Processo n.º 163/2023
(Autos de suspensão da eficácia)
Data : 28 de Março de 2023
Requerente : A
Entidade Requerida : Secretário para a Economia e Finanças
* * *
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Requerente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 06/01/2023, veio, em 09/03/2023, junto deste TSI pedir a suspensão da eficácia do referido despacho, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 20, tendo formulado as seguintes conclusões:
I – DOS FACTOS
1. Por requerimento datado de 5 de Junho de 2020, a Requerente requereu ao Departamento Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM no processo número 0446/2015/01R que lhe fosse renovada a sua autorização de residência, tendo para o efeito submetido os documentos legalmente exigíveis.
2. A decisão do sobredito pedido de renovação da autorização de residência foi proferida em 6 de Janeiro de 2023, vindo a mesma a indeferir a pretensão da ora Requerente.
3. Decisão esta que foi notificada à Requerente no dia 09 de Fevereiro de 2023.
4. É desta decisão que a Requerente pretende recorrer contenciosamente, em virtude da mesma além de não se encontrar devidamente fundamentada, se encontrar ainda inquinada pelo vício de Violação de Lei, consubstanciado na violação dos Princípios da Proporcionalidade e da Justiça e na total desrazoabilidade no exercício dos seus poderes discricionários por parte da Administração Pública.
5. Pois, dispõe o artigo 5.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, doravante CPA, que "as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar" - sublinhado nosso.
6. Também o artigo 7.º do CPA determina que "no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação" - sublinhado nosso.
Sucede que,
7. Conforme melhor se explanará no recurso contencioso a apresentar e ao qual serão apensos os presentes autos, a não renovação da autorização de residência da Requerente, salvo o devido respeito, para além de não se encontrar fundamentada, é manifestamente desproporcional,
8. Tendo sido aplicada por um órgão da Administração numa total desrazoabilidade do exercício dos seus poderes discricionários, consubstanciando uma clara violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da economia processual, o que constitui uma ilegalidade por vício de violação de lei e determina, por conseguinte, a anulabilidade da decisão proferida pela Administração nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA.
9. Isto sem olvidar que a Requerente tem o seu centro de vida na RAEM, onde se encontra a viver e onde exerce funções como Director de Divisão da B Limited, cuja firma foi posteriormente alterada para C Limitada, em Chinês "C有限公司", e em Inglês "C Limited".
10. Sendo um elemento fundamental na realização, desenvolvimento e acompanhamento de todos os projectos que a empresa tem neste momento em curso em Macau.
11. Refira-se que muitos dos projectos que estão a ser realizados pela empresa e que estão a ser acompanhados pela ora Requerente em Macau, são projectos de grande dimensão que requerem do acompanhamento da Requerente dada à complexidade dos projectos em causa (vide DOC. 1).
12. É intenção e desejo da Requerente, continuar a residir e a trabalhar nesta Região Administrativa Especial.
13. A Requerente aufere mensalmente a quantia de MOP63.466,22 (sessenta e três mil quatrocentas e sessenta e seis Patacas e vinte e dois avos) sendo que, para além de fazer face às despesas mensais decorrentes da vida dela, como seja, com o arrendamento da casa em Macau, tem ainda a seu cargo a sua mãe quem devido a idade e as condições de saúde não lhe permitem valer-se por si mesma, conforme melhor se explanará.
14. Deste modo, a presença da Requerente no território é essencial para que possa continuar a desempenhar a sua actividade laboral e assim prover ao seu sustento e ao sustento da sua mãe.
II - DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
15. Como resulta dos factos supra expostos, a interessada no processo administrativo em causa, ora Requerente, é o destinatário directo do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças ("Entidade Requerida").
16. Resulta ainda que o acto recorrido produz efeitos em relação à aqui Requerente.
17. Por conseguinte, se a ora Requerente tem legitimidade activa para impugnar contenciosamente o acto em causa praticado pela Entidade Requerida, na medida em que é titular de um interesse pessoal e directo, designadamente por ser lesado do acto em crise nos autos do recurso contencioso de anulação a que estes autos serão apensos, também tem legitimidade para requerer a suspensão de eficácia do acto recorrido, como resulta do disposto no art. 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, doravante designado por CPAC.
18. O Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, autor do acto recorrido, é a Entidade Recorrida nos termos do disposto no art. 37º do CPAC.
19. A ora Requerente foi notificada em 9 de Fevereiro de 2023 do acto recorrido proferido pelo Exmo. Senhor Secretario para a Economia e Finanças, através de entrega da respectiva notificação,
20. Conforme se deixará comprovado através da verificação do respectivo processo administrativo, que a final se irá requerer seja presente a esse Venerando Tribunal pela Entidade Recorrida,
21. Pelo que o recurso contencioso a apresentar, e ao qual estes autos serão apensos, é tempestivo.
III - DOS REQUISITOS E FUNDAMENTOS DO PRESENTE PROCEDIMENTO CAUTELAR
22. O acto administrativo de indeferimento do pedido da renovação da residência, confere à Requerente o direito a recorrer contenciosamente da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, o que será feito, correndo o respectivo recurso contencioso os seus termos legais nos autos a que este procedimento cautelar será apenso,
23. Assim como lhe confere o direito de requerer a suspensão da eficácia de tal acto por apenso aos mesmos autos, o que ora se faz.
24. O recurso contencioso de anulação de actos administrativos não tem efeito suspensivo.
25. E como se sabe, o recurso levará algum tempo a ser julgado definitivamente, pelo que in casu a execução imediata do acto, prejudica irremediavelmente a Requerente, todas as demais pessoas que compõem o seu agregado familiar e que dependem do seu sustento para poder viver, e ainda a sua entidade patronal, como adiante se demonstrará.
26. E como defende o Prof. Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, Lisboa, 1988, vol. IV, p. 302 e 303, «... para evitar que a anulação tardia do acto recorrido já não traga qualquer benefício útil ao recorrente, a lei prevê o instituto da suspensão da eficácia dos actos administrativos».
27. E como explica Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, 1999, este meio processual urgente permite «acautelar o efeito útil do recurso, evitando que, em determinadas situações, a demora normal (e, por maioria de razão, a anormal) do processo possa retirar todo o alcance prático à sentença de provimento (ou na linguagem clássica, um meio para combater o "periculum in mora"».
28. É, portanto, pacífico, o entendimento de que a suspensão da eficácia dos actos administrativos constitui um procedimento cautelar, por ser uma medida destinada a prevenir os perigos do natural curso de qualquer acção.
29. É que «a inevitável demora do processo, ou ainda a necessidade de recorrer a ele, não deve ocasionar dano à parte que tem razão: a realização jurisdicional do direito deve proporcionar ao autor satisfação idêntica de interesses à que ele obteria através da realização pacífica e pontual do seu direito. A isto tendem os procedimentos cautelares, de per si, ou em conjugação com a auto-defesa» - A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, 1981, vol. I, p. 130.
30. O procedimento de suspensão de eficácia requerida nos autos é um procedimento cautelar conservatório, destinado precisamente a acautelar o efeito útil do recurso contencioso, assegurando a permanência da situação existente aquando da ocorrência do litígio a dirimir no recurso contencioso,
31. Tendo como finalidade manter o status quo perante a ameaça de um dano irreversível, de modo a manter inalterada a situação preexistente ao recurso contencioso, acautelando a situação, de facto ou de direito, e evitando alterações prejudiciais,
Isto é,
32. A não produção de efeitos do despacho que indeferiu o pedido de renovação da residência da Requerente.
33. Nomeadamente, evitando que esta seja desapossada do seu Bilhete de Identidade de Residente de Macau e de todos os direitos a eles inerentes tais como a liberdade de se deslocar e fixar em qualquer parte da Região Administrativa Especial de Macau, de viajar, sair da Região e regressar a esta, da liberdade de emprego, da liberdade de exercer actividades de educação, investigação académica, assistência médica entre outras,
34. Bem como, tenha a Requerente que resolver o seu contrato de trabalho, único meio de sustento dela e do seu agregado familiar - DOC. 2,
35. Denunciar o contrato de arrendamento da casa arrendada Macau - DOC. 3,
36. Nestes termos, dispõe o art.º 121 do CPAC, inserido na Secção I (Suspensão de eficácia), do Capítulo VII:
"1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o Requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao Requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o Requerente da execução do acto."
Ora,
37. Salvo o devido respeito por melhor opinião, afigura-se-nos que no caso em apreço todos os requisitos previstos na lei estão preenchidos, como melhor se procurará demonstrar.
III - A) Do periculum in mora - art. 121º, nº 1, al. a) do CPAC
38. No que respeita ao requisito do periculum in mora, o mesmo determina que a providência deva ser concedida se, face à sua não concessão, se vier a verificar um prejuízo de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal.
39. Como supra alegado, a Requerente tem a sua vida estabilizada na RAEM, onde trabalha, reside e onde pretende continuar a residir e a trabalhar.
40. É em Macau que a Requerente tem a sua residência habitual.
41. E prova disso é que, a Requerente obteve o seu Bilhete de Identidade de Residente de Macau emitido pela primeira vez no ano de 2018. - DOC 4.
42. Durante o tempo de autorização de residência, a Requerente exerceu a sua profissão laboral em Macau, conforme se pode retirar da sua declaração de rendimentos junta aos autos do processo administrativo, para o qual se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
43. Presentemente, a Requerente desempenha as suas funções de Directora de Divisão no ramo de angariação de seguros na C Limitada.
44. Tendo sido para o efeito, nos termos do artigo 3.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001, autorizada pela Autoridade Monetária de Macau a exercer como mediadora de seguros na categoria de angariação de seguros – DOC. 5.
45. É requisito indispensável da lei para a emissão de licença para os mediadores de seguros na categoria de angariação de seguros, ser titular do bilhete de identidade de residente da RAEM, conforme artigo 15.º no. 1 alínea e) ex vi artigo 22.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001.
46. Com a emissão do Bilhete de Identidade de Residente, foi-lhe emitida a respectiva licença pela Autoridade Monetária de Macau como mediador de seguros na categoria de angariador de seguros em 26 de Fevereiro de 2018 (vide DOC. 5).
47. A Recorrente é o principal ponto de contacto nos projectos em curso de grande dimensão da empresa, e requerem do acompanhamento directo por parte da Recorrente, em virtude da familiaridade que a mesma já tem com os mesmos.
48. A Requerente aufere um salário mensal de MOP63.466,22 (sessenta e três mil quatrocentas e sessenta e seis Patacas com vinte e dois avos).
49. Com o seu salário à Requerente tem de prover ao seu sustento e ainda ao sustento da sua mãe, a Requerente tem de pagar renda de casa, água, luz, telefone, alimentação, entre outras despesas que fazem parte da vida quotidiana.
50. Acresce ainda o facto de a Requerente ser o único sustento da sua mãe, que se encontra a viver em Hong Kong, e quem devido à idade e às condições de saúde se encontra impossibilitada de se valer por si mesma, precisando ainda de uma cuidadora para tomar conta dela.
51. O cancelamento da autorização de residência da Requerente terá como consequência directa e necessária a revogação da licença como mediador de seguros na categoria de angariador de seguros emitida pela Autoridade Monetária de Macau, nos termos do artigo 40.º no. 2 alínea c), conjugado com o artigo 15.º no. 1 alínea e) do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001.
52. O que, indubitavelmente, irá causar inevitáveis prejuízos à Requerente que, por sua vez, terá que responde pelos prejuízos que o cancelamento da sua autorização de residência irá provocar à entidade empregadora da Requerente,
53. Pois, implicará a cessação imediata da actividade desenvolvida pela Requerente, sem que em tempo útil, a entidade empregadora da Requerente possa prover pela substituição da Requerente, devido à impossibilidade de encontrar pessoal especializado no mercado de trabalho local e, consequentemente, a impossibilidade de cumprimento dos requisitos impostos pelo Decreto Lei no. 38/89/M.
54. Uma vez que nos termos do artigo 4.º e artigo 33.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001, a actividade de mediação de seguros na categoria de angariador de seguros é exclusivamente reservada às pessoas que se encontrem autorizadas pela Autoridade Monetária de Macau,
55. Incorrendo em multa quem não estando autorizado pela Autoridade Monetária de Macau exercer a actividade de mediação de seguros.
56. O cancelamento da autorização de residência da Requerente terá ainda como consequência necessária a resolução do seu contrato de trabalho com a sua entidade empregadora.
57. A resolução do seu contrato de trabalho afectará não apenas à Requerente, mas ainda a sua entidade empregadora pois refletir-se-á nos projectos em curso em Macau pelos quais a ora Requerente é a principal pessoa de contacto, e que, pese embora a Requerente tenha auxiliado no treinamento básico de alguns colegas em Macau, é a única com os conhecimentos necessários para o acompanhamento desses projectos.
58. O cancelamento da autorização de residência da ora Requerente implicará também a denúncia do contrato de arrendamento, e a consequente perda de tecto para morar,
59. Para além de todos os custos psicológicos, sociais e económicos que a decisão de não renovação da sua autorização de residência irá provocar na vida da Requerente.
60. Como supra já se referiu, a Requerente, tem a sua vida estabelecida em Macau, tendo aqui a sua casa, o seu trabalho e o seu círculo de amigos.
61. Ao invés, caso venha a autorização de renovação da residência da Requerente a ser concedida, o que se espera, certo será que, cumpridos todos os requisitos para a renovação da autorização de residência, a Requerente poderá exercer os seus direitos enquanto residente da RAEM, nomeadamente os direitos consagrados nos arts. 33º a 42º da Lei Básica da RAEM.
62. E nessas circunstâncias, será possível a manutenção do contrato de trabalho da Requerente,
63. Logo, a mesma poderá continuar a prover ao seu próprio sustento, bem como ao sustento da sua mãe que depende de si.
64. E manterá o seu trabalho e a sua licença como mediadora de seguros na categoria de angariador de seguros, permitindo a continuidade do desenvolvimento dos projectos da empresa em benefício da economia da RAEM.
65. Bem como se manterão os direitos da Requerente de se deslocar e fixar em qualquer parte da Região Administrativa Especial de Macau, de viajar, sair da Região e regressar a esta, os cuidados de saúde, liberdade de escolha de profissão e de emprego, a liberdade de exercer actividades de educação, investigação académica e outras actividades culturais, etc.,
66. Considerando, que de acordo com as mais elementares regras da experiência comum, a decisão a proferir por esse Venerando Tribunal, sobre o recurso contencioso da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, nunca será tomada em tempo útil de forma a evitar a perda das fontes de sustento da Requerente e respectivo agregado familiar, bem como dos irradiáveis prejuízos que terá de acarretar por todos os danos que irá causar à sua entidade empregadora.
67. Por esse motivo, mostra-se imperioso suspender a decisão de indeferimento de renovação da autorização de residência da Requerente, para que os Tribunais de Macau possam julgar a presente matéria com toda a tranquilidade, ficando a renovação da residência a aguardar a prolação da decisão final.
68. É que Venerandos Juízes, não se suspendendo a decisão de indeferimento de renovação das autorizações de residência da Requerente, estamos face de um prejuízo de reparação impossível!
69. Mas vejamos os factos através dos quais V. Exas. constatarão a injustiça que configura a não renovação das autorizações de residência da Requerente, nos termos em que o foi e, a necessidade absoluta em suspender a eficácia do acto recorrido.
70. E, é essa decisão de não renovação da autorização de residência que nos reconduz ao prejuízo de impossível reparação que a mesma provoca.
71. Ao recorrer contenciosamente da decisão do Exmo. Secretário para a Economia e Finanças, a ora Requerente não concebe nem antevê outro resultado que não seja o deferimento da renovação da sua autorização de residência.
72. A realidade é só uma e é indesmentível: a aqui Requerente tem um sério e fundado receio que, em face de eventuais delongas na prolação de uma sentença por parte do Tribunal, tal demora venha a causar-lhe os prejuízos irreparáveis que supra se descreveram.
73. Perdurando a executoriedade imediata do despacho suspendendo - com a inerente impossibilidade legal de trabalhar -, estará em causa para a Requerente uma privação drástica e abrupta de meios financeiros para o respectivo sustento e para a satisfação em condições minimamente dignas das respectivas necessidades alimentares mais básicas de se sustentar e prover ao sustento da sua mãe e de quem dela depende.
74. O trabalho é a única fonte de sustento da Requerente, não podendo contar com quaisquer rendimentos provenientes de quem quer que seja,
75. Pois recorde-se que embora a Requerente aufira um salário não baixo, o mesmo é o único meio de sustento dela, e ainda o suporte financeiro da sua mãe que devido à idade e as condições de saúde dela, requerem dos cuidados de uma cuidadora para tomar conta dela.
76. Ora, de acordo com o entendimento do Tribunal de Última Instância, será de difícil reparação o prejuízo «( ... ) consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares ( ... )» - cfr. Acórdão do T.U.I. de 25 ABR 2001 e de 10 JUL 2013, nos processos n.º 6/2001 e n.º 37/2013.
77. Com a manutenção da decisão de revogação da autorização de residência, a Requerente estará impedida de trabalhar, logo, a consequente e imediata perda de meios financeiros para subsistência mostra-se um prejuízo de tipo não meramente quantitativo, mas verdadeiramente de cariz qualitativo.
78. E isto, sem esquecer as consequências que a manutenção da decisão de revogação da autorização de residência poderá ter na esfera jurídica da Requerente em virtude dos prejuízos que terá que acarretar em virtude dos danos provocados na entidade empregadora da Requerente, designadamente, por incumprimento dos projectos em curso dos quais a Requerente se encontra como o principal e exclusivo ponto de contacto e para os quais é a única pessoa que presentemente tem as qualificações necessárias em Macau para lhes dar seguimento.
79. Por não ser suspenso o presente acto, ocorrerá uma situação de facto consumado evidente e a qual a decisão no processo principal instaurado não poderá reparar no plano de facto ou jurídico.
80. Como resulta de todo o exposto, e como se mostra evidente, a sentença a proferir no processo principal não terá a virtualidade de "apagar" os efeitos do indeferimento da renovação da autorização de residência da Requerente, na eventualidade de a mesma ser proferida após a saída da Requerente do Território.
81. Por todo o exposto, se por mera hipótese não for decretada a providência requerida, o que não se concede, quando vier a ser decidida no recurso contencioso de anulação a questão de fundo, tal decisão poderá não vir a ter qualquer utilidade.
82. Por essa razão, impõe-se a suspensão de eficácia do acto recorrido e a suspensão da decisão de indeferimento da renovação da autorização de residência da Requerente até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade.
III - B) A suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente seguido pelo acto - art. 121º, nº 1, al. b) do CPAC
83. A adopção da providência requerida será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam do seu provimento se mostrem superiores àqueles que poderiam resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
84. Ora, para além da possibilidade de constituição de facto consumado, requisito comum para as providências cautelares conservatórias, também não se vislumbra in casu qualquer interesse público relevante que se possa sobrepor ao interesse da Requerente.
85. Na verdade, a suspensão da eficácia do acto administrativo praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças em causa nos presentes autos, jamais poderá determinar a grave lesão do interesse público (no limite, prolonga-se a autorização de residência à Requerente durante alguns meses, o que dificilmente poderá sequer provocar uma lesão leve nesse interesse!)
86. Ao invés, os danos na esfera jurídica da Requerente que resultam da recusa da providência requerida são evidentes.
Isto porque,
87. Independentemente da data em que venha a ser proferida decisão final nos autos de recurso contencioso de que este será apenso, e com tal decisão determinar-se a "autorização de renovação da residência da Requerente",
Sem conceder,
88. Mesmo que se entenda nessas circunstâncias que resultaria alguma lesão do interesse público, a verdade é que seria absolutamente desproporcionado o prejuízo irreparável da Requerente, conforme acima alegado, quando confrontado com uma eventual lesão do interesse público, que jamais poderia ser entendido como grave, e cuja avaliação sempre haveria que ser feita por recurso ao disposto no art. 121º, nº 4 do CPA,
89. Na certeza de que o prejuízo causado à Requerente com a não suspensão da eficácia do acto será sempre manifestamente e desproporcionalmente superior àquele que possa resultar para o interesse público.
90. Assim sendo, ponderados os interesses em jogo, é legítimo concluir que a suspensão de eficácia do acto não causará qualquer lesão do interesse público, mostrando-se desse modo preenchido o requisito ora em análise.
III - C) Do Fumus Boni Iuris - art. 121º, nº 1, al. c) do CPAC
91. Nas providências cautelares a exigência do fumus boni iuris quanto às condições de interposição do recurso contencioso de anulação ou pressupostos processuais dispensa a convicção da probabilidade do acolhimento do mesmo, bastando um juízo negativo de que "não seja manifesta" a falta de requisitos de natureza processual impeditivos do conhecimento do mérito.
92. Ora, como já foi explanado ao longo deste requerimento, o recurso contencioso de anulação a intentar encontra-se claramente fundamentado, uma vez que o acto suspendendo padece de vários vícios.
93. Por conseguinte, ainda que não se entenda que a procedência do recurso contencioso de anulação é evidente, o que não se concede, não se pode entender igualmente ser manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular nessa demanda.
94. Deste modo, mesmo que não estejamos perante uma situação de máxima intensidade do fumus boni iuris, o que não se concebe, é de considerar, no mínimo, que não é manifesta a falta de fundamento do recurso contencioso a interpor.
95. Por outro lado, se está preenchido o requisito da alínea a) do nº 1 do art. 121º do CPAC, de igual modo (à contrário) está preenchido o requisito da alínea b) do nº 1 do art. 121º do CPAC, já que não podem estar ambos preenchidos pela positiva,
96. E, atendendo aos vícios de que padece o acto suspendendo, como supra explanado, pode afirmar-se que é provável que a pretensão formulada pela Requerente em sede de recurso contencioso de anulação venha a ser julgada procedente.
97. Termos em que estão assim preenchidos os requisitos para a suspensão da eficácia do acto recorrido, previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 121º do CPA, e bem assim mostram-se verificados todos os pressupostos para a suspensão da decisão de indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência da Requerente até decisão final do recurso contencioso de anulação.
*
Citada, a Entidade Requerida ofereceu o merecimento dos autos.
*
O Digno. Magistrado do MP oferece o seu douto parecer de fls.54 a 56, pugnando pelo indeferimento do pedido.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III - FACTOS
São os seguintes factos considerados assentes com interesse para a decisão do pedido, conforme os elementos juntos no processo:
1) - A Requerente tem o seu centro de vida na RAEM, onde se encontra a viver e onde exerce funções como Director de Divisão da B Limited, cuja firma foi posteriormente alterada para C Limitada, em Chinês "C有限公司", e em Inglês "C Limited".
2) - Sendo um elemento importante na realização, desenvolvimento e acompanhamento de todos os projectos que a empresa tem neste momento em curso em Macau.
3) - Muitos dos projectos que estão a ser realizados pela empresa e que estão a ser acompanhados pela ora Requerente em Macau, são projectos de grande dimensão que requerem do acompanhamento da Requerente dada à complexidade dos projectos em causa (vide DOC. 1).
4) - É intenção e desejo da Requerente, continuar a residir e a trabalhar nesta Região Administrativa Especial.
5) - A Requerente aufere mensalmente a quantia de MOP63.466,22 (sessenta e três mil quatrocentas e sessenta e seis Patacas e vinte e dois avos) sendo que, para além de fazer face às despesas mensais decorrentes da vida dela, como seja, com o arrendamento da casa em Macau, tem ainda a seu cargo a sua mãe quem devido a idade e as condições de saúde não lhe permitem valer-se por si mesma, conforme melhor se explanará.
6) - Deste modo, a presença da Requerente no território é essencial para que possa continuar a desempenhar a sua actividade laboral e assim prover ao seu sustento e ao sustento da sua mãe.
7) - Presentemente, a Requerente desempenha as suas funções de Directora de Divisão no ramo de angariação de seguros na C Limitada.
8) – a Requerente está autorizada pela Autoridade Monetária de Macau para exercer como mediadora de seguros na categoria de angariação de seguros – DOC. 5 (artigo 3.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001, 45).
9) - É requisito indispensável da lei para a emissão de licença para os mediadores de seguros na categoria de angariação de seguros, ser titular do bilhete de identidade de residente da RAEM ( artigo 15.º no. 1 alínea e) ex vi artigo 22.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001).
19) - Com a emissão do Bilhete de Identidade de Residente, foi-lhe emitida a respectiva licença pela Autoridade Monetária de Macau como mediador de seguros na categoria de angariador de seguros em 26 de Fevereiro de 2018 (vide DOC. 5), renovada até 2024.
20) - A Recorrente é o principal ponto de contacto nos projectos em curso de grande dimensão da empresa, e requerem do acompanhamento directo por parte da Recorrente, em virtude da familiaridade que a mesma já tem com os mesmos.
21) - Com o seu salário à Requerente tem de prover ao seu sustento e ainda ao sustento da sua mãe, a Requerente tem de pagar renda de casa, água, luz, telefone, alimentação, entre outras despesas que fazem parte da vida quotidiana.
22) - Acresce ainda o facto de a Requerente ser o único sustento da sua mãe, que se encontra a viver em Hong Kong, e quem devido à idade e às condições de saúde se encontra impossibilitada de se valer por si mesma, precisando ainda de uma cuidadora para tomar conta dela.
23) - O cancelamento da autorização de residência da Requerente terá como consequência drecta e necessária a revogação da licença como mediador de seguros na categoria de angariador de seguros emitida pela Autoridade Monetária de Macau, nos termos do artigo 40.º no. 2 alínea c), conjugado com o artigo 15.º no. 1 alínea e) do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001.
24) - O que irá causar inevitáveis prejuízos à Requerente que, por sua vez, terá que responde pelos prejuízos que o cancelamento da sua autorização de residência irá provocar à entidade empregadora da Requerente,
25) - Pois, implicará a cessação imediata da actividade desenvolvida pela Requerente, sem que em tempo útil, a entidade empregadora da Requerente possa prover pela substituição da Requerente, devido à impossibilidade de encontrar pessoal especializado no mercado de trabalho local e, consequentemente, a impossibilidade de cumprimento dos requisitos impostos pelo Decreto Lei no. 38/89/M.
26) - Uma vez que nos termos do artigo 4.º e artigo 33.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001, a actividade de mediação de seguros na categoria de angariador de seguros é exclusivamente reservada às pessoas que se encontrem autorizadas pela Autoridade Monetária de Macau, incorrendo em multa quem não estando autorizado pela Autoridade Monetária de Macau exercer a actividade de mediação de seguros.
27) - O cancelamento da autorização de residência da Requerente terá ainda como consequência necessária a resolução do seu contrato de trabalho com a sua entidade empregadora.
28) - A resolução do seu contrato de trabalho afectará não apenas à Requerente, mas ainda a sua entidade empregadora pois refletir-se-á nos projectos em curso em Macau pelos quais a ora Requerente é a principal pessoa de contacto, e que, pese embora a Requerente tenha auxiliado no treinamento básico de alguns colegas em Macau, é a única com os conhecimentos necessários para o acompanhamento desses projectos.
29) - O cancelamento da autorização de residência da ora Requerente implicará também a denúncia do contrato de arrendamento, e a consequente perda de tecto para morar,
30) - Para além de todos os custos psicológicos, sociais e económicos que a decisão de não renovação da sua autorização de residência irá provocar na vida da Requerente.
31) - Como supra já se referiu, a Requerente, tem a sua vida estabelecida em Macau, tendo aqui a sua casa, o seu trabalho e o seu círculo de amigos.
32) - E nessas circunstâncias, será possível a manutenção do contrato de trabalho da Requerente,
33) - Logo, a mesma poderá continuar a prover ao seu próprio sustento, bem como ao sustento da sua mãe que depende de si.
* * *
34) - Por requerimento datado de 5 de Junho de 2020, a Requerente requereu ao Departamento Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM no processo número 0446/2015/01R que lhe fosse renovada a sua autorização de residência, tendo para o efeito submetido os documentos legalmente exigíveis.
35) - A decisão do sobredito pedido de renovação da autorização de residência foi proferida em 6 de Janeiro de 2023, vindo a mesma a indeferir a pretensão da ora Requerente.
36) - Decisão esta que foi notificada à Requerente no dia 09 de Fevereiro de 2023.
* * *
IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(…)
1.
A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças de 6 de Janeiro de 2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM) da Requerente.
A Entidade Requerida, devidamente citada, ofereceu o merecimento dos autos.
2.
(i)
Decorre do disposto nos artigos 120.º e 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
• a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
• a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
• do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
(ii)
No caso sujeito, verifica-se que a Requerente pretende a suspensão de eficácia de um acto negativo, por isso que se trata de um acto de indeferimento de uma pretensão que a mesma formulou perante a Administração, no caso, o pedido de renovação de autorização de residência na RAEM. No entanto, parece-nos que, apesar de negativo, o acto suspendendo tem uma vertente positiva, na exacta medida em que afecta a sua situação jurídica preexistente.
Legalmente admissível, portanto, face ao disposto na alínea b) do artigo 120.º do CPAC a peticionada suspensão de eficácia.
Por outro lado, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, sendo que, como se sabe, esta verificação ser reporta, no essencial, aos pressupostos processuais do recurso contencioso (v. g. a tempestividade do recurso ou a recorribilidade do acto) e não a qualquer juízo, ainda que perfunctório, sobre o respectivo mérito.
Mostra-se, assim, verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
Também nos parece, ademais, que a suspensão de eficácia do acto, a ser decretada, não será susceptível de causar grave lesão do interesse público, pelo que se deve ter por verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC. Veja-se, aliás, que a Administração demorou 2 anos e 7 meses (!) a decidir o pedido de renovação de residência que lhe foi apresentado pela Requerente.
(iii)
Resta, pois, a questão que é, aliás, a única que, em bom rigor, é controvertida nos presentes autos: a de saber se a execução do acto suspendendo causará à Requerente, previsivelmente, prejuízo de difícil reparação.
Vejamos.
(iii.1)
Está em causa, para recordar, o acto da Entidade Requerida que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência da Requerente em Macau, alegando esta que a execução desse acto de indeferimento, pelas implicações que acarreta, nomeadamente a de ter de abandonar a Região, lhe causará, segundo diz, prejuízo de reparação impossível (cfr. artigo 68.º do douto requerimento inicial).
Não nos parece, salvo o devido respeito, que seja de acolher esta alegação da Requerente. Pelo seguinte.
Desde logo, porque a Requerente estabelece uma relação necessária entre o seu estatuto de residente e a possibilidade de permanecer e de trabalhar em Macau. Ora, como todos sabemos, essa relação não existe. São muitas as dezenas de milhar de pessoas que trabalham em Macau sem que, no entanto, gozem do estatuto de residentes. Não é, portanto, certo, nem existem elementos para considerar que é sequer previsível que a execução do acto vá implicar as consequências alegadas pela Requerente.
Em qualquer caso, mesmo admitindo que a Requerente se verá, efectivamente, obrigada a deixar a Região como consequência da «execução» do acto suspendendo, estamos modestamente em crer que os prejuízos que a mesma alega como sendo daí resultantes, decorrentes da impossibilidade de poder continuar a desenvolver a sua actividade profissional em Macau não se mostram ser irreparáveis ou de difícil reparação, ou, pelo menos, tal não está, sequer prima facie, demonstrado nos autos. Com efeito, estando em causa interesses que são, essencialmente, de cariz patrimonial, será sempre possível o seu integral ressarcimento em acção indemnizatória que eventualmente venha a ser instaurada pela Requerente contra a Administração.
Ora, como sabemos, os nossos Tribunais têm vindo a decidir que «mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto» (assim, por todos, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 14.11.2009, tirado no processo n.º 33/2009).
Acrescente-se que, contrariamente ao que a Requerente alega (cfr. artigos 74 a 77 do douto requerimento inicial) não está minimamente demonstrado que a Requerente ou o seu agregado familiar, mercê da eventual impossibilidade de permanecer na Região, vá cair numa situação de carência ou de impecuniosidade.
(iii.2)
Certo que a Requerente também invocou, ainda que de forma muito genérica, que a não se suspender a eficácia do acto, irá sofrer prejuízos de natureza não patrimonial, o que designa por «custos psicológicos» associados ao abandono do local onde tem vida estabelecida, casa, trabalho e círculo de amigos (cfr. artigos 59.º e 60.º do douto requerimento inicial). Não nos parece, porém, que tais danos, a considerarem-se sumariamente demonstrados, se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação. Se bem vemos, os danos que a Requerente alega, relacionados com a quebra da respectiva rede de relacionamento social e com a impossibilidade de continuar a desenvolver a profissão que exerce não se afastam do padrão de normalidade neste tipo de situações e daí que não nos pareça possível considerar que tais prejuízos são de molde a justificar a paralisação da eficácia do acto, com fundamento na sua alegada irreparabilidade.
Ao dizermos isto, que fique claro, não pretendemos sofismar que a execução do acto suspendendo, caso implique para a Requerente a necessidade de abandonar Macau, o que, como acima dissemos, não está demonstrado, poderá acarretar para a mesma um incómodo e um transtorno na sua vida pessoal. A verdade, porém, é que, em nosso modesto entendimento, tal incómodo ou transtorno não pode, a nenhuma luz, ser enquadrado como prejuízo irreparável ou de difícil reparação justificativo da suspensão de eficácia do acto administrativo em causa. Daí que propendamos a considerar que não se mostra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
3.
Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia.”
*
Quid Juris?
Ora, salvo melhor respeito, não acompanhamos de todo em todo o douto parecer acima transcrito, principalmente no que se refere à verificação ou não do requisito de prejuízo de difícil reparação para a Requerente, já que, entre outros, foram alegados e provados mediante documentos juntos aos autos os seguintes factos relevantes:
7) - Presentemente, a Requerente desempenha as suas funções de Directora de Divisão no ramo de angariação de seguros na C Limitada.
8) – a Requerente está autorizada pela Autoridade Monetária de Macau para exercer como mediadora de seguros na categoria de angariação de seguros – DOC. 5 (artigo 3.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001, 45).
9) - É requisito indispensável da lei para a emissão de licença para os mediadores de seguros na categoria de angariação de seguros, ser titular do bilhete de identidade de residente da RAEM ( artigo 15.º no. 1 alínea e) ex vi artigo 22.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001).
19) - Com a emissão do Bilhete de Identidade de Residente, foi-lhe emitida a respectiva licença pela Autoridade Monetária de Macau como mediador de seguros na categoria de angariador de seguros em 26 de Fevereiro de 2018 (vide DOC. 5), renovada até 2024.
20) - A Recorrente é o principal ponto de contacto nos projectos em curso de grande dimensão da empresa, e requerem do acompanhamento directo por parte da Recorrente, em virtude da familiaridade que a mesma já tem com os mesmos.
21) - Com o seu salário à Requerente tem de prover ao seu sustento e ainda ao sustento da sua mãe, a Requerente tem de pagar renda de casa, água, luz, telefone, alimentação, entre outras despesas que fazem parte da vida quotidiana.
22) - Acresce ainda o facto de a Requerente ser o único sustento da sua mãe, que se encontra a viver em Hong Kong, e quem devido à idade e às condições de saúde se encontra impossibilitada de se valer por si mesma, precisando ainda de uma cuidadora para tomar conta dela.
23) - O cancelamento da autorização de residência da Requerente terá como consequência drecta e necessária a revogação da licença como mediador de seguros na categoria de angariador de seguros emitida pela Autoridade Monetária de Macau, nos termos do artigo 40.º no. 2 alínea c), conjugado com o artigo 15.º no. 1 alínea e) do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001.
24) - O que irá causar inevitáveis prejuízos à Requerente que, por sua vez, terá que responde pelos prejuízos que o cancelamento da sua autorização de residência irá provocar à entidade empregadora da Requerente,
25) - Pois, implicará a cessação imediata da actividade desenvolvida pela Requerente, sem que em tempo útil, a entidade empregadora da Requerente possa prover pela substituição da Requerente, devido à impossibilidade de encontrar pessoal especializado no mercado de trabalho local e, consequentemente, a impossibilidade de cumprimento dos requisitos impostos pelo Decreto Lei no. 38/89/M.
26) - Uma vez que nos termos do artigo 4.º e artigo 33.º do Decreto Lei no. 38/89/M de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo no. 27/2001, a actividade de mediação de seguros na categoria de angariador de seguros é exclusivamente reservada às pessoas que se encontrem autorizadas pela Autoridade Monetária de Macau, incorrendo em multa quem não estando autorizado pela Autoridade Monetária de Macau exercer a actividade de mediação de seguros.
27) - O cancelamento da autorização de residência da Requerente terá ainda como consequência necessária a resolução do seu contrato de trabalho com a sua entidade empregadora.
28) - A resolução do seu contrato de trabalho afectará não apenas à Requerente, mas ainda a sua entidade empregadora pois refletir-se-á nos projectos em curso em Macau pelos quais a ora Requerente é a principal pessoa de contacto, e que, pese embora a Requerente tenha auxiliado no treinamento básico de alguns colegas em Macau, é a única com os conhecimentos necessários para o acompanhamento desses projectos.
29) - O cancelamento da autorização de residência da ora Requerente implicará também a denúncia do contrato de arrendamento, e a consequente perda de tecto para morar,
30) - Para além de todos os custos psicológicos, sociais e económicos que a decisão de não renovação da sua autorização de residência irá provocar na vida da Requerente.
31) - Como supra já se referiu, a Requerente, tem a sua vida estabelecida em Macau, tendo aqui a sua casa, o seu trabalho e o seu círculo de amigos.
32) - E nessas circunstâncias, será possível a manutenção do contrato de trabalho da Requerente,
33) - Logo, a mesma poderá continuar a prover ao seu próprio sustento, bem como ao sustento da sua mãe que depende de si.
Ou seja, a execução imediata da decisão implica necessariamente o seguinte:
- Caducidade da carta profissional como mediadora de seguros em Macau, emitida pela AMCA;
- Perda automática de clientes (de seguros) que tem mantido até hoje;
- Perda do emprego e de rendimentos que está a auferir.
Ou seja, representa um corte radical a todos os níveis (profissionais e pessoais) com Macau, o que configura uma situação de prejuízo de difícil reparação, principalmente no que se refere à perda dos clientes, afectando os projectos que a Requerente está a acompanhar, para além de que ela vá perder a qualidade de mediadora de seguros oficialmente reconhecida.
Tal como decidiu o vererando TUI na apreciação duma situação em que se toca ao exercício de actividade profissional (Proc. nº 75/2018, de 14 de Setembro) :
“4. Falta de proporcionalidade entre os prejuízos para o recorrente da imediata execução do acto e o prejuízo para o interesse público resultante da não execução
Ainda que a suspensão da eficácia do acto que determinou a suspensão preventiva implicasse grave lesão para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto, indicia-se serem desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto causa ao ora recorrente.
É provável que a suspensão de funções, que se pode prolongar por vários meses, se não anos, até haver decisão final transitada no recurso contencioso, possa levar a perda irreversível de clientela do recorrente, que, entretanto, é desviada para outros notários. Que não pode ser revertida ou que dificilmente o será na totalidade, ainda que o recorrente acabe por ver anulada a sanção disciplinar. Tal perda representa não só danos patrimoniais – teoricamente ressarcíveis – mas também danos não patrimoniais.
Acresce, ainda, a perda de créditos para o recorrente, que resultam da suspensão preventiva, que serão de reparação mais que duvidosa (acção contra a Administração?), ainda que acabe por lhe ser dada razão. Os notários privados não são remunerados enquanto tal, mas certamente que o são como advogados, a título de assessoria daquela actividade.
Ora, de acordo com o n.º 4 do artigo 121.º do CPAC, ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
O que se afigura ser o caso.
Procede, deste modo, o recurso.”
Este juízo valorativo vale igualmente para o caso em análise.
Destarte, somos a entender que está verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC - prejuízo de difícil reparação.
*
Quanto ao demais, acompanhamos o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que estão verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 121º do CPAC, uma vez que não resultam indícios em sentido contrário.
Concluindo-se que estão verificados os pressupostos cumulativos do nº 1 do artº 121º do CPAC para que seja deferida a providência requerida pela A, decretando-se assim a suspensão da eficácia da decisão em causa.
* * *
Síntese conclusiva:
Em matéria de suspensão da eficácia da decisão administrativa, à luz do n.º 4 do artigo 121.º do CPAC, ainda que o Tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause à Requerente, é o caso de a imediata execução da decisão que indeferiu o pedido da renovação da autorização de residência, visto que a Recorrente é titular de licença de mediação de seguros, emitido pela AMCM e está a exercer esta actividade profissional há anos e tal licença só se concede a quem tem o BIRM, a imediata execução da decisão determina que a Recorrente perda logo a sua clientela, para além de afectar o seu crédito profissional, o que constitui prejuízo de difícil reparação.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em deferir o pedido, decretando a suspensão da eficácia do despacho que indeferiu o pedido da renovação da autorização de residência nos termos requeridos.
*
Sem custas.
*
Notifique.
*
RAEM, 28 de Março de 2023.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(1o Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(2o Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
12
2023-163-suspensão-prejuizo-irreparável