Recorrente não se deslocou ao local e, a assinatura aposta no formulário foi escrita pelo Recorrido, bem como apresentou ao tribunal do Interior da China o “Parecer de Perícia Judicial” de Yue Wei Si Jian Suo (2015) Wen Jian Zi n.º XXXX, elaborado pelo Instituto de Ciências Forenses de Guangdong Fawei (廣東法維司法鑒定所), no qual há uma conclusão de identificação de caligrafia: “a assinatura de A aposta no formulário do pedido de contrair casamento, não era a própria assinatura de A.”
40. Durante o processo administrativo contencioso acima referido, o Réu, Departamento de Assuntos Civis do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan, e a terceira (ora Recorrente), A, também não apresentaram provas contrárias para réplica, nem requereu ao tribunal a reautenticação de caligrafia. Este “Parecer de Perícia Judicial” passou pelos processos de apresentação de prova e interrogatório.
41. As “Disposições sobre Provas no Processo Civil” do Supremo Tribunal Popular (Fa Shi (2001) n.º 33) estipulam:
Artigo 28º - Relativamente à conclusão pericial feita pelo departamento competente delegada por uma das partes, a outra parte pode apresentar réplica e requerer uma nova perícia quando há provas suficientes, o tribunal popular deve aprová-los.
Artigo 72º - Relativamente às provas apresentadas por uma das partes, o tribunal popular pode determinar a sua força probatória quando a outra parte reconheceu ou as provas por si apresentadas não eram suficientes para ilidir.
42. De acordo com o disposto acima referido, a conclusão deste “Parecer de Perícia Judicial” está legalmente estabelecida, e pode ser directamente autenticada e admitida pelo tribunal.
43. Face ao “Parecer de Perícia Judicial” apresentado pelo Recorrido, a Recorrente tinha a oportunidade da apresentação de impugnação no tribunal do Interior da China, mas, a Recorrente não o fez. Então, agora põe em causa no tribunal de Macau um “Parecer de Perícia Judicial” já admitido pelo tribunal do Interior da China, o que não tem razão em temos de tempo como de local.
44. Pelo exposto, a decisão do Tribunal a quo relativa ao quesito 50º é correcta.
45. Dispõe o art.º 6.º da “Lei do Casamento da República Popular da China” de Abril de 1950 aplicável à presente causa: “o casamento deve ser pessoalmente registado por duas pessoas de sexo diferente no governo popular do local”; “todo o casamento que não cumpra o disposto na presente lei não pode ser registado”. Dispõe o art.º 2.º das “Medidas de Registo do Casamento” de Junho de 1955: “As duas pessoas de sexo diferente que se casam devem deslocar-se pessoalmente à autoridade local do registo de casamento para preencher um formulário do pedido de contrair casamento e solicitar o registo”.
46. In casu, ao requerer o casamento, é verdade que a Recorrente não se deslocou ao departamento do registo de casamento, e a assinatura aposta no formulário do pedido de contrair casamento foi também escrita pelo Recorrido.
47. Quer dizer, a Recorrente e o Recorrido não se deslocaram pessoalmente e em conjunto ao departamento do registo de casamento, pelo que não completaram os trâmites administrativos necessários para o registo de casamento.
48. Nestes termos, a decisão do Tribunal a quo relativa ao quesito 17º é correcta.
49. Em 16 de Maio de 2016, através da sentença administrativa (2016) Yue 06 Xing Zhong n.º XXX, o Tribunal Popular da Segunda Instância da Cidade de Foshan determinou que “nos autos do arquivo do registo de casamento entre a Recorrente e o Recorrido, só existem o formulário do pedido de contrair casamento e as duas certidões de unidade, sem os materiais para a aprovação da autoridade de registo de casamento do pedido de registo de casamento em causa; e, os materiais relevantes para a emissão de um livrete de casamento”. “A “certidão” emitida pelo Comité Revolucionário do Distrito de Chaoyang da Cidade de Foshan e a “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX do Cartório Notarial da Cidade de Foshan, são apenas duas certidões da relação matrimonial. Não há livrete de casamento ou arquivo do registo de casamento para verificação, pelo que os supra provas e materiais apresentados pelos Recorrente e Recorrido não são suficientes para comprovar o facto de que o Recorrido (Departamento de Assuntos Civis do Distrito de Chancheng) aprovou o pedido de registo de casamento celebrado entre o Recorrente (B) e a terceira da 1.ª instância (A)”. Em seguida, os materiais e as provas apresentados pelo Recorrente (B) e Recorrido (Departamento de Assuntos Civis) não são suficientes para provar a existência do acto administrativo do registo de casamento litigioso, pelo que o Recorrente não tem condições de intentar uma acção judicial” e, em consequência, é decidido negar provimento ao recurso.
50. Em 1 de Abril de 2017, o Supremo Tribunal Popular da Província de Guangdong proferiu uma sentença administrativa (2016) Yue xing shen n.º XXXX, que foi rejeitado o pedido de novo julgamento formulado por A, com fundamento em que “foram insuficientes as razões do pedido de novo julgamento por anulação da entrada em vigor da decisão da 2.ª instância, formulado por A”.
51. Em 25 de Dezembro de 2019, o Supremo Tribunal Popular da Província de Guangdong proferiu uma sentença administrativa (2016) Yue xing shen n.º XXXX-1, que foi corrigido “mas o autor da 1.ª instância, B, por razão da perda do livrete do casamento” para “mas o autor da 1.ª instância, B, por razão da perda da certidão de casamento”.
52. No fim de Março de 2018, a sentença administrativa proferida pelo Supremo Tribunl Popular da República Popular da China (2018) zui gao fa xing jian n.º XX tornou-se legalmente eficaz. Este tribunal deu como provada alguma parte: “Foi apenas provado o facto de que, em 9 de Março de 1979, a autoridade do registo de casamento tinha admitido o pedido de contrair casamento entre B e A, mas, o que não era suficiente para comprovar se a autoridade do registo de casamento tinha emitido o livrete de casamento naquela altura.” (vide as linhas 16 a 18 de fls. 9 da sentença)
53. O Recorrido e o Departamento de Assuntos Civis do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan, partiram do Tribunal Distrital de Chancheng da Cidade de Foshan e, foram para o Tribunal de Segunda Instância da Cidade de Foshan, depois para o Tribunal Superior da Província de Guangdong e, finalmente, para o Supremo Tribunal Popular da República Popular da China. Toda a acção administrativa passou por tribunais de 4 instâncias e foram sucessivamente recebidas quatro sentenças. Ao longo de toda acção administrativa, ambas as partes apresentaram todas as provas sem reservas e, passaram pelos processos de apresentação de prova e interrogatório em tribunal, e pelo processo de determinação pelo tribunal. Em seguida, Em segundo lugar, as partes realizaram no tribunal uma discussão acalorado sobre todas as provas, circunstâncias da causa, fundamentos de direito, etc.. No final, o tribunal emitiu um veredicto sobre a questão essencial de saber se as duas partes tinha recebido o “livrete de casamento”.
54. Embora a Região Administrativa Especial de Macau tenha um sistema judicial independente e goze de jurisdição final, se não compreender ou não tiver clareza sobre questões no Interior da China, pode tomar directamente referências dos factos já dados como provados pelas sentenças dos tribunais do Interior da China, especialmente dos factos já dados como provados na sentença administrativa do Supremo Tribunal Popular da República Popular da China.
55. As quatro sentenças do Interior da China são um resumo judicial conclusivo final e uma determinação judicial de todas as provas, litígios e dúvidas.
56. Por outras palavras, se ocorreu o registo de casamento das duas pessoas, e se foi emitido o “livrete de casamento”, todos ocorreram no Interior da China, bem como o requerimento de emissão das duas escrituras públicas de “Certidão de Casamento” apresentado pela Recorrente também ocorreu no Interior da China, então, tudo pode conformar-se com os factos já dados como provados pela sentença do Interior da China, não tendo necessidade de intentar uma outra acção em Macau para fazer suposições subjectivas e até mesmo julgamento subjectivo sobre questões legais do Interior da China.
57. Relativamente à sentença judicial do Interior da China acima referida, o Tribunal a quo considerou-a segundo o princípio de livre apreciação das provas, o que é muito correcto.
58. Não existe o facto de que “a conservação dos documentos não é fácil” ou a questão da gestão negligente dos arquivos por parte das autoridades do Interior da China.
59. Durante a acção administrativa ocorrida nas 4 instâncias do Interior da China, a autoridade de registro de casamento - o Departamento de Assuntos Civis do distrito de Chancheng da cidade de Foshan, nunca emitiu um certificado de que “devido ao longo tempo, os arquivos de registro de casamento podem ser perdidos”. A autoridade de conservação de arquivos – Departamento de Arquivos da Cidade de Foshan nunca emitiu um certificado de que “devido ao longo tempo, os arquivos de casamento podem ser perdidos”.
60. Nestas condições, o tribunal de Macau que não é um órgão do registo de casamento do Interior da China nem é um órgão de conservação e recolha de arquivos do Interior da China, pode ser suspeito de praticar a usurpação de competências quando apresentou as opiniões de “longo empo, perda dos arquivos” na sua sentença.
61. Quaisquer fundamentos apresentados na sentença judicial devem ser suportados por provas, o que é a norma básica para o tribunal elaborar uma sentença. Mas, a acima expressão de “a conservação de documentos não ser fácil” não foi suportada por nenhuma prova, tratando-se apenas de uma suposição subjectiva da Recorrente, e o Tribunal a quo não deve admiti-la.
62. O tribunal de Macau não deve raciocinar ou mesmo adivinhar as questões sobre o registo de casamento e a conservação dos arquivos no Interior da China. Este método é desviado da realidade e não científico.
63. Mesmo que alguma testemunha tivesse declarado que foi efectivamente emitido o livrete de casamento, esta declaração não poderia ser procedente na verdade.
64. No artigo 17.º do “Regulamento do Registo de Casamento” do Interior da China (Decreto do Conselho de Estado n.º 387 entrou em vigor em 1 de Outubro de 2003), dispõe-se definitivamente que se a parte perder o “livrete de casamento”, pode requerer à original conservatória de registo de casamento a emissão e adquisição de 2ª via do “livrete de casamento”.
65. Desde o início da presente acção, a Recorrente nunca requereu à original conservatória de registo de casamento a emissão e adquisição de 2ª via do “livrete de casamento”, o que é suficiente para demonstrar que a original conservatória de registo de casamento não possui qualquer arquivo original sobre o registo de casamento das duas pessoas ou a emissão do “livrete de casamento”.
66. Em 9 de Março de 1979, o Recorrido apresentou o pedido de casamento à conservatória de registo de casamento do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan; em 7 de Março de 1980, a Recorrente requereu ao Cartório Notarial da cidade de Foshan a elaboração de uma escritura pública da “Certidão de Casamento”, só há um ano entre estes dois casos.
67. Naquela altura, a Recorrente e o Recorrido entraram pela primeira vez em Macau como um novo lugar e, começaram a ganhar a vida, sendo lógico que o “livrete de casamento” é o único certificado legal que pode provar a relação matrimonial entre eles. Supondo que fosse adquirido o “livrete de casamento” naquela altura, como é possível que os dois “livretes de casamento” podiam ser totalmente perdidos em um ano?
68. Pelo contrário, as duas escrituras públicas da “Certidão de Casamento” que a Recorrente A requereu, sucessivamente, em Março de 1980 e em Outubro de 1990, são conservadas até agora, ou seja, por 40 anos e 30 anos, respectivamente.
69. Suponho que os dois tivessem adquirido o “livrete de casamento” naquela altura, então, quando a Recorrente regressou à cidade de Foshan para requerer a elaboração da escritura pública n.º 80, poderia apresentar diretamente o “livrete de casamento” e não tinha necessidade de ir ao Comitê Revolucionário do Distrito de Chaoyang da Cidade de Foshan para requerer a emissão da “Certidão de Casamento”. Por outro lado, o Comité Revolucionário do Distrito de Chaoyang era um órgão do governo naquela altura, não uma conservatória do registro de casamento. Naquela altura, a conservatória do registro de casamento deveria ser um certo escritório de zona residencial no distrito de Chaoyang, ou seja, a qualificação do sujeito que emitiu a “certidão de casamento” era inadequada e ilegal.
70. Mais, suponho que, naquela altura, os dois “livretes de casamento” tivessem perdidos, então, a Recorrente poderia directamente ir à original conservatória de registo de casamento para pedir a emissão de 2.ª via do “livrete de casamento”. Além disso, após só um ano, os arquivos de apreciação, registo e emissão do “livrete de casamento” se mantinham bem conservados pela conservatória de registo de casamento, sendo que a emissão de 2.ª via do “livrete de casamento” era uma tarefa muito fácil e atingível no âmbito das suas competências.
71. Mas, a Recorrente não pediu a emissão de um novo “livrete de casamento”. Isto só pode provar inversamente o facto de que não foi emitido o “livrete de casamento”.
72. Isto pode ser obtido usando as regras de experiência comum.
73. Quanto à questão de saber se o número do formulário do pedido de contrair casamento “Chaojiezi n.º XXX” constante dos autos pode ser provada a emissão do livrete de casamento, citamos aqui novamente a determinação do Supremo Tribunal Popular da República Popular da China na sentença administrativa (2018) zui gao fa xing jian n.º XX: “Foi apenas provado o facto de que, em 9 de Março de 1979, a autoridade do registo de casamento tinha admitido o pedido de contrair casamento entre B e A, mas, o que não era suficiente para comprovar se a autoridade do registo de casamento tinha emitido o livrete de casamento naquela altura”.
74. A Recorrente tentou argumentar que as provas por ela apresentadas, como as certidões emitidas pelo Comité Revolucionário, o número do livrete de casamento indicado no formulário do pedido de contrair casamento, a resposta dada pelo ofício do Departamento de Assuntos Civis, etc., deveriam ser admitidas pelo Tribunal a quo.
75. Relativamente à certidão emitida pelo Comité Revolucionário, o Tribunal de Segunda Instância da Cidade de Foshan já especificou o seu efeito probatório e, na sentença administrativa (2016) Yue 06 Xing Zhong n.º XXX foi determinado que: “A “certidão” emitida pelo Comité Revolucionário do Distrito de Chaoyang da Cidade de Foshan e a “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX do Cartório Notarial da Cidade de Foshan, são apenas duas certidões da relação matrimonial. Não há livrete de casamento ou arquivo do registo de casamento para verificação, pelo que as supra provas e materiais apresentados pelos Recorrente e Recorrido não são suficientes para comprovar o facto de que o Recorrido (Departamento de Assuntos Civis do Distrito de Chancheng) aprovou o pedido de registo de casamento celebrado entre o Recorrente (B) e a terceira da 1.ª instância (A)”.
76. As outras provas documentais apresentadas pela Recorrente não devem ser admitidas pelo Tribunal a quo, com fundamento em que as suas conclusões contradizem os factos já provados pelo Supremo Tribunal Popular.
77. Quando a sentença judicial chegar a uma conclusão contrária à prova documental geral, especialmente a conclusão é feita pelo Supremo Tribunal Popular, deve ser seguida a conclusão da sentença judicial.
78. É claro que o Tribunal a quo não devia admitir as provas apresentadas pela Recorrente, como a certidão emitida pelo Comité Revolucionário, o número do livrete de casamento constante do formulário do pedido de contrair casamento, e o ofício de resposta enviado pelo Departamento de Assuntos Civis, etc.
79. Uma vez que não há qualquer prova pode comprovar que foi emitido o livrete de casamento, o reconhecimento dos quesitos 17º e 24º pelo Tribunal a quo é correcto.
80. Nos artigos 150 a 158 das alegações do recurso, a Recorrente alegou que a decisão do Tribunal a quo padecia da contradição insanável entre os fundamentos probatórios e a fundamentação da decisão, e considerou que o Tribunal a quo só poderia negar provimento ao pedido de divórcio formulado pela Recorrente com base em que a Recorrente não podia comprovar a existência do casamento, e não poderia julgar improcedente a acção de divórcio intentada pela Recorrente por inexistência da relação matrimonial.
81. O Recorrido não concorda com este ponto de vista, com fundamento em que a inexistência da relação matrimonial foi apresentada pelo Recorrido.
82. Nos artigos 4 a 52 da contestação apresentada pelo Recorrido e nos dois pareceres jurídicos anexos, é manifesta a inexistência do casamento celebrado entre ele e a Recorrente, e o título desta parte é: II. Questão prejudicial - da Invalidade/inexistência do casamento.
83. Quando a Recorrente e o Recorrido tinham uma divergência relativamente à existência do casamento, o Juiz do Tribunal a quo devia apreciar esta questão.
84. Além disso, através das acções judiciais intentadas no Interior da China, o Recorrido tinha vindo a provar a “inexistência da relação matrimonial por não emissão do livrete de casamento”, e apresentou ao Tribunal a quo as respectivas sentenças judiciais.
85. Entre eles, o Tribunal de Segunda Instância da cidade de Foshan determinou que: “A “certidão” emitida pelo Comité Revolucionário do Distrito de Chaoyang da Cidade de Foshan e a “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX do Cartório Notarial da Cidade de Foshan, são apenas duas certidões da relação matrimonial. Não há livrete de casamento ou arquivo do registo de casamento para verificação, pelo que as supra provas e materiais apresentados pelos Recorrente e Recorrido não são suficientes para comprovar o facto de que o Recorrido (Departamento de Assuntos Civis do Distrito de Chancheng) aprovou o pedido de registo de casamento celebrado entre o Recorrente (B) e a terceira da 1.ª instância (A)”; e, o Supremo Tribunal determinou que: “mas, o que não era suficiente para comprovar se a autoridade do registo de casamento tinha emitido o livrete de casamento naquela altura.”
86. A “Lei do Casamento” de 1950 do Interior da China aplicável à presente causa estipula:
Artigo 6.º - o casamento deve ser pessoalmente registado por duas pessoas de sexo diferente no governo popular do local (distrito, bairro). Quando o casamento atender às disposições da presente lei, o governo popular local emitirá imediatamente o livrete de casamento.
Artigo 17.º - …Se as partes do casal divorciarem por mutuo consentimento, ambas as partes devem fazer um registo no governo popular do local, e obter o livrete de divórcio. … Após o divórcio, se as duas partes desejarem voluntariamente restabelecer a relação conjugal, devem fazer um registo de restabelecimento do casamento no governo popular do local, e o governo popular do local deve registar-se e emitir o livrete de restabelecimento de casamento.
87. Daí pode-se ver que, de acordo com a lei do Interior da China, o livrete de casamento, o livrete de divórcio e o livrete de restabelecimento de casamento são os certificados legais de estabelecimento, extinção ou restabelecimento da relação legalmente matrimonial.
88. O livrete de casamento, produzido pelo Departamento de Assuntos Civis do Governo, é um certificado legal da celebração da relação matrimonial; quando as duas pessoas de sexo diferente registam e recebem o mesmo, fica imediatamente estabelecida a relação matrimonial, e produz os direitos e obrigações conjugais, sendo o único certificado legal do casamento contraído entre as duas pessoas.
89. Sem o livrete de casamento, a relação matrimonial não foi estabelecida e, claro, é inexistente o casamento.
90. Combinando com o facto de que a Recorrente não compareceu pessoalmente ao departamento do registo de casamento para preencher o formulário do pedido de casamento, pode-se concluir a inexistência da relação matrimonial entre a Recorrente e o Recorrido.
91. Nestes termos, a expressão do Tribunal a quo na decisão sobre “a inexistência da relação matrimonial entre a Autora e o Réu” e “a inexistência do casamento”, é totalmente correcta.”
*
Foram os presentes autos conclusos para visto do Mm.º Juízes-Adjuntos.
***
II. Fundamentação
Após a audiência de julgamento, o Juiz do Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
A Autora e o Réu têm três filhos:
- F, nascido em Macau a7 de Maio de 1980;
- G, nascido em Macau a4 de Novembro de 1982;
- H, nascida no Canada a-23 de Outubro de 1987. (Resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória)
A Autora e o Réu passaram residir em Macau em 1979. (Resposta ao quesito 4.º da Base Instrutória)
Em Outubro de 2002, o Réu adquiriu a fracção sita [Endereço(1)] Macau, na altura, declarou casado com a Autora, passando a Autora e o Réu a viver com os filhos nessa residência. (Resposta ao quesito 5.º da Base Instrutória)
Em Agosto de 2012, o Réu passou a residir na [Endereço(2)], Macau. (Resposta aos quesitos 6.º e 7.º da Base Instrutória)
Pelo menos, desde 2015, a Autora e o Réu deixaram de partilhar a mesma casa, permanecendo a Autora a residir na moradia da [Endereço(1)], o Réu passou a viver na residência de [Endereço(2)], em total independência um do outro. (Resposta ao quesito 8.º da Base Instrutória)
Desde então, a Autora e o Réu jamais voltaram a dormir na mesma cama ou a ter relações sexuais ou qualquer outro tipo de intimidade entre si. (Resposta ao quesito 9.º da Base Instrutória)
Desde 2015, não existe qualquer vontade da Autora de restabelecer a vida comum. (Resposta ao quesito 11.º da Base Instrutória)
Na data não apurada de 2015, a Autora. procedeu à mudança da- fechadura da porta principal, sem fornecer o Réu a chave que lhe permite o acesso. (Resposta ao quesito 14.º da Base Instrutória)
A Autora e o Réu não tinha completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do livrete de casamento (結婚證). (Resposta ao quesito 17.º da Base Instrutória)
Nos termos da Lei nacional aplicável a Chinesa, o casamento contraído no interior da China está dependente da realização do registo. (Resposta ao quesito 18.º da Base Instrutória)
De acordo com a «Lei de Casamento» vigente na altura, bem como das disposições dos respectivos decretos e regulamentos, os nubentes que preencham os pressupostos legais para contrair o casamento devem, em conjunto, deslocar-se ao departamento de registo de casamento apresentar o respectivo requerimento de casamento. (Resposta ao quesito 19.º da Base Instrutória)
Nos termos da mesma lei, o departamento de registo de casamento emitirá o livrete do casamento. (Resposta ao quesito 20.º da Base Instrutória)
Só assim se constitui o casamento reconhecido legalmente na China. (Resposta ao quesito 21.º da Base Instrutória)
A Lei de Casamento da República Popular da China dispõe expressamente que ambos os nubentes que requeiram o casamento têm de ir em conjunto ao departamento de registo de casamento realizar todos os tipos de formalidades do registo do casamento e que não podem ser representados por outrem, precisamente para evitar tais situações contrárias à lei, mas normais na sociedade antiga, como é o caso das situações de compra e venda do casamento, casamento forçado, entre outros, situações que violam a liberdade de casar dos cidadãos. (Resposta ao quesito 23.º da Base Instrutória)
No caso dos autos o competente departamento do registo de casamento não emitiu o livrete de casamento ao Réu e à Autora. (Resposta ao quesito 24.º da Base Instrutória)
A emissão do livrete de casamento é o documento de suporte da relação jurídica matrimonial. (Resposta ao quesito 25.º da Base Instrutória)
O Réu na pendência da presente acção intentou contra a Autora o procedimento cautelar de arrolamento de bens comuns, em que declarou casado com a Autora. (Resposta ao quesito 37.º da Base Instrutória)
O Réu apresentou-se a terceiros, nomeadamente nos diversos actos, contratos de aquisição de imóveis, quotas, constituição de sociedades comerciais, eventos sociais, como estando casado com a Autora. (Resposta ao quesito 38.º da Base Instrutória)
O Réu declarou às autoridades do Canadá ter casado com a Autora a fim de obter a autorização de residência neste local. (Resposta ao quesito 39.º da Base Instrutória)
O Réu na procuração que outorgou a favor dos mandatários que o representam nesta acção declarou perante o notário que exarou tal instrumento ser casado. (Resposta ao quesito 41.º da Base Instrutória)
O processo de registo de casamento, no âmbito da Lei aplicável na jurisdição continental está sujeito a uma série de passos. (Resposta ao quesito 43.º da Base Instrutória)
Desde logo os nubentes devem apresentar pessoalmente e conjuntamente o requerimento junto das autoridades de registo, tratando- se de um requerimento que altera o seu estado civil, pretende-se que as declarações de ambos sejam livres e validamente reproduzidas. (Resposta ao quesito 44.º da Base Instrutória)
As autoridades administrativas competentes devem fazer o exame da capacidade e validade da relação registanda, devendo para o efeito realizar a respectiva inquirição junto dos nubentes. Resposta ao quesito 45.º da Base Instrutória)
As autoridades de registo devem ainda elaborar o original do livrete de casamento. (Resposta ao quesito 46.º da Base Instrutória)
Aquando da entrega do livrete de casamento, as autoridades de registo devem pedir aos nubentes para assinarem, pelo seu punho, o livro de protocolo da recepção do livrete. (Resposta ao quesito 47.º da Base Instrutória)
Por último, as autoridades de registo devem arquivar todos os documentos relativos ao registo de casamento no respectivo processo. (Resposta ao quesito 48.º da Base Instrutória)
A assinatura do formulário/requerimento de casamento constante de fls. 279 não pertencia à Autora. (Resposta ao quesito 50.º da Base Instrutória)
No arquivo central de casamento, não se encontra qualquer documento ou referência ao exame que devia ter sido efectuado pela respectiva autoridade chinesa. (Resposta ao quesito 51.º da Base Instrutória)
No arquivo central de casamento, não se encontra qualquer prova (nem a Autora alega) da efectiva emissão do livrete de casamento. (Resposta ao quesito 52.º da Base Instrutória)
Em 1979, Autora e Réu passaram a residir habitualmente em Macau. (Resposta ao quesito 53.º da Base Instrutória)
*
Face aos quesitos 1º, 17º, 24º e 50º da Base Instrutória, a Recorrente apresentou uma impugnação.
O Juiz do Tribunal a quo deu aos 4 quesitos acima referidos as seguintes respostas:
Quesito 1º – “A Autora e o Réu casaram em Foshan, na província de Cantão da República Popular da China, em 9 de Março de 1979 (cfr. Fls. 6 a 9 dos autos)?”
O Juiz do Tribunal a quo deu como “não provado”.

Quesito 17º - “A Autora, não terá completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do certificado de casamento (“結婚證”)?”
O Juiz do Tribunal a quo deu como provado que “A Autora e o Réu não tinham completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do livrete de casamento (“結婚證”)”.

Quesito 24.º - “No caso dos autos o competente departamento do registo de casamento não emitiu o certificado de casamento ao Réu e à Autora?”
O Juiz do Tribunal a quo deu como provado que “No caso dos autos o competente departamento do registo de casamento não emitiu o livrete de casamento ao Réu e à Autora.”

Quesito 50.º - “Nem assim assinou o mesmo formulário/requerimento?”
O Juiz do Tribunal a quo deu como provado que “A assinatura do formulário/requerimento de casamento constante de fls. 279 não pertencia à Autora.”

Quanto à modificabilidade da decisão de facto, dispõe-se no art.º 629.º, n.º 1 do CPC que foi subsidiariamente aplicado:
“A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.”
Nos termos acima referidos, o Tribunal de Segunda Instância pode alterar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto:
- Se do processo constarem todos os elementos de prova ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida;
- Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa;
- Se o documento novo superveniente seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

É sabido que o juiz goza de livre convicção na apreciação de prova (vide o art.º 558.º do CPC).
Relativamente à convicção, o TSI tem no processo de recurso n.º 322/2010 o seguinte douto entendimento:
“Salvo as provas que são legalmente exigidas para serem admitidas pelo tribunal, o Juiz deve apreciar a força probatória das provas de acordo com as regras de experiência comum e do bom senso, a fim de dar como provado ou não provado factum probandum.
Além disso, o objectivo da criação de um mecanismo da interposição de recurso no regime de processo civil vigente em Macau visa permitir que as partes interessadas requeiram a intervenção do tribunal superior, com fundamento em que o tribunal da 1.ª instância padece dos erros processuais, substantivos, factuais ou jurídicos, a fim de corrigir a sentença injusta da 1.ª instância por existência de erro, e em consequência, dar justiça às partes.
Isto é, se o tribunal da 1.ª instância não padeça de erro, o tribunal de recurso carece de legitimidade para intervir e substituir o tribunal da 1.ª instância para convolar a decisão.
É verdade que, no que diz meramente respeito à matéria de facto, de acordo com o princípio da imediação e o princípio da apreciação dos depoimentos que regem a audiência de julgamento, o Juiz do tribunal a quo averiguou e apreciou, directamente e pessoalmente, as provas e, reuniu as partes, as testemunhas, e os peritos na audiência, após a discussão verbal, deu a determinação dos factos e citou-os com base para o julgamento. Portanto, não há dúvida de que o Juiz do tribunal a quo é mais qualificado para apreciar as provas e determinar os factos do que o do tribunal superior.”
Por outro lado, entende-se também no processo de recurso do TSI n.º 162/2013: “Na apreciação das provas, o Juiz tem o poder de apreciar livremente a prova e, o tribunal superior pode ilidi-la só quando padece do erro manifesto.”
Daí pode-se saber que, só quando o tribunal da 1.ª instância cometeu erro na apreciação das provas para determinar os factos, o tribunal de recurso pode revogar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal da 1.ª instância, e substitui-lo para reapreciar as mesmas provas e convolar a decisão da matéria de facto.
Na apreciação das provas, os erros eventualmente ocorridos incluem a violação das disposições relativamente à prova legal ou a violação notória das regras de experiência e do bem senso.
Face ao presente processo de recurso, as provas admitidas pelo tribunal a quo, incluindo os meios de prova, como as provas testemunhais e documentais, etc., não são a prova legalmente vinculativa, ou seja, as respectivas provas não têm força probatória plena quanto à determinação dos factos litigiosos.
Algumas provas documentais são referentes às decisões judiciais dos tribunais do Interior da China, mas, as respectivas decisões não foram reconhecidas, bem como as partes das decisões não são as da presente causa, pelo que a força probatória de tais decisões é livremente apreciada pelo juiz.
Uma vez que o juiz não pode ser obrigado para admitir tais meios de provas, então, o juiz pode livremente apreciar as provas nos termos do disposto no art.º 558.º do CPC, ou seja, o juiz pode livremente apreciar a fidelidade dos depoimentos das testemunhas e, a veracidade e exactidão de tais documentos. Daí pode-se ver que, a apreciação das provas feita pelo Tribunal a quo não violou as disposições relativamente à prova legal.
Em seguida, vamos apreciar se o Juiz do Tribunal a quo violou as regras de experiência e de bom senso na apreciação da matéria de facto.
Como acima ficou dito, de acordo com o princípio da apreciação livre das provas, no apuramento dos factos e na apreciação da força probatória, o Juiz decide admitir ou não as provas apresentadas pelas partes conforme as regras de experiência comum e de bom senso.
A não ser que se trate de situação da violação notória das regras da experiência ou bom senso, o Juiz pode admitir ou não os meios de prova que não têm a força probatória plena nos autos.
Cumpre, pois, analisar as questões apresentadas pela Recorrente.
Os factos impugnados pela Recorrente residem basicamente em saber se a Autora e o Réu deslocaram-se em 1979 ao departamento competente para fazer os trâmites de contrair casamento, e se o respectivo departamento emitiu-lhes o “livrete de casamento”, a fim de julgar a existência ou não da relação matrimonial dissolúvel entre as partes.
Antes de mais, importa referir que, relativamente às testemunhas, os depoimentos prestados pelo advogado que tinha participado na acção administrativa do Interior da China e pelos irmãos mais velhos da Autora não são suficientes para comprovar os respectivos factos. Estas testemunhas tinham um conhecimento limite aos factos, bem como tal advogado foi delegado pela Autora para participar na acção administrativa do Interior da China, pelo que a neutralidade e credibilidade do seu depoimento é relativamente baixa.
In casu, as provas documentais são o essencial de todas as provas.
Na presente acção de divórcio, a Autora não apresentou o “livrete de casamento”, só apresentou duas escrituras públicas, ou seja, a da “Certidão de Casamento” (80) Chan Zheng Zi n.º XXX do Cartório Notarial da Cidade de Foshan e a da “Certidão de Casamento” (90) Foshi Zheng Zi n.º XXXX (constantes de fls. 293 a 295 e fls. 7 a 9 dos autos, respectivamente).
Posteriormente, estas duas escrituras públicas foram anuladas pelo Cartório notarial de Zhujiang da Cidade de Foshan da Província de Guangdong, através da “Decisão da Revisão” (2016) Foshi Zhujiang Sazi n.º XX (cfr. fls. 449 e 450 dos autos).
Em seguida, o Cartório notarial de Zhujiang da Cidade de Foshan proferiu em 2018 uma “Decisão da Nova Revisão”, na qual decidiu anular a “Decisão da Revisão” (2016) Foshi Zhujiang Sazi n.º XX e manter as escrituras públicas n.ºs XXX e XXXX (cfr. 770 a 776 dos autos).
Seguidamente, o Recorrido em causa, B, instaurou uma acção civil no Tribunal Popular do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan contra o Cartório Notarial de Zhujiang da Cidade de Foshan, pedindo ao tribunal que julgue que a “Decisão da Nova Revisão” proferida em 2018 pelo Réu padece da manifesta culpa e violou a lei, razão pela qual deve compensar ao Autor a título de perdas económicas resultantes pela violação dos direitos.
Esta causa recorreu finalmente para o Tribunal Popular da Segunda Instância da Cidade de Foshan, e este tribunal proferiu em 25 de Dezembro de 2019 a sentença civil n.º XXXX de (2019) Yue 06 Min Zhong, na qual determinou que o Cartório Notarial de Zhujiang tinha culpa nos procedimentos do tratamento da escritura pública n.º XXXX e da “Decisão da Nova Revisão”1. Mas, com base em que o Recorrido da presente causa, B, não conseguiu comprovar a existência do nexo de causalidade entre as suas perdas económicas e as actividades notariais do Cartório Notarial de Zhujiang, mantém-se finalmente a decisão do Tribunal Popular do Distrito de Chancheng da Cidade de Foshan que negou provimento aos pedidos do Réu (cfr. fls. 807 a 824 e 998 a 1020 dos autos).
Nos termos do disposto no art.º 1199.º, n.º 2 do CPC, não é necessária a revisão, quando a decisão proferida pelo tribunal fora de Macau seja invocada pelos tribunais de Macau como meio de prova, cujos valor e força probatória são livremente apreciados pelo Juiz.
De acordo com as respectivas provas documentais, o Cartório Notarial de Zhujiang da Cidade de Foshan proferiu em 2018 uma “Decisão da Nova Revisão”, na qual decidiu anular a “Decisão da Revisão” (2016) Foshi Zhujiang Sazi n.º XX e manter as escrituras públicas n.ºs XXX e XXXX. No entanto, o Tribunal Popular da Segunda Instância da Cidade de Foshan proferiu em 25 de Dezembro de 2019 a sentença civil n.º XXXX de (2019) Yue 06 Min Zhong, na qual determinou que o Cartório Notarial de Zhujiang tinha culpa nos procedimentos do tratamento da escritura pública n.º XXXX e da “Decisão da Nova Revisão”.
É verdade que, o tribinal não declarou anulada a “Decisão da Nova Revisão” proferida em 2018 pelo Cartório Notarial de Zhujiang da Cidade de Foshan, mas, não se pode negar que o juízo feito pelo juiz é um resultado da apreciação dos factos através do processo judicial (é determinado que o Cartório Notarial de Zhujiango Cartório Notarial de Zhujiang tinha culpa nos procedimentos do tratamento da escritura pública n.º XXXX e da “Decisão da Nova Revisão”), cuja credibilidade é incontestável. Portanto, é incensurável a conclusão do Juiz do Tribunal a quo que acreditou a decisão judicial e não admitiu a “Decisão da Nova Revisão”.
Além disso, quanto à questão de saber se o departamento ou entidade relevante do Interior da China emitiu o “livrete de casamento”, a Autora, como parte responsável pelo ónus da prova, não apresentou provas suficientes para comprovas os factos relevantes.
Excepto as testemunhas, não há outra prova mais suficiente e credível para comprovar o facto de que foi emitido o “livrete de casamento”. Mesmo que fossem apresentadas as testemunhas, os depoimentos delas não têm grande valor de referência, pela razão de que as testemunhas são apenas o advogado que representava a Recorrente no processo civil do Interior da China e os irmãos mais velhos da Recorrente, sendo a neutralidade e credibilidade dos depoimentos delas não grandes.
Pelo contrário, ao Recorrido apresentou o “Parecer de Perícia Judicial” de Yue Wei Si Jian Suo (2015) Wen Jian Zi n.º XXXX, elaborado pelo Instituto de Ciências Forenses de Guangdong Fawei (廣東法維司法鑒定所), no qual se concluiu que a assinatura de A aposta no formulário do pedido de contrair casamento (ou seja, a Recorrente na presente causa), não era a própria assinatura de A. Este relatório pericial é um documento particular, mas, a sua autenticidade foi reconhecida pelo tribunal do Interior da China, podendo o Tribunal a quo tomar referências do mesmo na apreciação dos factos.
De facto, no que diz respeito aos materiais dos arquivos do casamento celebrado entre eles, há apenas três materiais mais importantes: um formulário do pedido de contrair casamento e duas certidões das unidades a que pertenciam a Recorrente e o Recorrido.
Ao longo dos anos, a Recorrente e o Recorrido já instauraram várias acções e recurso nos tribunais, mas, o resultado é que não se deu como provada a existência da relação matrimonial. Por outras palavras, as partes interessadas não podiam provar pela via judicial que os dois tinha realizado o registo de casamento em 9 de Março de 1979, e o departamento relevante lhes tinha emitido o “livrete de casamento”.
Este tribunal considera que, uma vez que os tribunais do Interior da China tinham apreciado os factos impugnados e concluíram que as provas relativamente à questão factual da relação matrimonial são insuficientes, após a análise das mesmas provas, o Juiz do Tribunal a quo adoptou a mesma opinião dos tribunais do Interior da China, o que não merece qualquer censura.
Quanto à relação matrimonial entre a Autor e o Réu, o Juiz do Tribunal a quo justificou as situações relevantes, por exemplo, referiu-se nas seguintes partes extraídas da decisão da matéria de facto:
“…
Quando à questão de saber se a Autora e O Réu completaram os trâmites de contrair casamento, o Supremo Tribunal Popular considera que de acordo com as provas do Departamento de Assuntos Civis, foi apenas provado que, em 9 de Março de 1979, a autoridade do registo de casamento tinha admitido o pedido de contrair casamento entre B e A, mas, o que não era suficiente para comprovar se a autoridade do registo de casamento tinha emitido o livrete de casamento naquela altura”. Isto é, o Supremo Tribunal do Interior da China também considerou que a prova dos arquivos podia comprovar a existência do pedido de contrair casamento, mas, o que não era suficiente para provar que o pedido foi aprovado e, consequentemente, foi emitido o livrete de casamento.

A Autora não conseguiu apresentar um certificado de casamento legalmente reconhecido e, os únicos materiais por si apresentados para fazer o registo de casamento também eram incompletos, o que não é suficiente para determinar se os trâmites do casamento tinham sido concluídos naquele momento. O Tribunal tem realmente grande dúvida sobre se a Autor e o Réu completaram efectivamente os trâmites do casamento de acordo com as leis do Interior da China.
Além disso, relativamente à autenticidade da assinatura da Autora no formulário do pedido de contrair casamento dos dois, o Réu apresentou um relatório pericial feito durante os processos judiciais do Interior da China, no qual indicou que a assinatura não pertencia à Autora (vide fls. 586 a 593 dos autos), e a Autora não apresentou qualquer contraprova com a mesma força probatória, quer na presente causa quer nos processos judiciais do Interior da China, para ilidir ou pôr em causa o resultado desta parícia. Com base nisso, este tribunal considera que não há qualquer fundamento razoável para não admitir o resultado desta perícia.
Assim, dá-se como provado que a assinatura aposta no formulário não pertencia à Autora. Mas, ainda que se dê como provado que a assinatura aposta no formulário não era da Autora, por falta de qualquer outra prova sobre as situações do registo no Departamento de Assunto Civis, esta prova por si só não é suficiente para comprovar se a Autora esteve presente naquele momento, pelo que este Tribunal considera que não se pode dar como provado que a Autora não esteve pessoalmente presente naquela momento.
Por tudo acima exposto, o tribunal já deu como provados ou não provados os quesitos 1º, 2º, 17º a 25º, 37º a 52º.”

Como acima se referiu, a determinação do Juiz do tribunal a quo relativamente aos quesitos 1º, 17º, 24º e 50º da base instrutória cumpriram as regras de experiência comum e do bom senso, este tribunal entende que não enferma de irregularidades, pelo que julga improcedente o recurso nesta parte.
*
Por fim, a Recorrente invoca a nulidade da sentença, alegando que existe uma contradição insanável entre os fundamentos e a decisão da sentença recorrida.
Nos termos do disposto no art.º 517.º, n.º 1, alínea c) do CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Refere Viriato Lima2 que “a nulidade da alínea c) (quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão) refere-se ao caso de contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, ou seja, por exemplo, de a fundamentação apontar no sentido da condenação, mas terminar pela absolvição do réu.”
In casu, a Recorrente, como Autora, instaurou uma acção de divórcio no tribunal, pedindo ao tribunal que decrete o divórcio entre a Autora e o Réu.
O Juiz do Tribunal a quo julgou a inexistência da relação matrimonial entre a Autora e o Réu, e a inexistência de um casamento dissolúvel, pelo que negou provimento ao pedido de divórcio formulado pela Autora.
Com efeito, quer a Autora não conseguiu provar a existência de uma relação matrimonial, quer o Tribunal deu como provada a inexistência da relação matrimonial entre a Autora e o Réu, cujo resultado é o mesmo, ou seja, não se encontram preenchidos os requisitos legais para o divórcio litigioso, e o pedido é rejeitado.
Portanto, a situação alegada pela Recorrente não é a de que os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão, o que não constitui a nulidade da sentença.
Só constitui a nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão, quando se deu como provada a existência do casamento legal na parte de fundamentação, mas se decidiu negar provimento ao pedido por determinação da inexistência da relação matrimonial na parte de decisão.
Pelo exposto, este tribunal julga improcedente o recurso de decisão jurisdicional interposto pela Recorrente.
*
Por fim, os pareceres/documentos apresentados pela Recorrente, respectivamente, em 22 de Outubro de 2021, 11 de Novembro de 2021 e 6 de Dezembro de 2021, não atenderam ao disposto no art.º 616.º, n.º 2 do CPC relativamente à junção de documentos, este Tribunal ordena o seu desentranhamento e devolução, conjuntamente com os documentos do Recorrido.
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III. Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo julga improcedente o recurso de decisão jurisdicional interposto pela Recorrente A e, mantém-se a decisão original.
Custas pela Recorrente.
Após vistos os autos, os documentos anexos serão desentranhados e devolvidos à parte.
A taxa de justiça do desentranhamento dos documentos é fixada em 2 UC pela Recorrente.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 1309 a 1328 e 4 a 73 do Apenso).

Tendo-se presente o que pela ora recorrente vem em sede do presente recurso alegado e concluído, verifica-se que a sua discordância com o decidido reside, em boa verdade, com os “motivos” pelo Tribunal de Segunda Instância invocados para confirmar as respostas pelo Tribunal Judicial de Base dadas aos “quesitos 1°, 17°, 24° e 50°” da base instrutória, e que, como do Acórdão agora recorrido consta (e se deixou transcrito), mereceram as respostas seguintes:

«Quesito 1º – “A Autora e o Réu casaram em Foshan, na província de Cantão da República Popular da China, em 9 de Março de 1979 (cfr. Fls. 6 a 9 dos autos)?”
O Juiz do Tribunal a quo deu como “não provado”.

Quesito 17º – “A Autora, não terá completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do certificado de casamento (“結婚證”)?”
O Juiz do Tribunal a quo deu como provado que “A Autora e o Réu não tinham completado as formalidades administrativas necessárias para promover o registo e emissão do livrete de casamento (“結婚證”)”.

Quesito 24.º – “No caso dos autos o competente departamento do registo de casamento não emitiu o certificado de casamento ao Réu e à Autora?”
O Juiz do Tribunal a quo deu como provado que “No caso dos autos o competente departamento do registo de casamento não emitiu o livrete de casamento ao Réu e à Autora.”

Quesito 50.º – “Nem assim assinou o mesmo formulário/requerimento?”
O Juiz do Tribunal a quo deu como provado que “A assinatura do formulário/requerimento de casamento constante de fls. 279 não pertencia à Autora.”»; (cfr., fls. 1323-v a 1324 e 59 a 60 do Apenso).

Ora, em conformidade com o que se expôs em sede de fundamentação do decidido, sem esforço se conclui que a (verdadeira) razão que levou o Tribunal Judicial de Base a julgar improcedente a “acção de divórcio” pela A., ora recorrente, contra o R., ora recorrido, proposta, foi, precisamente, a “não comprovação do pela A. alegado casamento com o R.”.

E, considerando o Tribunal de Segunda Instância que censura não merecia a fundamentação explicitada e a decisão – de facto e de direito – pelo Tribunal Judicial de Base proferida, outra solução são lhe pareceu existir que não fosse a improcedência do anterior recurso da A., ora recorrente.

Em resultado da reflexão que sobre o Acórdão recorrido e do que agora vem alegado e concluído tivemos oportunidade de fazer, eis o que se nos mostra de consignar e decidir.

Pois bem, como se nos apresenta evidente, e cremos que resulta da própria “natureza das coisas”, uma “acção especial de divórcio” – como a pela A. proposta contra o R. no Tribunal Judicial de Base, (e que deu lugar à presente lide recursória) – só se justifica, (e faz sentido), se e enquanto os seus sujeitos (activo e passivo) estiverem vinculados por um casamento – para todos os efeitos – “válido”; (cfr., v.g., os art°s 1500° e segs. do C.C.M.).

De facto, sendo a “acção especial de divórcio” o meio processual próprio para se obter a dissolução (e extinção) da relação matrimonial, (e que, no caso, constituía, exactamente, o pedido pela A. deduzido), nenhuma utilidade existe ou sentido faz propor-se e fazer seguir uma “acção de divórcio”, (seja ele “por mútuo consentimento” ou “litigioso”; cfr., art. 1628° do C.C.M.), sem que (validamente) casadas entre si estejam as suas partes.

Ora, in casu, perante o pedido pela A. ora recorrente deduzido na sua petição inicial, o R., ora recorrido, contestou, suscitando, como “questão prejudicial”, a “invalidade/inexistência do (alegado) casamento”; (mostrando-se também assim de notar aqui que não corresponde à verdade o que pela ora recorrente vem alegado quanto à falta de contestação e impugnação do alegado casamento e documentos apresentados para o comprovar).

E, assim, dúvidas não havendo que a “matéria” e respostas dos aludidos quesitos 1°, 17°, 24° e 50° se apresentam como relevantes para se apurar, reconhecer e declarar da (contestada) existência/validade da (alegada) “relação matrimonial” que com o pedido pela ora recorrente deduzido se pretendia extinguir, vista está a razão de todo o processado assim como das decisões entretanto pelas Instâncias recorridas proferidas.

Porém, sem prejuízo do muito respeito devido a outro entendimento, cremos que nenhuma censura merecem as ditas decisões, apresentando-se-nos que nelas se deu correcta e adequada solução às questões de facto e direito que constituíam objecto de pronúncia.

Vejamos.

Integrado na secção das “normas de conflitos” (quanto à “lei reguladora das relações de família”) e sob a epígrafe “capacidade para contrair casamento ou celebrar convenções matrimoniais”, prescreve o art. 48° do C.C.M. que:

“A capacidade para contrair casamento ou celebrar convenção matrimonial é regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, à qual compete ainda definir o regime da falta e dos vícios da vontade dos contraentes”.

E, (também) quanto à “forma do casamento” estatui o art. 49° que:

“1. A forma do casamento é regulada pela lei do lugar em que o acto é celebrado, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2. O casamento de dois estrangeiros em Macau pode ser celebrado segundo a forma prescrita na lei nacional de qualquer dos contraentes, perante os respectivos agentes consulares”.

Todavia, o assim consagrado em matéria de “lei pessoal” ou do “lugar em que o acto é celebrado” (em sede “normas de conflito”), em nada interfere ou altera o que consagrado está relativamente ao “direito probatório” ou, na situação dos presentes autos, e mais concretamente, no que diz respeito à “prova” de que o alegado casamento entre A. e R. se realizou, (efectiva e validamente).

Esta, a “questão” – ou melhor, a “diferença” nas referidas matérias – que à recorrente parece escapar, não obstante todo o esforço argumentativo já expendido nas decisões do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância, (que aqui, e desde já se consigna, merecem a nossa inteira concordância, mostrando-se de se adoptar a fundamentação exposta para a solução e decisão que adiante se irá proferir).

Importa pois atentar que “decisões notariais e judiciais” do exterior da R.A.E.M. – que, como é óbvio, nos merecem todo o respeito – não fazem sempre, e em toda e qualquer situação, “prova plena”, sem que antes tenham sido objecto de “revisão e confirmação” nos termos do art. 1199° e segs. do C.P.C.M. e, no caso, do “Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau”, (cfr., Aviso do Chefe do Executivo n.° 12/2006, B.O. n.° 12/2006, de 22.03.2006), sendo assim de notar que o entendimento pela recorrente adoptado sobre a questão se nos apresenta representativo de uma (algo) deficiente compreensão das “matérias” que se deixaram identificadas.

Aliás, a própria recorrente acaba por incorrer em “contradição”, pois que, como “prova” da regularidade, validade e existência do casamento que diz ter celebrado com o recorrido não deixa de invocar o teor do “depoimento de testemunhas” sobre tais realidades…

E, nesta conformidade, clara se apresenta a solução.

Na verdade, se o alegado “casamento” – cabendo aqui referir e salientar que o que efectivamente em causa está é a sua “validade” e “existência jurídica” – constitui, como de facto sucedeu, matéria a “discutir” e “decidir”, (e daí, a sua inclusão na “base instrutória”), evidente se nos mostra que justas e razoáveis se apresentam as decisões pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância proferidas, que justificam o decidido invocando a “livre apreciação da prova”, (e as “regras de experiência”), de nada valendo à recorrente esgrimir com “actos” ou “decisões” que, (uma vez mais), pela própria natureza das coisas, (e, obviamente, sem se olvidar as especificidades dos regimes jurídicos envolvidos), apenas podem produzir efeitos imediatos internos.

Aliás, há que ter também presente que até mesmo nos termos do art. 358° do C.C.M.:

“1. Os documentos autênticos ou particulares passados fora do território de Macau, na conformidade da lei do local onde foram passados, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Macau.
2. Contudo, e salvo disposição em contrário, quando o tribunal tenha fundadas dúvidas acerca da autenticidade do documento ou da autenticidade do seu reconhecimento, a força probatória do documento é apreciada livremente pelo tribunal”.

Ora, certo sendo que o assim estatuído foi efectiva e adequadamente ponderado na decisão proferida e ora recorrida, tendo-se dado aplicação ao prescrito no n.° 2 do transcrito comando legal, pouco mais se mostra de dizer.

Nesta conformidade, claras e válidas se nos apresentando as considerações tecidas no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância do qual vem interposto o presente recurso, e verificando-se também que as mesmas dão adequada resposta ao que pela recorrente vem alegado, (que, em bom rigor, se limita a repisar o que, antes, em sede do anterior recurso, tinha já invocado), imperativo se mostra decidir pela improcedência do presente recurso.

Decisão

3. Em face do que se deixou expendido, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 08 de Março de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 O Recorrido, B, não formulou um pedido da declaração de nulidade da Decisão da Nova Revisão naquela acção civil.
2 Manual de Direito Processual Ciivl, Tradução da 2.ª edição, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2009, pág. 338.
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