Processo n.º 216/2023/A
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 20/Abril/2023
Requerente:
- A
Entidade requerida:
- Secretário para a Economia e Finanças
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM, com sinais nos autos, vem, nos termos do artigo 120.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, de 20.1.2023, que indeferiu o pedido de renovação da sua autorização de residência temporária na RAEM.
O requerente invoca que o acto administrativo lhe causa prejuízo de difícil reparação, que não há grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão, nem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, vem oferecer o merecimento dos autos.
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O Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“O requerente pediu a suspensão da eficácia do despacho lançado pelo Exmo. Sr. SEF na Proposta n.º 0385/2013/01R (doc. de fls. 7 a 13 dos autos), cujo texto integral é de: 根據第3/2020號行政命令所授予之權限,同意本建議書的分析,並按照第3/2005號行政法規第23條補充適用的第16/2021號法律第43條第2款(3)項及第3款的規定,不批准申請人和其惠及的家團成員的續期申請。
Em harmonia com as jurisprudências pacíficas, trata-se in casu de um acto administrativo de conteúdo negativo com vertente positiva, por provocar indirectamente a alteração da statu quo do requerente, alteração que traduz em perder o estatuto de residente não permanente de Macau.
À luz do disposto na alínea b) do art. 120º do CPAC, verifica-se a idoneidade do objecto, no sentido de que será susceptível de suspensão da eficácia o referido despacho. Resta-nos apurar se in casu se preencherem os três requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC.
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Ora, o Requerimento Inicial evidencia, com nitidez e clareza, que a propósito de mostrar o prejuízo de difícil reparação decorrente da imediata execução do despacho suspendendo, o requerente invocou, tão-só e simplesmente, dois argumentos (arts. 4.º e 5.º desse Requerimento).
1. É, doutrinal e jurisprudencialmente, consensual e até assente que a interposição do recurso contencioso bem como a provável procedência do mesmo não constituem prejuízo de difícil reparação consagrado na a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC. E no incidente de suspensão da eficácia, é vedado ao juiz apreciar a realidade ou verosimilhança dos pressupostos do acto suspendendo, isto é, não cabe discutir a verdade dos factos subjacentes ao acto atacado ou a existência de vícios neste, dado que o seu objecto não é a legalidade do acto em causa, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório (cfr. acórdãos do ex-TSJM no Processo n.º 1132-A, e do TUI no Processo n.º 37/2009).
Em esteira, extraímos tranquilamente que não pode deixar de ser manifesta e irremediavelmente insubsistente o argumento vertido no art. 4.º do Requerimento Inicial.
2. De acordo com a doutrina reputada (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, pp. 340 a 359, José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ 2013, pp. 305 e ss.), ao caso sub judice se aplica a regra geral, segundo a qual são cumulativos todos os requisitos consagrados no n.º 1 do art. 121.º do CPAC e os quais são independentes entre si, portanto a não verificação de qualquer um destes requisitos torna desnecessária a apreciação dos restantes.
O requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 121.º do CPAC (a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso) tem sempre de se verificar para que a suspensão da eficácia do acto possa ser concedida, excepto quando o acto administrativo tenha a natureza de sanção disciplinar. (cfr. Acórdãos no TUI nos Processos n.º 33/2009, n.º 58/2012 e n.º 108/2014)
E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do mencionado n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º 799/2011 e n.º 266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º 1106, do TUI nos Processos n.º 33/2009 e n.º 16/2014, do TSI no Processo n.º 266/2012/A)
Bem, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º 1123, do TSI nos Processos n.º 17/2011/A e n.º 265/2015/A)
Voltando ao caso sub judice, à luz das jurisprudências e doutrinas supra citadas, afigura-se-nos a que é inconsistente o arrogado no art. 5.º do Requerimento, e não há prova capaz de demonstrar convincentemente a verificação do requisito previsto na a) do n.º 1 do art. 121.º do CPAC.
Em primeiro lugar, é bom de ver que a imediata execução do acto suspendendo não causará o resultado de o requerente não poder explorar e trabalhar em Macau o seu investimento, e é sem sombra de dúvida que tal execução não toca o seu direito como sócio e administrador do estabelecimento de comida aludido no documento de fls. 30 a 36 dos autos.
Em segundo, os registos fronteiriços do requerente demonstram irrefutavelmente que durante sete anos e tal, ele ficara sempre poucos dias em Macau, por isso, o estatuto jurídico de residente não permanente bem como a efectiva estadia dele em Macau não são condição sine qua non nem indispensáveis para ele exercer o seu direito como sócio e administrador do supramencionado estabelecimento de comida.
Em terceiro e último lugar, é de realçar que o requerente é um dos dois sócios-administradores, daí decorre que a imediata execução do despacho suspendendo não afecta a gerência e o normal funcionamento desse estabelecimento de comida, nem determinará o seu encerramento.
3. Tudo isto conduz-nos a que não se verifique in casu o requisito prescrito na alínea a) do n.º 1 do art. 121.º do CPAC, pelo que caia em vão o pedido de suspensão de eficácia do Requerente.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço.”
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Cumpre decidir.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e têm interesse processual.
Não existe nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta indiciariamente provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
Ao requerente foi concedida, em 3.12.2014, autorização de residência temporária na RAEM, com fundamento em investimento relevante, por um período de 3 anos.
O investimento teve por base a constituição e manutenção de uma sociedade comercial, validamente constituída ao abrigo da legislação de Macau.
O requerente é administrador da referida sociedade.
O requerente ficou na RAEM, entre Janeiro de 2015 e Maio de 2022, em cada ano civil, por: 55, 68, 49, 128, 103, 14, 119 e 65 dias.
A sociedade de que o requerente é sócio e administrador tem por objecto social actividades de restauração.
A administração e representação da sociedade são exercidas por dois sócios-gerentes, a saber, B e A(ora requerente).
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A prova dos factos resulta da confissão da entidade recorrida e dos documentos juntos aos autos.
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O caso
O requerente efectuou um investimento relevante, tendo-lhe sido concedida autorização de residência temporária na RAEM, pelo período de 3 anos.
Por despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, de 20.1.2023, foi indeferido o pedido de renovação da sua autorização de residência temporária na RAEM.
Pede agora o requerente a suspensão de eficácia do referido acto administrativo.
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Acto negativo com vertente positiva
Dispõe o artigo 120.º do Código do Processo Administrativo Contencioso que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo só é admissível quando o acto for positivo ou, tendo conteúdo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em crise consiste no indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência do requerente na RAEM, o qual consubstancia um acto de conteúdo negativo mas apresenta uma vertente positiva, uma vez que com a execução do acto, o requerente irá perder o estatuto de residente não permanente da RAEM.
Sendo assim, somos a concluir que a eficácia do referido acto é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, a seguir, vamos apreciar se estão verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
De facto, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, face aos elementos carreados aos autos.
Bastará a falta de um deles para que a providência requerida seja indeferida.
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No que toca aos dois requisitos negativos, por não se nos afigurar, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a ser interposto em sede própria esteja enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, nem cremos que a eventual suspensão de execução do acto praticado pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, somos a concluir que estão verificados os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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É preciso saber, por último, se está verificado o requisito previsto na alínea a) daquele mesmo artigo, e para o efeito, compete ao requerente alegar e demonstrar a existência do prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto.
Tem-se entendido que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo próprio interessado.
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.2
Veja-se o que se disse no Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo n.º 328/2010/A:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No mesmo sentido, decidiu-se ainda no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 37/2013, que “cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente”.
No caso vertente, alega o requerente que a execução imediata do acto administrativo lhe causará prejuízos de difícil reparação, porquanto vai o obrigar a deixar a sua actividade comercial, não podendo, em consequência, continuar a dirigir e sustentar o seu estabelecimento de comidas na RAEM.
É verdade que, com o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência, o requerente fica impedido de permanecer e gerir por si próprio a sociedade que explorava na RAEM, mas não alegou em que termos se traduz a irreparabilidade dos prejuízos. De facto, se o requerente vier a obter provimento no seu recurso, nada impede que se intente acção de indemnização por eventuais prejuízos sofridos durante o período em que esteve inibido de exercer a sua actividade comercial.
Sendo assim, não se vislumbra, a nosso ver, que tais possíveis prejuízos sejam incalculáveis ou irreparáveis. Antes pelo contrário, tais prejuízos, a existirem, serão sempre determináveis e reparáveis através de mecanismo indemnizatório.
Mais, é bom de ver que para além do requerente, existe na sociedade um outro sócio-gerente, entretanto o requerente não alegou nem justificou por que razão o tal sócio-gerente não poderia prestar o apoio necessário para a exploração e gestão do restaurante.
Isto posto, por não se ter logrado a alegação e prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, vai o pedido indeferido.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pelo requerente A.
Custas pelo requerente, fixando a taxa de justiça em 5 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 20 de Abril de 2023
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 Diogo Freitas do Amaral, Lições de Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, pág. 155
2 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª edição, CFJJ, pág. 310
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Suspensão de Eficácia n.º 216/2023/A Pág. 15