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Processo nº 29/2023(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Aos 15.03.2023, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Penal a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. Sob acusação do Ministério Público e em audiência colectiva no Tribunal Judicial de Base responderam A (甲) e B (乙), (1° e 2°) arguidos com os restantes sinais dos autos.

A final, realizado o julgamento decidiu-se condenar:

–– o (1°) arguido A, como co-autor material da prática em concurso real de:
- 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
- 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 4 meses de prisão; e,
- 1 crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 4 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico com a pena que lhe foi aplicada no âmbito do Processo CR2-21-0311-PCS, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 5 anos e 11 meses de prisão.

–– o (2°) arguido B, como co-autor material da prática em concurso real de:
- 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 5 anos e 9 meses de prisão;
- 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 4 meses de prisão; e,
- 1 crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 4 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão; (cfr., fls. 1018 a 1037 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido recorreram os ditos (2) arguidos (A e B) para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 12.01.2023, (Proc. n.° 826/2022), negou provimento aos recursos; (cfr., fls. 1125 a 1147).

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Ainda inconformados, vêm os mesmos arguidos recorrer para esta Instância.

O (1°) arguido, A, alega que devia beneficiar de uma “atenuação especial da pena”, batendo-se, assim, pela alteração da sua pena para uma outra não superior a 3 anos de prisão que pede seja suspensa na sua execução; (cfr., fls. 1190 a 1195-v).

O (2°) arguido, B, imputa ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e violação do princípio “in dubio pro reo”, pedindo, também, subsidiariamente, a redução da pena que lhe foi aplicada; (cfr., fls. 1182 a 1184).

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Em Resposta, foi o Ministério Público de opinião que os recursos não mereciam provimento; (cfr., fls. 1200 a 1203-v e 1204 a 1207).

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Oportunamente, nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer considerando também que os recursos deviam ser julgados improcedentes; (cfr., fls. 1217).

*

Conclusos os autos ao ora relator para exame preliminar, e atento o teor da decisão recorrida, assim como a natureza das “questões” pelos recorrentes colocadas, entendeu-se que “manifestamente improcedente” era o recurso, devendo, assim, ser objecto de rejeição por “decisão sumária”; (cfr., art. 410°, n.° 1, e art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.).

Na verdade, e como já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de considerar:

“A possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência”, destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso”; (cfr., v.g., o Ac. de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020-I e, mais recentemente, a Decisão Sumária de 11.01.2023, Proc. n.° 2/2023).

*

Nesta conformidade, e nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados nos Acórdãos do Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância, (cfr., fls. 1023 a 1027-v e 1132 a 1137), e que aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, (notando-se que, adiante, aos mesmos será feita adequada referência).

Do direito

3. Dois são os recursos pelos (1° e 2°) arguidos A e B trazidos do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, negando provimento aos (anteriores) recursos que interpuseram do Acórdão do Tribunal Judicial de Base, confirmou a decisão que os condenou nos termos já relatados.

–– Atentas as questões pelos recorrentes colocadas, tendo-se presente o estatuído em matéria de “recorribilidade” para este Tribunal de Última Instância – cfr., art. 390°, n.° 1, al. f) e g) do C.P.P.M. – e, assim, centrando a nossa atenção no crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” pelo qual foram os recorrentes condenados, e considerando que foram os ora recorrentes declarados “co-autores”, tem-se por adequado conhecer primeiro das questões de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo” pelo recorrente B colocadas.

E, conhecendo, cabe dizer que nenhuma razão tem o dito recorrente.

Na verdade, o tema do agora imputado “erro notório na apreciação da prova” tem sido abundante e repetidamente tratado por este Tribunal de Última Instância, (o mesmo sucedendo com o Tribunal de Segunda Instância), e, firme e pacífico tem sido o entendimento que – em síntese – se pode resumir no seguinte:

“O vício de “erro notório na apreciação da prova” constitui um vício típico – próprio – da “decisão sobre a matéria de facto”, e apenas existe quando se violam as “regras sobre o valor da prova vinculada”, as “regras de experiência” ou as “legis artis”, devendo ser um “erro ostensivo” e de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
Assim, visto estando que o “erro notório na apreciação da prova” nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que o Tribunal devia ter dado relevância a determinado meio de prova – sem “especial valor probatório” – para formar a sua convicção (e assim dar como assente determinados factos), visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da “livre apreciação da prova” e de “livre convicção” do Tribunal”; (cfr., v.g., e para citar os mais recentes, os Ac. deste T.U.I. de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022 e 12/2022, de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022, de 21.09.2022, Proc. n.° 78/2022, de 13.01.2023, Proc. n.° 108/2022 e de 03.03.2023, Proc. n.° 97/2022).

In casu, sendo exactamente o que sucede – já que o recorrente limita-se a discordar de “decisão sobre a matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base proferida e confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, não adiantando um único argumento válido (ou lógico) para fundamentar a sua discordância, (dizendo, apenas, que “o Tribunal não devia acreditar … e dar como provado …”), ociosas são mais considerações sobre o ponto em questão.

Idêntica solução nos merece a assacada violação do princípio “in dubio pro reo”.

Com efeito, constituindo igualmente tema repetidamente trazido à apreciação deste Tribunal de Última Instância, constitui também entendimento firme que o mesmo se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore, sempre, em favor dele, um “non liquet”.

Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida insanável, razoável e motivável, definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., v.g., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, Vol. VIII, pág. 611 a 615).

Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido “versões dispares” ou mesmo “contraditórias”, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – (alguma) dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.

A violação do “princípio in dubio pro reo” exige, sempre, que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num “estado de dúvida” quanto aos factos que devia dar por “provados” ou “não provados”.

No caso dos autos, e sem prejuízo do muito respeito, cremos que tanto a decisão da matéria de facto dada como provada assim como a fundamentação da sua convicção e posterior enquadramento jurídico-penal demonstram, de forma clara e cabal, que o arguido recorrente cometeu o(s) crime(s) pelos qual(ais) foi pelo Ministério Público acusado, tal como pelo Tribunal Judicial de Base foi condenado e, agora, pelo Tribunal de Segunda Instância confirmado, nenhuma dúvida se vislumbrando (ou existindo) em todo o processado, evidente sendo assim a solução para esta questão.

De facto, está – claramente – “provado” que o ora recorrente foi pelas autoridades policiais interceptado à chegada a Macau juntamente com o (1°) arguido A, com quem agiu em conjunção de planos e esforços, que este trazia 3,517g de Metanfetamina para os dois antes comprada no Continente, e que por várias vezes venderam estupefaciente ao 3° arguido dos autos e a outras pessoas; (cfr., fls. 1023 a 1027).

Ora, perante esta factualidade (que como se viu, não padece de “erro”, ou qualquer outro vício, e que em apertada síntese se deixou exposta), assim como atento o teor as decisões condenatórias proferidas, manifesto se apresenta que nenhuma violação ao princípio “in dubio pro reo” existe.

–– Aqui chegados, e sendo momento de se decidir dos pedidos relativos às “penas” que aos arguidos foram aplicadas, quid iuris?

Pois bem, cremos que, também aqui, necessárias não se apresentam longas considerações.

Com efeito, “provada” estando a “matéria de facto” como tal elencada e constante dos Acórdãos do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância, (e que atrás se deixou muito abreviadamente retratada), da mesma resultando também (sem qualquer dúvida) que é a dita matéria adequada e bastante para a “decisão condenatória” proferida, (pois que nela estão presentes todos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016, pelo qual foram os ora recorrentes condenados), importa pois ter presente que ao dito crime cabe a pena (abstracta) de 5 a 15 anos de prisão, e que pelos mesmos foram os recorrentes condenados com a pena de 5 anos e 6 meses de prisão, o (1°) arguido A, e na de 5 anos e 9 meses de prisão, o (2°) arguido B.

Assim, igualmente visto estando que tais penas estão tão só a 6 e 9 meses acima do limite mínimo aplicável, (e, respectivamente, a 9 anos e 6 meses, e a 9 anos e 3 meses, do seu limite máximo), e na (completa) ausência de qualquer “circunstância” que permita considerar a “situação” em questão como “excepcional” ou “extraordinária” para os efeitos do art. 66° do C.P.M., assim como para se accionar o estatuído no art. 18° da Lei n.° 17/2009, e, atentando-se também nos critérios para a determinação concreta da pena do art. 65° do C.P.M., cremos pois que as ditas penas não se mostram inflacionadas, (sendo aliás caso para se dizer que até se mostram benevolentes).

De facto, (repetidamente) temos vindo a considerar que “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais” – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 03.04.2020, Proc. n.° 23/2020-I, de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020-I e de 23.09.2020, Proc. n.° 155/2020, de 27.11.2020, Proc. n.° 193/2020, de 23.06.2021, Proc. n.° 84/2021, de 11.03.2022, Proc. n.° 8/2022, de 18.05.2022, Proc. n.° 52/2022 e de 21.09.2022, Proc. n.° 78/2022), e assim, em face da moldura penal aplicável – 5 a 15 anos de prisão – e as penas concretas aos ora recorrentes aplicadas, vista está igualmente a solução para os pedidos em questão.

Dest’arte, e apresentando-se os recursos manifestamente improcedentes, resta decidir em conformidade.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar os recursos.

Pagarão os recorrentes a taxa de justiça (individual) que se fixa em 6 UCs para o recorrente B e 4 UCs para o recorrente A, e, como sanção pela rejeição dos recursos, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários aos Exmos. Defensores no montante de MOP$3.500,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 1219 a 1227 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o (1°) arguido A (甲) reclamar do decidido na transcrita “decisão sumária”; (cfr., fls. 1237 a 1238).

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Em sede de vista é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que a reclamação apresentada carece de fundamento, devendo por isso improceder; (cfr., fls. 1239).

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Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, nada vindo de novo, inscritos em tabela para decisão em conferência.

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b), do C.P.P.M., após exame preliminar, o relator profere “decisão sumária” sempre que o recurso deva ser rejeitado, o que pode suceder quando for “manifesta” a sua improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do dito código).

Assim, apresentando-se ser a situação dos presentes autos, e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, proferiu-se a decisão sumária que se deixou integralmente transcrita.

Invocando a faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o (1°) arguido A reclamar da aludida decisão sumária.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito devido a outro entendimento, evidente é que não se pode reconhecer (qualquer) mérito à sua pretensão – que apenas pode ter como justificação uma deficiente compreensão do que decidido foi – muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara, lógica e adequada na sua fundamentação, nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das “questões” colocadas, justa e acertada sendo, igualmente, a solução a que se chegou.

Na verdade, pelos motivos – de facto e de direito – que na referida decisão sumária (atrás transcrita) se deixaram expostos, patente se nos mostra que adequado foi o deliberado no Acórdão do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este Tribunal, o que, por sua vez, implica, a necessária (e natural) conclusão da sua total confirmação, com a “rejeição do recurso” dada a sua manifesta improcedência (em sede de decisão sumária), como, no caso, sucedeu.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante também nada diz (ou acrescenta), inevitável é a improcedência da pretensão apresentada.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Pagará o reclamante a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.000,00.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo de novo, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 14 de Abril de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
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