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Processo nº 591/2022
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 20 de Abril de 2023

ASSUNTO:
- Acto vinculado
- Artº 106º nº 1 e 107º nº 1 do ETAPM
- Aplicação da Lei no tempo

SUMÁRIO:
- O funcionário que perfaça 18 meses de faltas por doença e com mais de 15 anos de serviço, nos termos do nº 1 do artº 106º e nº 1 do artº 107º ambos do ETAPM é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação;
- Sendo a aposentação prevista naquela norma um acto vinculado na data em que se encontram preenchidos os respectivos pressupostos aquela opera “ex legis” cessando a contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade;
- Contudo tal consequência apenas resulta da lei na alteração que foi introduzida pela Lei nº 18/2018, não se aplicando às situações ocorridas anteriormente.


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Rui Pereira Ribeiro




















Processo nº 591/2022
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 20 de Abril de 2023
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Administração e Justiça
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Administração e Justiça de 17.06.2022 que fixou a pensão de aposentação da Recorrente no índice de vencimento 145 da função pública, acrescida de 4 prémios de antiguidade, com efeito a partir de 23 de Setembro de 2017, formulando as seguintes conclusões:
I. A Recorrente foi notificada do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Administração e Justiça de 17 de Junho de 2022, referente à fixação de aposentação daquela e que manteve a decisão preliminar à fixação da pensão de aposentação de Recorrente, no índice de vencimento 145 da função pública, acrescida de 4 prémios de antiguidade, com efeito a partir de 23 de Setembro de 2017, e que é objecto do presente Recurso.
II. O acto administrativo de que se recorre é um acto definitivo e executório e o presente recurso é tempestivo, nos termos do artigo 25º do código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) e a Recorrente tem legitimidade, nos termos do disposto no art.º 33º do CPAC.
III. A Recorrente aponta ao acto recorrido vício de violação e errada aplicação das disposições legais sobre os art.ºs 106º, 260º e 262º, n.º 1, b) do ETAPM, e os art.ºs 117º e 118º do Código do Procedimento Administrativo.
IV. A Recorrente exerceu funções na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais desde 08/10/1996 até 25/10/2021.
V. Durante o período de 08/10/1996 a 07/10/1997, a Recorrente foi nomeada provisoriamente como Terceira oficial. Durante o período de 08/10/1997 a 26/08/2003, a Recorrente foi nomeada definitivamente como Terceira oficial. Em 27/08/2003, a Recorrente foi promovida para Segunda oficial, função que desempenhou até 03/08/2009. Entre 04/08/2009 a 18/01/2011, desempenhou as funções de Assistente técnico administrativo de la Classe, nos termos da Lei n.º 14/2009. Em 19/01/2011, a Recorrente foi promovida para a categoria de Assistente técnico administrativo principal, função que desempenhou até 03/01/2017. Em 04/01/2017, a Recorrente foi mais uma vez promovida para a categoria de Assistente técnico adrninistratlvo especialista, tendo desempenhado essas funções até 25/10/2021 e encontrando-se no ano de 2021, com um índice salarial de 315.
VI. Entretanto, devido às faltas por doença terem atingido o máximo legalmente previsto, de acordo com o parecer da Junta de Saúde dos Serviços e conforme o determinado no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, a Recorrente foi obrigatoriamente desligada do serviço para efeitos de aposentaçâo, a partir de 26 de Outubro de 2021.
VII. Ocorre que foi realizada uma inspecção feita pela Junta de Saúde, e de acordo com o respectivo registo de 29 de Janeiro de 2021, onde foram avaliadas as faltas referentes aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, foi considerado que as faltas dadas por doença da Recorrente, assistente técnica administrativa especialista, 1 escalão, da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) foram justificadas, mas atingiram o limite legal de (18 meses) em 22 de Setembro de 2017.
VIII. A Recorrente foi informada pela DSAL da sua data de desvinculação do serviço no próprio dia, (em 26/10/2021), data em que foi impedida de retomar as suas funções como Assistente técnico administrativo especialista e desde essa data (26/10/2021), que a Recorrente não aufere qualquer rendimento.
IX. Sendo que o último vencimento auferido pela Recorrente foi referente ao mês de Outubro de 2021, com um salário mensal de MOP$28,665.00, num índice de 315 e com direito ao 5° prémio de antiguidade no valor de MOP$4,489.30.
X. Entretanto, foi notificada que a aposentação se considera a partir de 23/09/2017 e, consequentemente, fixada a pensão de aposentação no valor correspondente ao índice de vencimento 145 da função pública, acrescida de 4 prémios de antiguidade.
XI. Acontece que a fixação da pensão de aposentação da Recorrente tem por base o tempo de serviço prestado e vencimentos auferidos antes da aposentação.
XII. Ora, salvo o devido respeito, a Recorrente não concorda com o índice fixado e base de cálculo proposto, pois o teve como base a data de desvinculação do serviço como sendo 23/09/2017, o que influencia, consequentemente o índice de vencimento aplicado.
XIII. Depois data a Recorrente ainda desempenhava funções no serviço a que estava vinculada. Note-se que neste caso concreto a Recorrente sempre cumpriu todo o processo de submissão de documentos e atestados médicos ao longo dos anos, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019.
XIV. Contudo a inspecção por parte das entidades responsáveis ocorreu muito posteriormente. Apenas em 2021, a Junta de Saúde dos Serviços de Saúde verificou os dados acerca das faltas por doença dadas pela Recorrente, alegando que as faltas atingiram o limite de 18 meses no dia 22 de Setembro de 2017.
XV. E repare-se que no resultado dessa inspecção de 2021 constactou-se que as faltas dadas por doença da Recorrente, assistente técnica administrativa especialista, 1 escalão, da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) foram justificadas, mas acontece que porém atingiram o limite legal de (18 meses) em 22 de Setembro de 2017.
XVI. Pelo que o tempo de serviço prestado durante este período (08/10/1996 até 25/10/2021) deve ser contado para fins de aposentação, uma vez que a Recorrente foi obrigatoriamente desligada do serviço para efeitos de aposentação, apenas a partir de 26 de Outubro de 2021.
XVII. Aliás esse é o entendimento da própria DSAL que aquando da notificação da desligação obrigatória do serviço para efeitos de aposentação dirigida à Recorrente, em 25 de Outubro de 2021, menciona: “Tendo esta Direcção de Serviços, recebido no dia 26 de Março de 2021, o ofício e os dados verificados pela Junta de Saúde dos Serviços de Saúde acerca das faltas por doença dadas por V. Exa., as quais atingiram 18 meses no dia 22 de Setembro de 2017, informo V. Exa. que deve desligar-se obrigatoriamente do serviço para efeitos de aposentação a partir do dia seguinte ao do recebimento da presente notificação, de acordo com os artigos 105º, 106º, 107º e 262º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, bem como, o meu despacho exarado sobre a informação n.º 031970/DAF/WH/2021, com data de 25 de Outubro de 2021.
XVIII. De acordo com a Prop. n.º 032243/DAF/WH/2021 e a INF. n.º 032468/DAF/GL/2021 da DSAL, os serviços da DSAL enviaram notificação à Recorrente, em 25 de Outubro de 2021, mencionando que a sua data de aposentação é o dia seguinte da data da sua desligação do serviço, isto é, 26 de Outubro de 2021.
XIX. À entidade decisória apenas competia avaliar se estavam, objectivamente preenchidos os pressupostos juridicamente relevantes que justificaram o despedimento, mas essa decisão não pode anular o tempo de serviço prestado pela Recorrente.
XX. Pelo que não se concorda com o que foi alegado quanto ao facto da Recorrida não ter reagido relativamente ao parecer da Junta de Saúde, pois, aliás, em bom rigor não foi esse o sentido que lhe foi transmitido.
XXI. E mesmo que assim fosse, também não teria a virtualidade de produzir os efeitos pretendidos, por se considerar que a contagem do tempo de serviço prestado integra o seu núcleo de direitos fundamentais.
XXII. Aliás, afigura-se quer em termos de segurança jurídica, tranquilidade e rentabilidade, a necessidade de cada funcionário saber, em cada momento, a certeza de quanto tempo lhe resta para a aposentação e qual o período que vai ser contabilizado.
XXIII. Aliás, no próprio certificado de trabalho consta que a Recorrente foi desligada do serviço, para efeitos de aposentação, só a partir de 26 de Outubro de 2021, data posterior à notificação.
XXIV. A questão principal é que o Fundo de Pensões sujeito ao princípio da legalidade, pretende, salvo o devido respeito, levar fazer uma interpretação extremamente estrita.
XXV. Mas, salvo melhor entendimento, não se verifica, no caso em apreço, nenhuma situação de violação do princípio de boa-fé nem do princípio de lealdade, visto que foi reconhecido e é um facto que a Recorrente esteve ao serviço da DSAL até 25 de Outubro de 2021.
XXVI. Veja-se que relativamente à contagem do tempo de serviço, dispõe o n.º 1 do artigo 260º do ETAPM que “Para efeitos de aposentação conta-se todo o tempo de serviço em relação ao qual o funcionário ou agente tenha satisfeito os respectivos encargos”.
XXVII. Quanto ao limite de faltas, dispõe o n.º 1 do artigo 106º do ETAPM que: “1. Os períodos de faltas por doença a que se refere o n.º 3 do artigo anterior não podem ultrapassar o limite. de 18 meses. 2. O limite de faltas a conceder pela Junta de Saúde é de 5 anos, quando se trate das doenças a que se refere o n.º 4 do artigo anterior. 3. Para o cômputo dos limites referidos nos números anteriores consideram-se os períodos de ausência por doença entre os quais não medeiem 30 dias de serviço efectivo. 4. Os dias de serviço efectivo a que se refere o número anterior não incluem os períodos de gozo de férias e de licença especial pelo trabalhador.”
XXVIII. Sendo que o disposto no artigo 106º do ETAPM, quanto ao limite de faltas por doença deve ser apenas considerado, neste caso, para efeitos da aplicação de aposentação obrigatória e não de fixação do cálculo da pensão de aposentação e fixação do respectivo indice aplicável.
XXIX. Outra interpretação levaria a situações como as do presente caso, que ora considera as faltas justificadas, por um período por mais de 4 anos (o que significa que acolhe e reconhece que a Recorrente esteve ao serviço da sua entidade patronal - DSAL - como aliás a própria o confirmou através do certificado de trabalho), mas que não as releva por terem ultrapassado o limite permitido.
XXX. Ora, como se poderá apagar um facto destes? Uma interpretação da lei neste sentido, leva a efeitos manifestamente desproporcionais, o que, salvo todo o devido respeito por entendimento diferente, não foi certamente esse o sentido que o legislador pretendeu dar.
XXXI. No fundo, a Recorrente aceita a aposentação obrigatória, em virtude de se ter verificado o preenchimento de um dos pressupostos que a determina, mas o que a Recorrente pretende é tão só o reconhecimento do direito à contagem, para efeitos de aposentação, do tempo que esteve ao serviço da DSAL, pois esses factos não podem ser ignorados.
XXXII. E repare-se que este «reconhecimento» da data da sua aposentação obrigatória é um direito que lhe assiste e que já foi, aliás, consolidado pelos serviços da DSAL e deve ser contado, para os devidos efeitos.
XXXIII. Aliás, este direito é um direito instrumental em relação a outros direitos.
XXXIV. O tempo de serviço efectivamente prestado constitui a base para o cálculo da pensão de aposentação e os prémios de antiguidade que lhes são atribuídos tem-se como um direito adquirido para cada um dos funcionários.
XXXV. E tal como se pode constatar no registo da Recorrente, esta recebeu 5 prémios de antiguidade.
XXXVI. Pelo que determinar um efeito retroactivo, ao fazer-se tábua rasa dos anos de serviço que a Recorrente efectivamente trabalhou, colide com os direitos constitutivos da Recorrente e os efeitos das expectativas que se criaram na sua esfera jurídica. Veja-se a este respeito o disposto no artigo 118º do CPA.
XXXVII. Note-se que a própria Recorrente tinha contraído um empréstimo junto da Caixa Económica Postal, tendo em consideração que estava a trabalhar e a receber um determinado vencimento. Sendo que a respectiva prestação de amortização do empréstimo seria descontada directamente do seu vencimento.
XXXVIII. E só em 28 de Outubro de 2021, a DSAL considerou que devido às faltas por doença terem atingido o máximo legalmente previsto, considerou que a Recorrente foi obrigatoriamente desligada do serviço para efeitos de aposentação, a partir de 26 de Outubro de 2021, fixando o tempo de serviço, para os devidos efeitos necessários de 08/10/1996 até 25/10/2021.
XXXIX. Contudo, esta decisão de que se recorre, toma uma posição diversa daquela que anteriormente foi determinada pela DSAL, Efectuando-se agora uma contagem de serviço manifestamente mais desfavorável à recorrente, que reverte até 22/09/2017, mais de 4 anos.
XL. A Administração Pública deve proceder de uma forma leal e cooperante, mas deve fazê-lo de forma consistente e coerente com a realidade, ainda que entenda que outro deveria ter sido o procedimento, a fim de não colidir com os direitos constitutivos e gerados e ainda não gerar um alarme social, pela falta de confiança da realidade material e que se constituiu, nem deverá afectar os direitos da Recorrente.
XLI. A Administração Pública não pode “apagar” como o fez os anos que a Recorrente trabalhou e este ao serviço da DSAL, com o argumento de que o direito que se pretende fazer valer não lhe assiste porque já atingiu o número de faltas 5 anos atrás
XLII. Pelo que se conclui pela natureza constitutiva dos direitos já adquiridos pela Recorrente de ver a sua situação, do período de serviço prestado, definida de acordo com o tempo que a sua entidade patronal já havia fixado, ou seja, a partir de a partir de 26 de Outubro de 2021.
XLIII. Não se conformando, como já foi referido anteriormente, com o cálculo da pensão provisória mensal fixada pelo Fundo de Pensões, nem tão pouco com as medidas acessórias inerentes a essa decisão, nomeadamente de retribuir à DSAL o valor correspondente aos vencimentos e subsídios recebidos pela Recorrente auferidos entre 23/09/2017 a 25/10/2021, num período em que a Recorrente estava ao serviço da DSAL.
XLIV. Ao retribuir-se este dinheiro, cairia-se no ridículo de se dizer que a Recorrente durante este período que este a exercer funções na DSAL foi uma fonte de prejuízo para si própria. Prejuízo esse que nunca foi querido, nem consentido pela Recorrente.
XLV. Considerando-se que se deve atender ao que foi fixado pela Direcção dos Serviços Laborais, e melhor exposto pela informação n.º 032468/DAF/GL/2021 da DSAL, nomeadamente:
A. Data de aposentação: 26/10/2021;
B. Tempo de serviço: 25 anos;
C. índice da função pública: 315;
D. Valor correspondente a cada índice: MOP$91;
E. Salário mensal: MOP$28,665.00;
F. Base de Cálculo: MOP$25,798.50;
G. Pensão de aposentação: MOP$17,915.62;
H. índice correspondente: 200 (MOP$196.87)
I. Prémios de Antiguidade: 5
J. Valor correspondente a cada prémio: MOP$910.00 x 5=MOP$4,550.00
XLVI. Pelos fundamentos acima expostos, no modesto entendimento da Recorrente, salvo o devido respeito, a acto administrativo em causa de que se recorre padece do vício de violação e errada aplicação das disposições legais sobre os ares 106º, 260º e 262º, n.º 1, b) do ETAPM, e os ares 117º e 118º do Código do Procedimento Administrativo, por desconsiderar a contagem do tempo de serviço prestado pela Recorrente e que integra o seu núcleo de direitos fundamentais, violando por conseguinte o princípio da legalidade administrativa, previsto no artigo 3º do CPA. Vícios esses que importam a declaração de nulidade ou anulação pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância.
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Administração e Justiça contestar, apresentando as seguintes conclusões:
a. O presente recurso tem por objecto o despacho da Entidade recorrida de 17/06/2022, referente à fixação de aposentação da Recorrente e que manteve a decisão preliminar à fixação da pensão de aposentação de A, no índice de vencimento 145 da função pública, acrescida de 4 prémios de antiguidade, com efeitos a partir de 23 de Setembro de 2017.
b. Salvo o devido respeito, ao contrário do alegado pela Recorrente, o acto recorrido não sofreu de nenhum vício de invalidade, nomeadamente, a violação de lei, e/ou erro sobre os pressupostos de facto, que possa acarretar a nulidade, ou anulabilidade desse mesmo acto.
c. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 107 do ETAPM, quer na sua versão primitiva quer na sua versão actualmente vigente com alteração introduzi da pela Lei n.º 18/2018, uma vez que as faltas por doença tenham atingido o limite legalmente previsto, o trabalhador tem de desligar-se de serviço para efeitos de aposentação obrigatória, se tiver completado 15 anos de serviço para este efeito relevantes, independentemente de ter ou não capacidade para o trabalho, ou seja, o disposto em causa tem natureza imperativa.
d. Em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do art.º 262 e n.º 2 do art.º 267 do ETAPM, uma vez que se verifique a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 107 do ETAPM, a desligação de serviço para efeito de aposentação obrigatória ocorre de forma automática, ou seja, ope legis, sem dependência de qualquer outro procedimento.
e. Por outras palavras, se a causa da aposentação obrigatória consiste no facto de se ter completado 18 meses de faltas por doença e se a lei determina que o funcionário é desligado automaticamente de serviço para efeitos de aposentação obrigatória, é a partir dessa data que se produz em todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos de contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação, sendo um efeito que decorre da lei, um poder vinculado, e que relativamente ao qual não há margem para qualquer discussão por parte da Administração Pública.
f. Nos termos do n.º 1 e n.º 6 do artigo 267.º do ETAPM, o órgão competente para proceder ao processo de aposentação é o Fundo de Pensões enquanto que a Entidade recorrida é o órgão competente para a fixação de pensão de aposentação.
g. In casu, dos documentos relativos à aposentação obrigatória da Recorrente, encaminhados pela DSAL, designadamente, o registo da inspecção feita pela Junta de Saúde de 29/01/2019, e homologado em 23/03/2021 pelo então Director dos Serviços de Saúde, verifica-se que as faltas dadas por doença da Recorrente atingiram ao limite legal de 18 meses em 22/09/2017, nos termos do n.º 1 do art.º 106 do ETAPM.
h. Por força da alínea a) do n.º 1 do art. 107.º e alínea b) do n.º 1 do art.º 262.º do ETAPM, a Recorrente deve ser obrigatória e imediatamente desligada do serviço para efeitos de aposentação obrigatória a partir de 23/09/2017, data em que o seu exercício de funções em cargo público seria considerado cessado automaticamente, e consequentemente, deixaria de ter direito de proceder aos descontos e contar o tempo de serviço para efeitos de aposentação.
i. E o Fundo de Pensões só pode tomar em conta a referida data de aposentação obrigatória, procedendo ao respectivo processo de aposentação, calculando o correspondente valor de pensão de aposentação e demais direitos e subsídios relacionados para a sua fixação por parte da Entidade recorrida, ou seja, sem aqui haja qualquer margem de livre apreciação, quer por parte do Fundo de Pensões quer por parte da Entidade recorrida.
j. Estando a Entidade recorrida sujeita, na sua actuação, ao princípio da legalidade (art.º 3 do Código do Procedimento Administrativo), deve actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos, e nos termos do regime jurídico vigente aplicável.
k. Considerando que o acto recorrido em causa tem por pressuposto o acto de homologação por parte do então Director dos Serviços de Saúde no sentido de que as faltas dadas por doença da Recorrente atingiram o limite legal de 18 meses em 22/09/2017, não existe qualquer disposição legal que permite à Entidade recorrida actuar em sentido diferente do acto recorrido, ou seja, o âmbito da actividade por parte da Entidade recorrida está vinculado, pelo que, não sofreu de nenhum vício de violação e errada aplicação da lei, carecendo assim de fundamento a pretensão da Recorrente.
l. Mais ainda, do processo administrativo da Recorrente, verifica-se que a Recorrente nunca pôs em causa, nem graciosa nem contenciosamente, em devido tempo, a causa determinante da sua aposentação obrigatória, isto é, o facto de ter faltado por doença durante 18 meses consecutivos até 22/09/2017.
m. É de referir que, no presente recurso contencioso, a Recorrente aceita, por um lado, que a sua aposentação obrigatória tem por base o facto de ter completado 18 meses de faltas por doença em 22/09/2017; por outro lado, pretende contraditoriamente a contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação ocorrido após 22/09/2017, data após a qual ocorreria legal e automaticamente a sua desligação do serviço para efeitos de aposentação obrigatória.
n. De facto, a Recorrente não pode estar a atacar o acto administrativo para aceitar uma parte (a sua aposentação obrigatória por ter completado o prazo de limite legal de 18 meses das faltas por doença em 22/09/2017) e opor-se a outra parte (a não contagem do tempo de serviço para além de 22/09/2017).
o. As pretensões da Recorrente são intrinsecamente incompatíveis e contraditórias.
p. Por tudo o que ficou exposto nos termos anteriores, se concluiu que, não procedem os argumentos de recurso invocados não padecendo o acto recorrido de vício de violação da lei e errada aplicação da lei que lhe é imputado.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, ambas silenciaram.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) A Recorrente exerceu funções na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais desde 08.10.1996 até 25.10.2021 – cfr. fls. 76 a 78 do PA -;
b) Durante o período de 08.10.1996 a 07.10.1997, a Recorrente foi nomeada provisoriamente como Terceiro oficial - cfr. fls. 76 a 78 do PA -;
c) Durante o período de 08.10.1997 a 26.08.2003, a Recorrente foi nomeada definitivamente como Terceira Oficial - cfr. fls. 76 a 78 do PA -;
d) Em 27.08.2003, a Recorrente foi promovida para Segunda oficial, função que desempenhou até 03.08.2009;
e) Entre 04.08.2009 a 18.01.2011, desempenhou as funções de Assistente técnico administrativo de 1ª Classe, nos termos da Lei n.º 14/2009 – cfr. fls. 76 a 78 do PA -;
f) Em 19.01.2011, a Recorrente foi promovida para a categoria de Assistente técnico administrativo principal, função que desempenhou até 03.01.2017 – cfr. fls. 76 a 78 do PA -;
g) Em 04.01.2017, a Recorrente foi mais uma vez promovida para a categoria de Assistente técnico administrativo especialista, tendo desempenhado essas funções até 25.10.2021 – cfr. fls. 76 a 78 do PA -;
h) A Recorrente progrediu na carreira e no ano de 2021 estava com um índice salarial de 315 – cfr. fls. 76 a 78 do PA -;
i) Foi realizada uma inspecção feita pela Junta de Saúde, e de acordo com o respectivo registo de 29 de Janeiro de 2021, onde foram avaliadas as faltas referentes aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, foi considerado que as faltas dadas por doença da Recorrente, assistente técnica administrativa especialista, 1 escalão, da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) foram justificadas, mais atingiram o limite legal de (18 meses) em 22 de Setembro de 2017. – cfr. fls. 117 do PA -;
j) O registo da referida inspecção foi homologado em 23 de Março de 2021 – cfr. fls. 117 do PA -;
k) Devido às faltas por doença terem atingido o máximo legalmente previsto, de acordo com o parecer da Junta de Saúde dos Serviços e conforme o determinado no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, a Recorrente foi obrigatoriamente desligada do serviço para efeitos de aposentação, a partir de 26 de Outubro de 2021 – cfr. fls. 73 do PA - ;
l) A Recorrente foi informada pela DSAL da sua data de desvinculação do serviço no próprio dia, (em 26 de Outubro de 2021), data em que foi impedida de retomar as suas funções como Assistente técnico administrativa especialista – cfr. fls. 74 s 75 do PA -;
m) O último vencimento auferido pela Recorrente foi referente ao mês de Outubro de 2021:
1. Com um salário mensal de MOP28.665,00;
2. Num índice de 315;
3. E com direito ao 5º prémio de antiguidade no valor de MOP4.489,30 - cfr. fls. 25 do PA -;
n) A Recorrente foi notificada por ofício datado de 04.07.2022 que a aposentação se considera a partir de 23.09.2017 e, consequentemente, fixada a pensão de aposentação no valor correspondente:
1. Ao índice de vencimento 145 da função pública;
2. Acrescida de 4 prémios de antiguidade – cfr. fls. 27 -.
o) Em 17.06.2022 pelo Senhor Secretário para a Administração e Justiça foi proferido o despacho de “concordo” com base na informação elaborada na Proposta nº 0656/DRAS-DAS/FP/2022 com o seguinte teor:
02573/GSAJ/EN/2022 16/06/2022 16:24
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Fundo de Pensões
Parecer

Exmo. Senhor Secretário para a Administração e Justiça

Concordo com o proposto na presente proposta.
À consideração superior.

A Presidente Subst.ª do Conselho de Administração do Fundo de Pensões
(Ass.: Vide o original)
XXX
16/06/2022

Despacho

Concordo.
O Secretário para a Administração e Justiça
(Ass.: Vide o original)
XXX
17/06/2022


Original: DRAS – DAS
Cópia: Sec.
(Ass.: Vide o original)
17/06/2022
   Assunto: Audiência e decisão final da Proposta N.º 0656/DRAS-DAS/FP/2022
   fixação da pensão de aposentação – Data: 14/6/2022
   A
Relativamente ao caso de desligação obrigatória do serviço para efeitos de aposentação da A, assistente técnica administrativa especialista, 1.º escalão, da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (com o número de subscritor 149209), por atingir o limite máximo legal de faltas por doença, cumpre-me informar e propor o seguinte.
I. Relatório do caso
1. Quanto à fixação da pensão de aposentação da parte, o Senhor Secretário para a Administração e Justiça proferiu despacho na Proposta n.º 0540/DRAS-DAS/FP/2022, de 10 de Maio de 2022, concordando com a seguinte decisão preliminar proposta, e foi notificada a parte para apresentar a audiência escrita no prazo de 15 dias a contar da data de recepção da notificação, podendo ainda pedir a consulta do processo no mesmo prazo (Anexo 1):
1.1 Nos termos do artigo 1.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 107/85/M, de 30 de Novembro, é fixada à parte uma pensão de aposentação correspondente ao índice 145 da tabela em vigor, calculada nos termos do artigo 264.º n.ºs 1 e 4, conjugado com o artigo 265.º n.º 2, ambos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado simplesmente por “Estatuto”), acrescida do montante relativo a 4 prémios de antiguidade, nos termos dos artigos 7.º a 9.º da Lei n.º 2/2011 e da tabela a que se refere o artigo 1.º da Lei n.º 1/2014, com início em 23 de Setembro de 2017.
2. Em 11 de Maio de 2022, a parte dirigiu-se pessoalmente a este Fundo para receber a aludida notificação1 (Anexo 2)
3. Em 16 de Maio de 2022, através da sua representante, Dra. X, advogada, a parte pediu a consulta de todo o processo administrativo da sua aposentação (Anexo 3).
4. Por despacho da Presidente Subst.ª do Conselho de Administração deste Fundo de Pensões, de 17 de Maio de 2022, foi autorizada a consulta do referido processo administrativo pela representante da parte na presença do pessoal deste Fundo (Anexo 4).
5. Em 18 de Maio de 2022, a referida representante consultou o referido processo administrativo, e no mesmo dia, pediu a emissão da cópia do processo e a prorrogação do prazo para apresentação das alegações da audiência escrita até ao dia 31 de Maio de 2022 (Anexo 5).
6. Em 20 de Maio de 2022, este Fundo emitiu a cópia do processo à referida representante, e quanto à prorrogação do prazo para apresentação das alegações da audiência escrita, por despacho do Senhor Secretário para a Administração e Justiça, de 23 de Maio de 2022, foi autorizada a prorrogação do referido prazo até ao dia 31 de Maio de 2022, o qual já foi notificado (Anexo 6).
7. Em 31 de Maio de 2022, a referida representante apresentou os documentos da audiência escrita a este Fundo (Anexo 7).
II. Alegações e fundamentos invocados pela parte na audiência escrita
1. Na audiência, a parte não concordou com a decisão preliminar do Senhor Secretário para a Administração e Justiça que lhe fixou uma pensão de aposentação correspondente ao índice de vencimento 145 da função pública, acrescida no montante relativo a 4 prémios de antiguidade, nem concordou que a sua desligação da função pública ocorreu em 23 de Setembro de 2017 para servir de base de cálculo, expondo, para tal, os seus fundamentos da discordância2.
2. A parte salientou ter exercido funções na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais entre 8 de Outubro de 1996 e 25 de Outubro de 2021.
3. O tempo de serviço prestado pela parte entre 8 de Outubro de 1996 e 25 de Outubro de 2021 devia ser calculado para efeito de aposentação pois a parte só foi obrigatoriamente desligada do serviço em 26 de Outubro de 2021.
4. O cálculo do tempo de serviço prestado pela parte é o conteúdo essencial dos seus direitos fundamentais.
5. A parte já apresentou os atestados médicos e os documentos referentes aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, porém, a entidade responsável pela inspecção só emitiu os registos de inspecção em 2021, considerando que as faltas por doença da parte são faltas justificadas, e em 22 de Setembro de 2017, a parte já atingiu o limite máximo legal de 18 meses. Tal situação é incompatível com os direitos resultantes do serviço efectivo da parte na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
6. A Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais entendeu que conforme o parecer emitido pela Junta de Saúde e as disposições legais do ETAPM, a parte foi obrigatoriamente desligada do serviço para efeito de aposentação desde 26 de Outubro de 2021 por atingir o limite máximo legal de faltas por doença.
7. É de considerar que o processo de avaliação do período de faltas por doença da parte não seguiu a forma normal prevista.
8. Mesmo que o processo de fixação da pensão de aposentação do Fundo de Pensões seja um processo normal, ainda tem de avaliar as referidas situações dos factos, de tal modo a evitar a agravação da injustiça e da inaceitabilidade.
III. Análise das alegações e dos fundamentos invocados pela parte na audiência
1. Trata-se de um caso de aposentação iniciado pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais nos termos dos artigos 105.º, 106.º, 107.º n.º 1 alínea a) e 262.º n.º 1 alínea b) do Estatuto por a parte atingir o limite máximo legal de faltas por doença.
2. Conforme o parecer emitido pela Junta de Saúde em 29 de Janeiro de 2021 e homologado pelo Director dos Serviços de Saúde que se juntou ao processo de aposentação, verificou-se que até 22 de Setembro de 2017 a parte já atingiu o limite de 18 meses de faltas por doença.
3. Ao abrigo do artigo 107.º n.º 1 alínea a) do Estatuto que ainda não foi alterado pela Lei n.º 18/2018, “1. Findos os prazos limite referidos no artigo anterior, o trabalhador: a) É desligado do serviço para efeitos de aposentação se possuir mais de 15 anos de serviço, para este efeito relevantes;”
4. Com a nova redacção dada pela Lei n.º 18/2018, o aludido artigo passa a ser o seguinte: “1. Findos os prazos limite referidos no artigo anterior, o trabalhador: a) É automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação se tiver completado 15 anos de serviço para este efeito relevantes, independentemente de ter capacidade ou não para o trabalho;”
5. Quer o artigo 107.º n.º 1 alínea a) do Estatuto que vigorava na altura quer o artigo alterado pela Lei n.º 18/2018, quando atingir o limite máximo legal de faltas por doença, o trabalhador é desligado do serviço para efeitos de aposentação se tiver completado 15 anos de serviço para estes efeitos relevantes.
6. É de salientar que o processo de aposentação do trabalhador deve ser tratado nos termos da lei. Conforme as disposições legais acima referidas, a lei não dá margem de discricionariedade à Administração e este Fundo trata sempre dos casos conforme as regras legais, nunca se desviando da lei.
7. O fundamento de facto invocado pelo Senhor Secretário para a Administração e Justiça para a fixação da pensão de aposentação à parte é o parecer de verificação da Junta de Saúde, homologado, que verificou que a parte atingiu o limite máximo legal de faltas por doença em 22 de Setembro de 2017 e os seus fundamentos de direito são as disposições legais previstas no Estatuto. Não resta qualquer dúvida de que, na natureza, o acto de fixação da pensão de aposentação em causa é um acto vinculado por lei, não há qualquer margem para escolher o conteúdo da decisão.
8. No caso em apreço, importa referir que conforme os elementos constantes do processo, a parte nunca duvidou do parecer de verificação emitido pela Junta de Saúde e homologado pelo Director dos Serviços de Saúde que verificou que a parte atingiu o limite máximo legal de faltas por doença em 22 de Setembro de 2017.
9. A parte não impugnou o motivo que determinou a sua aposentação, ou seja, não é por ter atingido o limite máximo legal de faltas por doença, pelo que, com a aceitação deste motivo de aposentação, a parte já não pode impugnar a data da sua aposentação obrigatória por atingir o limite máximo de faltas por doença.
10. Nestes termos, as alegações e os fundamentos invocados pela parte na audiência não podem alterar a decisão preliminar do Secretário para a Administração e Justiça que lhe fixou a pensão de aposentação.
IV. Proposta
Pelos acima expostos, para o tratamento do presente caso, cumpre-me propor o seguinte:
1. Manter a decisão preliminar da fixação da pensão de aposentação à parte proferido pelo Senhor Secretário para a Administração e Justiça, fixando-lhe uma pensão de aposentação correspondente ao índice de vencimento 145 da função pública, acrescida no montante relativo a 4 prémios de antiguidade, com início em 23 de Setembro de 2017.
2. Caso concorde com a aludida proposta, notifica-se a parte que pode apresentar reclamação para o autor do acto no prazo de 15 dias a contar da data de recepção da notificação ou da publicação da referida fixação da pensão de aposentação no Boletim Oficial do Governo da RAEM nos termos dos artigos 148.º e 149.º do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, e ao abrigo do artigo 36.º alínea 8) subalínea 2) da Lei n.º 9/1999 (Lei de Base da Organização judiciária) e dos artigos 25.º e 26.º e s.s. do Código de Processo Administrativo Contencioso aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, pode interpor recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias a contar da data de recepção da notificação ou da publicação da referida fixação da pensão de aposentação no Boletim Oficial do Governo da RAEM.
À consideração superior
O Chefe da Divisão de Apoio aos
Subscritores do Regime de Aposentação e Sobrevivência
(Ass.: Vide o original)
      XXX
– cfr. fls. 28 a 32 traduzido a fls. 85 a 93 -;
p) Por ofício datado de 04.07.2022 foi a Recorrente notificada daquele despacho – cf. fls. 27 -.

  b) Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Administração e Justiça datado de 17 de Junho de 2022, que fixou a pensão de aposentação da Recorrente no valor correspondente ao índice 145 da função pública, acrescida do montante relativo a 4 prémios de antiguidade, com efeitos a partir de 23 de Setembro de 2017, pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  Da leitura da petição inicial parece resultar que a Recorrente se não conforma com a fixação da sua pensão de aposentação no valor correspondente ao índice 145 da função pública em virtude de o acto recorrido, ilegalmente, segundo alega, ter considerado a data de 23 de Setembro de 2017 como sendo a data da sua aposentação.
  Vejamos.
  (i)
  São os seguintes os dados relevantes a considerar na situação em litígio.
  Porque a Recorrente atingiu o limite legal de 18 meses de faltas justificadas por doença, foi a mesma desligada do serviço. Através do despacho de 17 de Junho de 2022 da Entidade Recorrida, que constitui o acto recorrido, foi-lhe fixada a pensão de aposentação com efeitos a partir precisamente do dia seguinte àquele em que aquele período se completou, ou seja, do dia 23 de Setembro de 2017.
  Sucede que, tal como flui inequivocamente dos autos, a Recorrente, depois de 22 de Setembro de 2017 e até ao dia 25 de Outubro de 2021, continuou a desempenhar as suas funções como trabalhadora da Administração Pública da Região e a auferir as remunerações correspondentes e por isso, a mesma considera que esse lapso de tempo que correu entre as referidas datas deve contar para efeitos de cálculo da pensão de aposentação e de prémios de antiguidade.
  (ii)
  (ii.1)
  Embora por razões que não coincidem inteiramente com aquilo que a Recorrente alega e com todo o respeito pelo entendimento contrário, cremos que o presente recurso contencioso merece ser provido.
  Pelo seguinte.
  Se bem interpretamos o acto recorrido, na sua base está o entendimento por parte da Administração segundo o qual a consequência da desligação do serviço, uma vez atingido o limite de 18 meses de faltas por doença, opera automaticamente, por força da lei e, como tal, uma vez que, no caso da Recorrente, aquele limite foi atingido no dia 22 de Setembro de 2017, a partir do dia seguinte a esse terá ocorrido a dita desligação, tudo por aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 262.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º87/89/M, de 21 de Dezembro.
  Este entendimento não é, todavia, inteiramente correcto.
  Convergimos na interpretação da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM na redacção que foi introduzida pela Lei n.º 18/2018 e nos termos da qual, atingido o limite de 18 meses a que se reporta o n.º 1 do artigo 106.º, o trabalhador «é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação se tiver completado 15 anos de serviço para este efeito relevantes, independentemente de ter capacidade ou não para o trabalho» [cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM]. Também para nós, a consequência legal prevista na dita norma – a desligação do serviço – se produz automaticamente, por força da lei, verificados os respectivos pressupostos, sem dependência, portanto, da prática de um acto administrativo que a determine (neste mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 10.03.2022, processo n.º 429/2021).
  Não podemos, porém, deixar de divergir da Administração quando esta considera que igual consequência já resultava da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM na redacção anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 18/2018 e segundo a qual, findo o prazo limite de 18 meses referido no n.º 1 do artigo 106.º, o trabalhador era «desligado do serviço para efeitos de aposentação se possuir mais de 15 anos de serviço, para este efeito relevantes».
  Com efeito, não resultava da letra da lei, contrariamente ao que actualmente sucede, ser a consequência da desligação do serviço automática. Daí que seja de considerar que a desligação do serviço não podia deixar de depender de um acto administrativo, da competência do responsável máximo do serviço, que a declarasse em face da verificação dos respectivos pressupostos. A desligação automática só ocorria relativamente aos trabalhadores assalariados ou contratados além do quadro que não tivessem procedido a descontos para efeitos de aposentação nos termos expressamente previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM.
  Além disso, ao contrário do que parece ser sustentado pela Administração, seja no procedimento administrativo que culminou no acto recorrido, seja agora em sede de contestação ao presente recurso contencioso, a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM, não integrava, como é patente, o elenco das causas de desligação obrigatória do serviço para efeitos de aposentação constante do artigo 262.º desse Estatuto. Isso só passou a suceder com a alteração introduzida pela Lei n.º 18/2018 na norma da alínea b) do n.º 1 do deste último artigo, justamente em função da modificação legislativa operada na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM.
  Face ao que antecede, parece-nos que se imporá concluir que, relativamente às situações em que o trabalhador tenha atingido o limite de 18 meses de faltas por doença antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no ETAPM pela Lei n.º 18/2018, não se produziu, em relação a ele, o efeito automático da desligação do serviço, uma vez que essa consequência não resultava da lei em vigor no momento da ocorrência do facto, ou seja, no momento em que foi atingido o limite de 18 meses a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM (sendo ainda certo, por outro lado, que a nova lei não contém qualquer disposição de aplicação retroactiva do que preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º na redacção por si introduzida, pelo que é de considerar, por aplicação do princípio geral consagrado no n.º 1 do artigo 11.º do Código Civil que a mesma apenas dispôs para o futuro. Antes pelo contrário, aliás. Além de faltar disposição expressa que determine a aplicação retroactiva no novo regime da aposentação obrigatória resultante do artigo 107.º, n.º 1, alínea a) e da alínea b) do n.º 1 do artigo 262.º do ETAPM, a qual sempre seria indispensável, a verdade é que, além disso, as disposições transitórias contidas nos nºs 3 e 4 do artigo 6.º da Lei n.º 18/2018, ainda que a outro propósito, apontam muito claramente no sentido de que o legislador não teve qualquer intenção de que as alterações por si introduzidas fossem aplicadas retroactivamente).
  (iii)
  No caso em apreço, como já vimos, resulta dos autos e não é controvertido que a Recorrente atingiu o limite de 18 meses a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM no dia 22 de Setembro de 2017. Nessa data, não estava em vigor a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM na redacção introduzida pela Lei n.º 18/2018, uma vez que esta apenas entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2019 (cfr. o respectivo artigo 9.º) e por isso, naquele momento não se produziu automaticamente o efeito da desligação da Recorrente do serviço.
  Assim, o acto recorrido, ao reportar os efeitos da aposentação da Recorrente à data de 23 de Setembro de 2017, no pressuposto de que as normas da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 262.º do ETAPM na redacção anterior às alterações que lhes foram introduzidas pela Lei n.º 18/2018 impunham a sua desligação automática, ex vi legis, do serviço e a consequente aposentação obrigatória a partir daquela data, incorreu em erro nos pressupostos de direito gerador da respectiva anulabilidade (cfr. artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo).
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.».
  
  O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
  «O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do ato.
  Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
  (…)
  A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
a) A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo:
f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
g) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.
  
  Conforme resulta do Douto Parecer supra reproduzido o despacho recorrido aplicou à situação sub judice norma legal que não existia à data dos factos o que implica que o mesmo enferme de vício de violação de lei por não ter base legal que o justifique.
  Assim sendo, concordando inteiramente com a fundamentação constante daquele Douto Parecer à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que o acto impugnado enferma do vício de violação de lei, pelo que, nos termos do artº 124º do CPA é o mesmo anulável, sendo de proceder o recurso com a consequente anulação do mesmo, ficando prejudicada a apreciação dos demais vícios e pedidos invocados.
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso anula-se a decisão recorrida.
  
  Sem custas por delas estar isenta a Entidade Recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 20 de Abril de 2023
  Rui Pereira Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (Primeiro Juiz Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz Adjunto)
  
  Mai Man Ieng
  (Procurador Adjunto do Ministério Público)
  












1 Ao receber a notificação, a parte foi oralmente notificada do respectivo conteúdo, porém, por não saber chinês, a parte necessitou a tradução em português do referido documento. Em 18 de Maio de 2022, a sua representante recebeu a tradução em português da referida notificação.
2 Tradução livre dos documentos da audiência redigidos pela parte em português.
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591/2022 REC CONT 66