Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.° 41 / 2006
Recorrente: A
1. Relatório
Como um dos arguidos do processo comum colectivo n.° CR3-05-0267-PCC do Tribunal Judicial de Base, A foi condenado em primeira instância pela prática dos seguintes crimes:
– um crime de posse e uso de arma proibida previsto e punido pelo art.° 262.°, n.° 3 do Código Penal (CP) na pena de seis meses de prisão;
– um outro crime de posse e uso de arma proibida previsto e punido pelo art.° 262.°, n.° 3 do Código Penal (CP) na pena de um ano e três meses de prisão;
– um crime de ofensa grave à integridade física previsto e punido pelo art.° 138.°, al. d) do CP na pena de seis anos de prisão;
– um crime de ofensa grave à integridade física agravado pelo resultado previsto e punido pelos art.°s 139.°, n.° 1, al. b) e 138.°, al. d) do CP na pena de catorze anos de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de dezoito anos e seis meses de prisão.
Recorreu deste acórdão para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 21 de Setembro de 2006 proferido no processo n.° 265/2006, foi o recurso julgado parcialmente procedente no sentido de absolvição do primeiro crime de posse e uso de arma proibida e a pena fixada para o crime de ofensa grave à integridade física agravado pelo resultado foi reduzida para dez anos de prisão. E passou a ser condenado na pena única de treze anos e seis meses de prisão.
Inconformado com este último acórdão, vem agora recorrer para este Tribunal de Última Instância. Parte do seu recurso não foi recebido por despacho do relator do Tribunal de Segunda Instância por irrecorribilidade dos crimes de posse e uso de arma proibida e ofensa grave à integridade física para o terceiro grau de jurisdição. Resta assim o recurso relativo ao crime de ofensa grave à integridade física agravado pelo resultado. São seguintes as conclusões formuladas nas suas alegações do recurso:
“1. Quanto ao crime de detenção e uso indevido de arma branca ou outros instrumentos, atendendo à moldura penal e demais circunstâncias que rodearam o caso, melhor teria sido aplicada aos arguidos uma pena de seis meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa;
2. Quanto ao crime de ofensa grave à integridade física, com referência a “provocar-lhe perigo para a vida”, deverá atender-se ao desenlace final em concreto, ou seja, às repercussões que da ofensa resultaram em concreto para o ofendido;
3. No caso em apreço, provar-se apenas que os arguidos picaram o ofendido com uma faca nas costas e que o puxaram para baixo da rede, deixando-o caído no chão e foram-se embora, salvo melhor opinião não é suficiente para fazer intervir aquela determinação “provocar-lhe perigo para a vida”, caindo-se, assim, no âmbito do crime de ofensa simples à integridade física;
4. A proceder o crime de ofensa grave à integridade física, acreditamos que uma pena de dois anos de prisão seria a mais adequada;
5. O crime de ofensa grave à integridade física, com agravação pelo resultado, deverá ser desqualificado por falta de elementos objectivos do tipo legal. Contudo, a proceder essa incriminação, cremos que a pena de cinco anos seria a sanção mais correcta, atendendo às circunstâncias que rodearam toda a sucessão de factos;
6. Perante o circunstancialismo provado nos autos, quer pelas penas parcelares correspondentes aos crimes concretamente cometidos quer o respectivo cúmulo jurídico delas resultantes, mostram-se exageradas as penas unitárias aplicadas aos recorrentes e merecedoras de melhor ponderação por este Colendo Tribunal.
7. Consideram-se violadas, entre outras, as seguintes normas jurídicas: art.ºs 30.º e 31.º, 71.º, n.ºs 1, 2 e 3, 138.º, al. d), 139.º, n.º 1, b), e 262.º, n.º 3, todos do CP.
8. A interpretação e aplicação das normas atrás mencionadas deveriam ter sido de acordo com as conclusões de 1 a 6.”
Pedindo, a final, o provimento do recurso com a anulação do julgamento e do acórdão recorrido ou a decisão do recurso em conformidade com as conclusões.
Em relação à questão delimitada da parte do recurso admitida, o Ministério Público emitiu a seguinte resposta:
“2. Quanto ao fundo.
Está apenas em causa, na sequência do expendido anteriormente, o recurso do recorrente A, restrito ao aludido crime do art.º 139.º, n.º 1, al. b).
Vejamos
O recorrente questiona, de novo, a qualificação jurídico-penal efectuada.
Fá-lo, reproduzindo, essencialmente, a argumentação já aduzida perante este Tribunal.
Daí, também, que a nossa resposta não possa deixar de ser a mesma.
Quando à ‘acção’, resulta inequivocamente do relatório da autópsia de fls. 445 a 450 – traduzida a fls. 1623 e segs. – o nexo de causalidade entre a agressão perpetrada pelo mesmo e a morte da vítima.
Relativamente à ‘intenção’, há que sublinhar que o resultado não foi imputado a título do dolo – mas, sim, de negligência.
E o segundo tipo-de-culpa não pode, in casu, deixar de ter-se como adquirido.
A ratio do crime preterintencional e do agravamento da pena que o mesmo implica radica, como é sabido, no ‘perigo normal, típico, quase se poderia dizer necessário, que, para certos bens jurídicos, está ligado à prática de certos crimes’ (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 442 e 443).
Quem comete determinados factos, na realidade, ‘deve saber que pratica acções especialmente perigosas e tem pois um particular dever de representar que, de tais condutas, pode resultar um evento mais grave e, nomeadamente, a morte de alguém’ (cfr. loc. cit.).
No caso presente, o A agrediu a vítima, com uma faca, de forma reiterada e em zonas corporais vitais.
De acordo com o mencionado relatório, com efeito, foram encontradas no corpo do falecido 11 feridas incisas, 4 das das quais ‘mortíferas’.
Nos termos do art.º 14.º, al. b), do C. Penal, “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz ... não chegar sequer a representar a possibilidade de realização de um facto que preenche um tipo de crime”.
E, em conformidade com o anteriormente explanado, ocorreu, por parte do recorrente, a violação de um dever objectivo de cuidado que sobre ele impendia e que conduziu à produção do resultado típico.
É evidente, por seu turno, que essa produção era previsível, sendo certo que só a omissão desse dever obstou à sua previsão.
A capacidade do recorrente para prever tal evento, por sua vez, não pode deixar de afirmar-se, tendo em conta o homem médio “pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente” (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pg. 354).
A factualidade dada como assente aponta, assim, para a contestada qualificação jurídico-penal.
E, conforme se sabe, nada impede que o Tribunal de Segunda Instância, em sede de matéria de facto, lance mão das chamadas presunções naturais, ligadas a princípios de normalidade ou a regras gerais da experiência.
Ponto é, naturalmente, que as respectivas inferências ou conclusões se limitem a desenvolver essa matéria, não a alterando ou contrariando.
Como decidiu esse mais Alto Tribunal, ‘é lícito ao Tribunal de Segunda Instância, depois de fixada a matéria de facto, fazer a sua interpretação e esclarecimento, bem como extrair as ilações ou conclusões que operem o desenvolvimento dos factos, desde que não os altere’ (cfr. ac. de 31-10-2001, proc. n.º 13/2001).
O recorrente discorda, subsidiariamente, da pena cominada pelo ilícito em análise.
Está-se perante outra crítica infundada.
O acórdão recorrido reduziu o respectivo quantum de 14 para 10 anos de prisão.
E cremos, convictamente, que não podia ter ido mais longe.
As balizas da tarefa da fixação da pena estão desenhadas no n.º 1 do art.º 65.º do C. Penal, tendo como pano de fundo a ‘culpa do agente’ e as ‘exigências de prevenção criminal’.
A quantificação da culpa e a intensidade das razões de prevenção têm de determinar-se, naturalmente, através de ‘todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele ...’ (cfr. subsequente n.º 2 ).
No caso sub judice, há que destacar, em especial, no que tange ao crime fundamental, a grande intensidade de dolo que presidiu à actuação do recorrente, bem como os sentimentos que o mesmo manifestou no cometimento do crime.
E, no que concerne ao resultado, revela-se, sem margem para dúvidas, uma atitude ‘particularmente censurável de leviandade ou descuido’ (cfr. Figueiredo Dias, op. cit., pg. 381).
A negligência, nesse âmbito, assume uma expressão de tal forma grosseira que pode ser equiparada ao dolo.
E, quanto aos fins das penas, conforme se sublinha no douto acórdão, são prementes as exigências de prevenção geral.
Em sede de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada, através do ‘restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime’ (cfr. op. cit., pg. 106).
E, a nível de prevenção geral negativa, não pode perder-se de vista o efeito intimidatório subjacente a esta finalidade da punição.
O recorrente pretende, ainda, a redução da pena única.
E conexiona essa pretensão com a propugnada diminuição das penas parcelares.
Destas penas, no entanto, como se frisou, a única que pode ser conhecida deve ser mantida.
A pena do concurso, de qualquer forma, não pode deixar de ter-se como justa e equilibrada.”
Em conclusão, entende que deve ser julgado improcedente – ou até, mesmo, manifestamente improcedente – o recurso do arguido A, no que tange ao crime do art.º 139.º, n.º 1, al. b), do mesmo Diploma.
Nesta instância o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
Foram dados como provados os seguintes factos pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância:
Em 15 de Abril de 2005, por volta das 11h00 da noite, o arguido B aliás B1 combinou com os arguidos A, C, D (“D1” ou “D2”), um indivíduo de sexo masculino de alcunha “E1” ou “E2” e F (“F1”) para irem juntos ao Karaoke, sito na [Endereço(1)], para se divertirem.
Em 16 de Abril de 2005, pelas 3h00 de madrugada, os arguidos B aliás B1, A, C, D (“D1” ou “D2”), o indivíduo de sexo masculino de alcunha “E1” ou “E2” e F (“F1”) chegaram sucessivamente a um quarto do Karaok para se divertirem.
Durante o período entre as 5h30 e as 6h00 de madrugada, o arguido H chegou ao Karaok junto com I. Ao entrar na Sala 1, viram que estavam no quatro 6 homens e 3 mulheres, incluindo o arguido A, o arguido C, o arguido B aliás B1, D (D1 ou D2), um indivíduo de sexo masculino de alcunha “E1” ou “E2”, F (de alcunha “F1”) (G já deixou ali) e três amigas dele – J, K e L, os quais estavam ali a divertir-se.
Como não queria que I ficasse ali com eles, D (de alcunha “D1” ou “D2”) disse a I: “nós não queremos jogar contigo, sai daqui!”.
Por isso, I saiu do quarto de imediato, e logo a seguir, fez uma chamada ao arguido M, exigindo-lhe dirigir-se ao Karaoke imediatamente para “salvar” o arguido H.
Durante o período, o arguido M tirou do carro uma lanterna eléctrica de cor preta com 25cm de comprimento, e escondeu-o dentro da sua manga.
Às 6h27 de madrugada do mesmo dia, o arguido M, I, os arguidos N, O, P e Q entraram na sala 1 do Karaoke, exigindo que “libertassem” o arguido H, enquanto que as pessoas que se encontravam dentro do quarto criticaram I de ter chamado tantas pessoas para ali (utilizando a gíria dos malandros “choi kei”). Por isso, as duas partes envolveram-se numa disputa.
Durante a disputa, o arguido M tirou da sua manga a referida lanterna eléctrica, e bateu com esta na cabeça do arguido B aliás B1.
A dita agressão causou ao arguido B aliás B1 ferimentos físicos (cfr. o relatório de medicina legal a fls. 649 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos jurídicos); fazendo directa e necessariamente com que o arguido B aliás B1 ficasse doente, que precisou de 7 dias para se recuperar.
Os arguidos que estavam dentro do quarto (A, C, B aliás B1, D (“D1” Ou “D2”), o indivíduo de alcunha “E1” ou “E2”, F (F1) contra-atacaram-nos com os artigos tais como copos de vidro, garrafas de vidro, cinzeiros e recipientes de dados, enquanto que a outra parte – ou seja, I (que foi morto posteriormente), os arguidos M, H, N, O, P e Q também reagiram com os mesmos artigos e deram-lhes socos e pontapés.
Durante a confusão, F (F1) atirou uma garrafa de vinho para a cabeça do arguido M.
Depois, com a dissuasão do arguido Q, I e os arguidos Q, M, H, N, O, P e I deixaram o quarto.
Durante a agressão, os arguidos A, C, B aliás B1, M, H, N, O, P, Q e o ofendido I já ficaram todos feridos (vide o relatório de exame a fls. 31 e 86 dos autos para detalhes de ferimento dos arguidos O e H, e o respectivo relatório aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos jurídicos).
Minutos mais tarde (ou seja, às 6h34 de madrugada do mesmo dia), os arguidos A, C, B aliás B1, D (“D1” ou “D2”), o indivíduo de alcunha “E1” ou “E2”, e F saíram também do quarto, e encontraram novamente, no salão deste Karaok, os arguidos M, H, N, O, P e o ofendido I, os quais não queriam sair dali e envolveram-se numa disputa com os acima referidos, dando empurrões uns aos outros.
Às 6h37 de madrugada do mesmo dia, os arguidos A, C, B aliás B1, D (“D1” ou “D2”) e o indivíduo de alcunha “E1” ou “E2” deixaram o Karaok.
Cerca das 6h38 da madrugada, I e o arguido M saíram do Karaok de imediato para perseguirem os arguidos A, C, B aliás B1, D (“D1” ou “D2”), o indivíduo de alcunha “E1” ou “E2” e F (de alcunha “F1”) e para os agredirem.
O arguido C ficou gravemente ferido (cf. o relatório de medicina legal a fls. 451 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos jurídicos); a agressão causou-lhe de forma directa e necessária doença de longo período, até pondo em risco a sua vida. Após a recuperação, a sua mão direita ficou com deficiência perpétua.
O arguido A ficou ferido, (cfr. o relatório de medicina legal a fls. 452 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos jurídicos); a agressão causou-lhe uma doença de longo período de forma directa e necessária, até pondo em risco a sua vida. Depois da recuperação, é provável que ele ficasse com deficiência perpétua nas funções do seu pulso esquerdo, da sua palma e dos dedos.
Durante a confusão, D (de alcunha “D1” ou “D2”) deixou o referido Karaok, e conduziu um veículo privado, pela direcção oposta, até à porta do Karaok; tendo em vista este veículo privado e estando ferido, o arguido H subiu nele de imediato, pensando ir nele ao hospital imediatamente.
Neste momento, tendo em vista o carro privado conduzido por D, os arguidos A e C correram para o veículo de imediato.
O arguido C subiu no veículo, e D, conduzindo o seu veículo, deu uma volta ao edifício Centro Comercial.
Em frente do referido Karaok, tendo em vista que o arguido A estava a vir nesta direcção com uma faca na mão, I, os arguidos M, N, O e P fugiram em direcções diferentes – os arguidos M e P fugiram em direcção ao Centro Cultural de Macau, enquanto que I fugiu em direcção à Alameda Dr. Carlos D’Assumpção.
O arguido A perseguiu I, e o arguido B aliás B1 correu atrás deles.
Na praça em frente do Centro Comercial, sito no [Endereço(2)], o arguido A apanhou I, e picou com a faca para frente e atrás do corpo de I.
Tendo o ofendido I caído no chão, deitado sangue e não podendo mexer-se, o arguido B aliás B1 ainda se aproximou dele e deu-lhe dois pontapés na sua cabeça e no seu corpo.
A referida agressão fez com que I ficasse gravemente ferido, e morresse mais tarde no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, às 9h10 de manhã do dia 16 de Abril de 2005 (cfr. o relatório de autópsia a fls. 445-450 dos autos).
Nesta altura, D (“D1” ou “D2”) conduziu o dito veículo até ao edifício Centro Comercial, sito no [Endereço(2)], e viu ali o arguido A. De imediato, D (“D1” ou “D2”) parou o seu veículo para deixar o arguido A entrar.
Conduzindo o seu veículo, D entrou outra vez na [Endereço(1)] pela direcção oposta, com o objectivo de perseguir o arguido M e tais pessoais que estavam a fugir (vide a mapa desenhada à mão a fls. 218 e 223 dos autos).
Ao chegar ao “Bar Karaok” do [Endereço(3)], D viu os arguidos M e P. Por isso, parou o seu veículo.
Os arguidos A, C, e D (“D1” ou “D2”) tiraram respectivamente do veículo três facas, cada um com 7-8 cm de comprimento no seu cume, e correram em direcção ao arguido M.
Ao apanhar o arguido M, D (“D1” ou “D2”) picou com a referida faca ao abdómen dele.
Quando o arguido M tentou trepar uma rede de arame que se encontra no local para fugir, os arguidos A, C e D picaram outra vez nas costas do arguido M com as facas, puxando-o para baixo da rede.
Tendo o arguido M caído no chão, os arguidos A, C e D deixaram o local do incidente. E antes de deixar ali, D disse ainda: “ainda não morreste?!”.
Os arguidos A, C e D agrediram o arguido M com facas, fazendo com que ele ficasse ferido (cfr. o relatório de medicina legal a fls. 651 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos jurídicos); constituindo assim uma ofensa grave à integridade física ao arguido M directa e necessariamente, que põe em perigo ainda a vida do mesmo.
Os arguidos A, C, B aliás B1, M, H, N, O, P e Q agiram livre e voluntária e dolosamente.
Os arguidos A, C, B aliás B1, M, H, N, O, P e Q bem sabiam que não podiam praticar a conduta de agressão mútua com a conjugação de esforços e distribuição de tarefas, mas assim procederam e fizeram com que o terceiro ficasse ferido.
Os arguidos A, C, B aliás B1, M, H, N, O, P e Q bem sabiam das características e qualidades dos referidos artigos utilizados (copos de vidro, garrafas de vidro, cinzeiros e recipientes de dados, etc.), e que a detenção e a utilização de tais instrumentos como armas agressivas em situação acima mencionada eram proibidas por lei.
Com a intenção de ofender a integridade física de I, o arguido A agrediu-o com uma faca de propósito, fazendo com que ele ficasse gravemente ferido e morresse finalmente.
Com a intenção de ofender a integridade física de I, o arguido B aliás B1 deu pontapé à cabeça (uma parte importante do corpo) dele, quando a vida de I já estava em situações de perigo, fazendo com que o mesmo morresse finalmente por se terem agravado os seus ferimentos.
Com a intenção de ofender gravemente a integridade física do arguido M, os arguidos A e C agrediram-no com facas, pondo em risco a vida do arguido M.
Os arguidos A e C bem sabiam as qualidades e as características das referidas facas, e que a detenção e a utilização de tais instrumentos com o objectivo de agressão eram proibidas por lei.
O arguido M bateu, com a lanterna eléctrica, na cabeça do arguido B aliás B1, com a intenção de ofender a integridade física desse último, fazendo com que ele ficasse simplesmente ferido.
O arguido M sabia perfeitamente das características e das qualidades da referida lanterna eléctrica, e que a detenção e a utilização desse instrumento em dita situação para agredir o arguido B aliás B1 eram proibidas por lei.
Os arguidos A, C, B aliás B1, M, H, N, O, P e Q bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido A era bate-fichas de casino antes de ser preso, auferindo MOP $6,000-7,000 mensais.
É solteiro, e tem um irmão mais novo a seu cargo.
Confessou parte dos factos acusados, e não é delinquente primário.
O arguido C é bate-fichas de casino, mas desconhece-se o seu rendimento.
É solteiro, tendo a sua mãe e um irmão mais novo a seu cargo.
Confessou parte dos factos acusados, e não é delinquente primário.
O arguido B aliás B1, solteiro, desempregado, e não tem ninguém a seu cargo.
Confessou parte dos factos acusados, e não é delinquente primário.
O arguido M é casado, desempregado, e tem uma filha a seu cargo.
Confessou parte dos factos acusados, e é delinquente primário.
O arguido H é solteiro, desempregado, e não tem ninguém a seu cargo.
Negou os respectivos factos acusados, e é delinquente primário.
O arguido N é solteiro, desempregado, e tem os seus pais a seu cargo.
Negou os respectivos factos acusados, e é delinquente primário.
O arguido O é solteiro, desempregado, e não tem ninguém a seu cargo.
Negou os respectivos factos acusados, e é delinquente primário.
O arguido P é casado, desempregado, e tem uma filha a seu cargo.
Negou os respectivos factos acusados, e é delinquente primário.
O arguido Q é electricista, auferindo MOP $10,000 mensais.
Tem a sua mulher e um filho a seu cargo.
Negou os respectivos factos acusados, e não é delinquente primário.
Não ficaram provados os seguintes factos: os restantes factos da acusação, nomeadamente:
I (que foi morto posteriormente), os arguidos M, H, N, O, P e Q acabaram de sair do clube nocturno do Casino, pretendendo dirigir-se ao Restaurante, sito em “Ho Lam Un”, para tomar ceia.
Nesta altura, o arguido H atendeu uma chamada de F (F1), aceitando o seu convite para dirigir-se à Sala 1 do Karaok, a fim de ter uma conversa com o arguido B aliás B1, com quem não se dava bem.
Por isso, o arguido H planeou levar um amigo deles que estava bêbado à casa junto com I primeiro, e depois, ir com ele à sala 1 do Karaok.
Para esperar o arguido H e I, o arguido Q foi chamar prostituta, enquanto que os arguidos M, N, O e P foram ao Casino(1) divertirem-se.
Na altura, o arguido Q já tinha encontrado com os arguidos M, N, O e P, e estava a transportá-los no seu veículo (vide o auto de apreensão a fls. 272 dos autos) ao Casino(2) para se divertirem; a meio caminho, ele atendeu a chamada de I, e por isso, ele mudou a direcção de condução e dirigiu-se ao Karaok.
Por volta das 6h20 de madrugada do mesmo dia, os arguidos Q, M, N, O e P chegaram ao local acima mencionado, e encontraram ali I.
Na porta do referido Karaok, I levou na sua mão uma garrafa de vinho, e o arguido M levou na sua mão a referida lanterna de cor preta, agredindo os arguidos A e C nas suas cabeças, mãos, e nos outros lugares dos seus corpos.
O arguido M agrediu os arguidos A e C, fazendo com que eles ficasse feridos.
Ao mesmo tempo, o arguido B aliás B1, D (“D1” ou “D2”), o indivíduo de alcunha “E1” ou “E2”, e F (“F1”) também envolveram-se numa agressão mútua com os arguidos H, N, O e P.
O arguido M agrediu os arguidos A e C com dolo utilizando a referida lanterna eléctrica, com a intenção de ofender a integridade física dos mesmos, pondo em risco a vida dos arguidos A e C, fazendo com que eles ficassem feridos por longo período.
2.2 Qualificação do crime de ofensa grave à integridade física agravado pelo resultado
O recorrente entende que para se verificar em concreto que a ofensa corporal provocou perigo para a vida do ofendido e foi causa de morte é necessário dar como provado, através dos registos clínicos e relatório da autópsia a existência do nexo de causalidade entre a acção, intenção do agente, dano no corpo da vítima e entre aqueles e o advento da morte. Ter ficado gravemente ferido não conduz necessariamente à morte.
O triubnal recorrido mantém a condenação do recorrente pela prática do crime de ofensa grave à integridade física agravado pelo resultado previsto nos art.°s 139.°, n.° 1, al. b) e 138.°, al. d) do CP. Perante os mesmos argumentos que o recorrente apresenta neste recurso, o tribunal recorrido concluiu que do relatório da autópsia de fls. 445 a 450 resulta inequivocamente o nexo de causalidade entre a agressão perpetrada pelo recorrente e a morte da vítima e, relativamente à intenção, sublinha que o resultado não foi imputado a título do dolo.
Nos termos do art.º 139.º, n.º 1, al. b) do CP, quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa e vier a produzir-lhe a morte é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos, no caso do artigo anterior, isto é, no caso de uma ofensa grave à integridade física que no presente caso representa como uma ofensa cometida por forma a provocar perigo para a vida do ofendido (art.º 138.º, al. d) do CP).
O crime em causa praticado pelo recorrente é um crime agravado pelo resultado ou crime preterintencional. Para a sua verificação exige, no plano objectivo, condutas conducentes a lesões à integridade física graves, o resultado de morte de ofendido e o nexo de causalidade entre as condutas e o evento preterintencional e, no plano subjectivo, o dolo no crime fundamental e pelo menos a negligência na produção do resultado morte.1
O recorrente insurge-se sobretudo contra a verificação da causalidade entre as condutas do recorrente que ofenderam gravemente o ofendido e a morte deste, entendendo que o crime deve ser desqualificado por falta de elementos objectivos típicos.
Quanto à relação causal do crime preterintencional, afirma Jorge de Figueiredo Dias: “Ter-se-á que afirmar uma relação de adequação entre a acção fundamental dolosa e o evento agravante; com o que se entra no plano da imputação de determinado resultado à conduta do agente.”2
Para apreciar a avaliação feita pelo tribunal recorrido, é de recordar os seguintes factos provados:
“Em frente do referido Karaok, tendo em vista que o arguido A estava a vir nesta direcção com uma faca na mão, I, os arguidos M, N, O e P fugiram em direcções diferentes – os arguidos M e P fugiram em direcção ao Centro Cultural de Macau, enquanto que I fugiu em direcção à Alameda Dr. Carlos D’Assumpção.
O arguido A perseguiu I, e o arguido B aliás B1 correu atrás deles.
Na praça em frente do Centro Comercial, sito no [Endereço(2)], o arguido A apanhou I, e picou com a faca para frente e atrás do corpo de I.
...
A referida agressão fez com que I ficasse gravemente ferido, e morresse mais tarde no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, às 9h10 de manhã do dia 16 de Abril de 2005 (cfr. o relatório de autópsia a fls. 445-450 dos autos).”
E das conclusões médico-legais deste relatório de autópsia consta que foram encontradas no corpo do falecido 11 feridas incisas, provocadas por instrumento cortante, 4 das quais mortíferas.
Face aos ferimentos provocados no corpo do ofendido pelas picadas com faca nas partes de frente e atrás deste, a localização das feridas e a natureza mortífera de alguns dos golpes, não deixa margem para dúvida sobre a verificação do nexo de causalidade entre as acções do recorrente e a morte da vítima, pois as picadas feitas pelo recorrente são tão adequadas para produzir a morte da pessoa visada.
2.3 Medida da pena
Por outro lado, o recorrente sustenta ainda que a pena concreta aplicada ao crime em causa não é adequada, justa e proporcional à conduta do agente e considera a pena de cinco anos mais correcta.
Ora, o crime de ofensa grave à integridade física agravado pelo resultado previsto no art.° 139.°, n.° 1, al. b) do CP é punido com a pena de 5 a 15 anos de prisão.
O tribunal recorrido baixou a pena de prisão de 14 anos para 10 anos.
Atendendo especialmente a forte intensidade do dolo quanto ao crime fundamental de ofensa grave à integridade física e a negligência manifestamente grosseira na produção do resultado morte do ofendido, a violência das acções, a emoção manifestada na realização destas, o alarme social provocado e a correspondente necessidade de prevenção geral, para além de prevenção especial em relação a quem já tem antecedente criminal e saiu há pouco tempo da prisão até à prática do presente crime, a pena de dez anos de prisão em consequência da redução feita pelo tribunal recorrido não pode deixar de ser mantida.
Assim sendo, consideramos que o presente deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do Código de Processo Penal, é o recorrente condenado a pagar 4UC.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.
Aos 6 de Dezembro de 2006.
Juízes : Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
1 Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 240 a 245; Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, Almedina, Coimbra, 1993, p. 440 a 443.
2 Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 242.
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Processo n.° 41 / 2006 1