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Processo n.º 35/2021
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 20 de Abril de 2023

ASSUNTOS:

- Nulidade do “acordo” (promessa) de cessão das situações decorrentes da concessão provisória de terreno sem autorização do Governo da RAEM

SUMÁRIO:

I – Estando em causa um negócio alegadamente simulado, que tem por objecto a compra e venda de um imóvel, pelos Autores foi formulado o pedido de requisição de informações bancárias sobre a origem de fundos para pagar o respectivo preço, pretenssão esta que foi indeferida pelo Tribunal a quo, com fundamento no sigilo bancário, decisão esta que, para além de não ter fundamentos bastantes, violou o disposto nos artigos 6º/3 e 8º/2 do CPC, o que impõe à revogação do despacho recorrido e ao consequente deferimento das diligências requeridas, só que estas se tornam supervenientemente inúteis, uma vez que, ainda que as diligências fossem indeferidas pelo Tribunal recorrido, este acabou por vir aceitar a tese dos Autores, decidindo que existe negócio simulado entre os 2 Réus.
II – Estando em causa um negócio que tem por objecto a cessão (ou transmissão) das situações decorrentes da concessão provisória de um terreno identificado nos autos, ela é regida pelos artigos 153º e artigo 143º da Lei de Terras de 1980 (a nova lei, Lei nº 10/2013, de 2 de Setembro, veio a manter o mesmo regime), ou seja, só pode haver lugar à transmissão da posição contratual quando o originário transmissário obtivesse a competente autorização concedida pelo Governo da RAEM para este efeito, sob pena de nulidade e daí os efeitos do artigo 282º do CCM.
III – Independentemente da natureza jurídica do acordo a que as partes atribuíram, se é uma promessa do acordo de transmissão das situações da concessão referida no II, ou se é um acordo preparatório da promessa (ou do acordo formal) da transmissão em causa, esta questão passa a ser uma questão falsa e inútil a partir do momento em que o Governo da RAEM veio a declarar definitivamente a caducidade da concessão provisória do terreno em causa, acresce ainda uma outra particularidade: o concessionário nunca chegou a pedir tal autorização junto do Governo até à declaração da respectiva caducidade, assim, o objecto do negócio é legalmente impossível, por a Lei de Terras interditar da cessão nessas circunstâqncias sem competente autorização.
IV – Infringindo os artigos 153º e artigo 143º da Lei de Terras de 1980 (cfr. artigos 144º e 145º da Lei de Terras, Lei nº 10/2013, de 2 de Setembro), o negócio em causa é nulo e daí a condenação dos Réus a restituir tudo o que eles receberam dos Autores.
V – Declarada a simulação do negócio celebrado entre os dois Réus, estes vieram a recorrer contra a decisão, acusando o Tribunal a quo de acionar incorrectamente o mecanismo de presunção judicial para chegar à conclusão de simulação, não apresentaram porém provas bastantes para contrariar a convicção do julgador. É de frisar que a base da presunção judicial é um facto conhecido do qual se retira, com grande probabilidade, tendo em conta as regras da experiência, a existência do facto que se pretende provar, no caso, a simulação. Não tendo sido ilidida a presunção judicial por ausência de contraprova ou prova em contrário, deverá claudicar a impugnação feita pelo Recorrente nesse sentido.

O Relator,

________________
Fong Man Chong










Processo nº 35/20211
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 20 de Abril de 2023

Recorrentes : Recursos Interlocutórios
- A有限公司 (1ª Autora)
- B (2º Autor)

Recursos Finais
- A有限公司 (1ª Autora)
- B (2º Autor)
- C (1º Réu)
- D (2º Réu)

Recorridos : - Os mesmos

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A – Recurso interlocutório:
    (i) – Despacho de fls. 357 a 359:
    A有限公司 e B, Recorrentes, com os sinais identificativos nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 10/10/2018 (fls.357 a 359), veio, em 18/12/2018, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 474 a 492, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O presente recurso vem interposto do despacho do Tribunal Judicial de Base de fls. 357 a 359, que indeferiu a prova requerida pelos Autores, ora Recorrentes, mais especificamente a prova por depoimento de parte à matéria dos quesitos 10.º e 12.º da base instrutória, e documental requerida nas alíneas B), D), E), G) e H) do respectivo requerimento probatório, que deu entrada em juízo, em 13 de Setembro de 2018.
     2. O Tribunal a quo indeferiu as referidas provas, por ter entendido, em síntese, que tais elementos de prova não são necessários para a prova dos factos cujo ónus cabe aos Autores, classificando-os como desnecessários, desproporcionais e potencialmente lesivos dos direitos de privacidade dos Réus e, por outro, por entender que não cabe ao Tribunal a quo colaborar com as Partes no sentido de obter as provas Requeridas pelos Autores.
     3. Ao entender desse modo, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito no que diz respeito à matéria da dispensa do sigilo bancário e profissional, e dos princípios da economia e celeridade processuais, do poder de direcção do processo e de cooperação processual patenteados nos artigos 88.°, 6.° e 462.° todos do CPC.
     4. Note-se que a prova documental em causa tinha e tem fundamentalmente por finalidade a prova de que o contrato de compra e venda Moradia celebrado entre os Réus, em 25 de Julho de 2016, constituiu um negócio simulado.
     5. De acordo com a jurisprudência de Macau e comparada2, a prova do negócio simulado é, nas palavras do Tribunal de Segunda Instancia3 (...) uma prova verdadeiramente diabólica e só muito dificilmente se consegue atingir a verdade dos factos. Há então que sair das formas e das formalidades, das aparências evidenciadas e contextualizar aquilo que é visível de forma a perscrutar a realidade das coises.
     6. Por isso nos casos de simulação, não pode o Tribunal a quo bastar-se com a aparência, com a forma exterior, sendo necessário caboucar até à substancia dos acontecimentos, para determinar a verdadeira realidade dos factos.
     7. Para os Autores, a tarefa de coligir uma parte dessas provas e carreá-las para o processo só é possível através da mediação do Tribunal, de quem nos termos do artigo 462.° e 8.° do CPC, se espera que remova os enormes obstáculos com que estes se deparam para a sua obtenção.
     8. Como a experiência demonstra, o simulador e o seu co-autor actuam sempre de forma planeada com o intuito de se esquivarem a um determinado efeito jurídico ou adverso aos seus propósitos, procurando por todos os meios manter a aparência do negócio simulado e conservar o secretismo do acordo subjacente, aproveitando as mais das vezes as disposições da lei sobre o sigilo, para abusivamente manterem a aparência da veracidade do negócio realizado.
     9. Neste contexto, deve entender-se que o principio de colaboração processual por parte do Tribunal, deve ser tanto ou mais intenso consoante os contornos do negócio simulado e com as dificuldades de prova com que as partes – no caso os Recorrentes - se deparam para remoção dos obstáculos ou dificuldades práticas, para trazer para o processo as provas que permitem antes de tudo o cabal esclarecimento dos factos que se encontram em discussão judicial, exigindo-se também que a sua apreciação por parte do Tribunal seja realizada em termos hábeis – só assim se realizando verdadeiramente, a tão desejada JUSTIÇA!
     10. Como já acima foi referido, o Tribunal a quo indeferiu o depoimento de parte do 1.° Réu à matéria dos artigos 10.° e 12.° da base instrutória, com fundamento no facto de não se tratarem de factos pessoais do 1.° Réu ou de que este devesse ter conhecimento, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 479.° do CPC.
     11. Tal remete-nos para a análise da questão de saber o que é que são factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento para efeitos do artigo 479.° do CPC.
     12. De acordo com o Professor Alberto dos Reis4 os factos ou hão de ser pessoais ao depoente, ou hão de ser tais que o depoente deva ter conhecimento deles, apesar de não serem pessoais.
     13. No mesmo sentido, os Professores Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto5: Facto pessoal é o facto conhecido pela parte, trate-se de facto por ela própria praticado, ou praticado com a sua intervenção, de acto de terceiro perante ela praticado (incluindo as declarações escritas de que seja destinatária) ou de mero facto ocorrido na sua presença. Facto de que a parte deva ter conhecimento é aquele que é de presumir que ela tenha conhecido, pois o deve do artigo tem o sentido de juízo de probabilidade psicológica e não de conduta ética.
     14. Esta é também a orientação que tem sido seguido pela jurisprudência do direito comparado, veja-se sobre a matéria o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/11/2010.
     15. Analisando o quesito do artigo 10.º da base instrutória, poderá desde logo dizer-se que terá sido o 1.° Réu a transmitir as informações do negócio ali mencionadas ao 2.° Réu - como de resto resulta em parte das respectivas contestações – e por isso, se conclui estarmos diante de um facto pessoal.
     16. No que respeita ao quesito do artigo 12.°, também será forçoso concluir que se trata de um facto pessoal do 1.° Réu face à alegada relação de dependência do tipo empregador/empregado entre o 1.° e 2.° Réus.
     17. Mas ainda que assim não se entendesse, sempre seria de qualificar tal facto como um daqueles de que o depoente devesse ter conhecimento, pois é do senso comum que, qualquer pessoa que vende um imóvel indague previamente sobre o crédito e capacidade financeira do seu comprador, pelo que só por ingenuidade ou fantasia é que se poderia concluir que o referido facto não é pessoal do 1.° Réu ou de que o mesmo deva ter conhecimento.
     18. Em conclusão, e no que diz respeito à decisão do Tribunal à quo sobre esta matéria, deverá ser revogado o despacho que indeferiu o depoimento do 1.° Réu sobre os quesitos 10.° e 12.°, e ser substituído por outro que dê provimento ao respectivo depoimento, nos termos requeridos pelos Autores, ora Recorrentes, por se tratarem de factos pessoais do 1.° Réu ou de que este devesse ter conhecimento, nos termos e para os efeitos do artigo 479.° do CPC, tal como acima se demonstrou.
     19. O Tribunal a quo, indeferiu também o requerimento dos Autores, ora Recorrentes, afim de que se oficiassem todas as instituições bancárias autorizadas a operar em Macau, para que, com dispensa do sigilo bancário, viessem juntar aos autos os extractos das contas bancárias dos Réus desde o dia 06/11/2013 até à presente data, no caso do 2.° Réu, e até à data decretamento do arresto, no caso do 1.° Réu e, bem assim, informar quaisquer fluxos financeiros a débito e a crédito entre as contas dos para Réus, prova dos quesitos 7.°, 11.°, 12.° e 15.º-C.
     20. Em suma, o acesso aos extractos bancários dos Réus tinha e tem por finalidade a prova de 3 factos essenciais para a boa decisão da causa: (i) que o 2.° Réu não pagou o preço da transmissão da Moradia ao 1.° Réu, nomeadamente com fundos próprios (ii) que o 2.° Réu não tinha capacidade financeira, nem liquidez para a aquisição de uma tal Moradia; (iii) que o 2.º Réu é um mero empregado do 1.° Réu, tendo nomeadamente actuado na referida escritura de compra e venda da Moradia, segundo as suas ordens e instruções ou seja, como um "testa de ferro" ou agente fiduciário do 1.° Réu nesse negócio.
     21. Sucede que, no que diz respeito à obtenção da referida prova documental, o Tribunal a quo, entendeu que, o acesso a todos os extratos bancários de todas as contas dos Réus, era excessivo e desproporcionado, por considerar que tal permitiria o acesso a todas as informações e transacções bancárias dos Réus e não apenas aquelas relacionadas com a pretensa compra e venda da Moradia, além de que, ainda segundo o Tribunal a quo o 2.° Réu já teria apresentado as cópias dos cheques das ordens de caixa, relativamente aos quais os Autores também haviam requerido diligências probatórias complementares.
     22. É certo que os Réus declaram nas respetivas contestações que o preço foi pago através de duas ordens de caixa e um cheque bancário, declararam também na escritura de compra e venda da Moradia outorgada, em 25/07/2016, que o preço ali declarado se encontrava integralmente pago.
     23. Sucede porém que, na sequência das diligências probatórias requeridas pelos Autores, ora Recorrentes, e entretanto já empreendidas, se veio apurar que o referido cheque bancário para pagamento de parte do preço da compra e venda da Moradia não foi, afinal, descontado, tendo os Réus na respectivas contestações faltado deliberadamente à verdade quanto a este facto essencial para a decisão da causa!
     24. Na sequência do requerimento probatório dos ora Recorrentes - talvez por receio do que as mesmas pudessem vir a revelar - os Réus apressaram-se a atabalhoadamente confessar que, afinal, o referido cheque bancário utilizado para pagamento do preço no dia da celebração da escritura pública, afinal, não existiu e que o pagamento do valor que correspondia ao referido cheque, ocorreu vários meses mais tarde, através de duas transferências bancárias, em moeda diferente da convencionada na escritura de compra e venda, e para contas bancárias tituladas por entidades terceiras às partes no presente litigio.
     25. Cremos, pois, que, face à opacidade da matéria que consta nos autos quanto à questão do pagamento do preço da pretensa compra e venda da Morada, é de importância fundamental que sejam juntos aos presentes autos os extractos bancários das contas tituladas petos Réus, conforme requerido pelos Autores, ora Recorrentes.
     26. Contudo, Tribunal a quo decidiu de modo contrário - diga-se, de forma precipitada e ingénua face à natureza e contornos do negócio em discussão - dando primazia ao princípio da reserva do sigilo, para negar a pretensão dos Autores, ora Requerentes.
     27. E decidiu desse modo, não só quanto à finalidade de pagamento do preço da Moradia, mas também quanto à prova de que o 2.º Réu não tinha capacidade financeira para a adquirir.
     28. Sobre este ponto em particular o Tribunal a quo entendeu que nunca através da exibição das contas bancárias do 1.º Réu se poderia ficar a saber se o 2.º Réu tinha ou não disponibilidade económica para se abalançar à compra da Moradia.
     29. Ora, cumpre desde logo esclarecer que, o Tribunal a quo, labora em erro na apreciação do requerido pelos Autores, ora Recorrentes, quanto a tal finalidade de prova, é que ao contrário do referido no douto despacho do Tribunal a quo, os Autores, ora Requerentes não pretendem aferir a disponibilidade financeira do 2° Réu através da exibição das contas bancárias do 1° Réu - o que lógicamente seria impossível - mas sim aferir a disponibilidade financeira do 2.° Réu através da exibição da informação das suas próprias contas bancárias-
     30. Acrescente-se ainda que, o acesso aos extractos bancários do 2.º e.1.º Réus, tem também por finalidade a prova de que o 2.º Réu é um empregado do 1.° Réu.
     31. Apesar do Tribunal a quo ter reconhecido a importância do acesso a tal informação bancária para a prova do referido facto, nomeadamente que se os extractos de contas bancárias dos Réus demonstrarem recebimentos e pagamentos mensais ou outros intervalos regulares entre um e outro, poderá concluir-se pela existência de uma relação de trabalho entre o 1.° Réu e o 2.° Réu, a verdade é que, o Tribunal a quo terminou por indeferir o acesso a tal documentação, com o argumento de que tal prova bastaria-se com a indicação das relações nominais de trabalhadores, inscrição, descontos e contribuições entregues pelo 1.° Réu na Direcção de Serviços de Finanças e Fundo de Segurança Social, a favor e por conta do 2.° Réu.
     32. Ora, é evidente que existindo uma relação entre o 1.° e o 2.° Réu do tipo trabalhador-empregado, que a mesma não se encontre formalizada, como ingenuamente acredita o Tribunal a quo.
     33. Pois como se sabe, no âmbito dos negócios simulados, o simulador escolhe como parceiro negocial e seu co-autor alguém de confiança, procurando, contudo, ocultar qualquer tipo de relação de dependência com o seu co-autor, em prol da aparente veracidade do negócio, pelo que se tal relação se encontrasse formalizada, ficariam desde logo comprometidos os intentos fraudulentos dos simuladores.
     34. Ora, como já aqui ficou dito, no âmbito da prova do acordo simulatório é necessário um afastamento da realidade formal, das aparências evidenciadas e contextualizar aquilo que é visível de forma a perscrutar a realidade das coisas.
     35. Neste contexto, e como reconhece a Jurisprudência do Tribunal de Segunda instancia6, e a jurisprudência comparada7, o direito ao sigilo não é um direito absoluto e deve ceder perante o Direito assegurado pelo Estado de acesso à justiça em função das particularidades do caso concreto.
     36. Tal como é também referido no já citado acórdão do Tribunal de Segunda Instância Não é raro que entre o dever de administrar a justiça - que, inter alia, se descobre no dever de descobrir a verdade material - e o de respeitar o sigilo, se instalem verdadeiros conflitos. Entidades a quem são pedidos elementos na senda da descoberta da verdade, vazada no dever de sigilo (profissional, médico, confessional, etc.) para sonegarem informações solicitadas pelo tribunal. Comum é, a este propósito, o sigilo bancário.
     37. É unanime na doutrina e jurisprudência que os valores protegidos pelo sigilo bancário são a confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e o direito à reserva da vida privada desses clientes.
     38. Porém, o indeferimento da informação/documentação requerida, em homenagem aos referidos valores, colide com o direito dos Autores de acesso ao Direito consagrado no artigo 36.° da Lei Básica da RAEM, donde decorre o princípio do contraditório e igualdade das partes, que encontram acolhimento nos artigos 3.° e 4.° do CPC e segundo os quais nas palavras de José Lebre de Freitas, deve no plano da prova ser facultado às partes em igualdade, a proposição de todos os meios de prova potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa.", visando “A produção dos meios de prova no processo (...) demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes ou, em outra perspetiva, demonstrar a verdade de alegação por elas feita.
     39. Ora, no caso concreto verifica-se que a quebra do sigilo bancário e a correlativa restrição do direito por este protegido, são indispensáveis à garantia do direito dos Autores, ora Recorrentes a um processo equitativo, no plano da prova, porquanto não se vislumbra, outro modo de apurar a correspondente factualidade aqui em causa que não seja por via da prestação da informação bancária requerida pelos Autores, ora Recorrentes por parte das instituições de crédito autorizadas a operar na RAEM.
     40. Como a experiência ensina, nos negócios simulados os simuladores dizem que o preço já foi pago, mas não dizem como, quando e/ou onde, omitindo qualquer explicação sobre as circunstâncias do seu pagamento, da mesma forma que, uma parte declara que já recebeu o preço fingindo o pagamento de uma quantia que não dispõe e que, procura esquivar-se a tais indagações, no sigilo do negócio simulatório para evitar que se investiguem os movimentos bancários e inviabilizar a investigação sobre o destino do dinheiro no património do vendedor surgindo depois as teses fantasiosas do preço compensado.
     41. Por essas razões, tudo seria muito mais fácil e célere se os Réus se dispusessem a prestar todas as informações e esclarecimentos necessários ao cabal esclarecimento da questão do pagamento do preço do pretenso negócio de compra e venda da Moradia.
     42. Não sendo esse o caso, caberia então ao Tribunal a quo promover o levantamento do sigilo bancário - ou em alternativa, inverter o ónus da prova - estando também ao alcance do Tribunal, se assim o entendesse conveniente, determinar que a informação requerida fosse prestada mediante a adoção de certas medidas de segurança para garantir a integridade e confidencialidade de dados irrelevantes para o caso, como a truncagem de determinadas informações, que poderiam ser reveladas pelo acesso a tal informação bancária.
     43. Todavia, recusar sem mais, as diligências requeridas pelos Autores, ora Recorrentes, tal como o fez o Tribunal a quo, atenta manifestamente contra o dever de cooperação do Tribunal para com os Autores e do direito que lhes assiste a um processo justo e equitativo no sentido da descoberta da verdade condensados nos artigos 6.°, 8.° e 462.° do CPC.
     44. Acresce ainda que, os indícios já existentes no processo, em particular a contradição em que os Réus se encontram quanto à questão do pagamento do preço, só por si justifica a realização das referidas diligências de prova requeridas pelos Autores.
     45. O Tribunal a quo indeferiu também o requerimento probatório dos Autores de que se oficiassem as Conservatórias dos Registos Predial, Comercial e Bens Móveis, e a Direcção dos Serviços de Finanças, para que, respectivamente, viessem informar quaisquer bens aí registados em nome do 2.° Réu e se juntassem aos presentes autos as declarações de rendimentos submetidas pelo 2.° Réu, quer em sede de imposto profissional, quer em sede de imposto complementar de rendimentos, desde 2013 até à presente data.
     46. Sucede que, o Tribunal a quo indeferiu a obtenção de tais documentos de prova numa única linha com o teor que a seguir se transcreve: Mutatis mutandis, ainda vão indeferidas as diligências requeridas na Parte E pelos Autores.
     47. Como é evidente, o Tribunal Judicial de Base não atendeu, nem tomou em devida consideração o requerido pelos Autores, ora Requerentes, ao abrigo do ponto E) do requerimento probatório dos Autores, ficando por se perceber quais as razões pelas quais, tais provas foram indeferidas, revelando-se assim o referido despacho nulo quanto a esta parte por ausência de fundamentação devida, nos termos do artigo 108.° e al. b) n.º 1 do artigo 571.° do CPC.
     48. Acresce que, a informação constante das Conservatórias do Registo Predial e do Registo Comercial e Bens Móveis, é informação pública e por isso, o acesso a tal documentação, não coloca em causa quaisquer direitos de reserva ou privacidade do 2.º Réu, nem prejudica o andamento célere e regular da causa.
     49. Note-se também que a posição do Tribunal a quo face ao requerido pelos Autores, ora Recorrentes, contraria frontalmente aquela que tem sido a prática judiciária do dia a dia seguida pelo Tribunal Judicial de Base, no âmbito das acções executivas, nas quais diáriamente ordena pesquisas onomásticas nas referidas Conservatórias de Registo, para o apuramento de património penhorável dos executados, pelo que é totalmente incompreensível, desrazoável e violadora do principio da igualdade na aplicação da lei (artigo 25.° da lei Básica da RAEM) a posição adoptada pelo Tribunal a quo.
     50. O Tribunal a quo indeferiu também o requerimento dos Autores para que se oficiasse o Exmo. Senhor Dr. N, notário privado, em Macau, para que, com dispensa do sigilo profissional, viesse juntar aos autos cópia dos formulários preenchidos pelos Réus, para efeitos do cumprimento das Instruções contra o Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo assinados pelo 2.º Réu aquando da celebração da escritura de compra e venda da Moradia.
     51. O Tribunal a quo decidiu indeferir tal prova porque considerou que a existência de tais documentos não comprova o efectivo pagamento do preço e que tais documentos não são necessários nem pertinentes para a decisão da causa.
     52. Porém, esqueceu-se o Tribunal a quo de que declaração em causa serve o propósito sério de prevenir práticas de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, pelo que, a declaração aí mencionada quanto à origem dos fundos usados pelo 2.° Réu para pagamento do preço da escritura, poderá ter um papel importante no esclarecimento do pagamento do preço da pretensa compra e venda da Moradia celebrada entre os Réus.
     53. É que, do confronto de tais declarações do 2.º Réu com outros indícios ou elementos de prova também requeridos pelos Autores, poderão resultar mais informações contraditórias por parte dos Réus, além das que já se encontram no processo, e que por si só são indiciadoras de que o negócio celebrado pelos Réus foi simulado.
     54. Note-se também que, neste contexto, a dispensa do segredo profissional do notário para a obtenção de tal documento, não parece ser de molde a lesar significativamente os valores que subjazem ao respectivo dever de segredo, pois os outorgantes de tais declarações sabem que as mesmas poderão ser transmitidas a terceiros para efeitos de investigação de eventuais práticas de branqueamento de capitais, por outro lado, o direito de acesso ao Direito e realização de Justiça dos Autores, ora Recorrentes, também justifica no caso vertente a dispensa do segredo para a obtenção do referido documento, pelo que, estamos pois diante de uma situação em que, com um pequeno sacrifício se obtém um grande proveito para a realização de Justiça, e como tal deverá ser deferida a obtenção da prova requerida pelos Autores, ora Recorrentes, na parte E) do seu requerimento probatório.
     55. Os Autores, ora Recorrentes, viram também indeferido que o Instituto de Habitação, oficiasse junto de todas as entidades e pessoas autorizadas a exercer a actividade de mediação imobiliária em Macau, para que viessem informar os autos se foram ou não incumbidos de promover ou mediar a venda da Moradia, juntando em caso afirmativo, os respectivos contratos de mediação.
     56. O Tribunal a quo, entendeu que tal não se afigura proporcional, e que tais diligencias colocam em causa o princípio da economia e celeridade processual, acrescentando que, cabem, aos Autores, mas não ao Tribunal, fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
     57. Ora, é verdade que compete aos Autores a prova dos factos constitutivos dos direitos por si alegados, mas não é menos verdade que, compete ao Tribunal dar por verificado o principio de cooperação processual previsto no artigo 462.° e artigo 8.° do CPC, e por conseguinte providenciar pela remoção dos obstáculos que se coloquem às partes para obter documentos ou informações necessários à boa decisão da causa.
     58. Per essa razão, a atitude de "nada fazer" do Tribunal a quo é totalmente incompatível com os mais elementares princípios de acesso à Justiça e ao Direito.
     59. Tendo em consideração as finalidades de prova pretendidas no caso vertente e uma vez que, não se vislumbra, outro modo de apurar a correspondente factualidade, que não seja por via da prestação da informação requerida por parte das pessoas ou entidades autorizadas a exercer a actividade de mediação imobiliária em Macau, deverá o despacho do Tribunal a quo ser revogado e em consequência ordenada a obtenção da prova requerida.
     60. Neste âmbito, admite-se todavia, que o Tribunal a quo no exercício do poder direção e conformação processual, poderia, eventualmente, restringir o âmbito do requerido pelos Autores, ora Recorrentes, que a documentação/informação requerida apenas fosse solicitada um certo número de pessoas ou entidades que se dedicam à actividade imobiliária em Macau, com maior quota de mercado ou maior volume de negócios.
     61. Indeferir, tout-court o requerido pelos Autores, ora Recorrentes é que não é de forma alguma uma posição que se possa aceitar por parte do Tribunal a quo, já que se revela manifestamente violadora do disposto no artigo 8.º do CPC.
     62. Por fim, mas não menos importante, o Tribunal a quo indeferiu também que todos os cartoriais notariais de Macau, fossem oficiados pelo Tribunal, para virem informar os presentes autos se nos respectivos cartórios notarias foi exarado/lavrado qualquer mandato e/ou instrumento de representação, nomeadamente procuração do 2.° Réu a favor do 1.° Réu, relativamente à Moradia, devendo, em caso afirmativo ser juntos aos autos cópia ou certidão desses mesmos actos, contratos e ou instrumentos.
     63. Os motivos que presidiram ao indeferimento de tal prova foram exactamente os mesmos com que o Tribunal a quo, fundamentou o indeferimento dos documentos requeridos ao Instituto de Habitação, acima sumariamente enunciados.
     64. Como se pode compreender, a prova de que o 2.° Réu outorgou a favor do 1.° Réu uma procuração dando-lhe plenos poderes para celebrar quaisquer negócios relacionados com a Moradia, consubstanciaria um elemento de prova fundamental para concluir do conluio existente entre os Réus, e, em última análise da simulação do negócio, razão pela qual é uma prova do maior interesse para a boa decisão da causa, e que se devem investir esforços na tentativa da sua obtenção.
     65. Também neste caso, não se vislumbra outro modo de apurar se de facto o 2.° Réu outorgou ou não em beneficio do 1.° Réu um tal instrumento de representação. Pelo que, se justifica também a realização de tal diligência probatória, que no entender dos Autores, ora Recorrentes não implicaria qualquer prejuízo anómalo para o andamento regular e célere do processo, uma vez que, em Macau, apenas existem 55 notários privados, e 3 notários públicos.
     66. Face ao exposto, não entendem os Autores, ora Recorrentes que uma tal diligencia para obtenção de prova possa, face às especificidades do caso acima enunciadas, colocar em causa o disposto no n.º 1 do artigo 88.° do CPC, sendo plenamente adequada face aos resultados que se visam atingir.
*
    C, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 520 a 543, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. A apresentação destas alegações pelo Réu aqui representado corresponde, mais do que ao exercício de um direito processual, à convicção dos Réus de que o despacho recorrido não enferma de vício algum, tendo o Tribunal a quo feito uma correcta aplicação da lei e procedido a um julgamento uniforme e irrepreensível na apreciação do requerimento probatório dos Autores;
     II. Os Réus jamais se esquivaram em quaisquer questões processuais nem se refugiaram em argumentos jurídicos, pois têm vindo a cooperar com o Tribunal, espontânea e voluntariamente, estando tranquilos e em paz com o desfecho da causa, pois sabem que a verdade triunfará;
     III. Já os Autores invocam jurisprudência truncando parte importante do sumário transcrito, ou desajustada ao caso concreto;
     IV. No requerimento probatório a fls. 327-330v. não foi requerida a cooperação dos Réus nem que estes autorizassem o levantamento do sigilo (bancário) ou a prestação de dados pessoais, nem alegada qualquer dificuldade, nem obstáculos, enormes ou não, pois os Autores limitaram-se a lançar mão do artigo 462.° do CPC, pelo que o Tribunal a quo não poderia oficiosamente remover qualquer dificuldade e enorme obstáculo que só no mundo virtual dos Autores existia;
     V. O caso dos presentes autos não implica a realização de qualquer prova diabólica, mas, quando muito, de extrema dificuldade (o que aliás se deve exclusivamente às infundadas suspeições suscitadas pelos Autores, desacompanhadas de quaisquer factos instrumentais que pudessem ajudar o Tribunal a compreendê-las), o que não conduz à inversão do ónus probatório, como acentuam, MANUEL DE ANDRADE (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p.203) e ANTUNES VARELA e Outros (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 467, nota de pé de página);
     VI. A matéria vertida nos quesitos 10.° e 12.°, sobre os quais os Autores requerem o depoimento de parte do 1.° Réu, respeita em exclusivo ao 2.° Réu, mais concretamente: (1) sobre o conhecimento que este tem sobre o negócio relativo ao Terreno (celebrado entre os Autores e o 1.° Réu); e, (2) sobre a sua própria (falta de) capacidade financeira;
     VII. A declaração que o 1.° Réu possa fazer sobre tais quesitos não pode surtir quaisquer efeitos enquanto força probatória plena, pois quando comprometa os outros litisconsortes e seja feita no âmbito de um litisconsórcio necessário (como no caso dos autos, quanto à venda da Moradia, litígio sobre o qual recai a matéria em causa) é ineficaz - cfr. artigo 346.° do CC;
     VIII. Quando o depoimento de uma co-parte é ineficaz em virtude de litisconsórcio necessário, não se vislumbra qual a sua utilidade processual, sendo irrelevante saber se a matéria em causa versa sobre factos pessoais do depoente ou de que este deva ter conhecimento;
     IX. Acresce que, se os Autores reputam como falso o alegado pelos Réus em sede de contestação motivada, quanto à matéria sobre a qual requerem o depoimento da co-parte, não podem utilizar tal alegação como argumento para o conhecimento dos factos por banda da co-parte;
     X. Se o 1.° Réu, como alegou já, não explicou os contornos do negócio sobre o Terreno ao 2.° Réu, como pode então saber ou ter obrigação de saber se o 2.º Réu está ciente deles?
     XI. Ao invés de requererem o depoimento de parte do 1.° Réu e discutirem a natureza dos factos sobre os quais requerem o depoimento, seria processualmente mais correcto, útil e económico que os Autores tivessem antes diligenciado pelo depoimento de parte do 2.° Réu;
     XII. Se o 1.° Réu sugeriu ao 2.° Réu que lhe comprasse a Moradia, é porque considerou que este tinha capacidade financeira para a adquirir, o que é precisamente o inverso daquilo que os Autores pretendem provar com o depoimento de parte;
     XIII. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir pelo indeferimento do depoimento de parte do 1.° Réu sobre os quesitos 10.° e 12.°, tendo assim feito uma interpretação correcta do artigo 479.° do CPC, nomeadamente quando conjugado com o artigo 346.° do Código Civil;
     XIV. No seu requerimento probatório não invocaram os Autores a existência de dificuldade alguma, em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 8.° do CPC, para que o Tribunal a quo pudesse justificar a realização de diligências, ao abrigo do artigo 6.° e 88.° do CPC, e a requisição directa, nos termos do artigo 462.° do CPC, dos documentos que aqueles pretendem ver carreados para os autos;
     XV. Ainda que o Tribunal possa, oficiosamente, determinar a realização de actos e ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade, importa que o faça sem perder de vista o princípio do dispositivo;
     XVI. As diligências que os Autores requerem sem justificarem qualquer dificuldade na sua obtenção, colidem com a protecção de dados pessoais e com o dever de sigilo, estando ainda muito para além daquilo que se pretende provar, o que só por si deveria ter ditado mais cautelas por banda dos Autores, se consideravam que a prova a fazer era diabólica;
     XVII. Os Autores não requereram a apresentação de documentos pelos Réus nem a cooperação destes;
     XVIII. A protecção dos dados pessoais, e o dever de sigilo, é uma das manifestações do direito à reserva da vida privada, direito esse constitucionalmente garantido no artigo 30.° (§.2.º) da Lei Básica da RAEM e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 442.° do CPC;
     XIX. Tal dever só pode ser postergado, para além dos casos em que a própria parte consente na sua dispensa, quando um tribunal superior decida pela sua quebra, verificada que seja a indispensabilidade da medida para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos axiologicamente mais valiosos e, em contraponto, o direito ao bom nome e à liberdade e segurança por parte dos ofendidos e o correspondente dever de colaboração com a realização da justiça, com vista ao cumprimento do dever de punir;
     XX. A dispensa de confidencialidade desses elementos só deve ocorrer quando se mostrem indispensáveis à realização dos fins probatórios e com rigorosa observância do princípio da proibição do excesso;
     XXI. A seriedade da protecção legal conferida à intimidade da vida privada é de tal ordem que, salvo o consentimento do visado ou as excepções contempladas na lei, a revelação de informações tuteladas pelo sigilo importa responsabilidade criminal (cfr. artigos 189.° e ss. do Código Penal);
     XXII. A dispensa do dever de sigilo bancário ou a quebra da protecção dos dados pessoais constantes das bases de dados das Conservatórias, das Finanças e dos Cartórios Notariais não poderá deixar de ser feita nos termos do artigo 122.° Código de Processo Penal, o que pressupõe a ponderação do valor relativo dos interesses em confronto, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade da informação pretendida para a descoberta da verdade, em confronto com a tutela da reserva da vida privada salvaguardada pela protecção de dados pessoais e pelo sigilo bancário;
     XXIII. No âmbito civil a quebra do sigilo bancário aparece-nos com características de excepcionalidade, devendo ser aferida com base na estrita necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar;
     XXIV. «Parece insuficiente afirmar que a administração da justiça deve prevalecer sobre a protecção do consumidor de serviços financeiros e da confiança na banca, demasiado divulgada na jurisprudência actual» (MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 1998, p. 320);
     XXV. Para aferir do levantamento do dever de sigilo e de protecção de dados pessoais, importa que se invoquem também as diligências efectuadas no sentido de resolver a questão por outras vias, nomeadamente junto dos Réus, sobre os quais recai o dever de cooperação;
     XXVI. No presente caso, tão pouco se alega ou demonstra também a impossibilidade de obtenção dos dados em causa mediante o trilho prévio de outros caminhos;
     XXVII. Inexiste nos autos qualquer litígio sobre o património dos Réus ou sobre as suas actividades profissionais ou sobre eventuais violações do dever de reporte no âmbito da prevenção do financiamento do terrorismo ou de branqueamento de capitais;
     XXVIII. As informações que os Autores visam obter extravasam amplamente o âmbito da matéria sujeita a prova e só seriam relevantes, em abstracto, se a sua obtenção em concreto pudesse provar qualquer um dos factos que visam;
     XXIX. Também quanto à requerida requisição de documentos pelo tribunal, não existiu qualquer errada aplicação dos artigos 88.º, 6.º ou 462.º do CPC, tendo o Tribunal a quo feito um julgamento irrepreensível e que não merece qualquer reparo.
*
    D, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 544 a 567, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. A apresentação destas alegações pelo Réu aqui representado corresponde, mais do que ao exercício de um direito processual, à convicção dos Réus de que o despacho recorrido não enferma de vício algum, tendo o Tribunal a quo feito uma correcta aplicação da lei e procedido a um julgamento uniforme e irrepreensível na apreciação do requerimento probatório dos Autores;
     II. Os Réus jamais se esquivaram em quaisquer questões processuais nem se refugiaram em argumentos jurídicos, pois têm vindo a cooperar com o Tribunal, espontânea e voluntariamente, estando tranquilos e em paz com o desfecho da causa, pois sabem que a verdade triunfará;
     III. Já os Autores invocam jurisprudência truncando parte importante do sumário transcrito, ou desajustada ao caso concreto;
     IV. No requerimento probatório a fls. 327-330v. não foi requerida a cooperação dos Réus nem que estes autorizassem o levantamento do sigilo (bancário) ou a prestação de dados pessoais, nem alegada qualquer dificuldade, nem obstáculos, enormes ou não, pois os Autores limitaram-se a lançar mão do artigo 462.° do CPC, pelo que o Tribunal a quo não poderia oficiosamente remover qualquer dificuldade e enorme obstáculo que só no mundo virtual dos Autores existia;
     V. O caso dos presentes autos não implica a realização de qualquer prova diabólica, mas, quando muito, de extrema dificuldade (o que aliás se deve exclusivamente às infundadas suspeições suscitadas pelos Autores, desacompanhadas de quaisquer factos instrumentais que pudessem ajudar o Tribunal a compreendê-las), o que não conduz à inversão do ónus como probatório, como acentuam, MANUEL DE ANDRADE (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 203) e ANTUNES VARELA e Outros (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p.467, nota de pé de página);
     VI. A matéria vertida nos quesitos 10.° e 12.°, sobre os quais os Autores requerem o depoimento de parte do 1.° Réu, respeita em exclusivo ao 2.° Réu, mais concretamente: (1) sobre o conhecimento que este tem sobre o negócio relativo ao Terreno (celebrado entre os Autores e o 1.° Réu); e, (2) sobre a sua própria (falta de) capacidade financeira;
     VII. A declaração que o 1.° Réu possa fazer sobre tais quesitos não pode surtir quaisquer efeitos enquanto força probatória plena, pois quando comprometa os outros litisconsortes e seja feita no âmbito de um litisconsórcio necessário (como no caso dos autos, quanto à venda da Moradia, litígio sobre o qual recai a matéria em causa) é ineficaz - cfr. artigo 346.° do CC;
     VIII. Quando o depoimento de uma co-parte é ineficaz em virtude de litisconsórcio necessário, não se vislumbra qual a sua utilidade processual, sendo irrelevante saber se a matéria em causa versa sobre factos pessoais do depoente ou de que este deva ter conhecimento;
     IX. Acresce que, se os Autores reputam como falso o alegado pelos Réus em sede de contestação motivada, quanto à matéria sobre a qual requerem o depoimento da co-parte, não podem utilizar tal alegação como argumento para o conhecimento dos factos por banda da co-parte;
     X. Se o 1.° Réu, como alegou já, não explicou os contornos do negócio sobre o Terreno ao 2.° Réu, como pode então saber ou ter obrigação de saber se o 2.º Réu está ciente deles?
     XI. Ao invés de requererem o depoimento de parte do 1.° Réu e discutirem a natureza dos factos sobre os quais requerem o depoimento, seria processualmente mais correcto, útil e económico que os Autores tivessem antes diligenciado pelo depoimento de parte do 2.° Réu;
     XII. Se o 1.° Réu sugeriu ao 2.° Réu que lhe comprasse a Moradia, é porque considerou que este tinha capacidade financeira para a adquirir, o que é precisamente o inverso daquilo que os Autores pretendem provar com o depoimento de parte;
     XIII. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir pelo indeferimento do depoimento de parte do 1.° Réu sobre os quesitos 10.° e 12.°, tendo assim feito uma interpretação correcta do artigo 479.° do CPC, nomeadamente quando conjugado com o artigo 346.° do Código Civil;
     XIV. No seu requerimento probatório não invocaram os Autores a existência de dificuldade alguma, em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 8.° do CPC, para que o Tribunal a quo pudesse justificar a realização de diligências, ao abrigo do artigo 6.° e 88.° do CPC, e a requisição directa, nos termos do artigo 462.° do CPC, dos documentos que aqueles pretendem ver carreados para os autos;
     XV. Ainda que o Tribunal possa, oficiosamente, determinar a realização de actos e ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade, importa que o faça sem perder de vista o princípio do dispositivo;
     XVI. As diligências que os Autores requerem sem justificarem qualquer dificuldade na sua obtenção, colidem com a protecção de dados pessoais e com o dever de sigilo, estando ainda muito para além daquilo que se pretende provar, o que só por si deveria ter ditado mais cautelas por banda dos Autores, se consideravam que a prova a fazer era diabólica;
     XVII. Os Autores não requereram a apresentação de documentos pelos Réus nem a cooperação destes;
     XVIII. A protecção dos dados pessoais, e o dever de sigilo, é uma das manifestações do direito à reserva da vida privada, direito esse constitucionalmente garantido no artigo 30.° (§.2.º) da Lei Básica da RAEM e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 442.° do CPC;
     XIX. Tal dever só pode ser postergado, para além dos casos em que a própria parte consente na sua dispensa, quando um tribunal superior decida pela sua verificada que seja a indispensabilidade da medida para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos axiologicamente mais valiosos e, em contraponto, o direito ao bom nome e à liberdade e segurança por parte dos ofendidos e o correspondente dever de colaboração com a realização da justiça, com vista ao cumprimento do dever de punir;
     XX. A dispensa de confidencialidade desses elementos só deve ocorrer quando se mostrem indispensáveis à realização dos fins probatórios e com rigorosa observância do princípio da proibição do excesso;
     XXI. A seriedade da protecção legal conferida à intimidade da vida privada é de tal ordem que, salvo o consentimento do visado ou as excepções contempladas na lei, a revelação de informações tuteladas pelo sigilo importa responsabilidade criminal (cfr. artigos 189,° e ss. do Código Penal);
     XXII. A dispensa do dever de sigilo bancário ou a quebra da protecção dos dados pessoais constantes das bases de dados, das Conservatórias, das Finanças e dos Cartórios Notariais não poderá deixar de ser feita nos termos do artigo 122.° Código de Processo Penal, o que pressupõe a ponderação do valor relativo dos interesses em confronto, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade da informação pretendida para a descoberta da verdade, em confronto com a tutela da reserva da vida privada salvaguardada pela protecção de dados pessoais e pelo sigilo bancário;
     XXIII. No âmbito civil a quebra do sigilo bancário aparece-nos com características de excepcionalidade, devendo ser aferida com base na estrita necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar;
     XXIV. «Parece insuficiente afirmar que a administração da justiça deve prevalecer sobre a protecção do consumidor de serviços financeiros e da confiança na banca, demasiado divulgada na jurisprudência actual» (MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 1998, p. 320);
     XXV. Para aferir do levantamento do dever de sigilo e de protecção de dados pessoais, importa que se invoquem também as diligências efectuadas no sentido de resolver a questão por outras vias, nomeadamente junto dos Réus, sobre os quais recai o dever de cooperação;
     XXVI. No presente caso, tão pouco se alega ou demonstra também a impossibilidade de obtenção dos dados em causa mediante o trilho prévio de outros caminhos;
     XXVII. Inexiste nos autos qualquer litígio sobre o património dos Réus ou sobre as suas actividades profissionais ou sobre eventuais violações do dever de reporte no âmbito da prevenção do financiamento do terrorismo ou de branqueamento de capitais;
     XXVIII. As informações que os Autores visam obter extravasam amplamente o âmbito da matéria sujeita a prova e só seriam relevantes, em abstracto, se a sua obtenção em concreto pudesse provar qualquer um dos factos que visam;
     XXIX. Também quanto à requerida requisição de documentos pelo tribunal, não existiu qualquer errada aplicação dos artigos 88.º, 6.° ou 462.° do CPC, tendo o Tribunal a quo feito um julgamento irrepreensível e que não merece qualquer reparo.
*
    (ii) – Despacho de fls. 459 e 460:
    A有限公司 e B, Recorrentes, com os sinais identificativos nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 14/11/2018 (fls. 459 e 460), veio, em 07/03/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 571 a 586, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O presente recurso vem interposto do douto despacho do Tribunal Judicial de Base de fls. 459 e 460, na parte que indeferiu o pedido formulado pelos Autores no seu requerimento de 5/11/2018 de ser ordenado, ao abrigo do disposto nos artigos 6.°, n.º 3, 8.° e n.º 2 ambos do CPC, que o 2.° Réu venha apresentar prova e justificativos sobre a origem dos fundos relativos às transferência bancárias a que respeitam os documentos de fls. 373 e 374, juntando também extracto da conta bancária por si titulada junto do Banco XXXX desde a data em que teve lugar o negócio de compra e venda da Moradia até, pelo menos, 16.05.2017, data a que se reporta a realização da transferência a que alegadamente alude o referido documento de fls. 374.
     2. Os fundamentos em geral invocados pelo Tribunal a quo para justificar o indeferimento das referidas diligências probatórias são análogos aqueles que constituem a fundamentação do douto despacho de fls. 357 a 359 e que foi igualmente objecto de recurso interposto pelos Autores.
     3. Ora, a prova documental requerida pelos Autores tinha e tem fundamentalmente por finalidade a prova de que o contrato de compra e venda, sobre a moradia unifamiliar sita nos números 18 e 18-A da Estrada D. XXXXXX, descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n.º XXXXX (doravante a “Moradia”), celebrado entre o 1.° e 2.° Réus, em 25 de Julho de 2016, por escritura pública, no Cartório Privado do Notário Privado N, constituiu um negócio simulado.
     4. Como é consabido a prova do negócio simulado é, nas palavras do Tribunal de Segunda Instancia8 (...) uma prova verdadeiramente diabólica e só muito dificilmente se consegue atingir a verdade dos factos. Há então que sair das formas e das formalidades, das aparências evidenciadas e contextualizar aquilo que é visível de forma a perscrutar a realidade das coisas, não podendo o Tribunal a quo bastar-se com a aparência, com a forma exterior, sendo necessário caboucar até à substância dos acontecimentos, para determinar a verdadeira realidade dos factos.
     5. Para as partes, em particular para os ora Recorrentes, a tarefa de coligir uma parte dessas provas e carreá-las para o processo só é possível através da mediação do Tribunal, de quem nos termos do artigo 462.° e 8.° do CPC, se espera que remova os enormes obstáculos com que os Recorrentes se deparam, para a sua obtenção.
     6. Por outro lado, não pode deixar de se ter presente a obrigação que resulta para as partes do artigo 442.° do mencionado diploma legal qual enuncia em termos latos o dever que a todos se impõe de colaborar na administração da justiça.
     7. Dito isto, como a experiência nos ensina, o simulador e o seu co-autor actuam sempre de forma planeada com o intuito de se esquivarem a um determinado efeito jurídico ou adverso aos seus propósitos, procurando por todos os meios manter a aparência do negócio simulado e conservar o secretismo do acordo subjacente, aproveitando as mais das vezes as disposições da lei sobre o sigilo, para abusivamente manterem a aparência da veracidade do negócio realizado.
     8. Aqui chegados importa recordar que o pedido cujo indeferimento constitui objecto do despacho recorrido foi requerido pelos Autores na sequência da juncão aos autos pelo 2.° Réu dos docs. n.ºs 1 e 2 com o requerimento de fls. 367.
     9. Os mencionados documentos referem-se a registos de transferências bancárias que pretendem demonstrar o suposto pagamento do preço de aquisição da Moradia. É isso o que é alegado pelo 2.ª Réu ao afirmar que os docs. n.ºs 1 e 2 por si juntos "titulam transferências realizadas em substituição do cheque bancário cuja cópia foi junta aos autos como doc. 1 da contestação do 2.º R..".
     10. Sucede que, estas afirmações do 2.° Réu estão em clara oposição com aquilo que o mesmo afirmou na sua contestação, o mesmo acontecendo com o 1.° Réu, tendo aí afirmado que o preço do alegado negócio de transmissão da Moradia foi pago através de duas ordens de caixa e um cheque bancário cujas cópias juntaram aos autos (vide doc. n.º 1 da contestação do 2.° Réu).
     11. Doutro passo, também não pode ser ignorado que os Réus declararam também na escritura de compra e venda da Moradia outorgada em 25/07/2016 que o preço ali declarado se encontrava integralmente pago.
     12. Porém, na sequência do requerimento probatório dos ora Recorrentes – talvez por receio do que as diligências aí requeridas pudessem revelar – os Réus apressaram-se a atabalhoadamente confessar que, afinal, o referido cheque bancário que teria servido como meio de pagamento do preço no dia (25/07/2016) da celebração da escritura pública afinal não existiu e que o pagamento do valor que correspondia ao referido cheque, ocorreu vários meses mais tarde, através de duas transferências bancárias, respectivamente realizadas em 17 de Outubro de 2016 e 16 de Maio de 2017, em moeda diferente da convencionada na escritura de compra e venda, e para contas bancárias tituladas por entidades terceiras às partes no presente litigio, sem sequer prestar qualquer esclarecimento quanto ao envolvimento de tais entidades no referido negócio de compra e venda da Moradia.
     13. Acresce que, na transferência a que se refere o doc. n.º 1 junto com o requerimento do 2.° Réu de fls. 367 este indicou como correspondente propósito (匯款用途/Purpose of remittance) 捐款 Donations, ao passo que naquela a que se refere o doc. n.º 2, o 2.° Réu declarou como respectiva finalidade 資本/投資 Business Investment.
     14. Ou seja, em momento algum o 2.° Réu indicou/declarou como propósito das mencionadas transferências o pagamento do preço de aquisição da Moradia, o que é sintomático tendo em conta que os formulários bancários de fls. 498 e 501 permitiam que, caso na realidade fosse aquele o objectivo destas remessas, o 2.º Réu o tivesse indicado expressamente.
     15. Como se referiu, a informação requerida visa a prova e esclarecimento de que o 2.º Réu não pagou o preço da transmissão da Moradia ao 1.° Réu com fundos próprios (quesito 7.º), por designadamente, o 2.º Réu não ter capacidade financeira, nem liquidez para tal aquisição (quesito 12.° e 15.°-C) pois, sendo o 2.° Réu um mero empregado do 1.º Réu, este actuou na referida escritura de cumpra e venda da Moradia, segundo as suas ordens e instruções ou seja, como “testa de ferro” ou agente fiduciário do 1.º Réu nesse negócio (quesito 11.° e 15.º-C).
     16. No entanto, o Tribunal a quo, à semelhança do sucedido do douto despacho de fls. 37 a 359 entendeu uma vez mais que está em causa o acesso injustificado a informações e transacções bancárias e que, além disso, o "2.º Réu já apresentou cópias do cheque e ordem de caixa,", ignorando que as alegações dos Réus e a documentação que o 2.ª Réu juntou aos autos para as suportar são totalmente contraditórias.
     17. Destarte, face à evidente opacidade do processo de aquisição da Moradia, em particular o seu pagamento, e à natureza das relações existentes entre os Réus (nomeadamente da existência de uma relação de dependência profissional ou outra do 2.° Réu em relação ao 1.° Réu, como por exemplo a actuação do 2.° Réu como um testa de ferro do 1.° Réu), situações que estes se recusam a esclarecer opondo-se encarniçadamente a todas as diligências de prova requeridas pelos Autores, afigura-se ser evidente para a boa decisão da causa, que para o processo sejam carreados todos os elementos de prova que permitam ao Tribunal a quo, no exercício do seu poder de apreciação das provas, fazer as indagações necessárias, para poder concluir ou não pela existência do referido pagamento, nomeadamente se efectuada com fundos próprios do 2.° Réu, e poder substanciar as suas presunções, no que respeita à simulação do negócio.
     18. Por essa razão, pensa-se ser legitimo questionar de que modo é que o Tribunal a quo poderá fazer tal indagação quanto ao efectivo pagamento do preço e capacidade financeira do 2.° Réu (indagando-se da origem destes fundos, a forma como os mesmos foram adquiridos e depositados na conta bancária do 2.° Réu e o respectivo circuito financeiro) se não tiver acesso à informação que os Autores solicitaram fosse fornecida pelo 2.° Réu?
     19. Ora, o que o Tribunal a quo fez no despacho em análise foi - diga-se, de forma precipitada e ingénua face à natureza e contornos do negócio em discussão – dar primazia ao principio da reserva do sigilo, para negar a pretensão dos Recorrentes, escudando-se numa interpretação, salvo o devido respeito, farisaica, das regras que regulam a distribuição do ónus da prova.
     20. Neste contexto, e como reconhece a jurisprudência do Tribunal de Segunda instância9, e a jurisprudência comparada10, o direito ao sigilo não é absoluto e deve ceder perante o Direito assegurado pelo Estado de acesso à justiça em função das particularidades do caso concreto.
     21. No caso concreto verifica-se que a quebra do sigilo bancário e a correlativa restrição do direito por este protegido, são indispensáveis à garantia do direito dos Autores a um processo equitativo no plano da prova, porquanto não se vislumbra outro modo de apurar a correspondente factualidade - prova do pagamento do preço da compra e venda da Moradia pelo 2.° Réu e respectiva capacidade financeira e liquidez - que não seja por via da prestação da informação bancária requerida pelos Autores.
     22. Como a experiência ensina, nos negócios simulados os simuladores dizem que o preço já foi pago, mas não dizem como, quando e/ou onde, omitindo qualquer explicação sobre as circunstâncias do seu pagamento. Por sua vez, uma parte declara que já recebeu o preço fingindo o pagamento de uma quantia que não dispõe e, procura esquivar-se a tais indagações, no sigilo do negócio simulatório para evitar que se investiguem os movimentos bancários e inviabilizar a investigação sobre o destino do dinheiro no património do vendedor surgindo depois as teses fantasiosas do preço compensado.
     23. O que se verifica no presente caso, atentas todas suas circunstâncias, é que a posição adoptada pelo Tribunal a quo no despacho recorrido (à semelhança do que já havia feito no despacho de fls. 357 a 359), ao negar o pedido dos Autores de ser ordenado que o 2.° Réu fornecesse as aludidas informações, vai precisamente de encontro aos intentos prosseguidos por quaisquer simuladores de um negócio jurídico, i.e. de resguardarem a aparência da veracidade do negócio no dever de sigilo.
     24. Por outro lado, como bem se pode compreender a demonstração da disponibilidade ou liquidez financeira de uma pessoa, só pode ser alcançada mediante o acesso à respectiva informação bancária, pelo que, consistindo este facto mais um dos indícios apontado pela doutrina e jurisprudência como de relevo para a prova do negócio simulado - o indício subfortuna - impõe-se também por mais esta razão o acesso à referida informação.
     25. Doutro passo, o acesso ao extracto bancário do 2.° Réu poderá também esclarecer se o 2.° Réu é ou não um empregado ou actuou como testa de ferro do 1.º Réu no negócio simulado.
     26. Tal esclarecimento poderá resultar do facto de tal extracto resultar a existência de pagamentos ou transferências financeiras entre os Réus, nomeadamente se, porventura o dinheiro que foi transferido para as entidades que constam dos formulários de fls. 370 e seguintes proveio do 1.° Réu. Porém, ainda assim o Tribunal a quo considerou tal prova desnecessária.
     27. Como já aqui ficou dito, no âmbito da prova do acordo simulatório é necessário um afastamento da realidade formal, das aparências evidenciadas e contextualizar aquilo que é visível de forma a perscrutar a realidade das coisas, pois como se sabe, no âmbito dos negócios simulados, o simulador escolhe como parceiro negocial e seu co-autor alguém de confiança, procurando, contudo, ocultar qualquer tipo de relação de dependência com o seu co-autor, em prol da aparente veracidade do negócio.
     28. Aquilo que supra se afirmou encontra pleno acolhimento na jurisprudência, desde logo o facto de a mesma considerar que o "direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra o "civilizado" art. 1.° do CPC, se privilegiasse a “justiça” privada!) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português (veja-se, designadamente o art. 519.º do CPC, quer antes, quer depois da recente reforma11”.
     29. Existindo a necessidade de verificar os movimentos bancários realizados entre as partes envolvidas em negócio alegadamente simulado – como elemento de prova idóneo a desvendar essa simulação - deve levantar-se o sigilo bancário a que a instituição financeira, à partida, estaria obrigada (art.° 417.°, n.° 4, CPC)”.12
     30. Invocando uma das partes a simulação do negócio - no caso, dois contratos, um de compra e venda e outro de arrendamento -, há que atentar na especificidade que reveste a produção de prova: na grande maioria dos casos, a prova do acordo simulatório assume particular dificuldade e resulta de um conjunto de elementos que, isoladamente considerados, têm pouco significado, mas quando conjugados uns com os outros, à luz das regras da experiência comum, ponderando a normalidade da vida quotidiana, assumem outra dimensão, apontando decisivamente nesse sentido.
     31. Nesse contexto, justifica-se a quebra do segredo de escrituração mercantil da sociedade ré (compradora e senhoria), com vista a que esta junte aos autos documentos alusivos ao valor que alegadamente pagou - correspondente ao preço devido pela aquisição do imóvel - e aos valores que alegadamente recebeu - alusivos às rendas pelo arrendamento desse mesmo imóvel."13
     32. Andou mal, pois, o despacho de fls. 459 e 460 na parte em que indeferiu o pedido pedido formulado pelos Autores no seu requerimento de 5/11/2018 de ser ordenado, ao abrigo do disposto nos artigos 6.°, n.º 3, 8.° e n.º 2 ambos do CPC, que o 2.° Réu venha apresentar prova e justificativos sobre a origem dos fundos relativos às transferências bancárias a que respeitam os documentos de fls. 373 e 374, juntando também extracto da conta bancária por si titulada junto do Banco XXXX desde a data em que teve lugar o negócio de compra e venda da Moradia até, pelo menos, 16.05.2017, data a que se reporta a realização da transferência a que alegadamente alude o referido documento de fls. 374, tendo violado não só as referidas disposições legais mas ainda o artigo 442.° e 462.° ambos do CPC, pelo que o mesmo deverá ser revogado e substituído por outro que ordene a junção da referida informação e documentação.
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    D, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 614 a 622, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O pedido que foi negado aos A.A. pelo douto despacho do Tribunal a quo a fls. 459 e 460 dos autos, o qual constitui o objecto do presente recurso, consistia em que se "ordene ao 2.º Réu que apresente prova e justificativos sobre a origem dos fundos relativos às transferências bancárias a que respeitam os documentos de fls. 373 e 374, juntando também extracto da conta bancária por si titulada junto do Banco XXXX desde a data em que teve lugar o negócio de compra e venda da Moradia até, pelo menos, 16.05.2017, data a que se reporta a realização da transferência a que alegadamente alude o referido documento de fls. 374" (cf. parte final das alegações dos A.A., a fls. 586 dos autos).
     2. Anteriormente, os A.A. pediram e também lhes foi negado, pelo douto despacho de fls.357 a 359, que "se oficiassem todas as instituições bancárias autorizadas a operar em Macau, para que, com dispensa do sigilo bancário, viessem juntar aos autos os extractos das cantas bancárias dos Réus desde o dia 06/11/2013 até à presente data, no cado do 2.º Réu, e até à data de decretamento do arresto, no caso do 1.º Réu e, bem assim, informar quaisquer fluxos financeiros a débito e a crédito entre as contas dos Réus” (cf. anteriores alegações dos A.A., a fls. 478 dos autos).
     3. Do confronto destes dois pedidos ressalta que o mais recente, ou seja, o que os A.A. querem ver atendido através do presente recurso, já está contido no primeiro, devendo-se a sua menor abrangência ao facto de os A.A. quererem agora que a informação seja apresentada pelo 2.° R., e reportada só ao período temporal em que o 2.º R. interveio nos acontecimentos relatados nos autos, ao passo que na vez anterior pretendiam que a informação fosse apresentada por todos (!) os bancos autorizados a operar em Macau e reportada a todo o período coberto por esses acontecimentos, incluindo portanto a fase das relações entre apenas o 1.° R e os AA, sem conexão com o 2.° R ..
     4. Consequentemente, na parte em que há coincidência, os AA repetem o que já tinham pedido e lhes fora negado antes.
     5. A coincidência vai, aliás, mais longe e verifica-se também nos pontos de facto que os A.A. desejam provar com as informações solicitadas: quesitos 7.°, 11.°, 12.° e 15.º-C (cf. estas últimas alegações, a fls. 575 e 583v e as alegações do anterior recurso, a fls. 478 e 487v).
     6. Muito justamente, a constatação destas coincidências levou a que o Mmo. Juiz a quo observasse, no despacho ora recorrido, que "[o]s Autores vêm requerer, mais uma vez, os extractos da conta bancária pelo 2.º Réu titulada junto do Banco XXXX desde 25/07/2016 até 16/05/2017” (fls. 459v, sublinhado nosso).
     7. Poderia opinar-se que o Mmo. Juiz a quo não abordou o primeiro segmento do pedido dos A.A., a saber, que o 2.° R. "apresente prova e justificativos sobre a origem dos fundos relativos às transferências bancárias", uma vez que isso não tinha sido solicitado no pedido anterior - e não seria assim visado na referência, no despacho ora em apreço, a que os A.A. requerem "mais uma vez" - e parece remeter para tema diferente do sigilo bancário, concretamente, o segredo da escrituração comercial.
     8. No entanto, o requerimento dos A.A. (reportamo-nos ao requerimento que foi parcialmente indeferido pelo despacho ora recorrido, enviado por telecópia para o Tribunal no dia 5 de Novembro de 2018, às 20:14h) não tem em mente outros documentos de contabilidade que não os extractos bancários que os A.A. perseguem e nunca suscita a problemática do segredo da escrituração comercial.
     9. O que os A.A. querem que seja apresentado pelo 2.° R. está incluído no que antes queriam que fosse apresentado pelos bancos e, portanto, é a mesma coisa, são os mesmos documentos, protegidos por sigilo bancário, residindo a diferença apenas em quem teria de apresentá-los: os bancos ou o 2.º R..
     10. Rapidamente se alcança a razão por que os A.A. não suscitaram a discussão do segredo mercantil e seu levantamento. Eles alegam que o 2.° R. é um mero empregado do A.A. e não é suposto que os empregados tenham escrituração comercial própria. Aliás, se, tivessem querido discutir o segredo comercial, os A.A. teriam arguido omissão de pronúncia do despacho ora recorrido, dado que este se debruça apenas sobre o sigilo bancário. Lidas as suas alegações de recurso, verifica-se que não o fizeram porque recearam que se lhes apontasse a contradição de, por um lado dizerem que o 2.° R. é um mero empregado do 1.° R. e, por outro, acharem que ele tem de colaborar com o Tribunal, exibindo documentos específicos da sua escrita mercantil...
     11. Como não podiam arriscar essa crítica, foram buscar para as suas alegacões jurisprudência que versa o segredo da escrituração mercantil e a respectiva dispensa,14 na esperança de que a Segunda Instância se impressione com a mesma, olvidando que a matéria não está em discussão.
     12. Não se iludam, porém, os A.A. porque o Tribunal está atento!
     13. É, pois, com total acerto que o Mmo. Juiz a quo exarou no despacho recorrido que, repetimos e sublinhamos, “[o]s Autores vêm requerer, mais uma vez, os extractos da conta bancária pelo 2.º Réu titulada junto do Benco XXXX desde 25/07/2016 até 16/05/2017”,
     14. e, logo, não constitui surpresa que o Mmo. Juíz a quo tenha novamente negado a pretensão dos A.A., que anteriormente queriam que fosse satisfeita pelos bancos mediante ofícios do Tribunal e agora querem que seja satisfeita directamente pelo 2.°R..
     15. Em que ficamos? Querem obter a informação por duas vias, a oficiosa e a da parte? Prescindem da via oficiosa e o seu primeiro recurso deve assim considerar-se restringido no seu âmbito? Prescindem de exigir a informação directamente do 2.° R. e deixam por conseguinte cair o presente recurso?
     16. Duma forma ou doutra, estão em causa as mesmas questões de proporcionalidade e necessidade do requerido em face dos princípios e direitos fundamentais de reserva da vida privada, segurança e confiança nas relações entre banco e cliente15 e segredo da actividade comercial, que seriam lesados pela realização da prova requerida, em face das regras de direito probatório material que carregam os A.A. com o ónus de prova.
     17. Bem andou o Mmo. Juiz a quo ao entender que lançar o pedido de informação sobre o 2.º R. não vem mudar o essencial; citamos: "Parece que, assim, já não existe a questão da dispensa do sigilo bancário. No entanto, o que está em causa é o mesmo. De acordo com o ónus de prova que incumbe às partes, tendo em conta a necessidade e proporcionalidade dos documentos requeridos, é obviamente excessivo que tem acesso a todas as informações e transacções bancárias do 2.º R. (mas não apenas àquelas que estejam relacionadas com a compra e venda da Moradia)" (cf. 459v).
     18. Reconhecendo implicitamente o excesso do requerido, os A.A. aventam que "a informação [poderia ser] prestada mediante a adopção de certas medidas de segurança para garantir a integridade e confidencialidade de dados irrelevantes para o caso, como a truncagem de determinadas informações, que poderiam ser reveladas pelo acesso a tal informação bancária" (cf. estas últimas alegações dos A.A., a fls. 577),
     19. só que não dizem como ... porque não haveria forma de fazê-lo ...
     20. De facto, deveria ser o 2.° R. a fazer a truncagem, uma vez que era ele quem tinha de apresentar os documentos? Ao invés, deveria o 2.° R. entregá-los em envelope lacrado na secretaria para que fossem levados em mão ao Senhor Juiz titular do processo, ao qual caberia fazer a operação material de truncagem, mandando a seguir chamar o 2.° R. para os receber de volta também em mão, e só depois ordenando a junção das cópias modificadas aos autos?
     21. De resto, se fossem juntos os extractos bancários, é fácil perceber o que se havia de seguir: como o dinheiro não nasce do chão e de algum lado o 2.° R. o recebeu, os A.A., verificando que uma determinada verba provinha duma qualquer conta de terceiro, logo quereriam saber quem era esse terceiro, que ligação tinha com o 2.° R. e por que razão lhe creditara tal verba,16
     22. e lá teríamos nós "expedições de pesca", segundo o judicioso retrato do Mmo. Juiz a quo que entendeu, e bem, não lhes dar cobertura (cf. fls. 358v).
     23. Exposto deste modo o excesso da pretensão dos AA, pode então aquilatar-se da sua desnecessidade.
     24. Ora, os R.R. juntaram aos autos um cheque, duas ordens de caixa e duas instruções de transferências bancárias, tendo a efectiva cobrança das ordens de caixa e a execução das transferências sido confirmadas pela competente instituição bancária. Há discrepâncias nas declarações e documentos entregues pelos R.R. e pelo banco relativamente ao preço da venda da Moradia e quando, a quem e como foi o mesmo pago. Os A.A. apontam-nas nas conclusões 10 a 14 das alegações a que aqui se responde (cf. fls. 583 e 583v) e querem vê-las esclarecidas através da prova requerida.
     25. É caso para dizer que o problema das referidas discrepâncias é dos R.R. que, se não desfizerem as dúvidas que se colocam nesse particular, não lograrão convencer o Tribunal de que o preço da transacção foi efectivamente pago pelo 2.° R ao 1.° R. e quanto e como foi pago, o que, porém, não importa que fique provado o contrário, a saber, que não houve pagamento, matéria cujo ónus de prova compete obviamente aos A.A..
     26. Até na tese dos A.A., a possibilidade de venda da Moradia, fosse ao 2.° R. fosse a outra pessoa qualquer, era um dos elementos do negócio celebrado entre a 1.ª A e o 1.º R., para tanto servindo a procuração que o 2.° A conferiu àquele e que o mesmo usou na escritura de compra e venda que outorgou com o 2.° R.. Por esse motivo, a venda em si era consentânea com o negócio entre os A.A. e o 1.° R., donde que nem os A.A. poderiam atacá-la, ainda que irregularmente realizada, como, por exemplo, se ela estivesse viciada por simulação relativa do preço, não fossem as circunstâncias especiais que os A.A. invocaram de o 2.° R. (a) estar, à data da escritura, ao corrente de que o 1.° R. iria perder o direito a dispor da Moradia, (b) ser empregado do 1.° R., actuando sob as suas ordens e instruções, (c) não ter capacidade financeira para adquirir por si a Moradia, e (d) ter actuado como mero testa de ferro do 1.º R., participando na simulação da compra e venda da Moradia.
     27. Factos instrumentais a materializar tais circunstâncias especiais? Nenhuns!
     28. E contudo os A.A. poderiam ter articulado algo a esse respeito - por exemplo, que o 2.° R. fora ouvido no dia X, no sítio Y, a dizer que o negócio que o 1.° R. tinha concretizado sobre o seu terreno em Coloane estava na eminência de ser invalidado, ou que o 2.° R. entrava regularmente às X horas e saía às Y horas de algum escritório ou da residência do 1.° R., ou que o 2.° R. se referia ao 1.º R. como "patrão" ou "chefe" no seu círculo de amigos e conhecidos, ou que desabafava com eles que se pudesse mudava de casa, mas não tinha possibilidade financeira para tanto - se tivessem realmente alguma base para sustentar a relação de subordinação, a actuação a mando do 1.° R. e a falta de recursos financeiros que invocam acerca do 2.° R. .
     29. Nada haveria de diabólico na prova de factos instrumentais do tipo dos supra enunciados a título meramente exemplificativo.
     30. Assim eles existissem ... mas não, os A.A. lançam meras atoardas e ficam à espera de que sejam investigadas, como se dizer "fulano não tem competência para o exercício do cargo" obrigasse o cidadão a fazer exames para provar que a tem, só porque a prova do facto negativo para quem o alegou seria diabólica ...
     31. Diga-se, a propósito, que o 2.° R. já juntou aos autos documentos indicativos da sua capacidade financeira e, com o seu requerimento de 12-04-16, uma certidão da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que atesta que, após a compra da Moradia, o 2.° R. solicitou àquele organismo informações sobre o imóvel.
     32. Acresce que a arguição de simulação da venda da Moradia se apoia designadamente num suposto conhecimento generalizado na sociedade de que o Governo e os Tribunais da RAEM tinham adoptado uma posição inflexível quanto à caducidade de terrenos cuja concessão atingisse o limite de duração na situação de provisória, por falta de aproveitamento; ciente disso, dizem os A.A., o 1.º R. precisava de retirar a Moradia da esfera jurídica do 2.º A. para evitar que os A.A. entretanto resolvessem o negócio que haviam com ele realizado e dessem sem efeito a procuração sobre a Moradia, tendo para tanto o 1.° R. ordenado ao 2.° R. que colaborasse consigo na concretização desse intento.
     33. Todavia, um conhecimento desta natureza, não se "generaliza" na sociedade dum dia para o outro. Pergunta-se então: se os AA só passaram a saber o que a população de Macau já sabia na véspera da escritura de venda da Moradia; e, se souberam mais cedo, de que é que o 2.° R. ficou à espera para revogar a procuração que conferira ao 1.º R., em alternativa, por que é que os A.A. não telefonaram ou escreveram ao 1.° R. a pedir-lhe que se abstivesse de usar a procuração; e por que é que o 2.° R. não tratou logo de revender a Moradia a um terceiro de boa-fé, pondo-a assim a salvo das reivindicações dos A.A.
     34. Do contraste flagrante entre as características do caso em análise e a situação abordada na única das peças de jurisprudência de que os A.A. citam nas suas alegações que lhes poderia aproveitar, decorre que assim não acontece,17 pelo que, e atento tudo o que acima se disse, se verifica a desnecessidade da prova requerida, a par do seu já denunciado excesso,
     35. e só a desorientação dos A.A. pode explicar por que insistem em pedi-la,
     36. a mesma desorientação que os impeliu a outro excesso, desta vez de linguagem, e perante o Tribunal a quo, quando afirmam que este se "escu[dou] numa interpretação, salvo o devido respeito, farisaica, das regras que regalam a distribuição do ónus da prova" (cf. fls. 575v e 584). É que "farisaico" quer dizer hipócrita ...
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    (iii) – Despacho de fls.626 e 627:
    A有限公司 e B, Recorrentes, com os sinais identificativos nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 30/04/2019 (fls. 626 e 627), veio, em 22/07/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 690 a 699, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O presente recurso vem interposto do douto despacho do Tribunal Judicial Base (TJB) de fls. 626 na parte em que aí se determinou:
     (i) que as testemunhas cuja inquirição foi requerida pelos Autores a fls. 592 verso sejam, nos termos do n.º 2 do artigo 431.° do CPC, a apresentar;
     (ii) o indeferimento do pedido de ser ordenado o envio de ofício ao Banco da XXXX, Sucursal de Macau para que, com dispensa de sigilo bancário, viesse informar, nomeadamente através do seu funcionário XXXX, qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação que esta instituição bancária solicitou à O em nome do Sr. E.
     2. Quanto à primeira das decisões acima referidas o Tribunal a quo não apresentou qualquer justificação para o facto de, ao contrário do requerido pelos Autores no seu requerimento de fls. 592, ter afastado a aplicação do regime previsto no artigo 548.º do CPC impondo aos ora Recorrentes o ónus de apresentação das testemunhas em apreço, no que se refere ao indeferimento do envio de ofício ao Banco da XXXX o despacho recorrido socorre-se dos mesmos argumentos que constituem a fundamentação dos doutos despachos de fls. 357 a 359 e 459 e 460, igualmente objecto de recurso interposto pelos Autores.
     3. As diligências probatórias requeridas pelos Autores tinham e têm fundamentalmente por finalidade a prova de que o contrato de compra e venda, sobre a moradia unifamiliar sita nos números 18 e 18-A da Estrada D. XXXXXX, descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n.º XXXXX (doravante a "Moradia"), celebrado entre o 1.° e 2.° Réus, em 25 de Julho de 2016, por escritura pública, no Cartório Privado do Notário Privado N, constituiu um negócio simulado.
     4. Mais concretamente, está em causa a matéria do artigo 15.º da base instrutória, inserida também na prova do acordo simulatório celebrado pelos Réus relativamente à venda da Moradia, no qual se pergunta se este imóvel havia sido posto no mercado imobiliário por instruções do 1.° Réu.
     5. Ora, na erigem das diligências negadas pelo Tribunal a quo está um pedido feito pelos Autores para que a O (Macau) Limitada (O) (pedido que foi deferido pelo Tribunal) viesse informar se havia sido incumbida de promover ou mediar a venda da Moradia e quais as diligências efectuadas nesse sentido, com indicação do nome do respectivo agente imobiliário.
     6. Na sequência do aludido pedido veio a O informar (vide fls. 401) que, efectivamente, conduziu uma avaliação à Moradia a qual foi solicitada em Novembro de 2017 por um indivíduo de nome E.
     7. Considerando a informação contida no supra mencionado ofício insuficiente os Autores vieram requerer que fosse ordenado à dita sociedade a prestação de esclarecimentos adicionais, o que foi deferido pelo Tribunal a quo (vide despacho de fls.512), com excepção do pedido de apresentação do relatório.
     8. A este novo pedido de informações veio a O responder nos termos que constam de fls. 520. Dessa resposta resultam os seguintes factos:
     (i) a avaliação efectuada pela O à Moradia resultou de uma recomendação nesse sentido por parte do Banco da XXXX, Sucursal de Macau;
     (ii) o destinatário final do relatório foi um individuo de nome E, residente em Hong Kong;
     (iii) o responsável pela avaliação foi um empregado da O de nome F;
     (iv) as diligências efectuadas no âmbito dessa avaliação incluíram uma visita ao imóvel, cujo acesso foi disponibilizado "pelo assistente do proprietário", não se referindo, contudo, o nome destas pessoas, assistente e proprietário.
     9. Dito isto, importa ter presente que as pessoas mencionadas pela O nos esclarecimentos que prestou ao tribunal - funcionário incumbido de realizar a avaliação e a pessoa que a terá solicitado - são totalmente desconhecidas dos Autores que apenas nesse momento foram confrontados com a sua existência e relação com a matéria que se discute na lide.
     10. Assim, salvo o devido respeito, não se afigura minimamente adequado impor aos Autores o ónus de apresentar em Tribunal pessoas que desconhecem em absoluto e cujo relação com a matéria em discussão nos autos apenas posteriori foi revelada, tanto mais que os ora Recorrentes, quer no seu requerimento 28/11/2018, quer no seu requerimento de fls. 592, requereram expressamente a sua inquirição ao abrigo do disposto no artigo 548.° do CPC e não do artigo 431.º deste diploma legal.
     11. Com esta decisão o Tribunal a quo inviabiliza, na prática, o depoimento em juízo das referidas pessoas uma vez que, como é consabido, os Autores não dispõem dos meios legais para intimar ou forçar a mencionada inquirição.
     12. Acresce que, o despacho em causa também não especifica os fundamentos de direito que justificam a imposição aos Autores do ónus de apresentação destas testemunhas, sendo completamente omisso nessa matéria.
     13. Ora, ao não justificar o porquê de impor que a inquirição das referidas pessoas se faça ao abrigo do disposto no artigo 431.° do CPC em preterição do regime que decorre do artigo 548.° do mesmo diploma legal, conforme havia sido requerido pelos Autores, o despacho recorrido padece de uma evidente nulidade, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.°, aplicável ex vi n.º 3 do artigo 569.° ambos do CPC.
     14. E não se diga, para justificação da bondade do mesmo, que se está perante um despacho de mero expediente, irrecorrível, porquanto está em causa a admissibilidade da produção de meios de prova relativamente a uma das partes, pelo que as decisões que incidam sobre tal matéria, porque interferem com os interesses e direitos das partes, pondo em causa a verdade material, admitem recurso.
     15. Por outro lado, nem sequer se percebe como pôde o Meritíssimo Juiz a quo entender que a inquirição requerida pelos Autores se reconduz a um mero aditamento do rol quando resultou claro dos requerimentos daqueles e do contexto aos mesmos subjacentes que o que está em causa é o princípio da descoberta da verdade material.
     16. Para além da violação do referido princípio afigura-se também claro aos Autores que o despacho recorrido viola o princípio do inquisitório consagrado no artigo 6.º do CPC, à luz do qual cabe ao juiz ordenar e realizar todas as diligências que se revelem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, tenham elas sido requeridas pelas partes, tenham elas partido de iniciativa sua.
     17. Tal não sucedeu, porém, no presente caso, tendo o Meritíssimo Juiz a quo optado, sem qualquer justificação ou fundamento, pela adopção de um regime que, na prática, inviabiliza a diligência requerida o que se torna ainda mais grave quando o Tribunal a quo negou também o pedido de envio de ofício à O para informar, por escrito, o nome da pessoa que disponibilizou o acesso à Moradia no âmbito do relatório de avaliação que foi efectuado por esta empresa, justificando que tal informação poderia ser prestada pelo funcionário da referida empresa mas impondo sobre os Autores o ónus de o apresentarem em juízo, algo que lhes é impossível.
     18. Acresce que, a ligeireza com que o Tribunal a quo encarou o esclarecimento desta matéria escolhendo um regime que, como se disse, impede ou torna muito difícil a descoberta da verdade não é compatível com a relevância que a mesma tem para a justa composição do litígio.
     19. E tal relevância é salientada à saciedade pelas contradições que as informações que foi possível obter da O revelam da posição assumida pelos Réus quando confrontados com a alegações dos Autores. Recorde-se, neste particular que, nos artigos 41.° e 42.° da sua contestação o 2.° Réu negou, em absoluto, ter conhecimento de qualquer avaliação à Moradia realizada pela O (ou por qualquer outra empresa de avaliação imobiliária).
     20. Nestes termos, o despacho recorrido violou os artigos 6.º, 7.º, 108.°, 442.º, e 548.° do CPC padecendo ainda de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º, aplicável ex vi n.º 3 do artigo 569.º do mesmo diploma legal.
     21. Como acima se disse, do ofício de fls. 520 resulta que a avaliação efectuada pela O à Moradia resultou de uma recomendação nesse sentido por parte do Banco da XXXX, Sucursal de Macau, o que vem confirmar a veracidade do facto alegado pelos Autores no artigo 71.° da petição inicial e que foi, depois, transposto para o artigo 15.° da base instrutória.
     22. Efectivamente, a circunstância de a avaliação da Moradia ter sido solicitada através de uma instituição bancária (in casu o Banco da XXXX, Sucursal de Macau) constitui mais um evidente indício de que, efectivamente, este imóvel foi colocado no mercado. É que, na esmagadora maioria dos casos (para não dizer em todas as situações) quando a avaliação de um imóvel é solicitada por um banco, ou através de um banco (como sucedeu com a Moradia) a mesma tem por fito servir de base à concessão de financiamento destinado à respectiva aquisição.
     23. Ora, perante a obstinada recusa dos Réus em colaborarem na descoberta da verdade, negando um facto que se veio a comprovar ser verdadeiro não entende em que medida o pedido que os Recorrentes formularam é desnecessário e desproporcional.
     24. Ora, o que o Tribunal a quo fez no despacho em análise foi, mais uma vez, dar primazia ao princípio da reserva do sigilo, para negar a pretensão dos Recorrentes, escudando-se numa interpretação, salvo o devido respeito, farisaica e absolutista das regras que regulam a rnatéria.do dever de sigilo bancário.
     25. Neste particular os Recorrentes dão aqui por reproduzidas, por uma questão de economia processual, todas as considerações que teceram nas suas alegações aos recursos interpostos dos despachos de fls. 357 a 359 e 459 e 460.
     26. Em suma, sendo francamente relevante a divulgação de informações a coberto de tal sigilo que entroncam no efectivo acesso à justiça, na expressão concreta do direito à prova e a um processo equitativo, há que sopesar em cada caso concreto o que deve prevalecer e o que deve ceder.
     27. No caso presente, dúvidas não parecem restar que a busca da verdade material tendente a dar efectividade ao acesso à realização da justiça, assente no direito à prova, afigura-se prevalente relativamente à manutenção do sigilo bancário sobre a informação pretendida, pelo que o mesmo deveria ter sido dispensado.
     28. Andou mal, pois, o despacho recorrido também na parte em que indeferiu o pedido pedido formulado pelos Autores de envio de ofício ao Banco da XXXX, tendo violado não só as disposições legais a que acima se fez menção mas ainda o artigo 442.º e 462.° ambos do CPC, pelo que o mesmo deverá ser revogado e substituído por outro que ordene a realização da diligência probatória em apreço.
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    C, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 727 a 738, tendo formulado as seguintes conclusões:
     Do RECURSO APRESENTADO PELOS AUTORES
     1. De recurso em recurso, vêm os Autores desta feita recorrer do despacho de fls. 626-627, na parte em que (i.) determinou que as testemunhas por si aditadas ao rol inicialmente apresentado, fossem "a apresentar" - cfr. artigo 432.º, n.º 2, do CPC de Macau; e, bem assim, (ii.) rejeitou o pedido adicional de notificação ao Banco da XXXX para que, com dispensa do sigilo bancário, viesse informar aos autos, «qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação que esta instituição bancária solicitou à O em nome do Sr. E.»
     2. Como é consabido, o objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - cfr. artigo 598.° e n.º 3 do artigo 589.°, ambos do CPC de Macau -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
     3. Ora, conforme se extrai das conclusões apresentadas pelos Autores, a questão decidenda reconduz-se, por conseguinte, em saber:
     (1) se o Tribunal a quo fez tábua rasa do artigo 548º do CPC de Macau ("Inquirição por iniciativa do tribunal"), fazendo outrossim uma aplicação errónea do artigo 432.° do CPC ("Rol de testemunhas") - seja se os Autores poderiam ter requerido ao Tribunal que, ao abrigo do disposto no artigo 548.º do CPC, notificasse determinadas pessoas para deporem como testemunhas; e
     (2) se o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da alínea c) do n.º 3 do artigo 442.° do CPC (nomeadamente face ao artigo 30.° (§.2.º) da Lei Básica da RAEM), que prescreve a cessação do dever de colaboração, nomeadamente de terceiros, quando esta importe violação do dever profissional, aqui se incluindo o sigilo bancário, face ao requerido pelos Autores na alínea i) do requerimento a fls. 592v ..
     4. Não é de mais relembrar, uma vez mais, que o litígio que os Autores trouxeram a tribunal versa imediatamente sobre os termos e condições do negócio sobre o Terreno e só, mediatamente, sobre a compra e venda da Moradia.
     Vejamos então.
     5. Na petição inicial alegaram os Autores, no que respeita à compra e venda da Moradia, entre outros e no que a este recurso interessa - cfr. requerimento dos Autores, concretamente o §3.º a fls. 592 -, que:
     - «O 2.° Réu nunca tomou posse da Moradia, que sempre permaneceu na disponibilidade e sob o poder do 1.° Réu, desde que os Autores e mormente o 2.° Autor lha entregaram.» (cfr. quesito 14.° / artigo 69.° da p.i.);
     - «Muito recentemente, a Moradia foi posta no mercado precisamente por instruções do 1.º Réu.» (cfr. quesito 15.º / artigo 71.º da p.i.);
     6. Como é consabido, a quem alega um facto cabe-lhe a sua-prova. Porém, do que se trata é bem mais do que uma questão processual. O que está verdadeiramente em causa é a alegação a priori de factos (concretos e instrumentais) cuja veracidade a parte está obrigada a conhecer, sob pena de dedução de pretensão cuja falta de fundamente não devia ignorar.
     7. Pos bem. Ainda que a tanto não estivessem processualmente obrigados, a verdade é que os Autores não alegaram um único facto instrumental relativamente à matéria anteriormente mencionada e carreada para a base instrutória ...
     8. Limitam-se a dizer que o 2.° Réu nunca tomou posse do imóvel e que a Moradia foi posta (à venda) no mercado por instruções do 1.° Réu.
     9. Não avançam uma justificação que seja para estes factos que alegam, o que transforma a sua alegação em meras suspeições sem fundamentação.
     10. Como dissemos anteriormente (em sede de "contra-alegações" de outro recurso ... ), algum conhecimento do que alegaram os Autores hão-de ter. Alguém ter-lhes-á dado informação. Algo ter-lhes-á chegado às mãos. E, se assim é, não se vislumbra qual a dificuldade na obtenção ou realização da prova dos factos que alegaram e, muito menos, que aleguem perante o Tribunal que os Réus obstinadamente se recusam a colaborar na descoberta da verdade, quando os Autores jamais requereram tal colaboração!
     11. A intranquilidade e desespero manifestado pelos Autores quanto à prova (por si) a realizar só se compreende depois de verem a prova carreada para os autos, nomeadamente (e no que ora interessa), de que quem requereu a avaliação do imóvel não foi nenhum dos Réus, mas sim o Banco da XXXX, a pedido de um tal E, cujo depoimento o Tribunal até já admitiu!
     12. Novamente desconfiados - suspeições, sempre suspeições – querem agora saber "qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação.”
     13. Ora, a resposta é tão simples que raia quase o absurdo vertê-la aqui: o propósito de um relatório de avaliação de um imóvel é saber qual o seu valor venal.
     14. O que os Autores pretendem é outra coisa: saber o que está subjacente ao pedido feito pelo tal E ao Banco da XXXX. Se aquele actuou por conta própria ou de terceiro. Quais os contornos, termos e condições das negociações em que o Banco da XXXX esteve envolvido.
     15. Porém, estes factos extravasam já amplamente a base instrutória e a matéria dos autos.
     16. Sucede ainda que o requerimento probatório inicialmente apresentado pelos Autores - a fls. 327 e ss. - é estéril a este propósito. Os Autores não expressaram ali qualquer intenção de arrolamento de quem mandou avaliar o imóvel; do respectivo avaliador imobiliário; de quem facilitou o acesso, ainda que desconhecessem a sua identidade. E podiam bem tê-lo então feito, requerendo as diligências necessárias para identificação das respectivas pessoas, naquelas qualidades - cfr. artigo 8.°, n.º 4, do CPC.
     17. Ora, o princípio do inquisitório, consagrado entre nós e em termos gerais, no artigo 6.° (n.º 3) do CPC («incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer») não é absoluto.
     18. Este princípio é, como refere MANUEL DE ANDRADE (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 375), o «contrapólo» do princípio dispositivo, que atribui às partes, em exclusivo, a iniciativa de introduzir o processo em juízo e a alegação dos factos essenciais que fundamentam o pedido (causa de pedir) ou em que baseiam as excepções (cfr. artigos 3.° e 5.° do CPC).
     19. Se bem compreendemos a alegação da recorrente, a invocada violação do artigo 548.º do CPC assenta no facto de o Tribunal a quo ter admitido a indicação, como testemunhas, do avaliador imobiliário (F) e de quem pediu a avaliação - ao Banco da XXXX - (E), mas não ter ordenado a sua comparência/notificação, admitindo-as antes como testemunhas a aditar ao rol e, consequentemente, a apresentar.
     20. Como é consabido, o poder/dever conferido ao Tribunal para proceder à inquirição oficiosa de determinada pessoa não oferecida como testemunha deve ser exercido sempre que, no decurso da acção, haja razões para presumir que tem conhecimento de factos cujo esclarecimento se imponha com vista ao apuramento da verdade material e à boa decisão da causa.
     21. Tal poder só deve ser exercido quando o tribunal não se considere suficientemente esclarecido acerca de factos controvertidos relevantes para a justa composição do litígio e existam elementos que permitam fazer crer que é possível ultrapassar dúvidas sobre tais factos através da audição da pessoa não indicada como testemunha, ou mediante outros meios de prova, uma vez que a previsão do artigo 6.° do CPC não se confina à prova testemunhal.
     22. Na verdade, podemos destacar outros afloramentos do princípio do inquisitório no disposto nos artigos 462.° (requisição de documentos), 477.º, n.º 1 (depoimento de parte), 513.° e 515.° (inspecção judicial), ou 552.º, n.º 1 (designação de técnico).
     23. Só faz, porém, sentido o recurso à aquisição oficiosa de meios de prova não indicados pelas partes se subsistirem duvidas no espirito do julgador quanto ao sentido decisório da matéria de facto em face da prova já produzida.
     24. Ora, do documento junto aos autos a fls. 520 resulta, sem margem para qualquer dúvida, que quem requereu directamente a avaliação do imóvel foi o Banco da XXXX e, indirectamente, o tal E. Porém, os Autores nada alegam que possa pôr em causa que o "destinatário final do relatório foi um indivíduo de nome E, residente em Hong Kong" (cfr. fls. 591). E, assim sendo, por que razão haveria o Tribunal de desconfiar e ordenar oficiosamente o depoimento do destinatário final?
     25. A conclusão a que se chega, uma vez mais, é a de que os Autores estão nesta situação quanto à matéria de prova porque nada sabem quanto ao que alegaram (porque de mera fantasia se trata!) e, por conseguinte, nada têm. Daí restar-lhes a suspeição e a temeridade da alegação. E, como diz o Tribunal a quo, "andem à pesca".
     26. Decorre do exposto que a admissão do depoimento dos senhores E e F, enquanto testemunhas a aditar ao rol apresentado pelos Autores e "a apresentar", ao abrigo do disposto no artigo 432.º do CPC, não merece reparo algum, tendo o Tribunal a quo feito uma aplicação e interpretação correctas dos artigos 548.° e 432.° do CPC, nomeadamente em face do disposto nos artigos 5.° e 6.° do CPC.
     DO PEDIDO DE REQUISIÇÃO DE "INFORMAÇÃO" PELO TRIBUNAL, COM DISPENSA DE SIGILO
     27. Recorrem ainda os Autores do despacho de fls. 626-627, no tocante ao indeferimento da notificação ao Banco da XXXX para que, com dispensa do sigilo bancário, viesse informar aos autos, «qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação que esta instituição bancária solicitou à O em nome do Sr. E.»
     28. Afigura-se-nos, uma vez mais, que razão não têm os Autores.
     29. Para além de se perderem novamente em alegações sobre a matéria de facto, a apresentar noutro momento que não este - o que já por duas vezes foi objecto de advertência e reparo por banda do Tribunal a quo -, a verdade é que no seu requerimento a fls. 590-592, não invocaram os Autores a existência de dificuldade alguma (em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 8.° do CPC), para que o Tribunal a quo pudesse justificar a realização da diligência requerida, ao abrigo dos artigos 433.°, 442.° e 462.° do CPC.
     30. Com efeito, ainda que o Tribunal possa, oficiosamente, determinar a realização de actos e ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade, importa que o faça sem perder de vista o princípio do dispositivo, mais a mais quando a lei processual requer expressamente que a parte interessada venha justificar a dificuldade, que a lei exige ter de ser séria.
     31. Acresce que, no caso dos autos, a diligência que os Autores requerem - repita-se, sem justificarem qualquer dificuldade na sua obtenção -, colide novamente e uma vez mais com a protecção de dados pessoais e com o dever de sigilo, estando ainda muito para além daquilo que se pretende provar, o que só por si deveria ter ditado mais cautelas por banda dos Autores.
     32. A questão sub judice reconduz-se novamente - e pela terceira vez! – à protecção dos dados pessoais e ao dever de sigilo profissional e bancário.
     33. Estão uma vez mais em causa as mesmas questões de proporcionalidade e necessidade do requerido em face dos princípios e direitos fundamentais de reserva da vida privada, segurança e confiança nas relações entre banco e cliente18 e segredo da actividade comercial, que seriam lesados pela realização da prova requerida, em face das regras de direito probatório material que carregam os Autores com o ónus de prova.
     34. Como é consabido, a protecção dos dados pessoais, e o dever de sigilo, é uma das manifestações do direito à reserva da vida privada, direito esse constitucionalmente garantido no artigo 30.° (§.2.º) da Lei Básica da RAEM e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 442.° do CPC, que prescreve a cessação do dever de colaboração quando esta importe intromissão na vida privada ou violação do dever profissional, aqui se incluindo o sigilo bancário.
     35. Tal dever, como vem defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, «só pode ser postergado, para além dos casos em que o próprio cliente consente na sua dispensa, quando um tribunal superior - tribunal da Relação ou STJ – decida pela sua quebra, verificada que seja a indispensabilidade da medida para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos axiologicamente mais valiosos e, em contraponto, o direito ao bom nome e à liberdade e segurança por parte dos ofendidos e o correspondente dever de colaboração com a realização da justiça, com vista ao cumprimento do dever de punir.»19
     36. Porém, a dispensa de confidencialidade desses elementos só deve ocorrer quando se mostrem indispensáveis à realização dos fins probatórios e com rigorosa observância do princípio da proibição do excesso.
     37. A seriedade da protecção legal conferida à intimidade da vida privada é de tal ordem que, salvo o consentimento do visado ou as excepções contempladas na lei, a revelação de informações tuteladas pelo sigilo importa responsabilidade criminal (cfr, artigos 189.° e ss. do Código Penal).
     38. E, ainda que esse direito não seja absoluto - pois doutra forma ameaçaria a tutela de outros interesses, como é o caso da necessidade de obtenção de provas como corolário do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva -, certo é que o seu levantamento exige ponderação e cautelas, pois as excepções contempladas na lei revelam sempre um conflito de interesses.
     39. Sucede que os Autores se limitam a suscitar meras suspeições, pois nada adiantam que faça suspeitar que o testa de ferro, agora, já não seja o 2.° Réu mas o tal E ...
     40. Note-se a este propósito que os Autores pretendem ora saber "qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação.". Não se vê em que medida tal questão responda a qualquer quesito da base instrutória.
     41. Serve o que antecede para salientar que a dispensa do dever de sigilo bancário não poderá deixar de ser feita nos termos do artigo 122.° Código de Processo Penal, o que pressupõe a ponderação do valor relativo dos interesses em confronto, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade da informação pretendida para a descoberta da verdade, em confronto com a tutela da reserva da vida privada salvaguardada pelo sigilo bancário20.
     42. Quanto à prevalência do interesse preponderante, a dicotomia no caso respeita ao interesse subjacente ao segreda bancário (e protecção de dados pessoais) versus interesse na realização da justiça.
     43. O segredo bancário corresponde não só «a um interesse geral do sistema bancário, para preservação das condições de captação de poupanças», mas também «a um interesse privado dos clientes da instituição de crédito, tendo em vista a protecção da sua vida privada»21.
     44. Ora, ainda que o interesse na realização e boa administração da justiça, atenta a sua dimensão social, deva, em princípio, prevalecer sobre o interesse do réus em não ver divulgada a informação sobre todas as suas contas e transacções bancarias, bens registados e actividade profissional prosseguida, mormente por se tratar de informação de cariz económico e relativa à sua vida privada, a ponderação dos interesses em conflito terá sempre de ser efectuada em concreto.
     45. E, por isso, há que entrar em linha de conta com a imprescindibilidade da informação pretendida.
     46. Neste âmbito, não pode deixar de curar-se estarmos no domínio dum processo civil, sujeito a ónus e regras de prova específicas, em função do pedido e da causa de pedir em causa no processo.
     47. Como com acerto se aclarou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.XII.2008, «No âmbito civil a quebra do sigilo bancário aparece-nos com características de excepcionalidade, devendo ser aferida com base na estricta necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar.»22
     48. Citando LOPES DO REGO, refere-se ali que o "juízo de ponderação deve ter, sempre e necessariamente, em conta a natureza dos interesses em causa: desde logo, trata-se de interesses privados (e não interesses públicos, como sucede necessariamente no âmbito do processo penal) que poderão, por sua vez, revestir natureza pessoal ou patrimonial - e, neste último caso, de valores muito variáveis”23,
     49. Ainda no mesmo Acórdão, cita-se MENEZES CORDEIRO para chamar a atenção de que "Parece insuficiente afirmar que a administração da justiça deve prevalecer sobre a protecção do consumidor de serviços financeiros e da confiança na banca, demasiado divulgada na jurisprudência actual"24.
     50. Caracterizando o sentido das excepções ao dever de segredo bancário, sublinha o mesmo autor que, "perante o Direito privado, o segredo só cede em face de quem tenha um direito bastante relativo ao bem que esteja - ou possa estar - na posse do banqueiro". A medida dessa cedência, porém, deve ser aferida com base na estricta necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização desses valores,25
     51. importando que se invocassem também as diligências efectuadas pelos Autores no sentido de resolver a questão por outras vias, como vem defendido no citado aresto.
     52. Ora, no presente caso, tão pouco se alega ou demonstra também a impossibilidade de obtenção dos dados em causa mediante o trilho prévio de outros caminhos.
     53. Ainda assim, veja-se que, com a informação pretendida, pretendem os Autores apurar sobre a posse da Moradia e se a mesma foi colocada à venda por instruções do 1.° Réu.
     54. Como se disse anteriormente, o litígio que os Autores trouxeram a tribunal versa imediatamente sobre os termos e condições do negócio sobre o Terreno e só mediatamente sobre a compra e venda da Moradia. Inexiste assim nos autos qualquer litígio sobre o património dos Réus que justifique a quebra do sigilo bancário.
     55. Decorre do exposto que, também quanto à requerida informação-requisição de documento pelo tribunal, não existiu qualquer errada aplicação dos artigos 433º, 442.° e 462.° do CPC, tendo o Tribunal a quo feito um julgamento insindicável e que não merece qualquer reparo.
    
*
    D, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 740 a 751, tendo formulado as seguintes conclusões:
     DO RECURSO APRESENTADO PELOS AUTORES
     1. De recurso em recurso, vêm os Autores desta feita recorrer do despacho de fls.626-627, na parte em que (i.) determinou que as testemunhas por si aditadas ao rol inicialmente apresentado, fossem "a apresentar" - cfr. artigo 432.°, n.º 2, do CPC de Macau; e, bem assim, (ii.) rejeitou o pedido adicional de notificação ao Banco da XXXX para que, com dispensa do sigilo bancário, viesse informar aos autos, «qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação que esta instituição bancária solicitou à O em nome do Sr. E.»
     2. Como é consabido, o objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não Incluídas - cfr. artigo 598.º e n.º 3 do artigo 589.°, ambos do CPC de Macau -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
     3. Ora, conforme se extrai das conclusões apresentadas pelos Autores, a questão decidenda reconduz-se, por conseguinte, em saber:
     (1) se o Tribunal a quo fez tábua rasa do artigo 548.° do CPC de Macau ("Inquirição por iniciativa do tribunal”), fazendo outrossim uma aplicação errónea do artigo 432.° do CPC ("Rol de testemunhas”) - seja se os Autores poderiam ter requerido ao Tribunal que, ao abrigo do disposto no artigo 548.° do CPC, notificasse determinadas pessoas para deporem como testemunhas; e
     (2) se o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da alínea c) do n.º 3 do artigo 442.º do CPC (nomeadamente face ao artigo 30.° (§.2.º) da Lei Básica da RAEM), que prescreve a cessação do dever de colaboração, nomeadamente de terceiros, quando esta importe violação do dever profissional, aqui se incluindo o sigilo bancário, face ao requerido pelos Autores na alínea i) do requerimento a fls. 592v ..
     4. Não é de mais relembrar, uma vez mais, que o litígio que os Autores trouxeram a tribunal versa imediatamente sobre os termos e condições do negócio sobre o Terreno e só, mediatamente, sobre a compra e venda da Moradia.
     Vejamos então.
     5. Na petição. inicial alegaram as Autores, na que respeita à compra e venda da Moradia, entre outros e na que a este recurso interessa - cfr. requerimento dos Autores, concretamente o §3.º a fls. 592 -, que:
     - «O 2.º Réu nunca tomou posse da Moradia, que sempre permaneceu na disponibilidade e sob o poder da 1.º Réu, desde que os Autores e mormente o 2.º Autor lha entregaram.» (cfr. quesito 14.º / artigo 69.º da p.i.);
     - «Muito recentemente, a Moradia foi pasta no mercado precisamente por instruções da 1.º Réu.» (cfr. quesito 15.º / artigo. 71.º da p.i.):
     6. Como é consabido, a quem alega um facto cabe-lhe a sua prova. Porém, do que se trata é bem mais da que uma questão processual. O que está verdadeiramente em causa é a alegação a priori de factos (concretos e instrumentais) cuja veracidade a parte está obrigada a conhecer, sob pena de dedução de pretensão cuja falta de fundamenta não devia ignorar.
     7. Pos bem. Ainda que a tanta não estivessem processualmente obrigados, a verdade é que os Autores não alegaram um único facto instrumental relativamente à matéria anteriormente mencionada e carreada para a base instrutória ...
     8. Limitam-se a dizer que a 2.º Réu nunca tomou passe do imóvel e que a Moradia foi posta (à venda) no mercado por instruções da 1.º Réu.
     9. Não avançam uma justificação que seja para estes factos que alegam, o que transforma a sua alegação em meras suspeições sem fundamentação.
     10. Como dissemos anteriormente (em sede de "contra-alegações" de outro recurso ... ), algum conhecimento do que alegaram as Autores hão-de ter. Alguém ter-lhes-á dada informação. Algo ter-lhes-á chegada às mãos. E, se assim é, não se vislumbra qual a dificuldade na obtenção ou realização da prova dos factos que alegaram e, muito menos, que aleguem perante o Tribunal que os Réus obstinadamente se recusam a colaborar na descoberta da verdade, quando os Autores jamais requereram tal colaboração!
     11. A intranquilidade. e desespero manifestado pelos Autores quanto à prova (por si) a realizar só se compreende depois de verem a prova carreada para os autos, nomeadamente (e no que ora interessa), de que quem requereu a avaliação do imóvel não foi nenhum dos Réus, mas sim o Banco da XXXX, a pedido de um tal E, cujo depoimento o Tribunal até já admitiu!
     12. Novamente desconfiados - suspeições, sempre suspeições - querem agora saber "qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação.”
     13. Ora, a resposta é tão simples que raia quase o absurdo vertê-la aqui: o propósito de um relatório de avaliação de um imóvel é saber qual o seu valor venal.
     14. O que os Autores pretendem é outra coisa: saber o que está subjacente ao pedido feito pelo tal E ao Banco da XXXX. Se aquele actuou por conta própria ou de terceiro. Quais os contornos, termos e condições das negociações em que o Banco da XXXX esteve envolvido.
     15. Porém, estes factos extravasam já amplamente a base instrutória e a matéria dos autos.
     16. Sucede ainda que o requerimento probatório inicialmente apresentado pelos Autores - a fls. 327 e ss. - é estéril a este propósito. Os Autores não expressaram ali qualquer intenção de arrolamento de quem mandou avaliar o imóvel; do respectivo avaliador imobiliário; de quem facilitou o acesso, ainda que desconhecessem a sua identidade. E podiam bem tê-lo então feito, requerendo as diligências necessárias para identificação das respectivas pessoas, naquelas qualidades - cfr. artigo 8.°, n.º 4, do CPC.
     17. Ora, o princípio do inquisitório, consagrado entre nós e em termos gerais, no artigo 6.° (n.° 3) do CPC («incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer») não é absoluto.
     18. Este princípio é, como refere MANUEL DE ANDRADE (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1929, pág. 375), o «contrapólo» do princípio dispositivo, que atribui às partes, em exclusivo, a iniciativa de introduzir o processo em juízo e a alegação dos factos essenciais que fundamentam o pedido (causa de pedir) ou em que baseiam as excepções (cfr. artigos 3.º e 5.º do CPC).
     19. Se bem compreendemos a alegação da recorrente, a invocada violação do artigo 548.° do CPC assenta no facto de o Tribunal a quo ter admitido a indicação, como testemunhas, do avaliador imobiliário (F) e de quem pediu a avaliação - ao Banco da XXXX - (E), mas não ter ordenado a sua comparência/notificação, admitindo-as antes como testemunhas a aditar ao rol e, consequentemente, a apresentar.
     20. Como é consabido, o poder/dever conferido ao Tribunal para proceder à inquirição oficiosa de determinada pessoa não oferecida como testemunha deve ser exercido sempre que, no decurso da acção, haja razões para presumir que tem conhecimento de factos cujo esclarecimento se imponha com vista ao apuramento da verdade material e à boa decisão da causa.
     21. Tal poder só deve ser exercido quando o tribunal não se considere suficientemente esclarecido acerca de factos controvertidos relevantes para a justa composição do litígio -e existam elementos que permitam fazer crer que é possível ultrapassar dúvidas sobre tais factos através da audição da pessoa não indicada como testemunha, ou mediante outros meios de prova, uma vez que a previsão do artigo 6.° do CPC não se confina à prova testemunhal.
     22. Na verdade, podemos destacar outros afloramentos do princípio do inquisitório no disposto nos artigos 462.° (requisição de documentos), 477.°, n.º 1 (depoimento de parte), 513.° e 515.° (inspecção judicial), ou 552.°, n.º 1 (designação de técnico).
     23. Só faz, porém, sentido o recurso à aquisição oficiosa de meios de prova não indicados pelas partes se subsistirem dúvidas no espírito do julgador quanto ao sentido decisório da matéria de facto em face da prova já produzida.
     24. Ora, do documento junto aos autos a fls. 520 resulta, sem margem para qualquer dúvida, que quem requereu directamente a avaliação do imóvel foi o Banco da XXXX e, indirectamente, o tal E. Porém, os Autores nada alegam que possa pôr em causa que o "destinatário final do relatório foi um indivíduo de nome E, residente em Hong Kong" (cfr. fls. 591). E, assim sendo, por que razão haveria o Tribunal de desconfiar e ordenar oficiosamente o depoimento do destinatário final?
     25. A conclusão a que se chega, uma vez mais, é a de que os Autores estão nesta situação quanto à matéria de prova porque nada sabem quanto ao que alegaram (porque de mera fantasia se trata!) e, por conseguinte, nada têm. Daí restar-lhes a suspeição e a temeridade da alegação. E, como diz o Tribunal a quo, "andem à pesca".
     26. Decorre do exposto que a admissão do depoimento dos senhores E e F, enquanto testemunhas a aditar ao rol apresentado pelos Autores e "a apresentar", ao abrigo do disposto no artigo 432.° do CPC, não merece reparo algum, tendo o Tribunal a quo feito uma aplicação e interpretação correctas dos artigos 548.° e 432.° do CPC, nomeadamente em face do disposto nas artigos 5.° e 6.° do CPC.
     DO PEDIDO DE REQUISIÇÃO DE "INFORMAÇÃO" PELO TRIBUNAL, COM DISPENSA DE SIGILO
     27. Recorrem ainda os Autores do despacho de fls. 626-627, no tocante ao indeferimento da notificação ao Banco da XXXX para que, com dispensa do sigilo bancário, viesse informar aos autos, «qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação que esta instituição bancária solicitou à O em nome do Sr. E.»
     28. Afigura-se-nos, uma vez mais, que razão não têm os Autores.
     29. Para além de se perderem novamente em alegações sobre a matéria de facto, a apresentar noutro momento que não este - o que já por duas vezes foi objecto de advertência e reparo por banda do Tribunal a quo -, a verdade é que no seu requerimento a fls. 590-592, não invocaram os Autores a existência de dificuldade alguma (em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 8.° do CPC), para que o Tribunal a quo pudesse justificar a realização da diligência requerida, ao abrigo dos artigos 433.°,442.° e 462.° do CPC.
     30. Com efeito, ainda que o Tribunal possa, oficiosamente, determinar a realização de actos e ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade, importa que o faça sem perder de vista o princípio do dispositivo, mais a mais quando a lei processual requer expressamente que a parte interessada venha justificar a dificuldade, que a lei exige ter de ser séria.
     31. Acresce que, no caso dos autos, a diligência que os Autores requerem – repita-se, sem justificarem qualquer dificuldade na sua obtenção -, colide novamente e uma vez mais com a protecção de dados pessoais e com o dever de sigilo, estando ainda multo para além daquilo que se pretende provar, o que só por si deveria ter ditado mais cautelas por banda dos Autores.
     32. A questão sub judice reconduz-se novamente - e pela terceira vez! - à protecção dos dados pessoais e ao dever de sigilo profissional e bancário.
     33. Estão uma vez mais em causa as mesmas questões de proporcionalidade e necessidade do requerido em face dos princípios e direitos fundamentais de reserva da vida privada, segurança e confiança nas relações entre banco e cliente26 e segredo da actividade comercial, que seriam lesados pela realização da prova requerida, em face das regras de direito probatório material que carregam os Autores com o ónus de prova.
     34. Como é consabido, a protecção dos dados pessoais, e o dever de sigilo, é uma das manifestações do direito à reserva da vida privada, direito esse constitucionalmente garantido no artigo 30.º (§.2.º) da Lei Básica da RAEM e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 442.º do CPC, que prescreve a cessação do dever de colaboração quando esta importe intromissão na vida privada ou violação do dever profissional, aqui se incluindo o sigilo bancário.
     35. Tal dever, como vem defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, «só pode ser postergado, para além dos casos em que o próprio cliente consente na sua dispensa, quando um tribunal superior - tribunal da Relação ou STJ - decida pela sua quebra, verificada que seja a indispensabilidade da medida para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos axiologicamente mais valiosos e, em contraponto, o direito ao bom nome e à liberdade e segurança por parte dos ofendidos e o correspondente dever de colaboração com a realização da justiça, com vista ao cumprimento do dever de punir.»27.
     36. Porém, a dispensa de confidencialidade desses elementos só deve ocorrer quando se mostrem indispensáveis à realização dos fins probatórios e com rigorosa observância do princípio da proibição do excesso.
     37. A seriedade da protecção legal conferida à intimidade da vida privada é de tal ordem que, salvo o consentimento do visado ou as excepções contempladas na lei, a revelação de informações tuteladas pelo sigilo importa responsabilidade criminal (cfr. artigos 189° e ss. do Código Penal).
     38. E, ainda que es.se direito não seja absoluto - pois doutra forma ameaçaria a tutela de outros interesses, como é o caso da necessidade de obtenção de provas como corolário do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva -, certo é que o seu levantamento exige ponderação e cautelas, pois as excepções contempladas na lei revelam sempre um conflito de interesses.
     39. Sucede que os Autores se limitam a suscitar meras suspeições, pois nada adiantam que faça suspeitar que o testa de ferro, agora, já não seja o 2.° Réu mas o tal E ...
     40. Note-se a este propósito que os Autores pretendem ora saber "qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação.”. Não se vê em que medida tal questão responda a qualquer quesito da base instrutória.
     41. Serve o que antecede para salientar que a dispensa do dever de sigilo bancário não poderá deixar de ser feita nos termos do artigo 122.° Código de Processo Penal, o que pressupõe a ponderação do valor relativo dos interesses em confronto, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade da informação pretendida para a descoberta da verdade, em confronto com a tutela da reserva da vida privada salvaguardada pelo sigilo bancário28.
     42. Quanto à prevalência do interesse preponderante, a dicotomia no caso respeita ao interesse subjacente ao segredo bancário (e protecção de dados pessoais) versus interesse na realização da justiça.
     43. O segredo bancário corresponde não só «a um interesse geral do sistema bancário, para preservação das condições de captação de poupanças», mas também «a um interesse privado dos clientes da instituição de crédito, tendo em vista a protecção da sua vida privada»29.
     44. Ora, ainda que o interesse na realização e boa administração da justiça, atenta a sua dimensão social, deva, em princípio, prevalecer sobre o interesse do réus em não ver divulgada a informação sobre todas as suas contas e transacções bancárias, bens registados e actividade profissional prosseguida, mormente por se tratar de informação de cariz económico e relativa à sua vida privada, a ponderação dos interesses em conflito terá sempre de ser efectuada em concreto.
     45. E, por isso, há que entrar em linha de conta com a imprescindibilidade da informação pretendida.
     46. Neste âmbito, não pode deixar de curar-se estarmos no domínio dum processo civil, sujeito a ónus e regras de prova específicas, em função do pedido e da causa de pedir em causa no processo.
     47. Como com acerto se aclarou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.XII.2008, «No âmbito civil a quebra do sigilo bancário aparece-nos com características de excepcionalidade, devendo ser aferida com base na estricta necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar.»30
     48. Citando LOPES DO REGO, refere-se ali que o "juízo de ponderação deve ter, sempre e necessariamente, em conta a natureza dos interesses em causa: desde logo, trata-se de interesses privados (e não interesses públicos, como sucede necessariamente no âmbito do processo penal) que poderão, por sua vez, revestir natureza pessoal ou patrimonial – e, neste último caso, de valores muito variáveis”31.
     49. Ainda no mesmo Acórdão, cita-se MENEZES CORDEIRO para chamar a atenção de que "Parece insuficiente afirmar que a administração da justiça deve prevalecer sobre a protecção do consumidor de serviços financeiros e da confiança na banca, demasiado divulgada na jurisprudência actual"32.
     50. Caracterizando o sentido das excepções ao dever de segredo bancário, sublinha o mesmo autor que, "perante o Direito privado, o segredo só cede em face de quem tenha um direito bastante relativo ao bem que esteja - ou possa estar - na posse do banqueiro". A medida dessa cedência, porém, deve ser aferida com base na estricta necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização desses valores,33
     51. importando que se invocassem também as diligências efectuadas pelos Autores no sentido de resolver a questão por outras vias, como vem defendido no citado aresto.
     52. Ora, no presente caso, tão pouco se alega ou demonstra também a impossibilidade de obtenção dos dados em causa mediante o trilho prévio de outros caminhos.
     53. Ainda assim, veja-se que, com a informação pretendida, pretendem os Autores apurar sobre a posse da Moradia e se a mesma foi colocada à venda por instruções do 1.° Réu.
     54. Como se disse anteriormente, o litígio que os Autores trouxeram a tribunal versa imediatamente sobre os termos e condições do negócio sobre o Terreno e só mediatamente sobre a compra e venda da Moradia. Inexiste assim nos autos qualquer litígio sobre o património dos Réus que justifique a quebra do sigilo bancário.
     55. Decorre do exposto que, também quanto à requerida informação-requisição de documento pelo tribunal, não existiu qualquer errada aplicação dos artigos 433.°, 442.º e 462.º do CPC, tendo o Tribunal a quo feito um julgamento insindicável e que não merece qualquer reparo.
*
    B – Recurso da decisão final:
    i)– Alegacões dos A有限公司 e B
    A有限公司 e B, Recorrentes, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 29/04/2020, veio, em 06/07/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1094 a 1204, tendo formulado as seguintes conclusões :
O OBJECTO DO RECURSO
1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida a fls. 972 a 991v, na parte em que a mesma se decidiu pela absolvição dos Réus dos pedidos formulados em i), ii), iii) e iv) em sede de petição inicial (e que correspondem os pedidos formulados sob as alíneas i) a v) das alegações de direito dos Autores) e o acórdão proferido sobre a matéria de facto, nomeadamente as respostas dadas pelo Tribunal Colectivo aos artigos 3.°, 4.°, 5.° e 6.° da base instrutória.
DO RECURSO DA SENTENÇA
2. Não restam dúvidas de que Autores e 1.° Réu entabularam negociações tendo por objecto o Terreno e de quem resultado dessas negociações foi celebrado um acordo entre estas partes.
3. A demonstrá-lo está a resposta ao quesito 2.° do qual resultou provado que, no ano de 2013 o 1.° Réu e os Autores entabularam negociações com vista à aquisição por parte destes do Terreno de que aquele era titular, sendo que das alíneas I), J), K), L), M), N), O) e P), dos factos assentes resultou provado que, como resultado dessas negociações, os Autores entregaram ao 1.° Réu os valores aí referidos, que este recebeu tendo declarado respeitarem ao preço de compra do Terreno. Importa agora apurar que negócio foi esse.
4. Ora, o Terreno estava sujeito ao regime da concessão por arrendamento o que significa que o mesmo não era propriedade do 1.° Réu que, como titular da respectiva concessão, era somente o seu concessionário, o que significa que o objecto imediato do negócio que Autores e 1.° Réu celebraram não foi o Terreno propriamente dito, mas sim as situações decorrentes da respectiva concessão que eram tituladas pelo 1.° Réu, como concessionário do mesmo.
5. Por conseguinte, o que estava em causa era a transmissão para a 1.ª Autora da contratual que o 1.° Réu tinha no contrato de concessão por arrendamento do Terreno, ou seja, a cessão da posição contratual do 1.° Reu a favor da 1.ª Autora.
6. Destarte, importa ter presente qual o regime legal e contratual subjacente a esta transmissão/cessão, recordando que à data em que as partes celebraram o acordo em apreço a concessão por arrendamento do Terreno permanecia provisória, isto é ainda não se havia convertido em definitiva, pelo facto de o respectivo aproveitamento se encontrar por realizar.
7. Ora, a transmissão por parte do concessionário a terceiro de situações resultantes da referida concessão estava, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 143.° da Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho Lei de Terras (LT de 1980) em vigor à data da celebração do negócio entre Autores e 1.° Réu, dependente de autorização prévia da entidade competente para o deferimento da concessão, ou seja, o Chefe do Executivo do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (e antes da criação desta, do Governador do então Território de Macau).
8. O mesmo mecanismo - necessidade de autorização prévia por parte da entidade concedente nas transmissões de direitos resultantes de concessão por arrendamento ainda não definitiva - encontra-se também previsto no diploma actualmente em vigor – Lei n.º 10/2013 Lei de Terras (LT 2013) – cujo artigo 145.º, n.º 1 estipula que a "substituição de parte no procedimento e transmissão de situações resultantes da concessão dependem de prévia autorização do Chefe do executivo sem prejuízo do disposto nos artigos 146.º e 147.º” que, para o caso em apreço, não relevam.
9. In casu, também o próprio contrato de concessão por arrendamento do Terreno estipulava que, enquanto este não estivesse integralmente aproveitado, a transmissão das situações decorrentes da concessão dependia de prévia autorização do sujeito passivo (ao tempo o Território de Macau), e sujeitaria a transmissão à revisão das condições do contrato, sujeitando igualmente a transmissão dos pisos destinados a uso exclusivo da actividade industrial durante o período de 10 anos a contar da emissão da licença de utilização, com a consequente revisão das condições contratuais da concessão, a igual procedimento (vide alíneas G) e H) dos factos assentes).
10. Sem prejuízo das potenciais consequências contratuais, a lei cominava e comina a transmissão ilícita, ou seja sem a dita autorização prévia, com a respectiva nulidade, pelo que nessas situações e do ponto de vista da situação concessória nada se alterava: o concessionário continua a ser o mesmo; o transmissário continua a ser um estranho à relação concessória, sem quaisquer direitos ou obrigações.
11. E do ponto de vista das partes no negócio ilícito, o mesmo, porque nulo, também nenhuns efeitos produz, determinando a restituição de tudo o que possa ter sido prestado (art.º 282.º, n.º 1 do Código Civil),
12. Em suma, a autorização prévia por parte do Chefe do Executivo para a transmissão das situações resultantes de concessão provisória da posição do 1.° Réu no contrato de concessão por arrendamento do Terreno a favor da 1.ª Autora constituía uma condição de validade para essa transmissão, o que vale por dizer que a mesma seria um elemento interno fundamental de qualquer negócio que tivesse por objecto a transmissão das situações decorrentes da respectiva concessão.
13. Da imposição prevista no artigo 143.° da LT resulta, então, a conclusão óbvia de que a transmissão da posição contratual do concessionário em contrato de concessão por arrendamento provisória corresponde a uma convenção trilateral, isto é, que envolve três partes: o concessionário, o potencial transmissário, que com aquele acordou essa cessão/transmissão e o Chefe do Executivo, entidade concedente e a quem compete autorizar (ou não) a transmissão, etapa final do processo e sem a qual este não poderá concretizar-se ou produzir efeitos.
14. Por outro lado, a referida imposição legal evidencia também a natureza complexa da transmissão das situações decorrentes de concessão por arrendamento provisória que não se esgota num único acto e que, ao invés, obedece a um procedimento com várias etapas em que a autorização por parte da entidade concedente - o Chefe do Executivo - como condição de validade e eficácia da transmissão almejada, ou seja, como um elemento interno essencial da mesma, sem qual tal cessão jamais se poderá concretizar, representa o culminar do processo.
15. Tal natureza complexa revela-se desde logo no facto de tal processo implicar um acordo prévio entre o concessionário e potencial transmissário que sirva de base ou sustentação ao pedido de autorização para a transmissão das situações decorrentes da concessão a formular junto do Chefe do Executivo.
16. Este processo complexo de transmissão das situações decorrentes da concessão por arrendamento, não se desencadeia sem um momento negocial prévio que se situa na esfera jurídica dos potenciais interessados. O transmissário não pode iniciar o processo em questão com a solicitação ao Chefe do Executivo da autorização para a cessão a seu favor da posição contratual do concessionário por arrendamento. Nem tão-pouco o Chefe do Executivo apreciaria uma tal solicitação, sem a intervenção prévia do concessionário.
17. O pedido de autorização para a transmissão das situações decorrentes da concessão por arrendamento efectuado pelo transmissário, sem qualquer suporte negocial prévio com o titular da posição transmitenda, seria ilegítimo. E, por isso, insusceptível de apreciação e indeferível liminarmente.
18. É, com efeito, é inconcebível que sem a existência de um tal acordo prévio entre concessionário e potencial transmissário - em que são acordados termos e condições da cessão, nomeadamente o preço – seja dirigido ao Chefe do Executivo qualquer pedido de autorização para a transmissão das situações decorrentes da concessão. Esse pedido surge num momento posterior, sendo, naturalmente, consequência de um acordo que concessionário e eventual futuro transmissário celebraram anteriormente.
19. O referido acordo prévio entre concessionário e potencial transmissário tem assim um carácter preliminar, uma vez que sem a referida autorização governamental o negócio de transmissão jamais se poderá concretizar.
20. Porquanto tendo de existir, sob pena, como se disse, de não existir qualquer fundamento para apoiar a pretensão do transmissário à obtenção da competente autorização do Chefe do Executivo, por si só não basta para consumar a cessão de posição contratual. Já que a mesma, enquanto negócio trilateral, está intrinsecamente dependente da autorização do Chefe do Executivo. Apenas com esta se consuma o processo complexo de transmissão tido em vista pelas partes.
21. Como tal, quaisquer efeitos deste acordo prévio são sempre provisórios, meramente prodrómicos, como é típico da formação progressiva de situações contratuais complexas, não se produzindo, nem vindo a verificar caso o dito consentimento não venha a ser obtido, independentemente de ter sido solicitado ou não ou se a respectiva concretização se revele impossível por qualquer outro motivo, nomeadamente a declaração de caducidade da concessão por arrendamento cuja posição de concessionário se visa ceder.
22. Por outro lado, este acordo preparatório para a transmissão, com natureza provisória e que assim permanecerá até a transmissão ser autorizada pelo Chefe do Executivo, não é, obviamente nulo, produzindo os respectivos efeitos entre as partes.
23. A circunstância de a referida autorização por parte do Chefe do Executivo não vir a ser concedida acentua o carácter provisório e preliminar do acordo entre concessionário transmitente e potencial transmissário e que constitui sempre o primeiro passo do complexo processo tendente a essa transmissão.
24. Destarte, caso esse consentimento seja recusado o acordo preliminar subjacente ao mesmo não chega, nem pode, produzir quaisquer efeitos, caducando inelutavelmente, isto é, se o cedido não der o seu consentimento, o contrato trilateral em formação, que é a cessão da posição contratual, não se perfecciona, não chega pois a nascer, e como tal não produz quaisquer efeitos.
25. Consequentemente, tudo o que, eventualmente, tenha sido prestado em virtude de tal acordo provisório e preliminar entre concessionário original e potencial transmissário, tem de ser restituído.
26. O mesmo sucede se, por qualquer motivo, nomeadamente por força da declaração de caducidade da concessão por arrendamento, a posição contratual do concessionário se venha a extinguir.
27. Também nesse cenário, independentemente de já ter sido requerida ou não a mencionada autorização, o acordo preliminar e prévio entre concessionário e potencial transmissário visando essa transmissão não poderá ter outro destino que não o da respectiva caducidade, com a consequência acima assinalada do concessionário estar obrigado a devolver ao potencial transmissário tudo o que dele tenha recebido em virtude ou com base nesse acordo prévio.
28. Doutro passo, importa notar que a LT não fixa qualquer prazo para que seja obtido por parte do concessionário original e do potencial transmissário a autorização para a transmissão da posição contratual daquele no contrato de concessão, o que significa que o timing para a formalização do pedido relativo ao mencionado consentimento é algo que, naturalmente, ficará ao critério das partes.
29. Nos autos nada se alegou, ou se provou a este respeito, sendo certo que o acordo celebrado entre Autores e 1.º Réu não foi comunicado ao Chefe do Executivo, nem o referido consentimento foi solicitado.
30. Todavia, tal circunstância em nada abala aquilo que supra se afirmou e que vale na íntegra para a situação em que as partes - concessionário transmitente/cedente e potencial transmissário/cessionário - não chegam a solicitar ao Chefe do Executivo a autorização para a transmissão das situações decorrentes da concessão.
31. Com efeito, enquanto as partes não requererem o dito consentimento, a cessão da posição contratual que a transmissão das situações decorrentes da concessão visa operar não está concretizada e, como tal, não se operará qualquer modificação na ordem contratual pré-existente, isto é, ao acordo preliminar obrigatoriamente celebrado entre o concessionário transmitente/cedente e potencial transmissário/cessionário.
32. Acresce que se, por qualquer motivo tal consentimento por parte do Chefe do Executivo se venha a tornar impossível, nomeadamente em virtude da declaração de caducidade da concessão, a consequência é também a da impossibilidade da concretização da transmissão da posição contratual do concessionário a favor do potencial transmissário, a situação que sucedeu nos presentes autos.
33. Dito isto e passando à análise da situação sub judice aquilo que importa perguntar, perante a matéria de facto que resultou assente da discussão da causa e mormente a prestação que os Autores efectuaram a favor do 1.° Réu, é qual a causa que justificou a entrega dos referidos fundos ao 1.º Réu?
34. É consabido que a posição que Autores e 1.° Réu adoptaram quanto à natureza do referido acordo é distinta: enquanto para os Autores o referido acordo consistiu num contrato-promessa do Terreno, isto é, da posição contratual que o 1.º Réu tinha enquanto concessionário deste imóvel, para este tal acordo consistiu numa transmissão definitiva.
35. Por conseguinte, não se pode dizer que as partes não concordem em que entre elas foi celebrado um acordo, embora possam divergir quanto à natureza desse acordo ou ao respectivo conteúdo. Que não obstante, e atento que se tratava da negociação das situações resultantes da concessão por arrendamento provisória, consistiu no acordo sobre a cessão da posição contratual do 1.° Réu para a 1.ª Autora, que juridicamente apenas podia espoletar efeitos prodrómicos.
36. E do mesmo passo, atenta a discussão da matéria de facto, um tal acordo foi tido por existente pelo tribunal pois, pese embora não tenha aderido a nenhuma das teses das partes, não parece questionar a existência de um acordo entre as partes.
37. Aqui chegados importa referir que, as instâncias não estão limitadas em matéria de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito àquilo que as partes alegam.
38. Assim, a circunstância de nos respectivos articulados as partes terem configurado o contrato que celebraram em relação ao Terreno, como uma promessa de alienação do mesmo ou uma alienação definitiva do mencionado imóvel (isto é, da posição contratual do 1.º Réu, como titular dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do Terreno) não impede as instâncias de atribuírem a este acorde uma distinta natureza jurídica.
39. Ora, atentos os factos provados, tendo o Tribunal a quo considerado como não provada a existência de uma promessa ou de uma alienação definitiva tendo por objecto os referidos direitos, afigura-se aos Autores que a resposta à questão acima colocada - ou seja, que tipo de acordo foi celebrado entre as partes que justificou a entrega ao 1.º Réu dos fundos e activos mencionados nas alíneas L), N) e P) dos factos assentes - é que o mesmo consistiu num acordo preliminar que visava a futura aquisição dos direitos decorrentes da concessão do Terreno por banda da 1.ª Autora, o qual não constituiu qualquer negócio simulado.
40. Eectivamente, o acordo em apreço era um acordo preparatório da cessão de posição contratual do 1.º Réu a favor da 1.ª Autora destinado a servir de base ao pedido de autorização ao Chefe do Executivo, que permitiria consumar a operação negocial complexa, e celebrar o contrato definitivo, titulado através do competente despacho do Chefe do Executivo.
41. É que, se, em princípio, não pode falar-se de contrato-promessa, nem por isso deixa de se poder e dever falar da irrecusável existência de um acordo preliminar, que sustenta o compromisso firme de as partes, cedente e cessionário, o apresentarem ao terceiro contratante, o cedido, e de se absterem de qualquer acto que possa frustrar a obtenção daquele consentimento. Este acordo preparatório ou preliminar, e que alguns consideram ter a natureza de proposta conjunta irrevogável de cessão de posição contratual, tem de existir, sob pena de o pedido de consentimento ao cedido não ter objecto. Se um tal acordo não existir falta o quid sobre o qual deve incidir a autorização solicitada.
42. O referido quadro factual demonstra, então, a consciência dos Autores e do 1.° Réu da impossibilidade de celebrarem um acordo definitivo sobre a transmissão das situações decorrentes da concessão do Terreno, uma vez que tal acordo seria inválido ou, por outras palavras, da-noção que todos tinham da provisoriedade do acordo que celebraram por o mesmo estar sujeito à necessidade de se obter uma autorização governamental para que se pudesse materializar e converter em definitivo.
43. Todos sabiam, portanto, da natureza não definitiva da entrega dos fundos a favor do 1.° Réu, razão pela qual este constituiu a favor da 1.ª Autora as garantias que constituiu e se confessou devedor perante a mesma de um valor precisamente idêntico ao montante por si recebido como contraprestação do negócio, o que prova que este mútuo não visou encobrir o negócio sobre o Terreno mas somente dotá-lo das necessárias garantias.
44. Consequentemente, uma vez declarada a caducidade da concessão por arrendamento do Terreno, a autorização à transmissão das situações decorrentes da respectiva concessão pelo 1.° Réu a favor da 1.ª Autora tornou-se supervenientemente impossível, implicando, naturalmente, a caducidade do acordo preparatório entre as partes visando tal desiderato que, assim, não produziu quaisquer efeitos.
45. Na situação sub judice, a título de preço do negócio definitivo de cessão de posição contratual, a 1.ª Autora entregou ao 1.° Réu a quantia de HKD360.000.000,00 (trezentas e sessenta milhões de dólares de Hong Kong), através de um cheque sacado pelo 2.° Autor sobre uma conta sua no Banco Nacional Ultramarino, em Macau, no montante de HKD$220.000.000,00 (duzentos e vinte milhões de dólares de Hong Kong) e da entrega da Moradia, a que as partes atribuíram o valor de HKD$140.000.000,00 (cento e quarenta milhões de dólares de Hong Kong).
46. Ora, não se tendo, como se viu, consumado o negócio definitivo de cessão da posição contratual do 1.° Réu a favor da 1.ª Autora, e tendo por consequência caducado o acordo preparatório, que sustentou esta movimentação de fundos da esfera patrimonial dos Autores para a esfera patrimonial do 1.° Réu, esta transferência de verbas fica sem causa (condictio ob causam finita), devendo as mesmas serem restituídas aos Autores, ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa (art.º 467.°, n.º 2, in fine do Código Civil).
47. Era essa a conclusão a que o Tribunal a quo deveria ter chegado em face da matéria de facto dada por assente. Não o tendo feito fez uma incorrecta interpretação da matéria de facto e uma errada aplicação do direito, violando os artigos 143.° da LT, 145.° da Lei, artigos 467.°, 779.° e 784.° do CC e aplicando erradamente os artigos 232.° e 233.° deste diploma legal.
48. E é essa a conclusão que os Autores estão certos este Venerando Tribunal chegará, dando como provado ou decidindo que entre aqueles e o 1.° Réu foi celebrado um acordo preliminar tendo em vista a aquisição por parte da 1.ª Autora ou a cessão a seu favor dos direitos resultantes da concessão do Terreno e que se encontravam na esfera jurídica do 1.° Réu.
49. Que foi esse acordo que constituiu a causa e esteve na base dos valores recebidos pelo 1.º Réu e que não tendo produzido quaisquer efeitos por ter caducado, ficando a entrega daqueles valores em causa, os mesmos têm de ser devolvidos à 1.ª Autora, ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa ou, caso assim não se entenda, ao abrigo do disposto no artigo 779º e 784º do CC.
50. O objecto dessa restituição deverá ser pois a quantia em numerário -HKD$220.000.000,00 (duzentos e vinte milhões de dólares de Hong Kong) - entregue ao 1.° Réu e no caso de vir a ser anulada a sentença na parte em que decretou a nulidade da compra e venda da Moradia, com o consequente regresso desta à esfera patrimonial do 2.° Autor, hipótese que apenas por dever de patrocínio se admite, o montante em que as partes avaliaram tal imóvel para efeitos deste negócio, ou seja, HKD$140.000.000,00 (cento e quarenta milhões de dólares de Hong Kong).
51. Como acima se referiu não foi esse o entendimento do Tribunal a quo que, ao invés, considerou que o negócio de mútuo com hipoteca a que se referem as alíneas Q) e R) dos factos assentes foi simulado, ou seja que correspondeu a um pacto simulatório acordado entre Autores e 1.° Réu destinado a enganar a RAEM, tendo como propósito esconder uma transmissão da concessão do Terreno a favor da 1.ª Autora sem autorização prévia do Chefe do Executivo.
52. Isto é, para a sentença recorrida o negócio dissimulado era a transmissão do terreno "transaccionando-se um terreno cuja transacção não é naqueles termos possível, visando enganar as autoridades."34.
53. Com efeito, aquilo que o Meritíssimo Juiz a quo conclui na fundamentação da sentença é que, a fim de se furtarem à autorização da entidade concedente, Autores e 1.° Réu optaram pela realização de um outro negócio, o negócio de mútuo com hipoteca, que é simulado, constituindo o negócio dissimulado uma transmissão definitiva da concessão: foi essa, pois, a perspectiva do negócio que Autores e 1.º Réu celebraram em relação ao Terreno que a sentença recorrida adoptou.
54. Ora, caso este Venerando Tribunal não venha a dar por verificado o acordo preliminar acima referido, ou caso não venha a atender ao pedido de modificação das respostas aos artigos 3.° a 6.° da base instrutória, então outra solução não resta concluir de que, efectivamente, a perspectiva adoptada pela sentença recorrida relativamente ao negócio que Autores e 1.° Réu celebraram em relação ao Terreno se afigura correcta: isto é, de que o negócio de mútuo com hipoteca foi simulado, correspondendo a um acordo simulatório entre Autores e 1.° Réu, com vista a enganar a RAEM, escondendo a transmissão da concessão do Terreno a favor da 1.ª Autora em violação da LT, porque feita sem autorização prévia do Chefe do Executivo.
55. À cautela e subsidiriamente, os Autores aceitam essa perspectiva, admitindo a dita simulação, aliás já confessada e admitida sem reservas pelo 1.° Réu na sua contestação (artigos 30.° a 32.°) caso, como se disse, esta instância não venha a sufragar a existência do aludido acordo preparatório ou a atender ao pedido de modificação da resposta dadas aos quesitos 3.° a 6.°.
56. Relativamente ao complexo esquema contratual adoptado, o 1.° R. alegou que o mútuo não existiu, pois que o valor respectivo era o correspondente ao valor de transacção do "terreno": dinheiro mais a moradia, sendo este mútuo e a hipoteca simulados (art.ºs 30 e 31.° da contestação do 1.° R.). E que a procuração visava, justamente, transferir para a 1.ª A. os direitos do 1.° R. sobre o terreno concessionado (artº 16° e 19.° a 21º da contestação do 1.º R.).
57. A 1.ª A., por seu lado, defendeu que o mútuo visava permitir recuperar os fundos entregues ao 1.° R.35, a título do preço pela transmissão dos direitos deste como concessionário do terreno em questão36, caso o 1.° R. incumprisse o contrato-promessa que invocaram. Por isso, o tribunal a quo37 entendeu que o que os AA. arguiram é que o mútuo era simulado, que "a 1.ª Autora nunca quis emprestar dinheiro ao 1.° Réu", mas tão-só "pagar-lhe o preço devido pela compra e venda do terreno", rectius da posição contratual do 1.° R. no contrato de concessão por arrendamento relativo ao terreno.
58. Perante a objecção dos AA. da inexistência de terceiros enganados, o tribunal a quo replicou que o enganado era o Governo38. A ser assim, completava-se o círculo: as partes tendo querido negociar a cessão da posição contratual do 1.º R. para a 1.ª A., em vez de comunicarem o seu entendimento ao Chefe do Executivo, e solicitarem-lhe a respectiva autorização, teriam optado por mascarar o seu negócio, sob a capa de um mútuo com hipoteca, coadjuvado de uma procuração e de uma livrança em branco.
59. Teriam pretendido, então, simular este bouquet negocial, para se furtarem à necessidade de comunicação e autorização prévia do Chefe do Executivo. Assim o entendeu tribunal a quo quando, em resposta à objecção dos AA. da inexistência de terceiros enganados, disse que o enganado era a RAEM.
60. A perspectiva de que todo o esquema negocial posto pelas partes representou uma encenação foi a que o tribunal a quo considerou verificada39.”.
61. Sendo assim, tais negócios, o mútuo e a constituição da hipoteca, porque simulados são nulos, e o dissimulado, cessão de posição de concessionário por arrendamento provisório, nulo e de nenhum efeito, para usarmos uma vez mais as palavras da lei, porque não foi autorizado previamente pelo Chefe do Executivo, como determinava o n.º 2 do art.º 143.° da Lei de Terras de 1980, primeiro, e determina agora o n° 2 do art.º 145.° da actual Lei de Terras.
62. Ora, mantendo-se a tese adoptada pela sentença recorrida segundo a qual o negócio celebrado entre Autores e 1.° Réu foi uma transmissão ilícita dos direitos resultantes da concessão e que, por isso, é nula e de nenhum efeito, outra solução não poderá haver do que condenar o 1.° Réu a restituir aos Autores tudo aquilo que deles recebeu, isto é, os HKD$220.000.000,00 recebidos em numerário, acrescidos da Moradia, ou caso tal devolução em espécie não seja possível (quer por força de uma eventual reversão da decisão que decretou a simulação do negócio que os Réus fizeram em relalão a este imóvel, quer por força de qualquer outro motivo), o montante pelo qual Autores e 1.° Réu a avaliaram aquando da celebração do acordo sobre o Terreno, isto sob pena de uma violação dos artidos 143.° da LT de 1980 (actual artigo 145.°) e do artigo 282.° do CC.
63. Acresce que, concluindo-se que o negócio de mútuo com hipoteca constituiu um negócio simulado que, como se afirmou, pretendeu ocultar um outro negócio, a compra e venda do Terreno que seria assim o negócio dissimulado, o que os Autores admitem à cautela, a verdade é que jamais em caso algum o Tribunal a quo poderia ter-se escudado no facto de a dita simulação não ter sido invocada pelas partes para se recusar a apreciar e conhecer da validade do negócio dissimulado, uma vez que a nulidade decorrente dessa simulação era e é do conhecimento oficioso.
64. Ele facto, ao ter concluído, como o fez, pelo preenchimento dos pressupostos da simulação no que concerne ao negócio de mútuo com hipoteca, impendia sobre o Tribunal a quo o dever de oficiosamente declarar a respectiva nulidade.
65. Tal é o que resulta, desde logo, do disposto na lei. Com efeito, o negócio simulado é sancionado pela lei com a respectiva nulidade: vide n.º 2 do artigo 236.º do CC.
66. Ora, sendo o negócio simulado nulo o preceituado no artigo 279.° do CC, onde se dispõe que a nulidade pode ser invocada a todo o tempo e é do conhecimento oficioso, aplica-se-lhe integralmente e sem excepção.
67. O entendimento supra exposto é reforçado e resulta também claro do disposto no artigo 234.° do CC que trata da legitimidade para arguir a simulação e onde se preceitua que, sem prejuízo do disposto no artigo 279.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.
68. É esse, obviamente, o significado da expressão "sem prejuízo" constante do artigo 234.º, n.º 1 do CC, ou seja, de que a circunstância de a nulidade do negócio simulado poder ser invocada a todo o tempo e poder ser declarada oficiosamente não é afastada e mantém-se pese embora os simuladores não a tenham arguido.
69. As decisões jurisprudenciais afinam pelo mesmo diapasão. Veja-se, por todo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/02/2008 que diz que "Uma vez provada a factualidade relevante da simulação o Tribunal não poderia abster-se de declarar a cominação para tal vício, ou seja, a nulidade do negócio. Com efeito sendo o negócio simulado nulo (art.° 240 n.° 2 do CC) e sendo tal nulidade do conhecimento oficioso (art. 286º do CC) o Tribunal tem o dever de declarar a nulidade do negócio em causa.".
70. Conforme se infere da decisão acima citada, mesmo não tendo sido deduzido qualquer pedido nesse sentido, quer a título principal, quer a título subsidiário, mas tendo o tribunal concluído pelo preenchimento dos pressupostos da simulação relativamente a determinado negócio, o tribunal tem o dever de declarar a nulidade do mesmo.
71. Foi precisamente isso o que sucedeu na presente acção, na qual a sentença recorrida concluiu que "dúvidas não existem de que aquilo que as partes queriam era comprar e vender o terreno" e que "o tribunal tem elementos suficientes para concluir" que "o negócio realizado foi o mútuo", "Pelo que, o mútuo seria o negócio simulado" e que "As partes queriam comprar e vender o terreno e na impossibilidade legal de o fazerem fizeram um mútuo com hipoteca", "O terceiro enganado ou que se queria enganar é a RAEM. E os elementos da simulação estavam todos na p.i. nos artigos 10° a 32°, só não se lhe chama simulação, sendo certo que quanto à integração e qualificação de direito o tribunal não está dependente da alegação das partes.".
72. E se assim é, se "o facto das partes não invocarem a simulação não impede o tribunal de caracterizar os factos como tal. Aquilo que se invoca dos artigos 10º a 32° da p.i. é a simulação do mútuo com todos os seus elementos.", simulação essa que, aliás, o 1.° Réu expressamente confessa nos artigos 30.° a 35.º da sua contestação, o Tribunal a quo não podia, em circunstância alguma, eximir-se a declarar a nulidade do negócio em causa.
73. Trata-se de uma omissão tão ou mais inexplicável ou censurável quando é o próprio Meritíssimo Juiz a quo a referir que o objectivo das partes com a simulação em apreço foi a de encobrir um negócio cujo objecto e fins eram contrários à lei, com a agravante de o terceiro enganado ser a RAEM.
74. Também a doutrina é unânime em considerar que nestas situações a nulidade tem de ser declarada ex officio.
75. Em termos doutrinários atente-se nas sábias palavras dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela que, em anotação ao artigo 240.º e 242.º do CC de 1966 (que correspondem aos artigos 232.° e 234.° do diploma actualmente vigente em Macau), explicam que "Consagrando a nulidade do negócio simulado, a lei quer dizer portanto:
a) Que a simulação pode ser invocada por qualquer interessado e ser oficiosamente declarada;
b) Que o vício do negócio pode ser arguido a todo o tempo, tanto por meio de acção como por via de excepção;
c) Que o vicio pode ser sanado, mediante confirmação da declaração. Cfr. O regime geral das nulidades consagrado nos artigos 286.º e seguintes.
(...)
Mantém-se a regra geral expressa no artigo 286.º, de que a nulidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado (...).
76. O mesmo explica o Professor Augusto Teixeira Garcia no parecer ora junto quando diz que "O que mais se discutiu nos autos foi o mútuo e a hipoteca. A sua simulação. E é essa simulação que o tribunal a quo deu por verificada. A nulidade pode ser conhecida oficiosamente, sem necessidade de invocação dos interessados. É esse o sentido da primeira parte do n.º 1 do art. 234.º do Código Civil, reafirmar a regra geral. O primado da lei continua a ser o da invocação das nulidades por qualquer interessado e oficiosamente pelo tribunal.”.
77. Significa isto que a nulidade do negócio simulado, como qualquer outra nulidade, pode ser invocada por qualquer interessado e oficiosamente pelo tribunal. Não tendo, neste caso, o tribunal de ser para tal solicitado pelas partes.
78. É que a nulidade opera por simples força da lei com efeitos ex tunc. O seu reconhecimento não está dependente de qualquer acto especial, seja ele uma declaração de vontade das partes, seja uma declaração do tribunal. Por outro lado, respeita põe em causa o interesse público, o que justifica a intervenção de ofício do tribunal. Por isso, se considera que a invocação oficiosa da nulidade, representando um caso de ultra petita, é admissível, porque justamente se trata de assegurar o interesse da lei em que se observem os requisitos que impõe. O tribunal pode declará-la oficiosamente, sempre que a mesma resulte dos factos trazidos ao processo, e ainda que nenhuma das partes a tenha arguido.
79. O tribunal a quo entende, no entanto, que a possibilidade que se lhe oferece de pronunciar a nulidade do negócio simulado está dependente de a própria simulação ter sido invocada pelas partes.
80. Mesmo que assim se entenda, deve ter-se em atenção que a simulação foi invocada pelo 1.° R.. Pelo que, a partir daí, aquela dificuldade que o tribunal a quo invoca tem de se considerar ultrapassada.
81. A existência da simulação está demonstrada nos autos e plenamente reconhecida pelo tribunal a quo, pelo que a declaração da respectiva nulidade oficiosamente é uma consequência lógica desse reconhecimento, sustentada no art.º 279.° do Código Civil, ex vi do n.º 1, 1.ª parte, do art.º 234.° do mesmo código.
82. A não ser assim cair-se-ia numa situação perplexizante: o tribunal considera provada a simulação, mas a nulidade da mesma, de que pode conhecer oficiosamente, afinal não a pode declarar, porque as partes o não pediram. O que significaria deixar em vigor um negócio considerado indesejável e condenado pela ordem jurídica. Muito mais, como é aqui o caso, se se entender, como faz o tribunal a quo, que o enganado pela simulação é o Estado!
83. Criando a si próprio as dificuldades que, em seguida, invoca para se recusar reconhecer o negócio dissimulado. Por, como diz, isso levaria a que, não sendo decretada a nulidade do mútuo, o mesmo se mantivesse como título susceptível de justificar nova pretensão dos AA. aos mesmos valores, que pedem nestes autos. O que seria iníquo.
84. Mas essa iniquidade é apenas mais uma e forte razão para o tribunal decretar a nulidade do negócio simulado. Decretada a mesma, aqueles receios do tribunal desvanecem-se, sem mais.
85. A nulidade da simulação, voltamos a dizê-lo, pode e deve ser decretada, pois a simulação está perfeitamente demonstrada e reconhecida nos autos. E tanto basta.
86. Por outro lado, ao afirmar que "a vontade e o intuito de enganar terceiros resulta da vontade de iludir a lei transaccionando, comprando e vendendo, um terreno que por imposição legal não pode ser transaccionado" o Tribunal a quo acaba por concluir que as partes celebraram um negócio contrário à lei, que violou os direitos da RAEM e, por conseguinte, o interesse público.
87. Assim sendo, também por este motivo, ou seja, por ter concluído que o negócio de mútuo com hipoteca encerra um negócio cujo objecto e fins são contrários à lei, o Tribunal a quo não podia, pura e simplesmente, ter-se alheado de declarar a nulidade de tal negócio com base também no disposto nos artigos 273.º e 279.º do CC.
88. Em suma, ao ter concluído da forma que o fez perante os negócios que Autores e 1.º Réu celebraram, mormente o negócio de mútuo com hipoteca que o Meritíssimo Juiz a quo considerou tratar-se de uma simulação destinada a esconder um negócio cujo objecto ou fim são contrários à lei, à sentença recorrida mais não restava do que declarar oficiosamente a nulidade de tal negócio, com fundamento na simulação ou nos termos do artigo 273.º do CC.
89. Ao não ter procedido da forma acima enunciada, ou seja ao ter-se abstido de conhecer oficiosamente do negócio de mútuo com hipoteca e declarar a respectiva nulidade (quer com base na respectiva simulação, quer com base na circunstância de o mesmo negócio, conforme o Meritíssimo Juiz a quo afirma, ter um objecto e um fim ilegal, ou seja, "iludir a lei transaccionando" algo que "não pode ser transaccionado") a sentença recorrida incorreu numa omissão de pronúncia e, por isso, enferma da nulidade prevista no artigo 571.°, n.º 1 alínea d) a qual se invoca para todos os efeitos legais.
90. Para além da referida omissão de pronúncia, o Tribunal a quo violou e fez uma errada interpretação dos artigos 232.°, 233.°, 234.°, 273.°, 274.° e 279.º todos do CC.
91. Por conseguinte, de modo a suprir a mencionada nulidade deverá este Venerando Tribunal, caso venha a concluir que o negócio de mútuo com hipoteca celebrado entre Autores e 1.° Réu constituiu um negócio simulado, declarar a nulidade do mesmo, conhecendo em seguida do negócio dissimulado, a transmissão definitiva do Terreno, declarando também a respectiva nulidade.
92. O mesmo deverá suceder caso o Tribunal ad quem venha a considerar que o dito negócio de mútuo com hipoteca consubstancia uma transmissão do terreno o que encerra um negócio ilegal por violação de normas imperativas e cujo objecto e fim são contrários à lei.
93. Caso este Venerando Tribunal venha a considerar estar-lhe vedado o conhecimento oficioso das referidas nulidades, hipótese descabida e que só por mero dever de patrocínio e à cautela se concebe, então vêm os Autores, para todos os efeitos legais invocar a nulidade do mútuo com hipoteca com base na respectiva simulação.
94. Sendo a nulidade invocável a todo o tempo (vide artigo 279.° do CC) nada impede os Autores de, em sede das presentes alegações, virem invocar a nulidade do negócio de mútuo com hipoteca com base na respectiva simulação, devendo, este Venerando Tribunal conhecer da mesma e declará-la por estarem provados os respectivos pressupostos e em seguida declarar a nulidade do negócio dissimulado, com a consequente obrigação do 1.° Réu em restituir aos Autores tudo aquilo que deles recebeu em virtude do mesmo.
95. Diga-se ainda, a este propósito que, contra a invocação nesta sede da aludida nulidade jamais poderá ser invocado o abuso do direito. Com efeito, não só o Meritíssimo Juiz a quo refere que foram os próprios Autores a alegarem nos autos todos os elementos da simulação em apreço (vide artigos 10.º a 32.º da petição inicial), como o próprio 1.° Réu, nos artigos 30.º e seguintes e em particular no artigo 31.° confessa que o negócio em apreço foi simulado.
96. O Tribunal a quo tinha, pois, o dever de, ex officio, declarar a nulidade do negócio de mútuo com hipoteca. Dito isto, a questão que se coloca em seguida é a de saber qual o negócio que o referido mútuo visou esconder, e saber se foi feita prova do mesmo.
97. Ora, para a sentença recorrida dúvidas não parecem ter existido de que o negócio dissimulado foi uma uma compra e venda do Terreno, pois ao ter concluído que "dúvidas não existem de que aquilo que as partes queriam era comprar e vender o terreno", que "o tribunal tem elementos suficientes para concluir” que “o negócio realizado foi o mútuo", "Pelo que, o mútuo seria o negócio simulado" e que "As partes queriam comprar e vender o terreno e na impossibilidade legal de o fazerem fizeram um mútuo com hipoteca", "O terceiro enganado ou que se queria enganar é a RAEM. E os elementos da simulação estavam todos na p.i. nos artigos 10º a 32º, só não se lhe chama simulação, sendo certo que quanto à integração e qualificação de direito o tribunal não está dependente da alegação das partes.", que aquilo que se invoca dos artigos 10° a 32° da p.i. é a simulação do mútuo com todos os seus elementos.”, o Tribunal a quo está, obviamente, a dar por confessada e, consequentemente, provada a referida simulação, prova que se admite.
98. Acresce que, ssa simulação foi também, como se viu, confessada pelo 1.º Réu na sua contestação, vide nos artigos 30.° e 31.°. Assim, convergindo ambas as partes nesse sentido qualquer prova adicional da simulação sempre se teria por dispensada.
99. Por outro lado, do raciocínio seguido pela sentença recorrida que acima se expôs resulta evidente que, para o Meritíssimo Juiz a quo o negócio dissimulado consistiu numa transmissão definitiva do Terreno que, por não ter sido autorizada, é nula e de nenhum efeito.
100. É a única conclusão possível em face da fundamentação a que sentença aderiu! Com efeito, tendo o Meritíssimo Juiz a quo fundado toda a sua decisão no facto de o mútuo com hipoteca ser um negócio simulado destinado a esconder uma transacção ilegal do Terreno (mas cuja nulidade não pode declarar pois tal não lhe foi pedido), óbvio se torna que a única conclusão possível a retirar é a de que, para o Tribunal a quo, o negócio que os Autores e o 1.° Réu celebraram foi efectivamente uma compra e venda do Terreno, pelo que a mesma devia ter sido dada por assente!
101. O Meritíssimo Juiz a quo assenta a sua linha de raciocínio no facto de o negócio celebrado entre as partes ter sido uma transacção do Terreno feita de forma ilegal, destinada a enganar as autoridades e que esse negócio foi encoberto pelo contrato de mútuo com hipoteca, negócio simulado portanto. E foi pelo facto de não ter sido invocada a dita simulação que se absteve de conhecer da validade do referido negócio dissimulado. Mas o certo é que a existência deste negócio não é posta em causa pela sentença recorrida!
102. Nestes termos, a conclusão óbvia para que aponta o referido raciocínio é que, sem prejuízo de a mesma não poder ser conhecida pelo Tribunal (o que se revela ilegal, uma vez que, como se viu, a nulidade do negócio simulado era do conhecimento oficioso, tendo a declaração de nulidade do negócio dissimulado sido requerida pelos Autores), para o Meritíssimo Juiz a quo essa transmissão existiu efectivamente e tem de ser dada como provada. Caso contrário qual seria então a simulação?! Em que circunstância então se estaria a enganar a RAEM?!
103. Por outro lado a linha de pensamento do Meritíssimo Juiz a quo apenas é compatível dando-se por assente que entre Autores e 1.° Réu foi, efectivamente, celebrado uma transmissão defintiva do Terreno, rectius da posição contratual detida pelo 1.° Réu, vendedor ou transmitente, no respectivo contrato de concessão por arrendamento.
104. É que, apenas a transmissão ou cessão (defintiva) dos direitos do concessionário decorrentes de concessão por arrendamento provisória está sujeita a autorização prévia do Chefe do Executivo. Nem a promessa de transmissão, nem o acordo preliminar supra abordado, nem qualquer outro arranjo contratual estão sujeitos ao referido requisito de validade.
105. Como tal, ao considerar que o mútuo com hipoteca correspondeu a um pacto simulatório acordado entre Autores e 1.° Réu destinado a enganar a RAEM, a fim de as partes se furtarem à necessidade de esta autorizar o negócio que celebraram sobre o Terreno, o Meritíssimo Juiz a quo não poderia ter chegado a outra conclusão senão a de dar por provado que o negócio dissimulado consistiu numa compra e venda do Terreno, sob pena de entrarmos no mundo da fantasia.
106. Não foi isso o sucedeu, tendo a sentença recorrida num verdadeiro atropelo à lógica e com desprezo pela fundamentação em que a mesma assenta, considerado não estar provada uma compra e venda do Terreno, nem qualquer outro acordo sobre o mesmo!
107. Ao assentar a sua decisão na existência de simulação em relação ao contrato de mútuo com hipoteca que se destinava a encobrir a transmissão a favor da 1.ª Autora dos direitos relativos à concessão do Terreno em violação do artigo 143.° da LT de 1980, actual artigo 145.º, outra conclusão não poderia ter sido retirada pelo Tribunal a quo do que dar por provado a existência do acordo dissimulado, tanto mais que jamais refere em momento algum que o dito mútuo constituiu uma simulação absoluta, consistindo aquele numa transmissão definitiva ilegal do Terreno.
108. Tendo decidido em sentido contrário, a sentença é nula por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.° do CPC.
109. Acresce que, a matéria de facto dada por assente - vide artigos 2.° e 16.° da base instrutória e alíneas I), J), K), L), M), N), O), P) - é também suficiente para legitimar a conclusão de que o negócio que Autores e 1.° Réu celebraram consistiu numa transmissão definitiva do Terreno, isto é, da posição contratual do 1.° Réu no respectivo contrato de concessão por arrendamento.
110. Por conseguinte, não se compreende que, perante esta matéria de facto da qual resulta ter ficado assente que foi pago um preço pela aquisição do Terreno (!), e perante a obrigação em declarar oficiosamente a nulidade do mútuo com hipoteca, o Meritíssimo Juiz a quo tenha considerado não estar provado qualquer negócio sobre o mesmo, nomeadamente uma transmissão definitiva de que, aliás, usou como razão para se abster de julgar os pedidos que neste aspecto foram formulados pelos Autores.
111. Mas ainda que assim não fosse, ou seja ainda que não se tivesse a simulação do mútuo por confessada e não se considerasse resultar da matéria de facto assente a existência de um negócio sobre o Terreno, nada impedia o recurso à prova testemunhal, documental ou outra para prova dessas realidades: o negócio simulado e o negócio dissimulado, isto sem prejuízo, obviamente, de se ter por confessada a simulação do mútuo.
112. Assim, não se entende também a posição do Tribunal a quo quanto à inadmissibilidade de prova testemunhal para a demonstração da simulação e do negócio dissimulado, sendo certo que a mesma é admissível e dela se pode concluir pela existência de que o negócio que Autores e 1.° Réu celebraram sobre o Terreno correspondeu a uma compra e venda do mesmo que, como tal, é nula ou ao referido acordo preparatório.
113. O Meritíssimo Juiz a quo funda a proibição da prova testemunhal para demonstração da simulação e prova do negócio dissimulado no disposto no artigo 388.º do CC.
114. No entanto, recorde-se que a sentença recorrida se abstém de conhecer do acordo que os Autores e o 1.° Réu celebraram (e a que os artigos 3.° a 6.° da base instrutória se reportam) e que reputa de dissimulado, pelo facto de os Autores não terem invocado a simulação do mútuo: "Ou seja, percebendo tudo o que está em causa vem-se atacar directamente o negócio dissimulado sem nada alegar ou fazer quando ao simulado o que é tecnicamente impossível.".
115. Ora, não tendo os Autores, como expressamente refere a sentença recorrida, invocaram a mencionada simulação, nem estruturado a presente acção com base na mesma, a proibição da prova testemunhal prevista no n.º 2 do artigo 388.º do CC é pura e simplesmente inadmissível.
116. Conforme explica o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora já acima citado “assim sendo, não se mostrando a presente acção estruturada no instituto ou figura da simulação, é evidente que não pode convocar-se e aplicar-se a proibição de prova testemunhal constante do referido art. 394°, nº2, do CC.".
117. Além, do mais a decisão do Tribunal constitui nesta matéria uma verdadeira violação do princípio da igualdade das partes previsto no artigo 4.° do CPC, privando os Autores de um meio de prova para demonstração da matéria por si alegada, ao mesmo tempo, que deixa de conhecer dessa mesma matéria a pretexto de a mesma não ter sido invocada.
118. Em segundo lugar, a interpretação que o Meritíssimo Juiz a quo faz do artigo 388.º, n.º 2 do CC é errada pois aquilo que esta disposição visa proibir é que um dos simuladores use a prova testemunhal para se fazer prevalecer em relação ao outro: ou seja, a proibição do recurso a prova testemunhal apenas se aplica quando há divergência entre os simuladores.
119. Ora, não é isso o que sucede nos autos pois tantos Autores, como 1.° Réu estão de acordo quanto ao facto de o mútuo nunca ter existido. Sendo assim nada impedia o recurso à prova testemunhal.
120. Por último, existem no processo abundantes elementos que permitem concluir que entre Autores e 1.° Réu foi efectivamente convencionada uma compra e venda do Terreno.
121. Para esta prova indiciária da simulação reveste particular relevância a causa simulandi, o motivo ou interesse que determinou as partes a montarem a mascarada. Pois que ninguém simula por simular. O que importa é que sejam suficientes para que o tribunal se convença da existência da simulação.
122. Os factos provados nos autos susceptíveis de ser invocados como base de presunções, estão em estreita ligação com a causa simulandi. Com efeito, resulta dos autos que as partes acordaram o complexo negócio de mútuo com hipoteca, por terem sido informadas de que não podiam, sem autorização do Governo, concretizar a cessão da posição do 1.° R. a favor da 1.ª A ..
123. A prova de que, apesar de celebrado por escritura pública, o negócio é simulado, é em princípio livre. Podendo ser efectuada por qualquer meio de prova, nomeadamente a testemunhal. Com efeito, o que o art.º 387.°, n.º 2 não admite é a prova testemunhal dos factos cobertos pela força probatória plena do documento. Mas, a escritura pública não faz prova plena da sinceridade dos outorgantes. Assim, nenhum óbice se coloca, quanto a terceiros exteriores à mancomunação, à admissibilidade da prova testemunhal quanto à divergência da vontade real com a declaração, em que se traduz a simulação.
124. Contudo, caso a simulação seja arguida pelos próprios simuladores, a prova testemunhal fica, em princípio afastada, por força rio n.º 2 do art.º 388.º do Código Civil. O que não obsta a que os simuladores se valham de outros meios de prova, v.g., confissão, prova documental, mesmo que o negócio tenha sido celebrado por escritura pública.
125. Por outro lado, Nada impede o recurso à prova testemunhal, pois o artigo 388.º não tem "alcance absoluto: a admissibilidade e prova testemunhal que tenha objecto por objecto convenções contrária e adicional ao conteúdo do documento: - quando em consequência do caso concreto for verosímil que a convenção tenha sido feita”.40
126. Existem no processo abundantes elementos que permitem fundar a convicção do julgador de que se verificou simulação, ou pelo menos para constituir um princípio de prova escrito, que, complementado com a prova testemunhal, constante dos autos, permite fundar a convicção da existência da simulação e da verificação do negócio dissimulado.
127. Desde logo o recibo de quitação a que se refere a alínea M) dos factos assentes, no qual o 1.° R. declara que o valor recebido se reporta à aquisição do terreno discutido nos autos.
128. É, pois, uma declaração que contradita a constante da escritura pública, tendo o valor de uma contradeclaração. A data do cheque é de 8 de Novembro de 2013, dois depois da escritura pública do mútuo com hipoteca. Mas, como prova o recibo de quitação, o mesmo foi entregue ao 1.° R., e por este recebido, no dia 6 de Novembro de 2013. Dia em que foi celebrada a escritura pública de mútuo com hipoteca. Por conseguinte, no mesmo dia o 1.° R. declarou ter recebido certos valores como empréstimo da 1.ª A., mas declarou simultaneamente ter recebido parte41 desses valores como preço do "terreno".
129. O documento em questão demonstra que, pelo menos, parte do valor recebido pelo 1.º R. respeitava à transmissão do "terreno", quer porque foi assinado pelo 1.° R ..
130. Por outro lado, está junto aos autos um modelo de contrato de transmissão do terreno, preparado pelo Dr. I. Pese embora não esteja assinado, o mesmo pode ser livremente apreciado pelo tribunal, para efeitos de formar a sua convicção (art.º 359.° do Código Civil). Desde logo, quanto à existência da simulação42.
131. Atento o que ficou demonstrado nos autos esse modelo de contrato, pese embora não estar assinado, corresponde a uma realidade negocial absolutamente verosímil tendo provavelmente teria sido pedido para servir de contradeclaração ao contrato de mútuo com hipoteca que veio a ser celebrado.
132. E não se afigura razoável que, porque fornecido em simultâneo com o modelo de mútuo e hipoteca, o mesmo apenas tenha sido uma espécie de iguaria num menu contratual, que não veio a ser escolhido. Tanto mais, que o advogado que preparou as referidas minutas, já tinha informado os interessados de que a transmissão do "terreno" não se podia fazer. Não se podendo efectuar este negócio, e ainda assim preparar-se um modelo de contrato de transmissão, que foi fornecido às partes, representa um elemento documental a ter em consideração.
133. A minuta deste contrato constitui assim mais um elemento documental indiciário da verdadeira natureza do negócio celebrado pelas partes.
134. Um terceire elemento documental é a procuração outorgada pejo 1.º R. à 1.ª A., com amplos poderes para tratar dos seus assuntos relativos ao terreno concessionado. Esta procuração apesar de não conter poderes para efectuar negócio consigo mesmo, nem ser expressamente irrevogável, terá sido o instrumento, indirecto, de titulação dos direitos transferidos pelo 1.º R. a favor da 1.ª A..
135. A procuração visa essencialmente poderes relacionados com o desenvolvimento imobiliário do terreno concessionado.
136. A procuração, por si, não era, nem podia ser, o negócio de transmissão dos direitos em questão. Por isso, é quando muito um mero indício documental de uma transmissão oculta43. Mas não é sempre indício da existência de uma transmissão oculta.
137. No seu conjunto, quando não individualmente, pelo menos no que respeita ao recibo, estes documentos são suficientemente indiciários da existência de uma simulação no negócio do mútuo com hipoteca. No mínimo, constituem, pelo menos, um princípio de prova documental da simulação.
138. É sabido que, a despeito da proibição de recurso a testemunhas para prova da simulação (n.º2 do art.º 388.º do Código Civil), tendo em conta as situações de iniquidade a que uma interpretação literalista da lei poderia provocar, a maioria da doutrina admite um tal recurso, pelo menos quando seja complementar de um primeiro princípio de prova escrita. E a jurisprudência também, até com maior abertura do que a doutrina.
139. Dentro deste entendimento, considera-se que "se o facto a provar está já tornado verosímil por um começo de prova por escrito, a prova por testemunhas é de admitir, pois não oferece os perigos que teria quando desacompanhada de tal começo de prova.”44 Neste caso, a prova testemunhal já não é o único meio de prova utilizado, justificando-se a excepção por, agora, o perigo da prova testemunhal se ter de considerar afastado, na medida em que a convicção do tribunal se apoia num suporte documental45.
140. Pois bem, nos autos abundam os testemunhos no sentido de que o negócio celebrado pelas partes foi, efectivamente, um negócio sobre o "terreno", ou seja de que o mútuo era simulado e que pretendia esconder ou estava acoplado a outro negócio, o negócio dissimulado.
141. O tribunal a quo desconsiderou os testemunhos de R e de G, por se tratar de pessoas muito próximas das partes. Mas isso quanto à natureza do negócio dissimulado. Ora, antes da discussão dessa questão, põe-se como prius a questão do próprio negócio simulado. O julgar a verificação da simulação quanto a este precede logicamente a discussão daquele. Tanto mais que quanto ao negócio simulado se discute a sua morte (nulidade), e quanto àquele a sua vida (validade).
142. Apenas se pode discutir o negócio dissimulado, tendo previamente considerado simulado o negócio aparente. No caso, o mútuo com hipoteca. E quanto à simulação deste negócio, todos os testemunhos parecem concordantes. Complementando o sentido que resulta daqueles elementos documentais. As partes não quiseram, realmente, celebrar qualquer mútuo com hipoteca. Quiseram um aliud. Divergências verificam-se no que respeita à natureza deste aliud, o negócio dissimulado. Por outro lado, o depoimento das demais testemunhas, corrobora a ideia da inexistência de qualquer mútuo, de o mesmo ser simulado.
143. Um outro indício aponta no sentido da simulação do negócio do mútuo com hipoteca. Referimo-nos à gratuitidade do mútuo. Conforme declarado no art.º 2.°, n.º 2 do contrato de mútuo e de hipoteca, o mútuo não vencia juros. Era pois gratuito. Ora, a 1. A. é uma sociedade comercial, a qual, afora situações excepcionais, não tem capacidade para a prática de actos gratuitos. O que significa que um tal mútuo seria nulo, por falta de capacidade da sociedade (art.º 177.° do Código Comercial).
144. E concorre no mesmo sentido, o saber-se que a 1.ª A. entregou ao 1.° R., não apenas dinheiro, por meio do cheque, mas também uma moradia. Ora o mútuo tem por objecto coisas fungíveis (art.º 1070.° do Código Civil), pelo que, no que respeita ao dinheiro, seria possível. Mas já não assim quanto à moradia. A moradia pode ser comodatada (art.º 1057.° do Código Civil), mas não mutuada, pois que se trata de bem infungível.
145. Estes elementos, quer documentais, quer testemunhais, quer indiciários parecem ser suficientes para se considerar como provada a simulação do negócio de mútuo com hipoteca. A qual, aliás, o tribunal a quo não tem dúvidas de que se terá verificado.
146. Doutro passo, para o Tribunal a quo, dúvidas não restam de que o negócio dissimulado consistiu numa compra e venda do Terreno. É essa a única conclusão possível em face da linha de raciocínio que adoptou.
147. Por outro, inexistindo as limitações de prova que o Tribunal a quo apontou, esse entendimento encontra também suporte factual nas elementos de prova acima assinalados e da matéria de facto dada por assente, dos quais resulta a simulação do mútuo e também a existência de um contrato de compra e venda do Terreno que, feito em violação de normas legais imperativas, é nulo e de nenhum efeito.
148. Assim, sendo, outra solução não restava ao Meritíssimo Juiz a quo do que declarar a nulidade de ambos os contratos, o simulado e o dissimulado, e ordenar a restituição pelo 1.° Réu aos Autores de tudo o que deles recebeu em virtude deste último acordo.
149. Por conseguinte, ao não ter concluído da forma acima preconizada, ou seja, ao ter-se recusado a declarar a nulidade do contrato de mútuo com hipoteca e do respectivo negócio dissimulado - transmissão definitiva do Terreno - o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação da matéria de facto e violou os artigos 232.º, 233.°, 279.° e 388.° do CC, 143.° da LT de 1980.
150. Dito isto, coloca-se a questão se esse negócio nulo poderia ser aproveitado ou seja convertido noutro negócio por força da aplicação do regime previsto no artigo 286.° do CC, onde se dispõe que o negócio nulo pode converter-se num negócio de tipo nu conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais da substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade .
151. Sem prejuízo do supra exposto, a matéria de facto dada por assente e os elementos de prova constantes dos autos são também de molde a legitimar a conclusão que se retirou supra quanto à circunstância de o acordo dissimulado consistir no tal acordo preparatório.
152. É essa a conclusão que resulta das regras da experiência, em face do regime legal e vigor quanto aos terrenos objecto de concessão por arrendamento e também ao esquema contratual que as partes adoptaram, nomeadamente as garantias que foram constituídas a favor dos Autores.
153. Somos de entendimento de que, em regra, numa cessão de posição contratual, como é o caso na situação presente, os candidatos a cedente e a cessionário não acordarão uma promessa, mas apenas um acordo preparatório da cessão, que os vinculará à apresentação da proposta de cessão de posição contratual, que aquele acordo preparatório consubstancia, ao cedido. O efeito útil é o ficarem os acordantes vinculados por essa proposta, não a podendo revogar enquanto não a sujeitarem ao consentimento do cedido. Este processo normal, que chamámos de imaculado, pode também ser atingido por um contrato-promessa, como se disse, embora o resultado prático não divirja.
154. Na presente situação, e tendo em conta que se pretendia a mudança de finalidade do aproveitamento do terreno concessionado, o acordo preparatório manteria as partes vinculadas até à decisão da Administração. O mesmo resultado se podia obter com um contrato-promessa. A actuação das partes, que não teve qualquer outra manifestação que não a celebração do mútuo com hipoteca, a subscrição da livrança em branco e a outorga da procuração, e o subsequente pedido de mudança de finalidade para o aproveitamento do terreno, afigurar-se-ia então não especialmente repreensível. As partes esperariam a decisão sobre a mudança de finalidade, para submeterem o seu acordo à autorização prévia do Chefe do Executivo.
155. Isso explicaria, além do mais, o complexo esquema contratual que as partes adoptaram. Com efeito, e como já se disse, se como é vox populi o modo de efectivar uma transmissão sub rosa da posição de concessionário por arrendamento, enquanto a concessão fosse provisória, era a outorga de uma procuração, por que é que as partes celebraram o mútuo com hipoteca e o 1.° R. subscreveu uma livrança? Se bastava aquela, para quê estes?
156. Mas percebe-se que, sendo o acordo de cessão provisório, e tendo o dinheiro mudado de mãos, os interessados sentissem a necessidade de assegurarem que os valores regressariam à sua proveniência, caso o acordo não passasse a fase preliminar. O que podia suceder quer porque a mudança de finalidade não era autorizada, quer porque a autorização do Chefe do Executivo não era concedida.
157. A tese de que o negócio das partes correspondeu a uma transmissão definitiva, para além de imputar às partes uma ilicitude, não permite explicar o mútuo e a hipoteca, assim como a livrança. Se o negócio de transmissão fosse definitivo, a procuração bastava para os intentos das partes.
158. A celebração do mútuo com hipoteca e a subscrição da livrança não se conseguem compreender no âmbito de uma mera transmissão secreta. Como, aliás, o depoimento das testemunhas da Administração demonstra.
159. O mútuo, a hipoteca e a livrança apenas se compreendem se o negócio não for definitivo, e se se quiser assegurar a recuperação dos fundos entregues à contraparte.
160. Em todo o caso, a hipoteca e a livrança são instrumentos que permitem ao credor obter satisfação do seu crédito. Se o negócio é definitivo, não há qualquer crédito da 1.ª A., que se possa pretender necessitasse de ser assegurado com esses dois mecanismos.
161. Por conseguinte, quer o mútuo, quer a hipoteca, quer a livrança apenas são compreensíveis se as partes tivessem celebrado um negócio que não era definitivo. Como é o caso do acordo preparatório de uma cessão que está dependente do consentimento do cedido. E que, na presente situação, ademais parece ter ficado pendente de uma mudança de finalidade.
162. Por conseguinte, julgamos que o negócio dissimulado correspondeu a um negócio preparatório da transmissão das situações emergentes da concessão provisória, mas não a uma transmissão oculta.
163. As partes viram-se ultrapassadas pelos acontecimentos. A declaração de caducidade impediu a concretização dos intentos negociais das partes.
164. Em qualquer caso, os valores entregues, em vista de um negócio que não se concretizou, devem ser devolvidos
165. Considerando-se a nulidade da transmissão é possível afirmar que a vontade das partes conduziria à conversão do negócio nulo no referido acordo preliminar ou num contrato-promessa de compra e venda do Terreno ou da respectiva concessão, pois na impossibilidade de o negócio pretendido se concretizar de imediato, essa vontade era a de assumir, não obstante, uma obrigação que permitisse a concretização do negócio nulo no futuro, isto é celebrar o acordo preliminar ou o contrato-promessa.
166. Em primeiro lugar há que afirmar que, essa vontade hipotética das partes em converter o negócio encontra de certo modo respaldo na sua actuação subsequente, com destaque para a conduta do 1.° Réu, de onde se pode retirar que o acordo celebrado em 6/11/2013 era meramente preliminar, algo que se coaduna quer com a conversão no acordo preparatório a que supra se fez menção, quer num contrato-promessa.
167. A demonstrá-lo está o facto de a entrega dos fundos pelos Autores ao 1.º Réu ter sido realizada em simultâneo com os actos destinados a dar uma razão jurídica para a mesma.
168. Com efeito, tendo em conta que a aquisição defintiva dos direitos resultantes da concessão do Terreno por parte da 1.ª Autora estava e estaria sempre dependente da autorização do Governo e de uma série de procedimentos, condição da respectiva validade, pode concluir-se que a entrega dos fundos a favor do 1.º Réu foi entendida por todas as partes como não sendo definitiva.
169. E é este carácter não definitivo da transmissão dos valores patrimoniais que as partes no fundo terão querido vestir com a roupagem jurídica do mútuo acoplado de uma hipoteca e da livrança, por ser aquela que melhor respondia àquele provisório do seu arranjo contratual, dependente da verificação de uma condição futura: a autorização para a transmissão da concessão do Terreno.
170. Essa vontade conjectural ou hipotética das partes também pode ser apoiada pelos contratos e actos que as mesmas celebraram e a que as alíneas P) e Q) dos factos assentes aludem mas também da própria procuração que a 1.ª Autora recebeu do 1.° Réu em relação ao Terreno.
171. Assim, na hipótese de o negócio nulo - a alineação definitiva do Terreno - se converter no referido acordo preliminar em virtude da declaração de caducidade do Terreno o certo é que o negócio futuro que as partes visavam tornou-se impossível e, como tal, assiste aos Autores o direito de resolver esse acordo e de exigir a restituição de tudo quanto prestaram por efeito do mesmo, conforme resulta dos artigos 779.° e 784.° do CC.
172. Por outro lado, convertendo-se o negócio nulo num contrato-promessa, não estando preenchidos os respectivos requisitos de forma falece a respectiva conversão. 173. Com efeito, sendo relativo a um imóvel o contrato-promessa de compra e venda em apreço teria, por força do disposto no n.º 2 do artigo 404.° do CC, de ter constado de documento escrito assinado petas Autores e pelo 1.° Réu enquanto respectivos intervenientes.
174. Não tendo o acordo de promessa de compra e venda do Terreno celebrado entre Autores e 1.° Réu observado a forma legalmente prescrita o mesmo é nulo, conforme resulta do previsto no artigo 212.° do CC.
175. Sendo nulo outra solução não resta também do que a restituição por parte do 1.° Réu de tudo o que lhe tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (vide n.º 1 do artigo 282.º do CC).
176. Doutro passo, caso se entenda, como acima se aventou que a procuração – único documento escrito que poderia basear o aproveitamento do negócio nulo por falta de forma (a transmissão e a promessa de transmissão) que a conversão prevista no artigo 286.º do CC visa, pese embora a sua distinta natureza e diferente conteúdo - pode ser entendida como uma promessa unilateral de transmissão das situações decorrentes da concessão do Terreno efectuada pelo 1.° Réu a favor da 1.ª Autora, outra conclusão não se poderá chegar também a de que, também nesse caso, impende sobre aquele a obrigação de restituir aos Autores tudo aquilo que recebeu em virtude do negócio que com eles celebrou.
177. É que, com a declaração de caducidade do Terreno o negócio que Autores e 1.° Réu visavam alcançar - a transmissão do Terreno, ou seja, das situações decorrentes da respectiva concessão a favor da 1.ª Autora - tornou-se também neste caso absolutamente impossível.
178. O direito dos Autores à restituição dos fundos que entregaram ao 1.° Réu em virtude do negócio que com ele celebraram, independentemente da sua natureza e caso o mesmo se considere válido, e da correspondente obrigação deste em proceder a essa devolução, encontra também fundamento no regime previsto no artigo 431.° do CC, onde se estipula a faculdade de resolução do contrato por alteração das circunstâncias.
179. Com efeito, nunca as partes teriam celebrado o negócio em questão, nos moldes em que o fizeram, se pudessem ter previsto que a Administração iria proceder da forma que procedeu em relação ao Terreno, isto sob pena de se estar perante um caso de patente insanidade mental, tanto mais que entre a data da celebração do negócio e a caducidade da concessão do Terreno faltavam apenas decorrer dois anos, prazo mais do que insuficiente para, conforme assinalaram as testemunhas que depuseram em juízo, se rever as condições do contrato e concluir o novo aproveitamento, de modo a viabilizar a transmissão do Terreno.
180. Essa alteração das circunstâncias é em si mesma causa justificativa de resolução do negócio, com a consequente reposição da situação anterior ao mesmo, uma vez que essa modificação teve e tem reflexos óbvios no equilíbrio do contrato, com a imposição de um desrazoável sacrifício aos Autores violador da boa fé e que, inclusive, privou o negócio de realizar a finalidade económica que tinha para aqueles (e que o 1.° Réu reconhece ser o de auferir dos benefícios patrimoniais que o valor económico da concessão pudesse proporcionar).
181. E ainda que o negócio tivesse por objecto a outorga da procuração a que se refere o quesito 16.° da base instrutória (hipótese totalmente absurda e desmentida pela matéria de facto assente e a prova que foi produzida) e que com esta outorga a prestação a cargo do 1.° Réu no negócio ficava satisfeita, ainda assim assiste aos Autores o direito à resolução do acordo com base no disposto no artigo 431.º do CC.
182. De facto, a mencionada declaração de caducidade, para além de operar a caducidade da hipoteca, implicou também a extinção da procuração, por perda do respectivo objecto, ficando a 1.ª Autora impedida, de modo absoluto e definitivo, de exercer quaisquer dos poderes que recebeu em virtude do referido instrumento. Ou seja, os Autores ficaram colocados numa situação equivalente àquela em que estariam caso a prestação a cargo do 1.º Réu não tivesse pura e simplesmente sido cumprida, isto é que nada tivessem recebido do mesmo.
183-. Destarte, igualmente com base no disposto no artigo 431.° do CC impende sobre o 1.° Réu a obrigação de restituir aos Autores tudo aquilo que deles recebeu: HKD$220.000.000,00 em numerário e a Moradia ou caso não seja possível a devolução desta, o montante de HKD$140.000.000,00 valer em que este imóvel foi avaliado para efeitos de celebração do negócio.
184. Conforme resulta dos pedidos que os Autores formularam nos presentes autos, aquilo que está fundamentalmente em causa é a restituição por parte do 1.º Réu de todos os valores ou fundos que recebeu daqueles e que tiveram por causa o negócio que ambos celebraram em relação ao Terreno.
185. Independentemente de tudo, o certo é que a transferência dos fundos patrimoniais efectuada pelos Autores a favor do 1.° Réu tem de ter uma causa, um motivo, tanto mais que nenhuma das partes teve a ousadia de afirmar que a mesma consubstanciou uma doação o que, além do mais e no que concerne ao montante de HKD$220.000.000,00 (duzentos e vinte milhões de dólares de Hong Kong) entregue pela 1.ª Autora a favor do 1.° Réu, constituiria um acto nulo uma vez que a prática de liberalidades desta natureza não está compreendida na capacidade das sociedades comerciais.
186. Destarte, a causa que justificou a deslocação patrimonial efectuada pelos Autores a favor do 1.° Réu apenas pode ter sido umas das seguintes: o acordo preliminar acima referido (e que pode, naturalmente, ser considerado pelo Tribunal em virtude da liberdade que a este é conferida em matéria de interpretação e aplicação das regras de direito), uma promessa ou uma alienação definitiva tendo por objecto a posição contratual do 1.° Réu no contrato de concessão por arrendamento do Terreno.
187. Ora, a causa que justificou a deslocação patrimonial efectuada pelos Autores a favor do 1.° Réu apenas pode ter sido umas das seguintes: o acordo preliminar acima referido (e que pode, naturalmente, ser considerado pelo Tribunal em virtude da liberdade que a este é conferida em matéria de interpretação e aplicação das regras de direito), uma promessa ou uma alienação definitiva tendo por objecto a posição contratual do 1.° Réu no contrato de concessão por arrendamento do Terreno.
188. Em qualquer um dos referidos cenários - perfeitamente plausíveis e que encontram acolhimento na matéria de facto dada por assente - a conclusão é sempre a mesma: a obrigação do 1.° Réu em devolver aos Autores aquilo que deles recebeu.
189. Por último, ao ter declarado não ter ficado provada qualquer acordo que justificativo da deslocação patrimonial verificada em benefício do 1.° Réu à custa do património dos Autores - consubstanciada na entrega do montante de HKD$220.000.000,00 e da Moradia - e ao ter considerado (em consonância com as alegações de Autores e 1.° Réu) o mútuo como inexistente, outra solução não poderia ter restado ao Meritíssimo Juiz a quo que não de, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, condenar o 1.° Réu na devolução aos Autores de tudo aquilo que deles recebeu.
190. Efectivamente, dúvidas não podem restar de que com o recebimento dos referidos fundos o 1.º Réu enriqueceu à custa do empobrecimento dos Autores, havendo um nexo causal entre esse enriquecimento de um e o empobrecimento de outros (demonstrado pelo facto de terem sido os Autores a entregar os fundos em apreço ao 1.º Réu), sem que haja causa justificativa.
191. A obrigação de restituir por enriquecimento sem causa existe quer a causa para o enriquecimento nunca tenha existido, quer também as situações em que alguém recebe uma prestação de outrem em virtude de uma causa que, entretanto, se perdeu ou deixou de existir.
192. Nessa situação se enquadra o caso dos autos. É que, com a superveniente declaração de caducidade do Terreno - a qual não é imputável aos Autores e ocorreu por mero decurso do prazo da concessão, tendo-se tratado de declaração de caducidade preclusiva - e a sua integração no domínio privado da RAEM – o que implicou a perda de todos os direitos decorrentes da concessão que se encontravam na titularidade do 1.° Réu e a consequente caducidade da procuração conferida por este a favor da 1.ª Autora, cujo objecto pereceu por completo, deixando os poderes conferidos através do referido instrumento pura e simplesmente de poder ser exercitados e também a caducidade e extinção da Hipoteca - a causa que esteve na base ou que justificou a prestação realizada pelos Autores a favor do 1.° Réu deixou de existir, perdeu-se.
193. O recebimento dos fundos pelo 1.° Réu e a manutenção destes na sua esfera à custa dos Autores é, como tal, injusto, não apresentado causa justificativa, por não estar de harmonia com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, motivo pelo qual também por força do artigo 467.° do CC (que aqui se invoca a título subsidiário) está o 1.° Réu obrigado a devolver aos Autores aquilo que deles recebeu.
194. Em suma, em qualquer caso, sempre o efeito prático, a recuperação dos valores entregues ao 1.° R., visado pelos AA. se tem de produzir. Por força das regras da nulidade, no primeiro caso, por força das regras do enriquecimento sem causa, no segundo, ou seja dúvidas não há de qualquer que seja a interpretação e a aplicação do direito aos factos que foram dados por assente “a recuperação dos valores entregues ao 1.º R., visado pelos AA. se tem de produzir".
195. A sentença recorrida ao ter-se decidido pela absolvição do 1.° Réu dos pedidos que contra ele formularam os Autores visando essa recuperação proferiu uma decisão profundamente injusta, que interpretou malas factos e violou as normas legais acima referias, nomeadamente os artigos 232.°, 233.°, 273.°, 274.°, 279.°, 404.°, 431.°, 467.°, 779.°, 784.° do CC, artigos 143.° da LT de 1980, artigo 145.° da LT de 2013, artigo 571.°, n.º 1 alíneas c) e d).
DO RECURSO DO ACÓRDÃO DA MATÉRIA DE FACTO
196. O recurso do acórdão da matéria de facto tem por objecto a resposta dada pelo Tribunal Colectivo aos quesitos 3.° a 6.° da base instrutória, que os ora Recorrentes consideram incorrectamente julgados, pelo que a impugnação da decisão de facto tem por objecto a resposta que foi dada a esses quesitos.
197. Assim, caso este Venerando Tribunal não venha a atender aos argumentos acima aduzidos e que permitem, mesmo sem a modificação da matéria de facto, dar provimento ao pedido de condenação do 1.º Réu nos termos requeridos pelos Autores, deverá, com base nos fundamentos infra expostos proceder à alteração das respostas aos artigos 3.º a 6.º da base instrutória dando-os como provados e daí extraindo as devidas consequências em matéria de interpretação e aplicação do direito.
198. Conforme supra já se demonstrou a prova dos referidos quesitos pode fazer-se com recurso a prova testemunhal, dando-se aqui por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais o que acima se disse relativamente a esta matéria e que, por questões de economia processual, se dispensa a respectiva repetição.
199. Assim ao considerar como não admissível a prova testemunhal o Tribunal Colectivo violou o disposto no artigo 388.º do CC.
200. Posto isto, julgam os Recorrentes que, perante os meios de prova postos à disposição do Tribunal Colectivo este andou mal ao julgar os mencionados artigos da base instrutória como não provados.
201. Efectivamente, salvo o devido respeito, o dito julgamento padece de um erro notório na apreciação da prova uma vez que tanto da prova testemunhal, como da prova documental, como ainda da prova por presunção e das regras da experiência resulta, muito claramente, a demonstração da referida matéria de facto.
202. Essa prova resulta desde logo da súmula que é feita do depoimento das testemunhas R e G relativamente ao significado e alcance da hipoteca constituída sobre o Terreno.
203. Com efeito, ambos coincidem de que o objectivo da aludida garantia que o 1.º Réu constituiu a favor da 1.ª Autor o de assegurar os direitos dos Autores em relação ao Terreno fruto do negócio que celebraram entre eles.
204. Se o propósito subjacente à hipoteca era ode garantir a realização do negócio (como refere a testemunha R) e evitar que o 1.º Réu pudesse, à revelia e em sacrifício dos direitos da 1.ª Autora, entregar o Terreno a um terceiro para que este o pudesse desenvolver que outro negócio se pode concluir ter sido celebrado entre Autores e 1.º Réu se não o de uma promessa de transmissão do dito imóvel, sendo que a referida garantia servia precisamente para assegurar a concretização dessa transmissão, ou seja, da obrigação do 1.º Réu em transmitir à 1.ª Autora e só ela os seus direitos sobre o Terreno?!
205. A referida convergência do depoimento das referidas testemunhas no que concerne ao fim que a hipoteca visava atingir ou assegurar - convergência que assume particular relevo uma vez que o Tribunal a quo optou por desvalorizar o depoimento de uma e outra testemunha em função da sua relação de proximidade com as partes em litígio o que permite concluir que neste ponto dúvidas não podem restar - demonstra claramente a provisoriedade do negócio que Autores e 1.º Réu celebraram, cuja concretização estaria sempre dependente de um acto translativo formal a realizar no futuro.
206. Doutro passo, não se entendem os argumentos do Tribunal a quo para desvalorizar o depoimento da testemunha R, colocando-o no mesmo prato da balança da testemunha G.
207. Efectivamente, não se percebe, nem o Tribunal a quo o explicou em que medida as relações de proximidade da testemunha R com o 2.° Autor contribuíram para inquinar o seu depoimento ou torná-lo menos verosímil, ou menos exacto.
208. Ao contrário do que sucede com a testemunha G que, no depoimento prestado em sede dos autos de procedimento cautelar de arresto apensos aos presentes confessou ter recebido do 1.° Réu uma comissão pelo negócio celebrado entre Autores e 1.° Réu e que, portanto, tinha um interesse directo neste negócio e na defesa dos direitos deste, a testemunha R não tinha nada a perder ou a ganhar com a concretização ou o fracassar do acordo.
209. Acresce que, ao contrário do que transparece da síntese do depoimento da testemunha R feita no acórdão sobre a matéria de facto, este confirmou na íntegra e directamente os factos que constam dos artigos 3.° a 6.° da base instrutória, comprova se comprova pelas passagens gravas do seu depoimento e que acima se transcreveram.
210. No referido depoimento a testemunha em apreço demonstrou conhecimento sobre a intenção das partes subjacente ao acordo que celebraram, confirmando:
(i) as dificuldades inerentes ao negócio; decorrentes do regime jurídico do Terreno, que impediam a sua concretização no imediato;
(ii) a necessidade de apresentar uma proposta à Administração, de modo a que a 1.ª Autora pudesse ficar os direitos de aproveitamento do Terreno e proceder ao seu desenvolvimento;
(iii) que o que estava em cima da mesa, e foi esse o resultado das negociações, foi uma possível venda, não uma compra normal;
(iv) o conhecimento e a consciência por parte de Autores e 1.° Réu de que não era possível fazer/celebrar uma compra e venda deste imóvel;
(v) o objectivo por banda da 1.ª Autora seria obter uma mudança de finalidade do Terreno, algo só compatível com uma promessa de transmissão definitiva, em virtude da necessidade de se obter a respectiva autorização governamental;
(vi) a natureza provisória do acordo, cuja conclusão apenas se poderia processar posteriormente quando as condições legais para tal estivessem reunidas, natureza provisória acentuada pelas garantias conferidas pelo 1.° Réu a favor da 1.ª Autora e que se destinavam precisamente a proteger a posição;
(vii) que o negócio, em caso de reversão do Terreno a favor da RAEM, ficaria sem efeito, com a consequente obrigação do 1.° Réu em devolver aquilo que recebera dos Autores e daí também a necessidade de estes ficarem dotados das garantias que lhes foram conferidas por aquele.
211. Em suma, do aludido depoimento fica demonstrada a matéria dos quesitos 3.º a 6.º.
212. O referido depoimento foi corroborado na íntegra pelo testemunho Dr. I, advogado junto de quem as partes se aconselharam na celebração do negócio sobre o Terreno e que, portanto, conhecia e sabia das suas intenções na plenitude.
213. Por conseguinte, percebe-se mal a afirmação do Tribunal a quo, no acórdão proferido sobre a matéria de facto, quando aí se diz que esta testemunha se refugiou "em não saber”.
214. No depoimento que prestou e que acima se transcreveu o Dr. I confirmou que:
(i) aquilo que ficou acordado entre as partes foi uma promessa de transmissão do Terreno, uma vez que a transmissão do mesmo se afigurava legalmente impossível;
(ii) o negócio estava sujeito à condição de ser aprovado pelo Governo;
(iii) as partes estavam conscientes dessa condição;
(iv) o 1.° Réu, ciente da natureza preliminar do acordo, assumiu a obrigação de diligenciar junto da DSSOPT no sentido de ser obtida a revisão da concessão do Terreno, com a sua transmissão a favor da 1.ª Autora;
(v) as garantias prestadas a favor da 1.ª Autora foram-no com o intuito de fundamentar a posição desta perante a Administração e para a proteger, ou seja, para garantir que o 1.° Réu cumpria com a sua obrigação de lhe transmitir os seus direitos em relação ao Terreno.
215. Finalmente, importantes são também os depoimentos das testemunhas S e K, não porque tivessem demonstrado um conhecimento do directo do negócio, mas sim porque permitiram concluir que os contornos a que o mesmo obedeceu foram sui generis, distintos daqueles que eram observados em situações de transmissão de facto dos direitos resultantes da concessão e, como tal, apenas compatíveis, com uma promessa de transmissão, conforme se menciona nos artigos 3.° a 6.° da base instrutória.
216. Para além da prova testemunhal acima referida, a prova dos quesitos 3.° a 6.° da base instrutória resulta ainda de documentação junta aos autos e que, salvo o devido respeito, não foi devidamente ponderada pelo Tribunal Colectivo aquando do julgamento da matéria de facto.
217. Essa documentação é constituída pela procuração a que se refere o artigo 16.° da base instrutória, a minuta do contrato de compra e venda junta aos autos e o recibo de quitação a que se refere a alínea M) dos factos assentes.
218. Por outro lado, não estando vedada ao Tribunal a prova testemunhal e por presunção, as regras da experiência são de molde também a dar os artigos 3.° a 6.° como assentes. .
219. Essa prova resulta da própria documentação que as partes assinaram. Com efeito, tendo em conta que a aquisição defintiva dos direitos resultantes da concessão do Terreno por parte da 1.ª Autora estava e estaria sempre dependente da autorização do Governo e de uma série de procedimentos, condição da respectiva validade, conclui-se que a entrega dos fundos a favor do 1.° Réu foi entendida por todas as partes como não sendo definitiva.
220. E não sendo definitiva, como é que as partes contratantes a poderiam ter concebido juridicamente para assegurarem ao tradens e recuperação dos fundos, caso o projectado negócio se não concretizasse? Construindo-o como mútuo, acoplado com uma garantia real (hipoteca) sobre o direito de concessão por arrendamento e uma garantia pessoal (a livrança), que permitisse a mais fácil recuperação pelo tradens das verbas transferidas.
221. Com efeito, ditam as regras da experiência que, num negócio de natureza defintiva (independentemente da respetiva validade), quando o accipiens já recebeu os fundos a título definitivo, não reconhece no mesmo momento ao tradens um título que lhe permite recuperar os referidos fundos, ao invés do que sucedeu no presente caso.
222. Assim, para a hipótese de, como se disse, os argumentos vertidos pelos Autores no recurso sobre a sentença não virem a ser atendidos, hipótese que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite, então deverá o acórdão preferido sobre a matéria de facto revogado para que, com base nos meios probatórios acima mencionados, os artigos 3.º a 6.º da base instrutória passem a ser dados como provados.
223. Considerando-se provado que o negócio que foi celebrado entre os Autores e o 1.º Réu foi uma contrato-promessa (cuja prestação a cargo do 1.º Réu de transmitir o Terreno a favor da 1.ª Autora se encontrava garantida pela confissão de dívida e hipoteca a que se referem as alíneas Q) e R) dos factos assentes), a consequência não pode ser outra senão, como acima já se afirmou, a de condenar o 1.º Réu a restituir aos Autores tudo aquilo que deles recebeu em virtude desse contrato.
*
    D, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1314 a 1332, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Em resumo e concluindo:
     a) o artigo 144.°, n.º 2, 2), da nova Lei de Terras estabelece a presunção legal de que a outorga de procurações com as características ali referidas é uma transmissão de situações resultantes da concessão;
     b) a consagração da presunção legal tem implícito o reconhecimento pelo legislador de que, no passado, se recorria a esse método para transmitir situações resultantes da concessão;
     c) o artigo 218.°, n.º 2, da lei nova excluiu a presunção legal relativamente às procurações que, tendo embora as características referidas no seu artigo 144.º, n.º 2, 2), houvessem sido ou fossem outorgadas antes de 1 de Março de 2014;
     d) a exclusão não significa que materialmente as aludidas procurações não transmitissem situações resultantes da concessão, mas tão só que o legislador quis legitimar a transmissão, por esse meio, de situações resultantes da concessão, efectuada antes de 1 de Março de 2014; os respectivos intervenientes ficaram a salvo de alguma investigação que a Administração quisesse levar a cabo (para confirmar que a procuração visava de facto o que parecia e poder assim rescindir o contrato de concessão, em virtude de a transmissão não ter sido autorizada); deu-se, pois, estabilidade aos efeitos jurídicos produzidos por tais negócios ao longo de décadas com a complacência da Administração;
     e) a procuração de fls. 199 a 203 preenche a previsão dos artigos 218.°, n.º 2, e 144.°, n.º 2, 2) da lei nova;
     f) a análise dessa procuração à luz das indicadas disposições legais é fundamental para que se faça uma avaliação completa e se extraia, com base na prova feita no processo, o sentido verdadeiro do negócio que foi celebrado entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido;
     g) o 2.° Recorrido destacou, em sua defesa, a essencialidade dessa análise nas alegações de direito que apresentou após a audiência de julgamento na Primeira Instância;
     h) a sentença recorrida omite essa análise, o que tem de entender-se como o decaimento do 2.° Recorrido, não obstante vencedor no que tange a decisão propriamente dita, quanto a este fundamento da sua defesa;
     i) ao abrigo do preceituado no artigo 590.º, n.º 1, do CPC, o 2.° Recorrido requer assim que se amplie o âmbito do recurso interposto pelos Recorrentes, de modo a que este fundamento seja apreciado no acórdão do Tribunal de Segunda Instância;
     j) o negócio realizado entre o 1.° Recorrido e os Recorrentes consistiu na transmissão por aquele à 1.ª Recorrente das situações resultantes do contrato de concessão do terreno dos autos, a qual foi feita pela procuração de fls. 199 a 263;
     k) esse negócio era lícito porque legitimado pela lei nova, era definitivo, e colocou o risco da concessão sobre o sujeito activo, a saber, a 1.ª Recorrente ou, por extensão, os Recorrentes;
     I) a hipoteca e a livrança documentadas nos autos pretendiam credibilizara requerimento à DSSOPT e seguravam o risco da procuração, não o do negócio, entendendo-se por risco da procuração a possibilidade da sua extinção por falecimento do 1.° Recorrido ou a perda da sua funcionalidade por acto do 1.° Recorrido;
     m) o negócio realizado pelos Recorrentes e pelo 1.° Recorrido não era um negócio dissimulado sob o mútuo com hipoteca.
     2. Daqui decorre, relativamente ao solicitado pelos Recorrentes a final, a fls. 219 e 220 das suas alegações,46 sob a premissa de não se alterar os factos provados pelo acórdão do Colectivo:
     a) quanto ao pedido (i), na parte em que pretende que se declare que o negócio celebrado entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido foi um acordo provisório (ou seja, aquilo que atrás os Recorrentes designavam como acordo preliminar) que caducou e se extinguiu por impossibilidade superveniente - improcede devido à resposta negativa que foi dada aos quesitos 3.° a 6.°, em particular a do quesito 3.°, que julgou não provado que as partes tivessem celebrado um contrato-promessa; essa resposta aplica-se também ao acordo preliminar que não é mais do que uma variante do contrato-promessa; sinal disso é que os Recorrentes por vezes se referem a ambos, sem conseguirem escolher qual se adequa melhor à sua narrativa;
     b) ainda quanto ao pedido (i), na parte em que se pretende que se declare que o dito negócio foi uma transmissão definitiva dos direitos emergentes da posição contratual do 1.º Recorrido no contrato de concessão que é nula porque não foi autorizada -improcede porque o negócio realizado pelas partes era, de facto, definitivo, mas foi legitimado pelo legislador, correndo o respectivo risco por conta do sujeito activo que era a 1.ª Recorrente ou, por extensão, os Recorrentes;
     c) quanto ao pedido (ii), na parte em que pretende a declaração de nulidade, por simulação, do mútuo com hipoteca - improcede porque isso não foi pedido e porque o valor jurídico do mútuo com hipoteca não tem qualquer interesse per se para a decisão da causa, e só releva como elemento de interpretação do negócio que foi celebrado entre os Recorrentes e a 1.ª Recorrida;
     d) ainda quanto ao pedido (ii) - improcede porque o negócio entre os Recorrentes e a 1.ª Recorrida não foi dissimulado, foi feito à luz do dia, e a procuração de fls. 199 a 203, que é a sua exteriorização visível aos olhos de terceiros, designadamente a DSSOPT, tinha o sentido muito claro, sabido pela generalidade das pessoas e reconhecido pelo legislador, de consubstanciar uma transmissão de situações resultantes da concessão;
     e) quanto ao pedido (iii) - improcede porque parte do princípio incorrecto de que o negócio entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido é nulo e lança mão da figura jurídica da conversão, regulada no artigo 286.° do Código Civil, que se destina à recuperação dos contratos inválidos, para, em vez de fazer convalescer o negócio entre os Recorrentes e o 1.º Recorrido, acabar com ele, o que desvirtua a função do instituto;
     f) quanto ao pedido (iv) - improcede porque o risco do negócio corria por conta do sujeito activo, que era a 1.ª Recorrente ou, por extensão, os Recorrentes;
     g) quanto ao pedido (v) - improcede porque pressupõe a procedência de algum dos pedidos (i) a (iv) (tal como apresentados pelos Recorrentes, a fls. 219 e 220 das suas alegações) e porque, na hipótese de ser revogada a parte da sentença do Tribunal a quo que decretou a nulidade da venda da moradia dos autos pelo 1.º Recorrido ao 2.° Recorrido, as vantagens económicas que o 1.° Recorrido daí retirou têm uma causalidade dupla: a validade da transacção da moradia e a validade do negócio que a precedeu, isto é, o negócio entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido.
     3. Voltemo-nos agora para o pedido subsidiário dos Recorrentes que é o de que se altere a resposta que foi dada aos quesitos 3.° a 6.° da Base Instrutória, os quais o Tribunal Colectivo julgou não provados, mas que, na óptica dos Recorrentes, devem considerar-se provados, o que, consequentemente, deve levar, à procedência e condenação dos Recorridos nos pedidos (i) a (iv) da p.i.47.
     4. Em sustento da sua tese, os Recorrentes seleccionaram excertos de depoimentos de algumas testemunhas.
     5. Contrariando esses depoimentos e as ilações que se pretende deles retirar, vem o 2.° Recorrido submeter ao prudente juízo do Tribunal ad quem outros excertos (excepto num caso, em que se remete para transcrição já efectuada pelos Recorrentes), organizados por temas, como abaixo indicado:
     a) risco do negócio:
     1. depoimento de G:
     - o Sr. G declarou que o 2.° Recorrente tinha tido a "coragem" de assumir a concessão no estado em que ela se encontrava:
Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 16.13.49 (3$S9A@5W04220319)"
01:20:45





H: Já aqui foi dito pelo Meritíssimo Juiz Presidente, este terreno não era passível de uma compra e venda.
Portanto, no futuro teria que ser necessário fazer essa compra e venda ou não?
G: Mas eu não compreendo como compra e venda no futuro?
01:21:22
H: Se este terreno, na altura em que foi feita este negócio, se era passível vender o terreno através de uma escritura pública, que é a forma normal para vender imóveis em Macau.
G: Mas eu não sabia, mas não era compra e venda, apenas era ceder ou alienar melhor dizendo esse direito de desenvolvimento do terreno, à empresa A.
H: E se esses direitos não fossem passíveis de serem exercitados, portanto se esses direitos se extinguissem, então o negócio caía por terra.
01:22:05
G: Mas o Sr. B adquiriu esse direito, ele tinha coragem de conseguir, de desenvolver o terreno.
01:22:13
H: Não, o Sr. disse que isto era para tentar adquirir os direitos, os direitos não foram adquiridos.
O Sr. sabe se esses direitos foram adquiridos, não foram adquiridos?
JUIZ PRESIDENTE (JP): Tem que perguntar à testemunha Sr. Dr..
H: Sabe, sabe se foram adquiridos ou não?
JP: O B adquiriu os direitos de desenvolver o terreno?
01:22:38
G: Ele adquiriu, ele adquiriu para desenvolver.


     2. depoimento de I:
     - o Dr. I disse que as partes discutiram qual delas deveria assumir o risco do negócio, mas não lhe comunicaram o resultado dessa discussão:

Directório "20.3.5 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 05-Mar-2020 at 10.12.57 (3%-S@2BW04220319)"
01:38:55
I: O Sr. Lau deu por satisfeito, acabei de lhe dizer, deu por satisfeito com o dinheiro que recebeu naquela altura, o cheque que recebeu naquela altura e a chave do apartamento que também recebeu naquela altura.
J: Portanto ...
AC: Eh ...
J: Posso?
AC: Perguntar-me-á, mas o risco é de um lado, é do outro, isso é uma questão que foi colocada a eles, eles discutiram entre eles, pediram-me para sair da sala, conferenciaram entre eles e ali chegaram a um acordo entre eles, é algo que eu não posso pronunciar, porque, precisamente porque eu não estava presente.


     b) o que queria o 1.° Recorrente obter do 1.° Recorrido quando se soube da caducidade da concessão:
     1. depoimento de G:
     - declarou que o 2.° Recorrente pediu apenas a devolução de parte do preço:

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 16.13.49 (3$S9A@5W04220319)"
01:22:38



JP: O B queria na altura era que devolvessem o dinheiro e ele ia meter uma acção contra o governo, se ganhasse voltava tudo atrás?
G: É assim, o B disse que esse terreno, pediu para devolver um XXXXadinho de dinheiro não preciso a totalidade somente reaver uma parte do dinheiro, e depois se conseguir ganhar na acção, então consegue com o terreno, então eu disse o Sr. Lau, se tinha transmitido direito de desenvolvimento e já acabou o assunto dele, a responsabilidade dele, se ele consegue ou não desenvolver o terreno, já esse assunto tem de ser resolvido por ele e já não com o Sr. Lau.


     2. depoimento de I:
     - referiu que o 2.° Recorrente lhe disse que tencionava pedir ao 1.° Recorrido que fizessem um acordo, no sentido de que este devolvesse parte do preço:

Directório "20.3.5 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 05-Mar-2020 at 10.12.57 (3%-S@2BW04220319)"
00:35:07
H: Uma vez que o Sr. Dr. tinha sido a pessoa que tinha dado assessoria às partes neste negócio foi assim?
AC: Não, o encontro seria o B e o Sr. Lau, só entre eles.
00:35:18

JP: Portanto o pedido era um encontro entre o B e o Lau no sentido de quê?
AC: De conversarem sobre o negócio que ele tinha informações segundo ele me disse internamente das Obras Públicas de que ia se declarar a caducidade daquele terreno daquela concessão.
00:35:41
JP: E o que é que o Sr. B disse o que é que tencionava falar com o Sr. Lau?
AC: Tencionava reaver parte do dinheiro, de fazer acordo com ele e depois disse expressamente, como o Senhor. manifestou a vontade de ter aquela casa da Avenida da República para viver, eu não vou-lhe prejudicar, em princípio vou-lhe deixar com aquela moradia, só que eu quero ver se ele me dá parte do dinheiro, foi pelo menos foi a conversa que teve naquele momento.


     c) função da hipoteca:
     1. depoimento de G:
     - vai no sentido de que tinha por finalidade acautelar o risco da procuração (não o do negócio);

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro “Recorded on 27-Feb-2020 at 16.13.49 (3$S9A@5W04220319)"
01:20:10

JP: Só para acrescentar, quando diz não queria, não queria assinar a hipoteca?
G: Sim, correcto.
H: Não queria porquê, e por que é que assinou?
G: Porque eu disse a ele o Sr. Lau. Isso para evitar, porque a outra parte tinha medo de que depois apareçam os filhos, ou que o Sr. Lau depois mude ideia, faça então esse direito de desenvolvimento para uma terceira pessoa.


2. depoimento de I:
- v. fls. 144 das alegações dos Recorrentes [00:21:29:AC];
d) lugar da celebração da escritura de hipoteca:
1. depoimento de R:
- o Sr. R disse que a escritura foi celebrada no escritório do 2.°Recorrente:

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Recorded on 27-Feb-2020 at 15.14.07 (3$S7AV6G04220319)
00:33:05
J: Também relativamente ao terreno ou também relativamente à moradia?
JA: Na conversa em que nós fizemos, com o Sr. B, eu e ele, ele disse que qualquer das coisas, qualquer combinação que nós fazemos aqui, ele ia comunicar ao Sr. D.
00:33:25
J: Era tudo feito através do Sr. D?
JA: Sim.
00:33:28
J: Porque, o Sr. até disse que era o Sr. D que depois verificava os documentos, é isso?
JA: Na altura da escritura foi.
00:33:36
J: Na altura da escritura foi. Olhe ...
JA: Sim, na altura da assinatura dos documentos, foi, foi no escritório do Sr. B.


2. acareação entre G e I:
- cada uma destas testemunhas manteve o que já declarara no seu depoimento, ou seja, o Dr. I repetindo que a escritura foi assinada no seu Cartório Notarial e o Sr. G que foi no escritório do 2.º Recorrente;

Directório “20.3.6 CV1-17-0095-CAO#13/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 06-Mar-2020 at 11.19.03 (3%1-HEBMW02620319)"
00:15:37
JP: Vamos avançar para o local.
JP: Estes documentos, a hipoteca e os outros documentos foram assinados, onde é que isto foi assinado?
ClT: B, no gabinete do Sr. B.
00:16:04
JP: Tem a certeza que a Hipoteca foi assinada no gabinete do Sr. B?
G: Certeza.
00:16:16
JP: O Dr. Adelino disse-nos que os documentos foram todos assinados no seu cartório.
00:16:25
JP: G, a hipoteca a livrança, vamos falar do resto, foram assinados no escritório do Dr. Adelino ou no escritório do Sr. B.
G: No gabinete do Sr. B, não foi uma vez, mas várias vezes, antes também fizeram assinaturas no gabinete do Sr. B, o Dr. Correia também esteve lá.
00:17:00
JP: A hipoteca do dia 6 de Novembro, foi no gabinete do Sr. B ou foi no gabinete do Dr. Adelino, vou pôr a pergunta de outra forma, portanto ...
G: De certeza absoluta que foi assinado no escritório do Sr. B.
00:17:22
JP: Alguma uma vez, foram assinar documentos, o Sr. Leu, o Sr. B, ao gabinete do Dr. Adelino, ao cartório do Dr. Adelino.
G: Nesta transacção não.
00:17:40
JP: Dr. Adelino, tem a certeza que foi no seu gabinete?
AC: Sim Dr., porque naqueles que tive intervenção foi no meu escritório, mas o que ele disse não deixa de ser verdade, porque como já disse nós tivemos muitas coisas, e havia momentos em que ele levava o carro pessoal dele e ia-me buscar, mas que não tem nada a ver com este negócio, e de facto houve várias alturas que fui ao gabinete do Sr. B para fazermos coisas, mas a hipoteca, aliás pelo cabeçalho, se eu tivesse feito o documento fora do meu cartório, normalmente, o documento começava assim, que no dia tal num espaço tal, em que me pediram para me deslocar, e normalmente é o que nós fazemos porque tem implicações a nível de emolumentos notariais, parece que se cobra umas trezentas menos um terço, uma coisa qualquer, quer dizer sempre que não haja essa menção é porque foi feita no meu cartório, é a memória que eu tenho.
00:18:44
JP: Sr. Chong, pode tentar rever a sua memória para saber se concretamente este que foi feito no escritório, no cartório do Dr. Adelino, ou se foi feito no escritório do Sr. B?
G: Essa transacção, meritíssimo, eu estou muito claro que assinámos no escritório do Sr. B, porque é uma transação especial, por ser, estar envolvido um valor bastante elevado, e também precisava de hipoteca, e assim eu lembro-me muito bem de que foram assinados no escritório do Sr. B, naquele dia fui eu que peguei no carro, levei o Sr. Lau para lá, dia anterior recebi uma mensagem, mostrei ao Sr. Lau o e-mail disse que não havia problema, então no dia seguinte levei o Sr. Lau para lá para assinar, para o escritório do Sr. B.
00:19:53
JP: Foi no seu cartório?
AC: Foi.
JP: Pronto, mantêm a posição.

     e) perspectivas de ordenamento urbanístico da área de Seac Pai Van:
     1. depoimento de K:
     - o Eng. K declarou que foi revista uma concessão na zona de Seac Pai Van porque a Administração tinha projectado habitação económica para ali, de acordo com um plano que, embora não formalmente aprovado, estava a ser implementado em termos práticos:
     
Directório "20.3.5 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 05-Mar-2020 at 15.25.40 (3%{Q10W04220319)"
00:21:00
H: O Sr. Eng. sabe se houve alguma revisão das concessões ou das condições da concessão, nomeadamente, ao nível da finalidade dalgum desses lotes e nomeadamente deste, ou aquilo apesar desta intenção manifestada pelo Governo nunca passou ou papel?
K: Só houve um que foi já muito para, quando se estava a executar uma parte do plano de uma habitação económica, na habitação social, e que houve necessidade por causa de um arruamento, fez-se uma revisão, agora não sei qual é o lote, mas não é este.
Portanto fez-se uma revisão e, portanto, conforme o plano dito não aprovado, mas está a ser executado, já está, sei lá, noventa e tal porcento executado, e esse lote foi aprovado para habitação.


     2. depoimento de L:
     - a Dra. L disse que se recordava de pelo menos uma revisão de concessão para a zona porque a RAEM queria construir ali habitação pública, o que implicou a reversão parcial duma concessão, com reajustamento do terreno concessionado e renovação da concessão.

Directório "20.3.6 CV1-17-0095-CAO#13/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 06-Mar-2020 at 15.13.32 (3%17A!L102620319"
00:07:40
H: Eu perguntava-lhe foi aqui dito que, falou-se nisso, que a partir de certa altura que a Administração de Macau, ainda penso eu no tempo da Administração Portuguesa, terá decidido que estes lotes de Seac Pai Van não deveriam ser aproveitados com indústria, isto é assim?
L: Sim, chegou a ser feito estudos urbanísticos para alteração de finalidade, não direi, eles chamam planos, mas digamos, um plano tem uma série de documentos, embora na altura não houvesse nenhuma lei de planeamento, mas tem de ter pelo menos um regulamento do plano, mas eram seguramente estudos urbanísticos, com loteamentos, com alterações da configuração, creio, do espaço urbano.
H: E esse estudo, ou esse estudo que foi feito chegou a concretizar-se ou não?
NP: Não, nunca chegou a concretizar-se.
H: Portanto nunca houve mudanças de finalidades formais ou sequer avançou-se por esse sentido para estes lotes?
NP: Não apenas creio que, pelo menos um, talvez um dos lotes que eu me lembro já durante após a RAEM, porque a RAEM como necessitou de construir habitação pública económica e social, em Seac Pai Van, houve pelo menos um lote que portanto, que foi que reverteu à RAEM, não na sua totalidade, mas parte dele e foi feito o reajustamento e foi feita uma nova concessão


     6. Apreciando mais de perto estes depoimentos, realçamos a genuinidade da declaração da testemunha G acerca do risco do negócio, ao classificar a atitude do 1.º Recorrente como "corajosa",48 e a relevância da declaração do Dr. I sobre a mesma questão, ao afirmar que não sabia em que sentido ficou decidida entre as partes.
     7. Tratando-se dum advogado que acompanhou as negociações e que documentou o acordo a que as partes chegaram (na veste de notário privado, no que concerne a escritura de hipoteca), o Dr. I forçosamente entendeu que por "risco do negócio" se estava aludindo à questão de saber o que é que aconteceria ao preço já pago, se não se conseguisse a revisão da concessão ou se esta caducasse. Falamos da alea do contrato que é um conceito familiar a qualquer jurista.
     8. Declarando que não sabia qual das partes assumira o risco do negócio, o Dr. I tinha a perfeita noção de que estava a pôr em causa a tese dos Recorrentes de que o seu negócio com o 1.° Recorrido era apenas um contrato-promessa49 e que a hipoteca fora constituída para assegurar o retorno do preço aos Recorrentes, no caso de se gorar a sua expectativa de revisão da concessão e realização do correspondente aproveitamento do terreno. Isto porque a versão do contrato-promessa e de a hipoteca garantir o reembolso do preço, se as coisas corressem ao arrepio do que os Recorrentes esperavam, é incompatível com a alocação do risco do negócio aos Recorrentes. Ora, se é certo que o Dr. I não declarou que o risco do negócio pertencia aos Recorrentes, não é menos certo que não excluiu essa possibilidade.
     9. Imputar a alea do contrato aos Recorrentes, significava que eles lucrariam se tudo corresse bem, mas sofreriam uma perda no caso contrário. Foi o que aconteceu. Exactamente o que os decidiu a correr o risco, o 2.° Recorrido não sabe, mas, como é frequente no mundo dos negócios, a ambição, não de lucrar, mas de lucrar muito, deve ter-lhes incutido a tal "coragem" de que falou a testemunha G. A esse factor, juntar-se-á a deficiente informação que o 2.° Recorrente tinha sobre os planos do Governo para Seac Pai Van (v. parágrafo 118 infra).
     10. Associada ao risco do negócio é a questão de saber o que queria o 2.° Recorrente do 1.° Recorrido quando soube da caducidade da concessão. Ora, os depoimentos recolhidos acima são coincidentes: o 2.° Recorrente pediu, não exigiu, que se chegasse a um acordo para devolução de parte do preço, não da totalidade.
     11. Se a versão do negócio traçada pelos Recorrentes fosse verdadeira, ele não pedia, exigia, e não sena uma parle, mas a totalidade do preço pago. Além disso, teria executado o 1.° Recorrido, recorrendo à livrança que estava em seu poder, e não instaurava esta acção declarativa - mais de dez meses depois de publicada a declaração de caducidade da concessão;50 dez meses para deduzir uma pretensão em juízo, quando se está coberto de razão?
     12. Sobre a função da hipoteca, o que a testemunha G referiu corrobora a posição de que tinha por finalidade acautelar o risco da procuração (não do negócio).51
     13. Ainda quanto a este assunto, é elucidativo o depoimento do Dr. I. Diz ele que aquela se destinava "basicamente" a fundamentar o requerimento à DSSOPT,52 o que quer dizer que outros desígnios que as partes tivessem relativamente à hipoteca eram secundários. Logo, assegurar o reembolso do preço, no caso de as coisas correrem mal para os Recorrentes, seria secundário. Mas, secundário como, se os Recorrentes andam há anos a tentar recuperar os HK$360,000,000.00 que pagaram ao 1.° Recorrido? Embora, após insistência do Ilustre Mandatário dos Recorrentes, o Dr. I tenha acrescentado propósitos para a constituição da hipoteca ligados à possibilidade de insucesso do negócio, aquela sua primeira afirmação, espontânea e genuína, abala o argumento de que a hipoteca garantia a devolução do preço se a concessão não fosse revista ou caducasse; é que os outros propósitos, se existissem, acudiam logo à mente da testemunha, não eram revelados em segundo lugar, atrás da necessidade de credibilizar o requerimento à DSSOPT e da eventualidade do falecimento do 1.º Recorrido, e só em reacção a uma pergunta do Advogado dos Recorrentes que já trazia a resposta.53
     14. No tocante ao lugar da celebração da escritura, o depoimento do Dr. Adelino Carreia está isolado. As testemunhas R e G disseram que esse lugar foi o escritório do 2.° Recorrente, enquanto o Dr. I apontou categoricamente o seu Cartório Notarial, mesmo durante e apesar da sua acareação com o Sr. G.
     15. A recusa do Dr. I em reconhecer que foi ao escritório do 2.° Recorrente para celebrar a escritura de hipoteca - facto a apurar em sede própria - prende-se com o significado dessa deslocação fora do cartório. Múltiplas são as razões por que um notário privado pode fazê-lo, mas uma delas é a importância que quem solicita o serviço no domicílio tem para aquele, agora na sua qualidade de advogado, e a posição que essa pessoa ocupa como parte na transacção, quando esteja em causa um negócio bilateral.
     16. Os notários privados vão aos bancos fazer escrituras, como vão aos escritórios dos seus clientes importantes, designadamente se convocados para realizar um acto referente a um negócio importante do cliente. Foi isto que aconteceu porque, apesar de ter dito o contrário, o Dr. I foi ao escritório do 2.° Recorrente celebrar a escritura de hipoteca. Esta circunstância põe em destaque a perspectiva dos Recorridos, que é a verdadeira, de que a iniciativa do negócio dos autos pertenceu ao 2.º Recorrente, que o Dr. I trabalhou para ele, e que o 2.º Recorrente foi o motor do processo até à sua conclusão e assumiu o respectivo risco porque acreditava que seria bem-sucedido e queria fechar o contrato. Não é, porém, compatível com a versão dos Recorrentes de que coube ao 1.º Recorrido a iniciativa e o protagonismo da negociação; se protagonizou, então o normal seria que fosse ele, 1.º Recorrido, a chamar o notário e não o inverso.
     17. Note-se que não foi só o Dr. I quem foi ao escritório do 2.° Recorrente; o 1.° Recorrido também lá foi, sendo que ele reside em Macau e o escritório do 2.º Recorrente situa-se no XXXX, Taipa. Onde está a liderança aqui? No 2.º Recorrente, obviamente, como é de esperar por banda do sujeito que assume o risco do negócio.
     18. O 2.º Recorrido desconhece por que motivo o Dr. I negou ter ido ao escritório do 2.º Recorrente oficiar a escritura de hipoteca. Objectivamente, porém, essa negação afastava um indício claro do protagonismo do 2.º Recorrente, protagonismo que era consistente com a arguição dos Recorridos de que foi o 2.º Recorrente quem tomou sobre si o risco do negócio.
     19. Finalmente, falemos nas perspectivas de ordenamento urbanístico da área de Seac Pai Van.
     20. Conjugando as declarações do Eng. K e da Dra. L com o requerimento à DSSOPT, percebe-se claramente que o 2.º Recorrente se informou mal; julgou que a revisão da outra concessão de Seac Pai Van, que aconteceu realmente, não era um caso pontual, mas o começo dum processo de revisão de concessões naquela área que obedecia a um plano urbanístico já definido e aprovado pelo Governo. E resolveu tentar a sua sorte.
     21. Em conclusão, perante os depoimentos supra, e atentos os documentos e demais sinais dos autos, o pedido subsidiário dos Recorrentes de que se altere a resposta aos quesitos 3.º a 6.º está igualmente condenado a fracassar.
     A terminar, ainda uma observação sobre o Parecer.54
     Admiramos a excelência do trabalho académico do seu autor, realizado em prol das gerações sucessivas de juristas que se vão formando em Macau, e a sabedoria e percuciência patentes nos seus escritos como consultor que temos tido o privilégio de ler. Respeitamos, embora discordando globalmente e no detalhe, a valoração de documentos e peças processuais e o enquadramento legal que se lhes dá no Parecer. Todavia, e agora fala o jurista, praticante do direito, não o 2.° Recorrido, é incompreensível como pôde responder-se em sessenta e sete páginas à consulta formulada pelos Recorrentes, expendendo sobre actuações "imaculadas", "pecaminosas" e "sub rosa", sem se apreciar a procuração de fls. 199 a 203, em face dos artigos 218.º, n.º 2, e 144.º, n.º 2, 2), da lei nova.55
     E, sobretudo, não compreendemos que nem uma linha se tenha escrito a reflectir sobre um pagamento de HK$360,000,000.00, feito à cabeça, no contexto dum negócio que se quis configurar como um contrato-promessa / acordo preliminar, a que os Recorrentes só teriam começado a dar execução, rumo ao contrato prometido / definitivo / final, quatro meses depois da sua conclusão (de 6 de Novembro de 2013, data da realização do negócio, a 4 de Março de 2014, data da entrada do requerimento dos Recorrentes na DSSOPT, vão quatro meses) e que não fixava um prazo-limite para a celebração do contrato prometido / definitivo / final (segundo o Parecer, esse contrato seria a cessão formal da posição contratual de concessionário pelo 1.º Recorrido à 1.ª Recorrente).
     Qualquer pessoa se interrogaria sobre o porquê de tão inusitado comportamento. Se o quadro configurado é fiel à realidade, o que explica, qual foi a causa, daquele pagamento integral do preço feito antes do contrato prometido? O Parecer responde formalmente, identificando o título jurídico e não gastando um instante sequer com a vontade psicológica dos sujeitos.
     O que se lê no Parecer é que a causa do pagamento do preço (à cabeça)56 foi a celebração do acordo preliminar (cf., designadamente, fls. 62-63).
     A hipótese "alienação onerosa" é aí aflorada em abstracto, mas depois rejeitada porque não permite "uma explicação coerente do complexo esquema negocial que as partes montaram", ou seja, não explica por que é que, se se estava a fazer uma alienação, o 1.º Recorrido conferiu, na perspectiva do Parecer, uma garantia de reembolso do preço aos Recorrentes. Mas a pergunta ficaria sempre no ar, posta ao contrário - se o preço não era relativo a uma alienação, mas sim a uma promessa, então por que é que foi logo pago in totum?
     Interrogações para que o Parecer não procurou resposta. É o elefante na sala.
*
    C, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1384 a 1431, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. EM RESUMO E CONCLUINDO:
I. O artigo 144.°, n.º 2, al. 2), da nova Lei de Terras estabelece a presunção legal de que a outorga de procurações com as características ali referidas é uma transmissão de situações resultantes da concessão;
II. a consagração da presunção legal tem implícito o reconhecimento pelo legislador de que, no passado, se recorria a esse método para transmitir situações resultantes da concessão;
III. o artigo 218.°, n.º 2, da lei nova excluiu a presunção legal relativamente às procurações que, tendo embora as características referidas no seu artigo 144.º, n.º 2, al. 2), tenham sido outorgadas antes de 1 de Março de 2014;
IV. a exclusão não significa que, materialmente, as aludidas procurações não transmitissem situações resultantes da concessão, mas tão só que o legislador quis legitimar a transmissão, por esse meio, de situações resultantes da concessão, efectuada antes de 1 de Março de 2014; os respectivos intervenientes ficaram a salvo de alguma investigação que a Administração quisesse levar a cabo (para confirmar que a procuração visava de facto o que parecia e poder assim rescindir o contrato de concessão, em virtude de a transmissão não ter sido autorizada); deu-se, pois, estabilidade aos efeitos jurídicos produzidos por tais negócios ao longo de décadas com a complacência da Administração;
V. a procuração de fls. 199 a 203 preenche a previsão dos artigos 218.°, n.º 2, e 144.°, n.º 2, al. 2) da nova lei;
VI. a análise dessa procuração à luz das indicadas disposições legais é fundamental para que se faça uma avaliação completa e se extraia, com base na prova feita no processo, o sentido verdadeiro do negócio que foi celebrado entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido;
VII. o 2.° Recorrido destacou, em sua defesa, a essencialidade dessa análise nas alegações de direito que apresentou após a audiência de julgamento na Primeira Instância;
VIII. a sentença recorrida omite essa análise, o que tem de entender-se como decaimento, não obstante os Réus tenham vencido no que tange a decisão propriamente dita, quanto a este fundamento da sua defesa;
IX. ao abrigo do preceituado no artigo 590.°, n.º 1, do CPC, o 2.° Recorrido requer assim que se amplie o âmbito do recurso interposto pelos Recorrentes, de modo a que este fundamento seja apreciado no acórdão do Tribunal de Segunda Instância;
X. o negócio realizado entre o 1.° Recorrido e os Recorrentes consistiu na transmissão, por aquele à 1.ª Recorrente, das situações resultantes do contrato de concessão do terreno dos autos, a qual foi feita pela procuração de fls. 199 a 203;
XI. esse negócio era lícito porque legitimado pela nova lei nova, era definitivo, e colocou o risco da concessão sobre o sujeito activo, a saber, a 1.ª Recorrente ou, por extensão, os Recorrentes;
XII. a hipoteca e a livrança documentadas nos autos pretendiam credibilizar o requerimento à DSSOPT e seguravam o risco da procuração, não o risco do negócio, entendendo-se por risco da procuração a possibilidade da sua extinção por falecimento do 1.º Recorrido ou a perda da sua funcionalidade por acto do 1.º Recorrido;
XIII. o negócio realizado pelos Recorrentes e pelo 1.° Recorrido não era um negócio dissimulado sob o mútuo com hipoteca.
2. Daqui decorre, relativamente ao solicitado pelos Recorrentes a final, a fls. 219 e 220 das suas alegações57, sob a premissa de não se alterar os factos provados pelo acórdão do Colectivo:
I. quanto ao pedido (i), na parte em que pretende que se declare que o negócio   celebrado entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido foi um acordo provisório (ou seja, aquilo que anteriormente os Recorrentes designavam como “acordo preliminar”) que caducou e se extinguiu por impossibilidade superveniente - improcede devido à resposta negativa que foi dada aos quesitos 3.° a 6.°, em particular a do quesito 3.°, que julgou não provado que as partes tivessem celebrado um contrato-promessa; essa resposta aplica-se também ao acordo preliminar ou ao acordo provisório que não é mais do que uma variante do contrato-promessa; sinal disso é que os Recorrentes por vezes se referem a ambos, sem conseguirem escolher qual se adequa melhor à sua narrativa;
II. ainda quanto ao pedido (i), na parte em que se pretende que se declare que o dito negócio foi uma transmissão definitiva dos direitos emergentes da posição contratual do 1.° Recorrido no contrato de concessão que é nula porque não foi autorizada - improcede porque o negócio realizado pelas partes era, de facto, definitivo, mas foi legitimado pelo legislador, correndo o respectivo risco por conta do sujeito activo que era a 1.ª Recorrente ou, por extensão, os Recorrentes;
III. quanto ao pedido (ii), na parte em que pretende a declaração de nulidade, por simulação, do mútuo com hipoteca - improcede porque isso não foi pedido e porque o valor jurídico do mútuo com hipoteca não tem qualquer interesse per se para a decisão da causa, e só releva como elemento de interpretação do negócio que foi celebrado entre os Recorrentes e a 1.ª Recorrida;
IV. ainda quanto ao pedido (ii) - improcede porque o negócio entre os Recorrentes e a 1.ª Recorrida não foi dissimulado, foi feito à luz do dia, e a procuração de fls. 199 a 203, que é a sua exteriorização visível aos olhos de terceiros, designadamente a DSSOPT, tinha o sentido muito claro, sabido pela generalidade das pessoas e reconhecido pelo legislador, de consubstanciar uma transmissão de situações resultantes da concessão;
V. quanto ao pedido (iii) - improcede porque parte do princípio incorrecto de que o negócio entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido é nulo e lança mão da figura jurídica da conversão, regulada no artigo 286.° do Código Civil, que se destina à recuperação dos contratos inválidos, para, em vez de fazer convalescer o negócio entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido, acabar com ele, o que desvirtua a função do instituto;
VI. quanto ao pedido (iv) - improcede porque o risco do negócio corria por conta do sujeito activo, que era a 1.ª Recorrente ou, por extensão, os Recorrentes;
VII. quanto ao pedido (v) - improcede porque pressupõe a procedência de algum dos pedidos (i) a (iv) (tal como apresentados pelos Recorrentes, a fls. 219 e 220 das suas alegações) e porque, na hipótese de ser revogada a parte da sentença do Tribunal a quo que decretou a nulidade da venda da moradia dos autos pelo 1.° Recorrido ao 2.° Recorrido, as vantagens económicas que o 1.º Recorrido daí retirou têm uma causalidade dupla: a validade da transacção da moradia e a validade do negócio que a precedeu, isto é, o negócio entre os Recorrentes e o 1.° Recorrido.
III. Da alteração da matéria de facto
3. Voltemo-nos agora para o pedido subsidiário dos Recorrentes que é o de que se altere a resposta que foi dada aos quesitos 3.° a 6.° da Base Instrutória, os quais o Tribunal Colectivo julgou não provados, mas que, na óptica dos Recorrentes, devem considerar-se provados, o que, consequentemente, deve levar à procedência e condenação dos Recorridos nos pedidos (i) a (iv) da p.i.58.
4. Em sustento da sua tese, os Recorrentes seleccionaram excertos de depoimentos de algumas testemunhas.
5. Contrariando esses depoimentos e as ilações que se pretende deles retirar, vem o 1.º Recorrido submeter ao prudente juízo deste Tribunal Superior outros tantos excertos (excepto num caso, em que se remete para transcrição já efectuada pelos Recorrentes), organizados por temas, como abaixo indicado:
a) Do risco do negócio:
1. depoimento de G: declarou que o 2.° Recorrente B tinha tido a "coragem" de assumir a concessão no estado em que ela se encontrava:
Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 16.13.49 (3$S9A@5W04220319)"
01:20:45





H: Já aqui foi dito pelo Meritíssimo Juiz Presidente, este terreno não era passível de uma compra e venda.
Portanto, no futuro teria que ser necessário fazer essa compra e venda ou não?
G: Mas eu não compreendo, como compra e venda no futuro?
01:21:22
H: Se este terreno, na altura em que foi feita este negócio, se era passível vender o terreno através de uma escritura pública, que é a forma normal para vender imóveis em Macau.
G: Mas eu não sabia, mas não era compra e venda, apenas era ceder ou alienar, melhor dizendo, esse direito de desenvolvimento do terreno à empresa A.
H: E se esses direitos não fossem passíveis de serem exercitados, portanto se esses direitos se extinguissem, então o negócio caía por terra.
01:22:05
G: Mas o Sr. B adquiriu esse direito, ele tinha coragem de conseguir, de desenvolver o terreno.
01:22:13
H: Não, o Sr. disse que isto era para tentar adquirir os direitos, os direitos não foram adquiridos.
O Sr. sabe se esses direitos foram adquiridos, não foram adquiridos?
JUIZ PRESIDENTE (JP): Tem que perguntar à testemunha Sr. Dr..
H: Sabe, sabe se foram adquiridos ou não?
JP: O B adquiriu os direitos de desenvolver o terreno?
01:22:38
G: Ele adquiriu, ele adquiriu para desenvolver.

2. Depoimento de I: disse que as partes discutiram qual delas deveria assumir o risco do negócio, mas não lhe comunicaram o resultado dessa discussão:

Directório "20.3.5 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 05-Mar-2020 at 10.12.57 (3%-S@2BW04220319)"
01:38:55
I: O Sr. Lau deu por satisfeito, acabei de lhe dizer, deu por satisfeito com o dinheiro que recebeu naquela altura, o cheque que recebeu naquela altura e a chave do apartamento que também recebeu naquela altura.
J: Portanto ...
I: Eh ...
J: Posso?
I: Perguntar-me-á, mas o risco é de um lado, é do outro, isso é uma questão que foi colocada a eles, eles discutiram entre eles, pediram-me para sair da sala, conferenciaram entre eles e ali chegaram a um acordo entre eles, é algo que eu não posso pronunciar, porque, precisamente porque eu não estava presente.

b) Do que queria o 1.° Recorrente obter do 1.° Recorrido quando se soube da caducidade da concessão:
1. Depoimento de G: declarou que o 2.° Recorrente pediu apenas a devolução de parte do preço:

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 16.13.49 (3$S9A@5W04220319)"
01:22:38



JP: O B queria na altura era que devolvessem o dinheiro e ele ia meter uma acção contra o governo, se ganhasse voltava tudo atrás?
G: É assim, o B disse que esse terreno, pediu para devolver um XXXXadinho de dinheiro não preciso a totalidade somente reaver uma parte do dinheiro, e depois se conseguir ganhar na acção, então consegue com o terreno, então eu disse o Sr. Lau, se tinha transmitido direito de desenvolvimento e já acabou o assunto dele, a responsabilidade dele, se ele consegue ou não desenvolver o terreno, já esse assunto tem de ser resolvido por ele e já não com o Sr. Lau.

2. Depoimento de I: referiu que o 2.° Recorrente lhe disse que tencionava pedir ao 1.° Recorrido que fizessem um acordo, no sentido de que este devolvesse parte do preço:

Directório "20.3.5 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 05-Mar-2020 at 10.12.57 (3%-S@2BW04220319)"
00:35:07
H: Uma vez que o Sr. Dr. tinha sido a pessoa que tinha dado assessoria às partes neste negócio foi assim?
I: Não, o encontro seria o B e o Sr. Lau, só entre eles.
00:35:18

JP: Portanto o pedido era um encontro entre o B e o Lau no sentido de quê?
I: De conversarem sobre o negócio que ele tinha informações segundo ele me disse internamente das Obras Públicas de que ia se declarar a caducidade daquele terreno daquela concessão.
00:35:41
JP: E o que é que o Sr. B disse o que é que tencionava falar com o Sr. Lau?
I: Tencionava reaver parte do dinheiro, de fazer acordo com ele e depois disse expressamente, como o Senhor. manifestou a vontade de ter aquela casa da Avenida da República para viver, eu não vou-lhe prejudicar, em princípio vou-lhe deixar com aquela moradia, só que eu quero ver se ele me dá parte do dinheiro, foi pelo menos foi a conversa que teve naquele momento.

c) Da função da hipoteca:
1. Depoimento de G: vai no sentido de que tinha por finalidade acautelar o risco da procuração (não o do negócio);

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro “Recorded on 27-Feb-2020 at 16.13.49 (3$S9A@5W04220319)"
01:20:10

JP: Só para acrescentar, quando diz não queria, não queria assinar a hipoteca?
G: Sim, correcto.
H: Não queria porquê, e por que é que assinou?
G: Porque eu disse a ele o Sr. Lau. Isso para evitar, porque a outra parte tinha medo de que depois apareçam os filhos, ou que o Sr. Lau depois mude ideia, faça então esse direito de desenvolvimento para uma terceira pessoa.

2. Depoimento de I: v. fls. 144 das alegações dos Recorrentes [00:21:29:AC];

d) Do lugar da celebração da escritura de hipoteca:
1. Depoimento de R: disse que a escritura foi celebrada no escritório do 2.°Recorrente:

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Recorded on 27-Feb-2020 at 15.14.07 (3$S7AV6G04220319)
00:33:05
J: Também relativamente ao terreno ou também relativamente à moradia?
JA: Na conversa em que nós fizemos, com o Sr. B, eu e ele, ele disse que qualquer das coisas, qualquer combinação que nós fazemos aqui, ele ia comunicar ao Sr. D.
00:33:25
J: Era tudo feito através do Sr. D?
JA: Sim.
00:33:28
J: Porque, o Sr. até disse que era o Sr. D que depois verificava os documentos, é isso?
JA: Na altura da escritura foi.
00:33:36
J: Na altura da escritura foi. Olhe ...
JA: Sim, na altura da assinatura dos documentos, foi, foi no escritório do Sr. B.

2. Acareação entre G e I: cada uma destas testemunhas manteve o que já declarara no seu depoimento, ou seja, o Dr. I repetindo que a escritura foi assinada no seu Cartório Notarial e o Sr. G que foi no escritório do 2.º Recorrente;

Directório “20.3.6 CV1-17-0095-CAO#13/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 06-Mar-2020 at 11.19.03 (3%1-HEBMW02620319)"
00:15:37
JP: Vamos avançar para o local.
JP: Estes documentos, a hipoteca e os outros documentos foram assinados, onde é que isto foi assinado?
ClT: B, no gabinete do Sr. B.
00:16:04
JP: Tem a certeza que a Hipoteca foi assinada no gabinete do Sr. B?
G: Certeza.
00:16:16
JP: O Dr. Adelino disse-nos que os documentos foram todos assinados no seu cartório.
00:16:25
JP: G, a hipoteca a livrança, vamos falar do resto, foram assinados no escritório do Dr. Adelino ou no escritório do Sr. B.
G: No gabinete do Sr. B, não foi uma vez, mas várias vezes, antes também fizeram assinaturas no gabinete do Sr. B, o Dr. Correia também esteve lá.
00:17:00
JP: A hipoteca do dia 6 de Novembro, foi no gabinete do Sr. B ou foi no gabinete do Dr. Adelino, vou pôr a pergunta de outra forma, portanto ...
G: De certeza absoluta que foi assinado no escritório do Sr. B.
00:17:22
JP: Alguma uma vez, foram assinar documentos, o Sr. Leu, o Sr. B, ao gabinete do Dr. Adelino, ao cartório do Dr. Adelino.
G: Nesta transacção não.
00:17:40
JP: Dr. Adelino, tem a certeza que foi no seu gabinete?
I: Sim Dr., porque naqueles que tive intervenção foi no meu escritório, mas o que ele disse não deixa de ser verdade, porque como já disse nós tivemos muitas coisas, e havia momentos em que ele levava o carro pessoal dele e ia-me buscar, mas que não tem nada a ver com este negócio, e de facto houve várias alturas que fui ao gabinete do Sr. B para fazermos coisas, mas a hipoteca, aliás pelo cabeçalho, se eu tivesse feito o documento fora do meu cartório, normalmente, o documento começava assim, que no dia tal num espaço tal, em que me pediram para me deslocar, e normalmente é o que nós fazemos porque tem implicações a nível de emolumentos notariais, parece que se cobra umas trezentas menos um terço, uma coisa qualquer, quer dizer sempre que não haja essa menção é porque foi feita no meu cartório, é a memória que eu tenho.
00:18:44
JP: Sr. Chong, pode tentar rever a sua memória para saber se concretamente este que foi feito no escritório, no cartório do Dr. Adelino, ou se foi feito no escritório do Sr. B?
G: Essa transacção, meritíssimo, eu estou muito claro que assinámos no escritório do Sr. B, porque é uma transação especial, por ser, estar envolvido um valor bastante elevado, e também precisava de hipoteca, e assim eu lembro-me muito bem de que foram assinados no escritório do Sr. B, naquele dia fui eu que peguei no carro, levei o Sr. Lau para lá, dia anterior recebi uma mensagem, mostrei ao Sr. Lau o e-mail disse que não havia problema, então no dia seguinte levei o Sr. Lau para lá para assinar, para o escritório do Sr. B.
00:19:53
JP: Foi no seu cartório?
I: Foi.
JP: Pronto, mantêm a posição.

e) Das perspectivas de ordenamento urbanístico da área de Seac Pai Van:
1. Depoimento de K: declarou que foi revista uma concessão na zona de Seac Pai Van porque a Administração tinha projectado habitação económica para ali, de acordo com um plano que, embora não formalmente aprovado, estava a ser implementado em termos práticos:

Directório "20.3.5 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 05-Mar-2020 at 15.25.40 (3%{Q10W04220319)"
00:21:00
H: O Sr. Eng. sabe se houve alguma revisão das concessões ou das condições da concessão, nomeadamente, ao nível da finalidade dalgum desses lotes e nomeadamente deste, ou aquilo apesar desta intenção manifestada pelo Governo nunca passou ou papel?
K: Só houve um que foi já muito para, quando se estava a executar uma parte do plano de uma habitação económica, na habitação social, e que houve necessidade por causa de um arruamento, fez-se uma revisão, agora não sei qual é o lote, mas não é este.
Portanto fez-se uma revisão e, portanto, conforme o plano dito não aprovado, mas está a ser executado, já está, sei lá, noventa e tal porcento executado, e esse lote foi aprovado para habitação.


2. Depoimento de L: disse que se recordava de pelo menos uma revisão de concessão para a zona porque a RAEM queria construir ali habitação pública, o que implicou a reversão parcial duma concessão, com reajustamento do terreno concessionado e renovação da concessão.

Directório "20.3.6 CV1-17-0095-CAO#13/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 06-Mar-2020 at 15.13.32 (3%17A!L102620319"
00:07:40
H: Eu perguntava-lhe foi aqui dito que, falou-se nisso, que a partir de certa altura que a Administração de Macau, ainda penso eu no tempo da Administração Portuguesa, terá decidido que estes lotes de Seac Pai Van não deveriam ser aproveitados com indústria, isto é assim?
L: Sim, chegou a ser feito estudos urbanísticos para alteração de finalidade, não direi, eles chamam planos, mas digamos, um plano tem uma série de documentos, embora na altura não houvesse nenhuma lei de planeamento, mas tem de ter pelo menos um regulamento do plano, mas eram seguramente estudos urbanísticos, com loteamentos, com alterações da configuração, creio, do espaço urbano.
H: E esse estudo, ou esse estudo que foi feito chegou a concretizar-se ou não?
NP: Não, nunca chegou a concretizar-se.
H: Portanto nunca houve mudanças de finalidades formais ou sequer avançou-se por esse sentido para estes lotes?
NP: Não apenas creio que, pelo menos um, talvez um dos lotes que eu me lembro já durante após a RAEM, porque a RAEM como necessitou de construir habitação pública económica e social, em Seac Pai Van, houve pelo menos um lote que portanto, que foi que reverteu à RAEM, não na sua totalidade, mas parte dele e foi feito o reajustamento e foi feita uma nova concessão

6. Apreciando mais de perto estes depoimentos, realçamos a genuinidade da declaração da testemunha G acerca do risco do negócio, ao classificar a atitude do 1.° Recorrente B como "corajosa"59, e a relevância da declaração do Dr. I sobre a mesma questão, ao afirmar que não sabia em que sentido ficou decidida entre as partes.
7. Tratando-se dp advogado que acompanhou as negociações e que documentou o acordo a que as partes chegaram (na veste de notário privado, no que concerne à escritura de hipoteca), o Dr. I forçosamente entendeu que por "risco do negócio" se estava aludindo à questão de saber o que é que aconteceria ao preço já pago, se não se conseguisse a revisão da concessão ou se esta caducasse. Falamos da alea do contrato que é um conceito familiar a qualquer jurista.
8. Declarando que não sabia qual das partes assumira o risco do negócio, o Dr. I tinha a perfeita noção de que estava a pôr em causa a tese dos Recorrentes de que o seu negócio com o 1.° Recorrido era apenas um contrato-promessa60 e que a hipoteca fora constituída para assegurar o retorno do preço aos Recorrentes, no caso de se gorar a sua expectativa de revisão da concessão e realização do correspondente aproveitamento do terreno. Isto porque a versão do contrato-promessa e de a hipoteca garantir o reembolso do preço, se as coisas corressem ao arrepio do que os Recorrentes esperavam, é incompatível com a alocação do risco do negócio aos Recorrentes. Ora, se é certo que o Dr. I não declarou que o risco do negócio pertencia aos Recorrentes, não é menos certo que não excluiu essa possibilidade.
9. Imputar a alea do contrato aos Recorrentes, significava que eles lucrariam se tudo corresse bem, mas sofreriam uma perda no caso contrário. Foi o que aconteceu. O que os decidiu a correr o risco, o 1.° Recorrido não pode assegurar, mas, como é frequente no mundo dos negócios, a ambição, não de lucrar, mas de lucrar muito, deve ter-lhes incutido a tal "coragem" de que falou a testemunha G. A esse factor, juntar-se-á a deficiente informação que o 2.° Recorrente tinha sobre os planos do Governo para Seac Pai Van (v. parágrafo 144 infra).
10. Associada ao risco do negócio é a questão de saber o que queria o 2.° Recorrente do 1.° Recorrido quando soube da caducidade da concessão. Ora, os depoimentos recolhidos acima são coincidentes: o 2.° Recorrente pediu, não exigiu, que se chegasse a um acordo para devolução de parte do preço, não da totalidade.
11. Se a versão do negócio traçada pelos Recorrentes fosse verdadeira, ele não pedia, exigia; e não seria apenas urna: parte, mas a totalidade do preço pago. Além disso, teria executado o 1.° Recorrido, recorrendo à livrança que estava em seu poder, e não instaurava esta acção declarativa - mais de dez meses depois de publicada a declaração de caducidade da concessão61; ora, porquê dez meses para deduzir uma pretensão em juízo, quando se está coberto de razão?
12. Sobre a função da hipoteca, o que a testemunha G referiu corrobora a posição de que tinha por finalidade acautelar o risco da procuração (não do negócio)62.
13. Ainda quanto a este assunto, é elucidativo o depoimento do Dr. I. Diz este que aquela se destinava "basicamente" a fundamentar o requerimento para a DSSOPT63, o que quer dizer que outros desígnios que as partes tivessem relativamente à hipoteca eram secundários. Logo, assegurar o reembolso do preço, no caso de as coisas correrem mal para os Recorrentes, seria secundário. Mas, como secundário, se os Recorrentes andam há anos a tentar recuperar os HK$360,000,000.00 que pagaram ao 1.° Recorrido? Embora, após insistência do Ilustre Mandatário dos Recorrentes, o Dr. I tenha acrescentado propósitos para a constituição da hipoteca ligados à possibilidade de insucesso do negócio, aquela sua primeira afirmação, espontânea e genuína, abala o argumento de que a hipoteca garantia a devolução do preço se a concessão não fosse revista ou caducasse; é que os outros propósitos, se existissem, acudiriam logo à mente da testemunha, não sendo revelados em segundo lugar, atrás da necessidade de credibilizar o requerimento à DSSOPT e da eventualidade do falecimento do 1.º Recorrido. Acresce que só em reacção a uma pergunta do Advogado dos Recorrentes depôs noutro sentido64.
14. No tocante ao lugar da celebração da escritura, o depoimento do Dr. I está isolado. As testemunhas R e G disseram que esse lugar foi o escritório do 2.° Recorrente, enquanto o Dr. I apontou categoricamente o seu Cartório Notarial, mesmo durante e apesar da sua acareação com o Sr. G.
15. A recusa do Dr. I em reconhecer que foi ao escritório do 2.º Recorrente para celebrar a escritura de hipoteca - facto a apurar em sede própria - prende-se com o significado dessa deslocação fora do cartório. Múltiplas são as razões pelas quais um notário privado pode fazê-lo, mas uma delas é a importância que quem solicita o serviço no domicílio tem para aquele, agora na sua qualidade de advogado, e a posição que essa pessoa ocupa como parte na transacção, quando esteja em causa um negócio bilateral.
16. Os notários privados vão aos bancos fazer escrituras, como vão aos escritórios dos seus clientes importantes, designadamente se convocados para realizar um acto referente a um negócio importante do cliente. Foi isto que aconteceu porque, apesar de ter dito o contrário, o Dr. I foi ao escritório do 2.º Recorrente celebrar a escritura de hipoteca. Esta circunstância põe em destaque a perspectiva dos Recorridos, que é a verdadeira, de que a iniciativa do negócio dos autos pertenceu ao 2.° Recorrente, que o Dr. I trabalhou para ele, e que o 2.º Recorrente foi o motor do processo até à sua conclusão e assumiu o respectivo risco porque acreditava que seria bem-sucedido e queria fechar o contrato. Não é, porém, compatível com a versão dos Recorrentes de que coube ao 1.° Recorrido a iniciativa e o protagonismo da negociação; se protagonizou, então o normal seria que fosse ele, 1.° Recorrido, a chamar o notário e não o inverso.
17. Note-se que não foi só o Dr. I quem foi ao escritório do 2.° Recorrente; o 1.º Recorrido também lá foi, sendo que ele reside em Macau e o escritório do 2.° Recorrente situa-se no XXXX, Taipa. Onde está a liderança aqui? No 2.° Recorrente, obviamente, como é de esperar por banda do sujeito que assume o risco do negócio.
18. O 1.° Recorrido desconhece por que motivo o Dr. I negou ter ido ao escritório do 2.° Recorrente oficiar a escritura de hipoteca. Objectivamente, porém, essa negação afastava um indício claro do protagonismo do 2.° Recorrente, protagonismo que era consistente com a arguição dos Recorridos de que foi o 2.° Recorrente quem tomou sobre si o risco do negócio.
19. Finalmente, falemos nas perspectivas de ordenamento urbanístico da área de Seac Pai Van.
20. Conjugando as declarações do Eng. K e da Dra. L com o requerimento à DSSOPT, percebe-se claramente que o 2.° Recorrente se informou mal; julgou que a revisão da outra concessão de Seac Pai Van, que aconteceu realmente, não era um caso pontual, mas o começo dum processo de revisão de concessões naquela área que obedecia a um plano urbanístico já definido e aprovado pelo Governo. E resolveu tentar a sua sorte.
21. Em conclusão, perante os depoimentos supra, e atentos os documentos e demais sinais dos autos, o pedido subsidiário dos Recorrentes de que se altere a resposta aos quesitos 3.° a 6.° está igualmente condenado a fracassar.
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    A有限公司 e B, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1476 a 1479, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. QUESTÃO PRÉVIA: DA INADMISSIBILIDADE DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO POR PARTE DO 1.° RÉU ORA RECORRENTE
     Nas contra-alegações por si apresentadas a fls. 1384 a 1432 o 1.° Réu, para além de responder às alegações apresentadas pelos Autores e que respeitam ao recurso que estes interpuseram da sentença final, requer também que "a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 590.º do CPC de Macau, conhecendo-se das questões suscitadas pelo ora Recorrido nos parágrafos 97. a 126 das presentes alegações".
     Sucede que, como resulta óbvio de uma leitura atenta do disposto no artigo 590.°, n.º 1 do CPC, a ampliação do âmbito do recurso nos termos deste normativo apenas é possível caso o réu, tendo-se defendido com pluralidade fundamentos e ainda que vencedor, tenha decaído em alguns desses fundamentos, podendo nessa situação requerer a ampliação do âmbito do recurso por forma a abranger os fundamentos em que decaiu, prevenindo a possibilidade daqueles que procederam (na 1.ª instância) virem a improceder (na 2.ª instância) acautelando, assim, a necessidade da reapreciação dos demais fundamentos que suportavam a sua pretensão, por forma a manter incólume a posição vencedora.
     Ora, in casu, nenhuma das premissas ou requisitos de que depende a possibilidade da dita ampliação se verifica in casu.
     Desde logo, porque a matéria que o 1.° Réu pretende ver apreciada em ampliação do âmbito do recurso - a matéria relativa à procuração que o 1.° Réu outorgou a favor da 1.ª Autora e à circunstância de esta ter, alegadamente, titulado uma transmissão lícita dos direitos decorrentes da concessão, com a 1.ª Autora a assumir o risco do negócio - não constituiu fundamento da sua defesa e, portanto, não poderia nunca ser apreciada nesta sede.
     Efectivamente, apenas é admissível a ampliação do âmbito do recurso quando esses fundamentos tenham consistido em excepções invocadas em sede própria (ou seja na contestação) cuja procedência tenha sido negada pelo tribunal de 1.ª instância, requerendo-se assim a sua reapreciação a título subsidiário ao tribunal de recurso a fim de prevenir a necessidade da sua apreciação.
     Atente-se nas palavras do Prof. Lebre de Freitas, em anotação ao artigo 684.º-A do Código de Processo de Portugal (equivalente ao artigo 590.° do CPC de Macau), confirmam aquilo que supra se afirmou:
     "O n.° 1 prevê o caso de haver pluralidades de fundamentos da acção (causas de pedir) ou da defesa (excepções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação (...)"65.
     Ora, analisando a contestação do 1.° Réu, conforme o próprio arreigadamente afirmou ao pugnar pela inadmissibilidade da réplica dos Autores, na mesma não foi invocada qualquer excepção, contendo somente defesa por impugnação, o que foi confirmado pelo despacho de fls. 275.
     Destarte, não pode o Recorrido através da ampliação do âmbito do recurso pretender que este Venerando Tribunal venha pronunciar-se sobre uma questão que, por não constituir matéria de excepção, nunca foi apreciada pela Tribunal a quo e na qual, portanto, não decaiu.
     Qualquer decisão ou interpretação em sentido contrário àquele que se vem preconizando implicaria que a questão objecto da ampliação do âmbito do recurso ficasse sujeita à censura deste Venerando Tribunal, sem que a mesma tivesse sido sequer tratada pelo Tribunal recorrido.
     Ora, como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
     Por isso, e quanto à questão suscitada pele Recorrido, não sendo de conhecimento oficioso, jamais este Venerando Tribunal poderia, também por este motivo, emitir um qualquer juízo de reavaliação ou reexame sobre a mesma, pois, e como já se disse, o objecto da sua apreciação consiste apenas na interpretação e na aplicação que a sentença recorrida fez dos factos dados como assentes, sendo que esta não apreciou, nem tinha de apreciar as questões suscitadas pelo 1.° Réu ao abrigo do n.º 1 do artigo 590.° do CPC.
     Assim sendo, constituindo esta matéria suscitada pelo Recorrido nas suas contra-alegações, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados, não poderá assim ser apreciada.
     Resumindo e concluindo, o n.º 1 do artigo 590.° do CPC somente contempla o caso de o tribunal ter conhecido um fundamento da defesa (e da acção), ou seja uma excepção - pois é sobre esses fundamentos que impende a obrigação de conhecimento do tribunal e não sobre simples considerações, argumentos ou razões invocadas pelas partes e mormente, como in casu, quando tais argumentos não foram sequer suscitados na defesa/contestação - e tê-lo julgado improcedente, sendo, como tal necessário haver decaimento num fundamento.
     Isto é, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos/premissas para que seja possível a reapreciação de uma determinada questão pelo Tribunal de recurso ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 590.° do CPC:
     a) que essa questão tenha constituído um dos fundamentos da defesa, uma excepção invocada na contestação;
     b) que a mesma tenha sido objecto de apreciação pelo Tribunal a quo;
     c) que essa questão/fundamento tenha sido declarada improcedente, ou seja, que a parte que a invocou tenha nela decaído.
     Como se viu, nenhum dos supra mencionados requisitos se verifica in casu, pelo que a ampliação do âmbito do recurso requerida pelo 1.° Réu Recorrido não poderá ser objecto de apreciação, devendo ser julgada inadmissível e, por isso, improcedente.
     À cautela e sem prescindir,
     II. DA MATÉRIA DA AMPLIAÇÃO
     Para a hipótese que, apenas por dever de patrocínio se admite, de este Venerando Tribunal vir a considerar que a ampliação do âmbito do recurso nos termos requeridos pelo 1.° Réu é admissível então vêm os Autores e Recorrentes dar aqui por reproduzidas, para todos os efeitos legais, todas as considerações tecidas nas suas alegações de recurso em que abordaram o negócio celebrado quanto ao Terreno, onde se escalpelizou também a procuração em apreço.
     Por último, dir-se-á também que, salvo o devido respeito que é muito, a afirmação de que a nova Lei de Terras legitimou o referido negócio, que teria sido titulado pela procuração, tornando-o lícito não faz qualquer sentido.
     É que, ao invés do que conclui o Recorrido o artigo 144.°, n.º 2, 2) da nova Lei de Terras não contém qualquer reconhecimento implícito de que as procurações com as características aí referidas, ou seja, as que conferem ao procurador poderes para a prática de todos os actos no procedimento ou a disposição das situações resultantes da concessão e que sejam irrevogáveis sem o acordo dos interessados, nos termos do n.º 3 do artigo 258.° do Código Civil (CC), constituíam uma transmissão válida das situações decorrentes da concessão, em que a autorização da entidade concedente ficava dispensada.
     Com efeito, todos os actos realizados ao abrigo de procurações com aquelas características sempre se repercutiram, como assim não poderia deixar de ser, na esfera do mandante, não tendo o condão de operar qualquer modificação subjectiva no contrato de concessão, cujas partes, nomeadamente no que concerne ao titular dos direitos daí decorrentes permaneciam inalteradas.
     Pelo contrário, o que esta disposição introduzida pela nova Lei de Terras vem dizer é que essas situações do passado eram de molde a constituir uma transmissão ilegal ou fraudulenta dos direitos da concessão, porque vistas como um meio de escapar à necessidade de autorização da Administração, tendo o Legislador sido confrontado com a necessidade de, perante uma lacuna da lei, introduzir uma norma que, clarificando esta situação, lhe pusesse cobro de uma vez por todas.
     Doutro passo, toda a teoria do Recorrido cai por terra perante o texto e o teor da procuração que o 1.° Réu outorgou a favor da 1.ª Autora. Efectivamente, não só este instrumento não conferiu à procuradora quaisquer poderes para requerer a substituição de parte no procedimento e transmissão de situações resultantes da concessão, isto é, não continha poderes para a prática de todos os actos no procedimento, como nem sequer continha qualquer cláusula ou menção à respectiva irrevogabilidade nos termos do n.º 3 do artigo 258.° do CC.
     Mais, tal procuração não continha sequer a possibilidade de o procurador poder praticar negócio consigo mesmo, estando o exercício dos respectivos poderes dependente do incumprimento do contrato de empréstimo garantido pela hipoteca constituída sobre o Terreno, como é expressamente referido no respectivo texto.
     Por último sempre se dirá que todas estas considerações do Recorrido, onde se incluem também a sua teoria quanto à eventual assunção do risco do negócio por banda dos Autores, não encontram o mínimo sustento nos factos dados por assentes, sendo que conforme se explicou nas alegações de recurso dos Autores, os negócios aleatórios, fora dos casos indicados na lei, v.g., jogo e aposta, têm de ser explicitamente declarados pelas partes, como é facilmente compreensível, o que não sucedeu no caso em apreço.
     Com efeito, onde está assente que a prestação a cargo do 1.° Réu, ou seja a transmissão das situações decorrentes da concessão do terreno a favor da 1.ª Autora, ficou dependente de um facto futuro e incerto, que os Réus nem sequer explicam ou concretizam qual seria, e que a 1.ª Autora assumiu esse risco, isto é a não verificação desse facto?
     A resposta é simples: em lado algum, sendo que toda a matéria de facto assente, mormente as garantias constituídas pelo 1.° Réu a favor da Autora, permitem concluir precisamente no sentido contrário, o mesmo resultando de qualquer juízo de bom senso.
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    A有限公司 e B, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1481 a 1485, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. QUESTÃO PRÉVIA: DA INADMISSIBILIDADE DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO POR PARTE DO 2.° RÉU ORA RECORRENTE
     Nas contra-alegações por si apresentadas a fls. 1414 a 1332 o 2.° Réu, para além de responder às alegações apresentadas pelos Autores e que respeitam ao recurso que estes interpuseram da sentença final, requer também que “conforme previsto no artigo 590.º, n.° 1 do CPC (. . .) o âmbito do presente recurso seja ampliado, nos termos dos parágrafos 99, alíneas e) a e) desta peça, e considerando as alíneas f) a i) desse mesmo parágrafo 99, para que se aprecie o fundamento em que o 2.º Réu decaiu, apesar de ser parte vencedora".
     Sucede que, como resulta óbvio de uma leitura atenta do disposto no artigo 590.º, n.º 1 do CPC, a ampliação do âmbito do recurso nos termos deste normativo apenas é possível caso o réu, tendo-se defendido com pluralidade fundamentos e ainda que vencedor, tenha decaído em alguns desses fundamentos, podendo nessa situação requerer a ampliação do âmbito do recurso por forma a abranger os fundamentos em que decaiu, prevenindo a possibilidade dos fundamentos que procederam (na 1.ª instância) virem a improceder (na 2.ª instância) e, assim, a necessidade da reapreciação dos demais fundamentas que suportavam a sua pretensão, por forma a manter incólume a posição vencedora.
     Ora, in casu, nenhuma das premissas ou requisitos de que depende a possibilidade da dita ampliação se verifica in casu.
     Desde logo, porque o 2.° Réu D, ora Recorrido, no que se refere às decisões objecto do recurso interposto pelos Autores da sentença final não foi parte vencedora (nem vencida), porque simplesmente não era sujeito de nenhum dos pedidos por estes formulados e que tinham como destinatário e único sujeito o 1.° Réu.
     Recorde-se, com efeito, que os pedidos que foram declarados improcedentes pela 1.ª instância e sobre os quais incidiu o recurso interposto pelos Autores, tinham unicamente por objecto o negócio sobre o terreno, no qual o 2.° Réu, ora Recorrido, não foi parte, pelo que este carece de qualquer legitimidade quer substantiva, quer processual para lançar mão do mecanismo em apreço a fim de prevenir a necessidade da apreciação de uma matéria em que não decaiu.
     Por outro lado, ainda que assim não fosse - hipótese que apenas à cautela e por dever de patrocínio se admite - dúvidas não resultam de que a matéria que o 2.º Réu pretende ver apreciada em ampliação do âmbito do recurso - a matéria relativa à procuração que o 1.° Réu outorgou a favor da 1.ª Autora e à circunstância de esta ter, alegadamente, titulado uma transmissão lícita dos direitos decorrentes da concessão, com a 1.ª Autora a assumir o risco do negócio - não constituiu fundamento da sua defesa e, portanto, não poderia nunca ser apreciada nesta sede.
     É que, incertezas não havendo quanto a isso, os fundamentos da defesa são aqueles que constam e que são apresentados com a contestação (vide artigo 409.° do CPC) e não nas alegações de direito.
     Acresce, por outro lado, que apenas é admissível a ampliação do âmbito do recurso quando esses fundamentos tenham consistido em excepções cuja procedência tenha sido negada pelo tribunal de 1.ª instância, requerendo-se assim a sua reapreciação a título subsidiário ao tribunal de recurso a fim de prevenir a necessidade da sua apreciação.
     Atente-se nas palavras do Prof. Lebre de Freitas, em anotação ao artigo 684.º-A do Código de Processo de Portugal (equivalente ao artigo 590.° do CPC de Macau), confirmam aquilo que supra se afirmou:
     "O n. ° 1 prevê o caso de haver pluralidades de fundamentos da acção (causas de pedir) ou da defesa (excepções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação (...)”66.
     Ora, analisando a contestação do 2.° Réu é fácil verificar que quanto à matéria que constitui objeto da ampliação do âmbito do recurso por si requerida a mesma não foi aí sequer alegada, tendo-se o 2.° Réu limitado a dizer que desconhecia por completo toda a factualidade relativa ao negócio celebrado em relação ao terreno, não tendo invocado qualquer excepção quanto ao mesmo, nomeadamente através da alegação das questões atinentes à procuração que pretende agora ver apreciadas.
     Destarte, não pode o Recorrido através da ampliação do âmbito do recurso pretender que este Venerando Tribunal venha pronunciar-se sobre uma questão que não suscitou em sede própria e que, por isso, nunca foi apreciada pela Tribunal a quo e na qual, portanto, não decaiu.
     Qualquer decisão ou interpretação em sentido contrário àquele que se vem preconizando implicaria que a questão objecto da ampliação do âmbito do recurso ficasse sujeita à censura deste Venerando Tribunal, sem que a mesma tivesse sido sequer tratada pelo Tribunal recorrido.
     Ora, como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
     Por isso, e quanto à questão suscitada pelo Recorrido, não sendo de conhecimento oficioso, jamais este Venerando Tribunal poderia, também por este motivo, emitir um qualquer juízo de reavaliação ou reexame sobre a mesma, pois, e como já se disse, o objecto da sua apreciação consiste apenas na interpretação e na aplicação que a sentença recorrida fez dos factos dados como assentes, sendo que esta não apreciou, nem tinha de apreciar as questões suscitadas pelo 2.° Réu ao abrigo do n.º 1 do artigo 590.° do CPC.
     Assim sendo, constituindo esta matéria suscitada pelo Recorrido nas suas contra-alegações, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados, não poderá assim ser apreciada.
     Resumindo e concluindo, o n.º 1 do artigo 590.° do CPC somente contempla o caso de o tribunal ter conhecido um fundamento da defesa (e da acção), ou seja uma excepção - pois é sobre esses fundamentos que impende a obrigação de conhecimento do tribunal e não sobre simples considerações, argumentos ou razões invocadas pelas partes e mormente, como in casu, quando tais argumentos não foram sequer suscitados na defesa/contestação - e tê-lo julgado improcedente, sendo, como tal necessário haver decaimento num fundamento.
     Isto é, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos/premissas para que seja possível a reapreciação de uma determinada questão pelo Tribunal de recurso ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 590.º do CPC:
     a) que essa questão tenha constituído um dos fundamentos da defesa, uma excepção invocada na contestação;
     b) que a mesma tenha sido objecto de apreciação pelo Tribunal a quo;
     c) que essa questão fundamento tenha sido declarada improcedente, ou seja, que a parte que a invocou tenha nela decaído.
     Como se viu, nenhum dos supra mencionados requisitos se verifica in casu, pelo que a ampliação do âmbito do recurso requerida pelo 2.° Réu Recorrido não deverá ser objecto de apreciação, devendo ser julgada inadmissível e, por isso, improcedente.
     À cautela e sem prescindir,
     II. DA MATÉRIA DA AMPLIAÇÃO
     Para a hipótese que, apenas por dever de patrocínio se admite, de este Venerando Tribunal vir a considerar que a ampliação do âmbito do recurso nos termos requeridos pelo 2.° Réu é admissível então vêm os Autores e Recorrentes dar aqui por reproduzidas, para todos os efeitos legais, todas as considerações tecidas nas suas alegações de recurso em que abordaram o negócio celebrado quanto ao Terreno, onde se escalpelizou também a procuração em apreço.
     Por último, dir-se-á também que, salvo o devido respeito, a afirmação de que a nova Lei de Terras legitimou o referido negócio, que teria sido titulado pela procuração, tornando-o lícito não faz qualquer sentido.
     É que, ao invés do que conclui o Recorrido o artigo 144.°, n.º 2, 2) da nova Lei de Terras não contém qualquer reconhecimento implícito de que as procurações com as características aí refendas, ou seja, as que conferem ao procurador poderes para a prática de todos os actos no procedimento ou a disposição das situações resultantes da concessão e que sejam irrevogáveis sem o acordo dos interessados, nos termos do n.º 3 do artigo 258.° do Código Civil (CC), constituíam uma transmissão válida das situações decorrentes da concessão, em que a autorização da entidade concedente ficava dispensada.
     Com efeito, todos os actos realizados ao abrigo de procurações com aquelas características sempre se repercutiram, como assim não poderia deixar de ser, na esfera do mandante, não tendo o condão de operar qualquer modificação subjectiva no contrato de concessão, cujas partes, nomeadamente no que concerne ao titular dos direitos daí decorrentes permaneciam inalteradas.
     Pelo contrário, o que esta disposição introduzida pela nova Lei de Terras vem dizer é que essas situações do passado eram de molde a constituir uma transmissão ilegal ou fraudulenta dos direitos da concessão, porque vistas como um meio de escapar à necessidade de autorização da Administração, tendo o Legislador sido confrontado com a necessidade de, perante uma lacuna da lei, introduzir uma norma que, clarificando esta situação, lhe pusesse cobro de uma vez por todas.
     Doutro passo, toda a teoria do Recorrido cai por terra perante o texto e o teor da procuração que o 1.º Réu outorgou a favor da 1.ª Autora. Efectivamente, não só este instrumento não confere poderes à procuradora quaisquer poderes para requerer a substituição de parte no procedimento e transmissão de situações resultantes da concessão, isto é não contém poderes para a prática de todos os actos no procedimento, como nem sequer contém qualquer cláusula ou menção à respectiva irrevogabilidade nos termos do n.º 3 do artigo 258.° do CC.
     Mais, tal procuração não contém sequer a possibilidade de o procurador poder praticar negócio consigo mesmo, estando o exercício dos respectivos poderes dependente do incumprimento do contrato de empréstimo garantido pela hipoteca constituída sobre o Terreno, como é expressamente referido no respectivo texto.
     Por último sempre se dirá que todas estas considerações do Recorrido, onde se incluem também a sua teoria quanto à eventual assunção do risco do negócio por banda dos Autores, não encontram o mínimo sustento nos factos dados por assentes, sendo que conforme se explicou nas alegações de recurso dos Autores, os negócios aleatórios, fora dos casos indicados na lei, v.g., jogo e aposta, têm de ser explicitamente declarado pelas partes, como é facilmente compreensível, o que não sucedeu no caso em apreço.
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    ii) – Alegacões do C:
    C, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 29/04/2020, veio, em 26/06/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1060 a 1082 e 1084 a 1089, tendo formulado as seguintes conclusões :
     I. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 972-991 v., que, julgando procedentes os pedidos (v), (vi) e (xii) deduzidos pelos A.A., declarou a nulidade, por simulação, da compra e venda da Moradia, celebrada entre os Réus, mais ordenando a sua restituição ao 2.° Autor e, bem assim, a revogação da procuração por este outorgada a favor do 1.° Réu e que tinha a dita Moradia por objecto;
     II. A decisão do Tribunal a quo padece de nulidade porquanto houve omissão de pronúncia no que respeita ao invocado abuso de direito e à ilegitimidade dos A.A.; falta de conhecimento do interesse processual dos A.A.; e, bem assim, uma interpretação errada do negócio jurídico consubstanciado na procuração relativa à Moradia:
     III. A Moradia mais não representa do que parte do preço pago pelo 2.º A ao 1.º R. no âmbito do negócio celebrado sobre o Terreno, em finais de 2013;
     IV. Os A.A. conheciam e sabiam bem, desde o primeiro momento, os riscos que corriam com a celebração do negócio sobre o Terreno, cuja formalização foi por eles gizada e/ou consentida e para o qual obtiveram até "garantias";
     V. Como aquele negócio "correu mal", lançam mão de uma acção contra os RR., na qual tentam convencer o Tribunal que o risco corria por conta do 1.° R., visando ao fim e ao cabo, a restituição de tudo quanto lhe pagaram - em pecunia e em espécie -, como se houvesse da parte do 1.° R. qualquer incumprimento ou actuação culposa;
     VI. O 2.° A e o 1.° R., em 6 de Novembro de 2013, agiram com confiança na palavra então dada por cada um, com a intenção de cada uma das partes proceder honesta e lealmente;
     VII. Os A.A. actuam manifestamente de má fé e em abuso de direito, lançando mão de todos os expedientes como tábua de salvação, visando uma só coisa: a recuperação de tudo o que pagaram ao 1.° R. (incluindo a Moradia);
     VIII. "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito";
     IX. Nas relações jurídicas estabelecidas entre os sujeitos rege como princípio fundamental inultrapassável aquele de que, tanto na formação, como na execução dos contratos e das relações jurídicas relevantes para a ordem jurídica, se devem usar valores de boa-fé e de correcção;
     X. Corolário da cláusula geral ou princípio de boa-fé é o exercício dos respectivos direitos em conformidade com os escopos éticos e sociais "pelo qual o próprio direito vem reconhecido e concedido pelo ordenamento jurídico positivo; o uso anormal do direito pode conduzir o comportamento do particular (no caso concreto) fora da esfera do direito subjectivo, tornando-o, por conseguinte, ilícito, segundo as normas gerais do direito material";
     XI. «O princípio da boa fé significa que todos devem guardar "fidelidade" à palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, sendo, pois; mister que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e correctamente no tráfico jurídico, no quadro de uma vinculação jurídica especial.»;
     XII. A boa-fé, como princípio normativo de actuação, encerra o entendimento de que as pessoas devem ter um comportamento honesto, leal, diligente, zeloso, tudo em termos de não frustrar o fim prosseguido pelo contrato e defraudar os legítimos interesses ou expectativa da outra parte;
     XIII. «O abuso de direito existe quando há um exercício do direito fora do âmbito do exercício do poder de autodeterminação que é próprio fundamento do reconhecimento de direitos subjectivos, propondo, como critério para o apurar, a falta de interesse no exercício do direito a apreciar em abstracto ou concreto, e a transcendência do prejuízo em relação ao agente.»;
     XIV. O abuso de direito enquanto forma desviada e jurídico-socialmente reprovável de um direito subjectivo constitui-se como paralisador do exercício do direito na medida em que o interesse (positivo) prosseguido pelo respectivo titular se coloca numa posição de defraudação da expectativa jurídica expressa na estabilização jurídico-material da normação vigente e desejada pelo legislador;
     XV. A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente, exercício esse tido por parte da doutrina como inadmissível;
     XVI. O ventre contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, se comporta de determinada maneira, gerando expectativas na outra de que o seu comportamento permanecerá inalterado;
     XVII. Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adoptada anteriormente, mas depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objectiva - a confiança;
     XVIII. Os princípios que, à face do Direito civil de Macau, permitem detectar a presença de um facto gerador de confiança podem ser induzidos das regras referentes às declarações de vontade, com relevância para a normalidade - art. 228.°, n.º 1 – e o equilíbrio - art. 229.°, ambos do Código Civil;
     XIX. A tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência;
     XX. A invocação da simulação e da correspondente nulidade dum negócio jurídico pode ser feita a todo o tempo por qualquer interessado;
     XXI. O interesse dos A.A. na declaração de invalidade da venda da Moradia radicava na invalidação do negócio que aqueles estabeleceram com o 1.° R. referente à concessão do Terreno;
     XXII. O Acórdão do Tribunal Colectivo que decidiu a-matéria de facto relevante para a composição do litígio - invalidade do negócio referente à concessão do Terreno - respondeu "não provado" aos quesitos 3.°, 4.°, 5.° e 6.°, todos integrantes da causa de pedir que sustentava os pedidos fundamentais i), ii), iii) e iv) formulados na p.i.;
     XXIII. Não tendo ficado provado que o 1.° R. violou as suas obrigações no âmbito daquele, negócio (referente à concessão do Terreno), nem sido julgados procedentes os respectivos pedidos, os A.A. deixaram de ter qualquer interesse processual e legitimidade para requerer a invalidade da venda da Moradia, visto que não satisfazem o requisito do interesse exigido pelos artigos 279.° e 234.°, n.º1, do Código Civil;
     XXIV. Se não assiste aos A.A. a faculdade de invocar a nulidade, por simulação, da venda da Moradia, falta-lhes um motivo juridicamente idóneo - ou seja, os A.A. não têm interesse processual -, para pedir ao Tribunal que declare a existência do vício e a correspondente cominação de nulidade;
     XXV. A falta de interesse processual ou interesse em agir é uma excepção dilatória prevista na alínea h) do artigo 413.° do CPC, que importa a absolvição da instância, nos termos do n.º 1 do artigo 412.° do mesmo Código;
     XXVI. A falta de interesse processual é de conhecimento oficioso e deveria ter sido apreciada, dada por provada e julgada procedente, absolvendo-se consequentemente os RR. da instância no que respeita à componente da lide expressa pelos pedidos v) e vi) da p.i. (i.e., de declaração de nulidade, por simulação, da venda da Moradia pelo 1.° R. ao 2.° R., e sua restituição ao 2.° A, livre de ónus e encargos e devoluta de pessoas e bens);
     XXVII. A par dessa absolvição da instância dever-se-ia ainda ter declarado a extinção da instância, nos termos da alínea e) do artigo 229.° do CPC, por inutilidade superveniente, relativamente ao pedido (xii) da p.i. (i.e., de revogação da procuração que tinha por objecto a Moradia);
     XXVIII. A procuração outorgada pelo 2.° A. a favor do 1.° R., a qual serviu como mero instrumento formal para a realização da prestação a que o 2.° A. se obrigou no âmbito do negócio celebrado sobre o Terreno: pagamento parcial e em espécie do preço acordado;
     XXIX. Tendo o Tribunal a quo rejeitado a invalidade do negócio celebrado entre os A.A. e o 1.° R. sobre o Terreno, a obrigação assumida pelo 2.° A., de pagamento parcial e em espécie do preço acordado não se extinguiu;
     XXX. A outorga da procuração em causa configura uma verdadeira dação em cumprimento, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação a que o 2.° A. estava obrigado (cfr. artigo 828.º do Código Civil);
     XXXI. O 2.° A., ao requerer ao Tribunal a revogação da procuração, incorre novamente em abuso de direito, lançando mão dos meios processuais em fraude à lei e com o fim de conseguir, com o beneplácito judicial, um objectivo ilegal, qual seja o de reverter a todo o custo a prestação que realizou com a outorga da procuração.
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    A有限公司 e B, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1251 a 1278, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. As presentes contra-alegações resultam do recurso interposto pelo aqui Recorrente C, da douta sentença de fls. 972-991v, proferida em 29 de Abril de 2020, a qual decidiu duas questões, a saber: (i) do negócio quanto ao terreno concedido por arrendamento (melhor identificado nos autos a quo), e (ii) do negócio quanto à moradia (idem).
     2. As alegações do Recorrente se debruçam sobre a parte do negócio quanto à moradia e se sustentam fundamentalmente na alegação do abuso de direito, reservando ainda parte das suas considerações para o levantamento das excepções dilatórias da ilegitimidade e da falta de interesse processual. De fora das alegações ficou a questão decidida pelo tribunal a quo respeitante à simulação quanto ao negócio da moradia - a qual, por maioria de razão, mereceu a concordância por parte do Recorrente, que dela não se insurgiu.
     3. O cerne da motivação do Recorrente assenta no ponto III das suas alegações (§1 a §65), local onde vem esgrimir o argumento de que os AA./Recorrentes litigaram em manifesto abuso de direito por virem arguir a nulidade do negócio (declarado) simulado quanto à moradia, devendo, por isso, claudicar a douta sentença recorrida por enfermar a mesma de omissão de pronúncia.
     4. O que o Recorrente invoca, nesta sede, é o pretenso abuso em os AA./Recorridos pretenderem a destruição do primeiro (do negócio sobre o terreno), embora se esteja supostamente a alegar sobre o segundo (o negócio sobre a moradia). O que é processualmente confuso, para não dizer ininteligível, já que, repita-se, as alegações do recorrente versam exclusivamente sobre a negócio quanto à moradia, e não sobre o terreno (cfr. §1 das alegações).
     5. O busílis reside no facto de ter existida uma simulação, conforme demonstrado à saciedade nos autos e comprovado, de resto, pelo Tribunal a quo na fundamentação constante da sua douta sentença - parte que, recorde-se, permaneceu incontestada pelo Recorrente nesta Instância.
     6. A esta luz, é importante recordar-se os factos dos autos que foram dados como assentes e que serviram de motivação à sentença recorrida. Resumiu-os assim o Tribunal a quo, na sua douta sentença:
     “A moradia em causa foi entregue ao 1º Réu pelo valor de HKD140.000.000,00 em Novembro de 2013. Menos de 3 anos após o 1º Réu no uso da procuração que havia recebido do 2º Autor “vende” a moradia por cerca de 1/5 do valor que a havia recebido a um empregado que não pagou integralmente preço.
     Esse empregado do 1º Réu que vem a “comprar” a moradia por 1/5 do valor porque este a havia recebido sem pagar integralmente o preço, tem por sua vez conhecimento de todos os contornos do negócio celebrado entre Autores e 1º Réu que tinha por objecto o terreno concedido por arrendamento e que culminou na realização de um mútuo com hipoteca em que o 1º Réu se declara devedor da quantia de MOP370.800.000,00 (equivalente a HKD360.000.000,00). (vide a p. 987v dos autos a quo)”
     7. A invocação de uma nulidade, in casu uma simulação, não tem em si nada de abusivo. Era o que mais faltava se agora a parte lesada no negócio da moradia não pudesse vir a terreno invocar a simulação, que só a é (parte lesada) porque se pretendeu justamente prejudicá-la. Neste sentido, abuso de direito não é o lesado invocar a simulação, mas sim invocar-se que o lesado pela simulação a não passa invocar.
     8. Por seu turno, é pacífica a ideia de que a invocação da invalidade de um negócio -nomeadamente, a nulidade -, porque fundada em razões de interesse de ardem publica, não pode ser afastada, salva casas excepcionalíssimos. A inadmissibilidade da invocação da nulidade apenas é discutida a propósito das nulidades formais, e essencialmente para o caso de a falta de forma ser imputável censuravelmente ao contraente de que da mesma se pretende prevalecer, ou parque o contraente comunicou à contraparte que não invocaria a nulidade por falta de forma. Só nestes casos extremos é que a questão da não invocação da nulidade de forma se coloca de forma admissível, alga que não sucede com o caso em apreço.
     9. No caso sub judice, não é um problema de forma que está em causa. Assim, estando em causa um negócio simulado, cuja nulidade é determinada por razões de ordem pública, não se pode vir defender, como pretende o Recorrente, que a invocação do referido vício é susceptível de abuso. Parafraseando ZEPOS (cfr. MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé No Direito Civil, Volume II, Livraria Almedina, 1985, p. 716, nota 250) os direitos advenientes de restrições de ordem pública são inabusáveis.
     10. No caso sub judice, e dado que se trata de uma simulação em que o conluio é entre o 1.º Réu, actuando no uso da procuração e o 2.° Réu - conluio, de resto, demonstrado e comprovado pela douta sentença quo -, apesar de juridicamente o 2.° Autor ser parte no contrato, a verdade é que, relativamente à simulação, o mesmo é considerado como sendo um terceiro (neste sentido, vide o acórdão do STJ, de 02.14.2008, proc. n.º 08B180, em cujo teor pode ler que "O terceiro a que se refere o art. 240º [correspondente ao artigo 232.° do Código Civil de Macau] não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio, mas antes alguém que seja alheio ao conluio”).
     11. A invocação de abuso do direito por parte do Recorrente assenta numa ficção. Com efeito, diz o mesmo que os AA./Recorridos conheciam e sabiam os riscos inerentes à celebração do negócio sobre o terreno, nomeadamente, o risco o não aproveitamento do terreno (cfr. §3 das alegações), que o 2.° Autor e o 1.º Réu agiram com confiança na palavra dada por cada um, com a intenção de cada uma das partes proceder honesta e lealmente (cfr. §7 das alegações) e que só porque foi declarada a caducidade do terreno, os AA./Recorridos pretenderam a anulação do negócio sobre o terreno (cfr. §4 das alegações), com a consequente devolução das prestações realizadas em virtude do mesmo.
     12. Em primeiro lugar, esta tese não passa de uma fantasia que não tem qualquer acolhimento na matéria de facto que resultou assente. Com efeito em que facto assente resulta que o contrato em apreço tinha esta natureza aleatória e que a respectiva álea foi integralmente assumida pelos Autores, em particular pela 1.ª Autora? Em nenhum.
     13. Em segundo lugar, a imaginativa teoria do Recorrente é desmentida à saciedade pelo comportamento que as partes observaram e pelo leque documental em que escolheram fundear o negócio. Com efeito, não havendo reciprocidade de atribuições e contraposição de vantagens patrimoniais com o mesmo grau de certeza e que se equilibram (como sucede nos contratos onerosos comuns), como defende o Recorrente, como é que se explica o facto de este os ter dotado de diversos instrumentos destinados a recuperar tudo aquilo que prestaram, designadamente uma confissão de dívida com hipoteca e uma livrança, precisamente pelo valor correspondente ao das prestações efectuadas pelos Recorridos a favor do Recorrente?
     14. Em terceiro lugar, se os Autores tivessem assumido o risco nos termos pugnados pelo Recorrente, como é que se explica que a procuração que a 1.ª Autora recebeu em vista do terreno não tenha contemplado sequer a possibilidade de negócio consigo mesmo e nela se refira ser complemento da hipoteca, não contendo qualquer menção à respectiva irrevogabilidade? E como explicar também que a própria procuração sobre a moradia tivesse adoptado este formato (ausência à possibilidade de celebração de negócio consigo mesmo e omissão de a mesma ter sido conferida no interesse do procurador)?
     15. As alegações do Recorrente fogem o mais que podem do negócio dissimulado. Há algo de negócio, mas não se sabe o que é, segundo o mesmo. Isto, embora, repitam várias vezes que o tal negócio que não se sabe o que seja afinal transfira o risco para os Autores!
     16. Ora, se não se sabe de que negócio se trata não se vê como é que se pode dizer que o mesmo transferiu o risco para os Autores.
     17. Mas ainda que se conceba que o que o Recorrente pretende afrimar é que as partes quiseram transferir para a 1.ª Autora o risco do não aproveitamento do terreno, Independentemente do negócio subjacente - de duas uma: ou o negócio sobre a transmissão do terreno é definitivo, caso em que seria nulo, e por conseguinte, nenhum risco se transmitiu, ou o negócio transferiria apenas o risco sendo configurado como aleatório.
     18. Simplesmente, o negócio aleatório, fora dos casos indicados na lei, v.g., jogo e aposta, tem de ser explicitamente declarado pelas partes, como é facilmente compreensível (cfr. ALDO BOSELLI, Voz Alea, NDI, vol. I1, A-AP, n.º 15, col. Dir., p. 474).
     19. E nos autos, como se disse, nada há, a não ser as proclamações do Recorrente, que valem o que valem e salvo o devido respeito valem pouco, quanto a ter sido essa a intenção não apenas do próprio, o que é o menos, mas também dos Autores o que confirgura um absurdo e ademais contraria a mais elementar prudência de um homem de negócio médio e são desmentidas por tudo aquilo que já se afirmou.
     20. Por outro lado, logo ressalta, na versão apontada pelo Recorrente nas suas alegacões, que a modalidade do abuso de direito que tem maior adesão com o caso dos autos é a do venire contra factum proprium.
     21. No caso sub judice, foi já demonstrado e comprovado que o motivo que conduziu os AA./Recorridos a requerer a nulidade do negócio foi a existência de um negócio simulado sobre a moradia, com o intuito de enganar aqueles. Termos em que, se dá por não verificado o pressuposto do venire contra, exigido pelo supramencionado instituto do abuso do direito.
     22. Mas ainda que assim não fosse, hipótese que apenas à cautela e por dever de patrocínio se admite, não se vê como é que um negócio simulado e por isso substancialmente nulo e incapaz de produzir quaisquer efeitos, como é o caso do negócio celebrado em relação à moradia, poderia converter-se ou convolar-se num negócio válido com base no instituto do abuso do direito, tanto mais que essa nulidade é de conhecimento oficioso.
     23. Destarte, não havendo qualquer abuso de direito por parte dos AA./Recorridos, deve o recurso do Recorrente ser rejeitado no respeitante ao ponto III (§1 a §65).
     24. O Recorrente alega também que, não tendo sido dados como provados os quesitos 3.°, 4.º , 5.°, 6.° e 10.° da base instrutória, nenhuma legitimidade assiste aos Autores, nomeadamente ao 2.° Autor, para arguir a simulação do negócio quanto à alienação da Moradia, porquanto lhes falta interesse para tal.
     25. Neste particular, afirma ainda o Recorrente a falta de interesse processual dos AA./Recorridos para pedir ao "Tribunal a quo que declare a inexistência do vício de simulação e a correspondente cominação de nulidade do negócio celebrado entre os Réus e que, como se disse, teve por objecto a moradia.
     26. As referidas questões - suscitadas pelo Recorrente nos capitules I e II das suas alegações - merecem censura ao nível processual-legal, porquanto se tratam de assunto novos, ou seja, de questões não abordadas anteriormente nos autos a quo, falecendo ainda de razão quanto aos fundamentos invocados.
     27. O recurso representa um pedido de revisão da legalidade ou ilegalidade da decisão judicial feita por um órgão judicial diferente (superior hierarquicamente) ou em face de argumentos especiais feitos valer, pelo que interpor recurso significa necessariamente manifestar discordância com a decisão recorrida e a vontade de a impugnar.
     28. Essa restrição é forçosamente incompatível com a alegação de novas questões, pelo que o Recorrente não poderá jamais pretender, quer em obediência ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar a finalidade dos recursos, que o tribunal ad quem venha agora pronunciar-se sobre matérias que não foram abordadas pela sentença recorrida, simplesmente porque na fase de recurso, as partes e o tribunal devem partir do pressuposto de que as questões já foram objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação.
     29. Com efeito, “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
     30. Dito de outro modo, "Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação".
     31. Estão nesta situação as excepções invocadas pelo Recorrente nos pontos I e II das suas alegações uma vez que tais excepções não foram invocadas pelo Recorrente quer em sede da sua contestação - o que releva particularmente para a excepção dilatória de falta de interesse processual, mas também para a questão da legitimidade substantiva -, quer em sede da discussão do aspecto jurídico da causa (o que tem especial importância no que concerne à suposta ilegitimidade substantiva dos Autores, ora Recorridos, para arguirem a simulação, tanto mais que o Recorrente assenta esta na circunstância de os quesitos 3.° a 6.° e 10.° não terem resultado provados).
     32. Sendo, pois, questões novas - ou seja, questões que não foram objecto de uma primeira e inequívoca abordagem pelo Tribunal a quo - as mesmas não são susceptíveis de vir a obter um novo enquadramento jurídico em sede de recurso, pelo que ao TSI está vedado o seu conhecimento, por falta de atempada invocação.
     33. Mas ainda que assim não se entendesse, mormente quanto à alegada falta de legitimidade substantiva dos Autores para arguirem a simulação e consequente nulidade do negócio realizado pelos Réus e que teve por objecto a moradia, isto é, que se entenda que a invocação desta excepção pode ser feita a todo o tempo - hipótese que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite -, o certo é que, in casu, ao invés do que defende o Recorrente, estão verificados os requisitos de que depende a declaração de nulidade do negócio com base na respectiva simulação e, portanto, a conclusão retirada por aquele não faz sentido.
     34. Com efeito, constituindo um requisito de procedência da acção, a legitimação substantiva, como pressuposto condicionante do pedido formulado, basta-se com a prova dos fundamentos da causa de pedir, os quais consistem nos requisitos a que alude o artigo 232.° do CC.
     35. Quanto a esses requisitos, a decisão de mérito reflectida na douta sentença a quo, baseada na matéria que resultou assente veio demonstrar, entre outros, que os Réus não pretenderam celebrar qualquer negócio sobre a moradia, que o valor declarado do negócio era manifestamente inferior ao seu valor de mercado, que o valor declarado do negócio não correspondia à vontade das partes, que o preço do negócio não foi pago integralmente, que o 2.° Réu é empregado do 1.° Réu e actuava sob as suas ordens e instruções, que o negócio celebrado pelos Réus visava apenas retirar o imóvel definitivamente da esfera jurídica do 2.° Autor, integrando-o na esfera jurídica de um terceiro que o 1.° Réu dominava.
     36. Por outro lado, são os próprios Réus a confessar e a admitir o interesse dos Autores na declaração de nulidade do negócio celebrado por aqueles em relação à moradia.
     37. Efectivamente, importa recordar que nas suas contestações os Réus (e mormente o 1.º Réu) admitiram (como bem explica a sentença recorrida) que o negócio sobre o terreno consistiu numa compra e venda do mesmo, ou numa cessão dos direitos resultantes da respectiva concessão por arrendamento efectuada pelo 1.° Réu a favor da 1.ª Autora e que parte do preço havia sido pago com a entrega da moradia, facto aliás salientado na douta sentença recorrida quando afirma que para os Réus (e mormente para o 1.° Réu) o que foi celebrado foi uma compra e venda definitiva do terreno que, obviamente, é nula e de nenhum efeito por carecer de autorização.
     38. destarte, sendo o referido negócio sobre o terreno nulo e de nenhum efeito ou, na menor das hipóteses, impossível (em virtude da declaração de caducidade da concessão), o que impõe a restituição de tudo o que houver sido prestado em função do mesmo dúvidas não há de que aos Autores, por serem titulares da relação jurídica estabelecida com o 1.º Réu, isto é, por serem os titulares dos direitos que emergem dessa relação e que foi afectada pelos efeitos que o negócio tendia a produzir (e que nunca se chegaram a produzir) têm interesse e assiste-lhes legitimidade para invocar a simulação do negócio que teve por objecto a moradia.
     39. Mas ainda que assim não sucedesse, ou seja, admitindo-se que em face da matéria de facto assente é de concluir que nesta fase os Autores ainda não são titulares de qualquer direito em relação ao 1.° Réu (designadamente o direito à restituição daquilo que lhe prestaram em função do negócio sobre o terreno), algo que apenas se concebe à cautela e por dever de patrocínio, nada os impedia de invocar a simulação do negócio que os Réus celebraram em relação à moradia.
     40. É que, consagrando a lei a nulidade do negócio simulado, daí resulta que a nulidade da simulação pode ser invocada por qualquer interessado e ser oficiosamente declarada, conforme decorre da regra geral expressa no artigo 279.° do CC.
     41. Ao dizer "qualquer interessado", não pode deixar de entender-se que a lei se está a referir ao "titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio", ou seja, o sujeito de qualquer relação jurídica que, de algum modo, possa ser afetado pelos efeitos que o negócio tendia a produzir.
     42. A lei não está a referir-se apenas aos titulares de qualquer direito de crédito, como são os Autores em relação às quantias/fundos entregues ao 1.° Réu. A expressão "qualquer interessado" tem um campo muito mais vasto. Para os credores em particular, veja-se o que dispõe o artigo 600.° do CC.
     43. Ademais, como refere a sentença a quo, "não deixa de ser certo que há por banda do 1º Réu a assunpção de uma dívida de MOP370.800.000,00 (equivalente a HKD360.000.000,00), em parte por ter recebido esta moradia, pelo que, havia por banda deste (do 1º Réu) todo o interesse em colocar a mesma numa esfera jurídica que dominasse, o que fez com esta compra e venda”, o que vem também comprovar a legitimidade dos Autores para a invocação da referida nulidade.
     44. Mas ainda que se considerasse que os Autores em virtude da ausência de prova dos quesitos 3.° a 6.° e 10.° da base instrutória ficariam destituídos de invocar a simulação que vicia o negócio sobre a moradia que os Réus celebraram entre si, nem assim estaria o Tribunal impedido de conhecer da alegada nulidade, como o fez e bem.
     45. É que, uma vez provada a factualidade relevante da simulação (como sucedeu) o Tribunal não poderia abster-se de declarar a cominação para tal vício ou seja a nulidade do negócio. Com efeito sendo o negócio simulado nulo (cfr. artigo 232.° n.º 2 do CC) e sendo tal nulidade do conhecimento oficioso (cfr. artigo 279.° do mesmo diploma legal) o Tribunal tinha o dever de declarar a nulidade da compra e venda em causa, como o fez.
     46. Em face do que fica dito, fica resolvida também a questão do interesse em agir, uma vez que o Autores procuram a tutela jurídica para um direito de que se arrogam titulares sendo, portanto, parte legítima, uma vez que têm interesse direto em demandar e, como reconheceu a sentença vimos, até, com parcial procedência da sua demanda.
     47. Por outro lado, quanto à alegada excepção de falta de interesse processual/interesse em agir há que registar que a mesma encontra-se coberta pelo caso julgado (cfr. ABRANTES GERALDES, in Recursos ... , cit., 2018, p. 120), por força da decisão proferida em sede de despacho saneador: "as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas em juízo (negrito nosso)"(cfr. p. 276 dos autos a quo).
     48. O Assento do STJ de 1.2.63 (cfr. Diário do Governo, 1.ª Série, de 21.2.63 e BMJ 124- 414) pronunciou-se justamente neste sentido: "É definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutem" (neste sentido também, cfr. VIRIATO DE LIMA, in Manual de Direito Processual Civil: Acção Declarativa Comum, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 3.ª Edição, 2018, p. 362).
     49. Em resumo, mesmo entretendo os motivos de fundo alegados pelo Requerente quanto à alegada existência de ilegitimidade ou de falta de interesse processual - o que não se concede e apenas se concebe por mero dever de patrocínio - sempre se diga que os AA./Recorridos são, sem margem para dúvidas, os titulares efectivos da relação material controvertida que sempre alegaram ab initio.
     50. Com efeito e como se disse, a decisão de mérito reflectida na douta sentença a quo veio demonstrar, entre outros, que os Réus não pretenderam, nem celebraram qualquer negócio sobre a moradia.
     51. Nas presentes contra-alegações os Recorridos irão também socorrer-se da faculdade prevista no n.º 2 do artigo 590.° do CPC, feita a título meramente subsidiário, ampliando o objecto do recurso para que as questões seguintes sejam apreciadas, caso tal se venha a revelar necessário.
     52. Conforme acima se deixou bem claro, tendo em conta a factualidade assente outra solução não restava ao Tribunal a quo senão a de dar procedência ao pedido dos Autores de declaração de nulidade do negócio sobre a moradia por força da respectiva simulação e de revogação da procuração mencionada em U) dos factos assentes, como fez e bem a sentença recorrida.
     53. No entanto, para a hipótese meramente académica e que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite de a questão suscitada pelo Recorrente relativa à pretensa ilegitimidade dos Autores para invocarem a aludida simulação por não ter sido feita prova dos quesitos 3.° a 6.° vir a proceder, vêm os Recorridos, subsidiariamente e com base na citada disposição legal impugnar a decisão proferida sobre os ditos quesitos que foram julgados não provados.
     54. Fazem-no dando aqui por reproduzidas para todos os efeitos legais o capítulo IV das suas alegações de recurso de fls. 1094 e seguintes (págs. 119 a 164 das referidas alegações), concluindo como aí se diz pela alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto aos referidos quesitos.
     55. A referida ampliação do objecto do recurso incide ainda sobre a decisão proferida pelo Tribunal Colectivo que considerou a confissão do 1.° Réu, transcrita a fls. 819 v e 820, ineficaz por força do disposto no n.º 2 do artigo 346.° do CC, decisão que esteve na base do julgamento proferido aos quesitos 7.° (donde resultou provado que o 2.° Réu não pagou ao 1° Réu, na data da escritura mencionada em U) dos factos assentes ou anteriormente, a título de preço da venda da Moradia, a totalidade do preço mencionada na mesma escritura, 14.° e 15.º-C (estes considerados não provados).
     56. Com efeito, a referida decisão revela-se errada em dois planos, sendo que o primeiro consiste no facto de a mesma violar o caso julgado.
     57. Neste particular, importa recordar que o depoimento de parte do 1.° Réu, para efeitos de confissão, à matéria dos referidos quesitos foi requerida pelos Autores no seu requerimento de prova de 13.09.2018.
     58. O referido pedido foi deferido por despacho de fls. 357 o qual, no que concerne à admissão do depoimento de parte aos artigos 7.°, 14.° e 15.º-C da base instrutória transitou em julgado, pois o mesmo não foi impugnado pelos Réus pelo que, em cumprimento do ordenado pelo Tribunal, o 1.° Réu prestou depoimento à referida matéria na audiência de 27.02.2020.
     59. O depoimento do 1.° Réu foi depois reduzido a escrito nos termos do artigo 487.° do CPC, por, naturalmente, o Tribunal a quo ter considerado haver confissão do depoente. Esta redução a escrito do depoimento do 1.° Réu não foi também impugnada pelas partes.
     60. Somente na audiência de 13.03.2020 e posteriormente nas alegações a que o artigo 560.° do CPC se reporta os Réus vieram suscitar a ineficácia da confissão do 1.° Réu nos termos do citado n.º 2 do artigo 346.° do CC, o que veio a ser aceite no acórdão proferido no dia 23.03.2020 sobre a matéria de facto.
     61. Ora, sob pena de se considerar ser legítimo aos Tribunais a prática de actos processuais perfeitamente inúteis e sem qualquer significado, a decisão proferida pelo Tribunal a quo e a que acima se fez menção é totalmente inaceitável, por violadora do caso julgado, caso julgado esse que abrange tanto a decisão que admitiu o depoimento de parte (o despacho de fls. 357), como a decisão proferida pelo Tribunal Colectivo a fls. 820 de, nos termos do artigo 487.° do CPC, reduzir a escrito o referido depoimento na parte em que considerou haver confissão do depoente.
     62. Efectivamente, quanto à primeira dessas decisões, foi nesse momento que foi feito um juízo em relação aos factos em que seria admissível o depoimento do 1.° Réu.
     63. Como tal, caso o Tribunal a quo no despacho em apreço, em que analisou os requerimentos probatórios das partes, tivesse considerado que se verificava uma situação de litisconsórcio necessário passivo só lhe restava uma solução, a de indeferir o pedido de depoimento de parte do 1.° Réu face à impossibilidade de confissão por ineficácia atento o disposto nos artigos 479.° do CPC e 346.° do CC.
     64. Não o tendo feito, ou seja, tendo admitido tal depoimento aos quesitos em apreço, o Tribunal a quo considerou que o mesmo seria eficaz em termos de confissão e, por isso, susceptível de fazer prova plena em juízo, cabendo, então, aos Réus, em caso desacordo, impugnar a referida decisão por via de recurso o que não tendo sucedido, implicou naturalmente o respectivo trânsito em julgado.
     65. Doutro passo, sempre que o depoimento redunde em confissão, haverá que reduzi-lo a escrito, por força do n.º 1 do artigo 487.° do CPC, pois só desse modo se assegurará a força probatória plena que o n.º 1 do artigo 351.° do CC atribui à confissão judicial escrita.
     66. Ora, a razão pela qual o Tribunal a quo ordenou a redução a escrito do depoimento do 1.° Réu, nos termos em que o fez, mormente com a menção expressa de que as matérias dos itens 7.°, 14.° e 15.º-C da base instrutória se têm por confessadas, não pode ser outra senão a de ter considerado tal confissão eficaz e com força probatória plena!
     67. Assim sendo, não tendo os Réus impugnado no prazo legal a mencionada decisão que, repita-se, ordenou a redução a escrito o depoimento do 1.° Réu, nomeadamente aos factos por este confessados, por considerar tal confissão como dotada de força probatória plena, apenas suscitando a questão da sua ineficácia em 13.03.2020 e fazendo-o verbalmente, ou seja, mais de 10 dias após a mesma ter tido lugar, dúvidas não podem restar que a mesma transitou em julgado e como tal não poderia ter sido objecto de revogação/modificação como veio a suceder com o acórdão proferido em 23.03.2020.
     68. Por conseguinte, o Tribunal a quo ao considerar, no acórdão proferido sobre a matéria de facto, que a confissão do 1.° Réu aos quesitos 7.°, 14.° e 15.º-C era ineficaz violou o disposto no artigo 576.° do CPC e tem, por isso, de ser revogada passando os referidos quesitos a darem-se por assentes.
     69. Mas ainda que assim não fosse, ou seja, admitindo-se que a decisão de considerar ineficaz a confissão do 1.° Réu está em conformidade com a lei, hipótese que apenas por dever de patrocínio se concebe, o que jamais se poderá aceitar é que o Tribunal a quo venha dizer que “não pode a confissão do 1.º Réu valer para efeito algum” (vide pág. 32 do acórdão de 23.03.2020), remetendo, sem dó nem piedade, para o caixote do lixo aquilo que o 1.° Réu, devidamente ajuramentado, afirmou em juízo, residindo aqui o segundo vício do acórdão em apreço quanto a esta questão.
     70. Trata-se de uma decisão inaceitável uma vez que é consabido e pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que, mesmo que estejam em causa direitos indisponíveis insusceptíveis de confissão ou que o depoimento da parte não possa produzir efeito confessório o mesmo é admissível e deverá (tem de) ser valorado à luz da livre apreciação pelo Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 436.°, 442.°, 477.°, n.º 1 e 558.° todos do CPC.
     71. Por outro lado, ao contrário do que parece ser o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, do disposto na alínea b) do artigo 347.° do CC, resulta apenas que a confissão não faz prova contra o confitente, ou seja que a confissão realizada não é eficaz, nada mais. Mas nesses casos, e conforme acima se explicou, o depoimento prestado será apreciado livremente como elemento probatório.
     72. Dúvidas não restam, pois, de que o depoimento do 1.° Réu - em que confessou que o 2.° Réu nunca lhe pagou na data da escritura mencionada em U) dos factos assentes, ou seja, da escritura de compra e venda da moradia, a título de preço da venda da Moradia, qualquer quantia; que pagava salário todos os meses ao 2.° Réu, o qual trabalhava para si na compra e venda de imóveis e que quando fez a escritura mencionada em U), o 2.° Réu ainda trabalhava para si; que o 2.° Réu nunca tomou posse da Moradia que sempre permaneceu na disponibilidade e sob o poder do 1.° Réu desde que os Autores mormente o 2.° Autor lha entregaram e que o 2.° Réu limitou-se na compra e venda a que se refere na alínea U) dos factos assentes a actuar como testa de ferro do 1.° Réu e como agente fiduciário deste - podia e devia ter sido considerado como elemento probatório e assim apreciado pelo Tribunal.
     73. Se assim tivesse sucedido, dúvidas não restam também de que o mesmo, quer isoladamente, quer analisado em conjunto com as outras provas carreadas para os autos (ou a inexistência das mesmas, nomeadamente: a prova da inexistência do pagamento do preço da moradia, a incapacidade dos Réus de fazerem essa prova, a inexistência de prova de qualquer acto de posse sobre a moradia por parte do 2.° Réu, demonstrada pelos ofícios de fls. 399, 400 e 519) é mais do que suficiente para se dar como totalmente assentes as matérias dos quesitos 7.°, 14.° e 15.º-C.
     74. Com efeito, é uma regra ou máxima da experiência que ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro. É isso o que sucede com o depoimento.do 1.º Réu do qual resulta expressamente reconhecido por este a simulação do negócio que celebrou com o 2.º Réu em relação à moradia.
     75. E esse depoimento assume ainda maior relevância quando os Réus, em particular o 2.° Réu, vem afirmar que o 1.° Réu (que, pretensamente lhe vendeu o imóvel a que se vem fazendo menção) era o dono de facto da moradia.
     76. Ou seja, o principal interessado no suposto negócio de compra e venda da moradia, interveniente directo no mesmo e com uma razão de ciência inatacável, vem confessar perante o Tribunal e perante os Autores que impugnaram a validade de tal negócio que, efectivamente, o mesmo não passou de um negócio simulado e que tal imóvel nunca saiu da sua posse.
     77. Aqui chegados não poderá deixar de notar que os motivos pelos quais a lei estabelece a existência de litisconsórcio necessário no caso em apreço vem secundar a posição assumida pelos Recorrentes, pois no caso em apreço, o que está em causa é evitar que a confissão de um dos supostos simuladores viesse a prejudicar o outro suposto simulador, quando na verdade não se verificasse qualquer simulação.
     78. Isto é, pretende-se evitar que através da confissão de uma suposta simulação se possa prejudicar os interesses da contraparte do negócio que agora se quer destruir, quer para prejudicar o outro suposto simulador, quer para beneficiar o terceiro a favor de quem se faz a confissão ou o próprio confessor-simulador.
     79. Ora, no caso dos autos é claro que o 1.° Réu, com a confissão que fez, não se quer beneficiar e muito menos beneficiar os Autores. Tão-pouco quer prejudicar o 2.° Réu. O que ele quer é na verdade prejudicar os Autores. Não há qualquer acordo, conluio, entendimento ou o que quer que seja com os Autores que justificasse a confissão do 1.º Réu, pois o que ele não se pretende prejudicar é a si próprio, e tão-pouco o pretende quanto ao 2.° Réu.
     80. O que significa que em boas contas nos encontramos fora do perímetro hipotético a que visa dar resposta a imposição do litisconsórcio necessário imposto pelo artigo 346.° do CC, e como talo depoimento do 1.° Réu deveria ter sido valorado.
     81. Perante isto e perante os outros dados apurados nos autos, nomeadamente o facto de se ter por assente que o 2.° Réu era um empregado do 1.° Réu e actuava sob as suas ordens e instruções, não restava outra solução ao Tribunal a quo, sob pena de uma total arbitrariedade na apreciação das provas, senão a de considerar o quesito 7.° como totalmente assente e os quesitos 14.° e 15.º-C como provados.
     82. A decisão do Tribunal a quo, além de fazer uma interpretação incorrecta do artigo 347.° do CC e ser violadora dos artigos 436.°, 442.°, 477.°, nº 1 e 558.° todos do CPC, é totalmente contrária a um juízo lógico e às regras da experiência, nomeadamente aquela a que se acima se fez menção de que ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro.
     83. Assim, para a hipótese meramente académica e que, como se disse, apenas por cautela e dever de patrocínio se admite, de a questão suscitada pelo Recorrente relativa à pretensa insuficiência da matéria de facto para o julgamento de precedência do pedido de declaração de nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda a que se refere a alínea U) dos factos assentes, vir a ser considerada insuficiente, deverá o acórdão proferido sobre a matéria de facto ser parcialmente revogado para que, com base nos meios probatórios acima mencionados, nomeadamente o depoimento do 1.° Réu, o artigo 7.° passe ser dado como integralmente provado, na sua redacção original, e dando-se também como totalmente assentes os artigos 14.° e 15.º-C, dos quais resulta também totalmente a factualidade atinente à dita simulação.
     84. Na mesma senda, isto é, para a hipótese meramente académica e que, como se disse, apenas por cautela e dever de patrocínio se admite, de a questão suscitada pelo Recorrente relativa à pretensa insuficiência da matéria de facto para o julgamento de procedência do pedido de declaração de nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda a que se refere a alínea U) dos factos assentes, vir a ser considerada insuficiente e de o pedido formulado supra relativamente aos quesitos 7.°, 14.° e 15.º-C não vir a ser atendido, deverá este Venerando Tribunal julgar os recursos interlocutórios interpostos pelos Autores dos despachos de fls. 357 a 359, 459 e 460 e 626, dando-lhes provimento ordenando a repetição do julgamento aos quesitos 7.°, 12.° e 15.º-C nos termos do disposto do n.º 4 do artigo 629.° do CPC.
     85. Por outro lado, para o caso de se vir a considerar que não houve simulação (hipótese que apenas por dever de patrocínio se aventa) ainda assim o referido negócio de compra e venda da moradia assume contornos de tal forma gravosos que é manifestamente ofensivo dos bons costumes e como tal, nulo, nos termos dos artigos 273.° e 274.° do CC.
     86. A demonstração cabal da ilicitude do fim da compra e venda da moradia celebrada entre os Réus reside no facto de a mesma ter sido feita:
     (i) numa altura em que o 1.° Réu, conforme confessa na sua contestação, suspeitar que o 2.° Autor pudesse vir a enfrentar problemas com eventuais credores por força da nova política governativa em relação aos terrenos concessionados e à mais que provável declaração de caducidade do Terreno;
     (ii) por um patrão a favor de um empregado;
     (iii) sem que o respectivo preço tivesse sido pago (ou pelo menos na sua totalidade); e de
     (iv) o preço daclarado na escritura ser infinitamente inferior ao valor venal atribuído pouco tempo antes ao imóvel pelo suposto vendedor, sem que os Réus tenham apresentado qualquer justificação quer para esse facto.
     87. O fim ou Propósito subjacente ao negócio de compra e venda da moradia celebrado pelos Réus é, pois, ilícito e claramente reprovável, sendo uma clara demonstração de falta de ética e de má fé.
     88. Ora, "quando o procurador, agindo formalmente dentro dos seus poderes funcionais, e a outra parte colaboram conscientemente para prejudicar o representado. Neste caso, em que existe 'colusão' o negócio é ofensivo dos bons costumes, caindo assim sobre a alçada do artigo 281.º tendo como consequência a sua nulidade".
     89. Caso se venha a considerar que tal negócio não foi simulado, deverá ser declarada a sua nulidade e cancelado o respectivo registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2.° Réu mediante a inscrição n.º XXXXXG com a consequente condenação dos Réus a restituírem a moradia ao 2.° Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens, o que se requer a título subsidiário
     90. Por último, não obstante a procuração a que se refere a alínea P) dos factos assentes tivesse por fito formalizar a atribuição ao 1.° Réu de todos os direitos sobre a moradia como pagamento de parte do preço de venda do Terreno de que este era titular, o certo é que a utilização deste instrumento nos moldes em que ocorreu e que atrás se descreveram, não pode deixar de se considerar como um verdadeiro abuso de representação e uma actuação de má fé por parte do 1.° Réu.
     91. Configurando um abuso de representação, o negócio de compra e venda da Moradia realizado com base na procuração em apreço é, nos termos dos artigos 261.º e 262.º do CC, ineficaz em relação ao 2.° Autor, razão pela qual, também por este via, que se invoca a título subsidiário, deverá ser declarada a ineficácia do negócio e ordenado o cancelamento do registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2.° Réu mediante a inscrição n.º XXXXXG, com a consequente condenação dos Réus a restituírem a Moradia ao 2.° Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens.
*
    C, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1487 a 1498, tendo formulado as seguintes conclusões:
     DA MA TÉRIA DA AMPLIAÇÃO
     1. O pedido de ampliação do objecto do recurso formulado pelos Autores incide sobre: a) a decisão relativa aos quesitos 3.° a 6.° da Base Instrutória; b) o valor probatório da confissão feita pelo 1.° R., ora Respondente; c) os recursos interlocutórios interpostos pelos Autores; d) a alegada ofensa dos bons costumes na venda da Moradia; e, ainda, e) o abuso de representação no uso que o 1.º R. fez da procuração sobre a Moradia (outorgada pelo 2.° Autor).
     2. Sucede que a matéria relativa à decisão que recaiu sobre os quesitos 3.° a 6.º da Base Instrutória foi já abordada pelos Autores nas alegações do seu próprio recurso - interposto da parte da sentença em que decaíram -, razão para qual eles próprios para ali remetem.
     3. E a questão dos recursos interlocutórios não vem exposta em termos que permitam compreender onde há decaimento, requisito para a própria ampliação do objecto do recurso da sentença final. O que os Autores acabam por pedir é apenas que os ditos recursos sejam julgados. Não se trata de ampliar o objecto do recurso que interpuseram da sentença final, mas de uma questão processual: que os recursos interlocutórios sejam conhecidos.
     4. Daqui resulta que a ampliação requerida pelos Autores, no que ao recurso do ora Respondente respeita, apenas se verifica quanto ao valor probatório da confissão feita pelo 1.° R.; à alegada ofensa dos bons costumes na venda da Moradia; e ao abuso de representação no uso que o 1.° R. fez da procuração sobre a Moradia.
     Vejamos então se assiste razão aos Autores.
     DO VALOR PROBATÓRIO DA CONFISSÃO FEITA PELO 1.° R.
     5. A este respeito, a posição dos Autores é a de que a desconsideração do depoimento do 1.° R., feita no Acórdão do Tribunal Colectivo, com fundamento no n.º 2 do artigo 346.° do Código Civil, viola o caso julgado formal de despacho anterior que admitiu o depoimento de parte do 1.° R., porque tal admissão teria implícita uma posição do Tribunal (contra legem, já que contrária ao referido inciso do Código Civil), no sentido de que; as declarações confessórias que o 1.º R. porventura viesse a proferir nessa sede teriam o valor de confissão.
     6. Dizem os Autores que aquele despacho anterior, como não foi tempestivamente impugnado pelo ora Respondente, fez caso julgado formal e, portanto, o Tribunal Colectivo, ao desconsiderar o depoimento do 1.° R., teria violado o caso julgado.
     7. Todavia, a desconsideração do depoimento do 1.° R. contra a qual os Autores ora se insurgem é uma decisão do Tribunal Colectivo sobre uma questão de direito.
     8. Seria uma decisão sobre uma questão de facto se o Tribunal tivesse apreciado a veracidade das declarações do 1.º R., para concluir se acreditava nelas, ou não, e qual o seu valor no conjunto da prova produzida sobre os quesitos objecto do depoimento da parte, concretamente, os quesitos 7.°, 14.° e 15.º-C. Sucede que o Tribunal a quo, independentemente do teor das referidas declarações, decidiu desconsiderá-las por aplicação duma norma legal, o que é claramente um pronunciamento sobre uma questão de direito.
     9. Por conseguinte, a desconsideração do depoimento do 1.º R. constitui materialmente um despacho sobre matéria de direito de que os Autores podiam, se quisessem, ter recorrido.
     10. Aliás, também os Autores a entenderam como um despacho, como transparece de fls. 36 das suas contra-alegações, que transcrevemos de seguida com sublinhados nossos:
     11. Não tendo os Autores reagido tempestivamente contra esse despacho, a decisão de desconsiderar o depoimento do 1.° R., por força do estatuído no artigo n.º 2 do 346.° do CPC, transitou e passou a constituir caso julgado formal.
     12. Independentemente disso, repare-se que o próprio registo escrito do depoimento do 1.° R. não cumpre os requisitos legais exigíveis para que a confissão judicial escrita faça prova plena contra o confitente,
     13. pois faltou o requisito previsto no n.º 3 do artigo 487.° do CPC, o qual determina que «concluído o registo, é lido ao depoente, que o confirma ou faz as rectificações necessárias.»
     14. Ora, como pode ler-se a fls. 819v. e 820 dos autos, tal não aconteceu.
     15. O conhecimento pelo confitente do que ficou escrito em acta e a sua confirmação de que o texto corresponde às suas declarações é uma formalidade essencial, sem a qual o depoimento não vale como confissão.
     16. Neste sentido, veja-se o expendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.IV.200767 relativamente à norma do Código de Processo Civil Português, fonte do nº 3 do artigo 487.° do CPC de Macau:
     "Se finda a prestação do depoimento de parte, o depoente não confirmar a assentada, rectificando-a nos termos do nº 3 do artigo 563º do CPC, não haverá confissão judicial escrita na parte questionada, devendo a eventual confissão judicial ser livremente apreciada pelo tribunal."
     17. Os Autores podiam ter reagido a essa omissão, arguindo uma nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 147.°, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 151.°, ambos do CPC.
     18. Porque não o fizeram, a omissão da referida formalidade essencial não pode mais ser suprida e a nulidade daí derivada não pode mais ser invocada.
     19. Ademais, o registo do depoimento do 1.° R. descreve ou interpreta as suas declarações, mas não as reduz a escrito. Veja-se, por exemplo, que a acta refere, relativamente a alguns quesitos, "confessou" ou "não confessou" - cf. fls. 819v. e 820 - sem reproduzir o que o depoente disse. Portanto, faltou também o requisito básico de redução a escrito, exigido pelo artigo n.º 1 do 487.° do CPC.
     20. Resultado: o depoimento do 1.° R não tem valor confessório.
     21. Caso assim não se entendesse, o que só se admite por cautela de patrocínio, sempre diremos que não há contradição entre, por um lado, ter-se admitido o depoimento e, por outro, ter-se rejeitado que ele servisse de confissão, uma vez prestado, porque, de todo o modo, esse depoimento constituiu um elemento probatório submetido à livre apreciação do tribunal, conforme resulta do artigo 354.° do Código Civil.
     22. Decorre daqui que o facto de o depoimento de parte ter sido admitido não importou qualquer decisão contra legem implícita do Mmo. Juiz Titular, no sentido de que as declarações que o 1.° R. viesse a produzir nesse contexto teriam valor confessório.
     23. Posto o que, lido o Acórdão do Tribunal Colectivo, não é líquido que este tenha nulidade querido erradicar as declarações do 1.° R, quando consignou que “não pode a confissão do 1.º Réu relevar para efeito algum”; o Tribunal Colectivo terá pretendido dizer apenas que a confissão não tinha qualquer efeito, mesmo que só limitado aos interesses do 1.° R. - cf. a primeira parte do n.º 2 do artigo 346.° do Código Civil).
     24. Atentando mais de perto na aplicabilidade do artigo 354.° do Código Civil, deve destacar-se que a livre apreciação das declarações do 1.° R pelo Tribunal impõe o respectivo enquadramento pelas circunstâncias pessoais do declarante (designadamente o seu estado de saúde - cf. relatório médico a fls. 700 a 702 dos autos) que certamente interferiram com a sua memória e clareza de espírito.
     25. A este propósito, note-se que o 1.° R. esteve em juízo sempre acompanhado por uma enfermeira, como pode inferir-se da seguinte transcrição da audiência de julgamento:
Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 10.31.15 (3$S(XN#W04220319)"
00:00:30

Juiz Presidente (JP): Onde é que está o despacho do depoimento de parte?
JP: 2 a 7... era só isso que queria ter a certeza.
00:01:05

JP: Muita bom dia.
JP: A Senhora pode ficar; se eu não precisar de pôr o tradutor aqui, a Senhora pode ficar sentada ao lado do Senhor, não tem problema nenhum, que o Senhor precisa de si.
JP: Depende daquilo que o Senhor quiser.
00:01:53

JP: Por favor cumprimentem o Réu, e peçam para dizer como é que se chama.
00:03:05
(Fim)

     26. A interferência na memória e clareza de espírito do 1.° R. é visível, de resto, na declaração que o 1.° R. fez, no sentido de que nunca prometeu vender o terreno dos autos à 1.ª A., ainda que e apenas quando essa venda fosse possível, o que, no contexto do depoimento, foi entendido por todos - Tribunal Colectivo e mandatários das partes - como uma rejeição categórica do 1.º R. de que alguma vez fizera algum negócio com a 1.ª A. (e não que somente não prometera vender, mas que transmitira situações resultantes da concessão, o que revelaria uma capacidade de discernir entre uma realidade e outra que claramente o 1.° R. não demonstrou na sala de audiências), quando é facto adquirido que houve um negócio sobre o terreno dos autos. A este respeito, leia-se o que o 1.° R. declarou:

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 10.34.24 (3$S)%1OW04220319)"
00:00:00
JP: Por favor Carol. - Consegue dizer o nome?
00:00:13
C: C.
00:00:22
JP: Sendo parte neste processo, e tendo naturalmente interesse na decisão, mesmo assim está obrigado a responder com verdade àquilo que for perguntado. Está consciente disso?
C: Compreendo.

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 10.37.56 (3$S)0WMW04220319)"
00:00:00
JP: (...) acordo no sentido de o Senhor prometer à companhia A esse terreno?
C: Não.
00:00:22
JP: Nunca acordaram que o Senhor ia vender à A o terreno?
C: Não, não aconteceu.
00:00:53
JP: Portanto também não combinaram que essa venda seria feita quando fosse possível, quando fosse legalmente viável?
C: Sim, sim não é verdade.

     27. Sem prejuízo, mesmo que, in extremis, o depoimento do 1.° R. fosse admitido como confissão, esta só faria prova contra o confitente, por uma questão cultural de respeito pela individualidade de cada um e, sobretudo, por imperativo legal - cf. artigos 345.° e 347.°, a contrario, do Código Civil - que teria força plena, mas sempre só contra o confitente, por ter sido realizada em juízo e estar escrita – cf. n.º 1 do artigo 351.º do Código Civil.
     28. Logo, quando o 1.° R. declarou:
     a) ao quesito 7.°, que não recebeu qualquer pagamento do 2.° Réu a titulo de venda da Moradia;
     b) ao quesito 14.°, que o 2.° Réu nunca tomou posse da Moradia, e
     c) ao quesito 15.º-C, que o 2.° Réu se limitou a actuar, na compra e venda da Moradia, como seu testa de ferro,
     nunca essa confissão se imporia ao 2.° Réu, enquanto reconhecimento de que nada pagou, não tomou posse da Moradia e actuou como testa de ferro do 1.º R..
     29. Com efeito, não existem confissões exógenas, ou seja, confissões de factos próprios (como pagar dinheiro, tomar posse dum imóvel e actuar num contrato como testa de ferro doutrem) feitas por terceiro, em vez do próprio.
     30. Portanto, em última análise, a confissão destes factos pelo 1.° R., quando muito, apenas contra si faria prova plena. Já no que concerne ao 2.° Réu, essa confissão seria livremente apreciada.
     31. Considerando que o 1.° R. depôs sob grande condicionamento físico, possivelmente também emocional, como referido nos parágrafos 25 e 26 supra, e considerando ainda toda a defesa apresentada pelo 2.° Réu e o que este já disse nas suas alegações de recurso, em jeito de impugnação do mérito da declaração de nulidade, por simulação, da venda da Moradia, só pode chegar-se à conclusão que contraria a confissão do 1.° R. ou, pelo menos, a coloca em dúvida.
     32. Reflictamos, porém, nos factos em apreço. Estão em causa:
     - Por um lado, dois factos produzidos por acção recíproca de dois agentes:
     • pagar e receber um preço (o comprador paga e o vendedor recebe); e
     • actuar como testa de ferro (i.e., alguém, fingindo actuar no interesse próprio, actua no interesse de outra pessoa, a pedido dessa pessoa);
     - Por outro lado, um facto de que se diz ter conhecimento, mas que foi ou não praticado por outra pessoa:
     • a tomada de posse da Moradia pelo Recorrente, que o 1.° R disse não ter acontecido.
     33. Esta situação obriga a que se questione a plenitude da prova da confissão contra o 1.° R ..
     34. Afigura-se artificial, ilógico e antijurídico, que uma mesma realidade faça prova plena contra um dos intervenientes - o 1.° R, por força do disposto no n.º 1 do artigo 351.° do Código Civil - e não faça contra o outro - o 2.° Réu, por força da mesma norma a contrario.
     35. A realidade é só uma: não é possível que, vista do lado do 1.° R, o preço da Moradia não tenha sido pago e o 2.° Réu tenha actuado como testa de ferro e não tenha tomado posse da Moradia, mas que, vista do lado do 2.° Réu, os factos tenham acontecido em sentido contrário.
     36. Como tivemos oportunidade de referir anteriormente por diversas vezes (em sede de contra-alegações nos recursos interlocutórios), só os Autores sabem por que razão não requereram o depoimento de parte do 2.° Réu sobre esta matéria.
     37. Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que o depoimento de parte do 1.° Réu não releva para efeito algum, não merecendo tal decisão qualquer reparo.
     DA INVOCADA OFENSA DOS BONS COSTUMES NA VENDA DA MORADIA
     38. A ofensa dos bons costumes na venda da Moradia vem invocada pelos Autores a título subsidiário, no sentido de que, se não for declarada a nulidade, por simulação, da venda da Moradia, seja então tal nulidade declarada nos termos dos artigos 273.° e 274.° do Código Civil, por ofensa da ordem pública e dos bons costumes, cancelando-se o registo de aquisição do imóvel a favor do 2.º R. e ordenando-se a restituição daquele ao 2.° Autor, livre de ónus ou encargos e devoluto de pessoas e bens.
     39. Não havendo simulação, o que há, segundo os Autores, é um propósito comum ao 1.° R. e ao 2.° R., qual seja o de impedir que a Moradia regressasse ao controlo do 2.° A.
     40. Ora, se não há simulação, então o 1.° R. quis mesmo vender e o 2.° R. quis mesmo comprar o imóvel e, por conseguinte, não se descortina base para aplicação do artigo 273.°, designadamente do seu n.º 2 - porque cremos que é a este preceito que os AA pretendem referir-se - dado que a substancia do negócio era a venda dum imóvel, absolutamente lícita, portanto.
     41. E quanto a essa venda ter sido feita a um mero empregado com preço simulado e não pago na íntegra, na data da escritura ou em momento anterior – mas em que não se provou que o comprador não tivesse completado o pagamento posteriormente nem que ele houvesse agido no contrato como testa de ferro ou agente fiduciário do vendedor -, embora se possa criticar a conduta dos intervenientes, nunca se poderá, à luz dos padrões morais dominantes na sociedade de Macau, considerar que essa sua conduta violou a ordem pública ou ofendeu os bons costumes, a ponto de se desfazer o negócio.
     42. Igualmente não se descortina a aplicabilidade do artigo 274.° ao caso porque a resposta negativa do Tribunal Colectivo aos quesitos 3.°, 4.°, 5.° e 6.° da Base Instrutória, aliada ao insucesso, revelado na fundamentação dessa resposta, em apurar que negócio é que os A.A. e o 1.° R afinal concluíram entre si sobre a concessão do Terreno, tornou impossível saber que consequências acarretaria para as partes a eventual caducidade da concessão.
     43. Portanto, a ideia de que a caducidade da concessão desencadeava a reversão da Moradia para o 2.° A não era possível em face do Acórdão do Tribunal Colectivo; e, embora o Mmo. Juiz Presidente tenha perfilhado tal ideia para presumir a simulação da venda da Moradia, fez uma conjectura estritamente pessoal, ao arrepio do que já estava decidido, colectivamente, no processo.
     44. Decorre do exposto que a realidade que se constata é, repete-se, uma venda com simulação de preço feita a um empregado que, embora não tenha pago integralmente o preço na data da escritura ou em momento anterior, pode tê-lo feito posteriormente, sendo certo que provado não está que o 2.° R não tem capacidade financeira nem actuou como testa de ferro ou agente fiduciário do 1.° A vendedor.
     DO INVOCADO ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
     45. Por fim, invocam os Autores o abuso de representação do 1.° R. - no exercício dos poderes recebidos do 2.° A através da procuração outorgada em 24 de Abril de 2014 -, e pedem a título subsidiário a declaração de ineficácia do negócio sobre a Moradia, ao abrigo dos artigos 261.° e 262.° do Código Civil.
     46. O fundamento invocado neste contexto é o de que o 1.° R já não podia usar a procuração quando vendeu a Moradia ao 2.° R, porque já sabia que a concessão do Terreno não podia ser transmitida à 1.ª A ..
     47. Consequentemente, como o negócio da concessão do Terreno ficava sem efeito, a Moradia teria de voltar ao controlo do 2.° A, situação que o 2.° Réu conhecia.
     48. Todavia, esse fundamento improcede por causa da resposta que os quesitos 10.º, 15.º-A e 15.°-B mereceram.
     49. Acresce, por outro lado, que o desconhecimento, por parte do Tribunal, daquilo em que consistiu efectivamente o negócio sobre a concessão do Terreno, inibe o postulado de que a Moradia deveria reverter ao controlo do 2.° A. se a concessão do Terreno caducasse; e, isto, acaba por retirar toda a relevância à eventual consciência que o 1.° R. e do 2.° R. tinham sobre a probabilidade de a declaração de caducidade da concessão do terreno vir a concretizar-se.
*
    iii) – Alegacões do D:
    D, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 29/04/2020, veio, em 24/06/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1022 a 1036, tendo formulado as seguintes conclusões :
     A. Os itens ou quesitos 3.°, 4.°, 5.° e 6.° da Base Instrutória contêm o essencial da causa (de pedir dos pedidos i), ii), iii) e iv) formulados na p.i., a final, todos relativos ao negócio realizado entre os A.A. e o 1.° R sobre a concessão do terreno descrito nos autos.
     B. O Acórdão do Tribunal Colectivo respondeu "Não provado" a cada um desses quesitos e, consequentemente, a sentença recorrida jugou improcedentes os referidos pedidos i), ii), iii) e iv).
     C. De harmonia com a resposta referida em B., a resposta dada pelo Acórdão do Tribunal Colectivo ao quesito 10.° - que contém matéria da causa de pedir do pedido v) da p.i., este relativo à venda ao Recorrente da Moradia pelo 1.° R, no uso de procuração que, recebera do 2.° A - foi "Provado apenas que o 2º Réu tinha perfeito conhecimento da existência e dos contornos do acordo celebrado entre o 1º Réu e os Autores", significando aquele "apenas" que o resto da pergunta que o quesito 10.° encerrava, a saber, "O 2° Réu tinha perfeito conhecimento ... de que na altura em que se processou a venda da Moradia tal acordo já não estava em condições de ser cumprido" foi considerado não provado.
     D. Na fundamentação desta resposta diz-se no Acórdão do Tribunal Colectivo que " ... não se tendo provado a matéria dos itens 3° a 6° não se pode provar que o acordo não pudesse ser cumprido ... ".
     E. Por conseguinte, o Tribunal Colectivo não conseguiu apurar em que consistiu o negócio celebrado entre os A.A. e o 1.° R sobre a concessão do terreno, donde que não tenha podido esclarecer os respectivos contornos.
     F. Um dos contornos ou termos do negócio era, segundo a tese dos A.A., que o 1.° R. estava obrigado a restituir a Moradia ao 2.° A. se a concessão do terreno viesse a caducar antes de se operar a transmissão dessa concessão do 1.° R para a 1.ª A.
     G. Como essa obrigação do 1.° R não se provou, os A.A. não demonstraram ter um interesse juridicamente atendível na arguição da nulidade, por simulação, da venda da Moradia que entretanto ele efectuou ao Recorrente;
     H. Os A.A. não invocaram outro facto ou circunstância donde pudesse extrair-se esse interesse (cabendo referir, a propósito, que o facto ou circunstância de o 2.° A. figurar como vendedor e o 1.° R. como procurador na escritura de venda da Moradia é neutralizado pela matéria das alíneas O) e P) do Factos Assentes e pela declaração de venda da Moradia, pré-existente à escritura, emitida pelo 2.° a favor do 1.°R.) (doc. 6 da contestação do 1.° R.).
     I. Por essa razão, os A.A. eram alheios ao negócio da venda da Moradia pelo 1.º R. ao Recorrente,
     J. situação em que, atento o disposto nos artigos 234.°, n.º 1, e 279.° do Código Civil, os A.A. não têm legitimidade para arguir a nulidade, por simulação, da venda da Moradia pelo 1.° R., ao Recorrente.
     K. Tal falta de legitimidade gera a falta de interesse processual dos A.A. para deduzirem os pedidos v) e vi) da p.i., uma vez que, se nada tinham a ver com a alienação da Moradia que o 1.° R. quisesse fazer no uso da procuração, então a venda que este efectuou ao Recorrente não colocou os A.A. na situação de carência que o artigo 72.° do CPC exige para que haja interesse processual.
     L. A falta de interesse processual é uma excepção dilatória, prevista no artigo 413.°, h), do CPC, que importa, nos termos do artigo 412.°, n.º 1, a absolvição da instância do 1.° R. e do Recorrente na parte respeitante aos pedidos v) e vi); a par dessa absolvição da instância deve declarar-se a extinção da instância, nos termos do artigo 229.°, e), do CPC, por inutilidade superveniente, relativamente ao pedido xii) da p.i ..
     M. Em alternativa à referida absolvição da instância, deve a sentença recorrida ser revogada na parte que apreciou e decidiu os pedidos v) e vi), por violação do dever de conhecimento oficioso da excepção de falta de interesse processual dos A.A., ínsito no artigo 414.° do CPC, e do dever de não conhecer dos pedidos v) e vi) e absolver o 1.° R. e o Recorrente da instância, no tocante a eles, previsto no artigo 230.°, n.º 1, e); juntamente com essa revogação parcial da sentença recorrida, deve ainda declarar-se a extinção da instância, nos termos do artigo 229.°, e), do CPC, por inutilidade superveniente relativamente ao pedido xii), ou revogar-se ou, pelo menos, declarar-se supervenientemente inútil a prolação sobre o pedido xii) que foi feita pelo Tribunal a quo.
     Admitindo, sem conceder, que não se decida a absolvição da instância do 1.° R. e do Recorrente ou a revogação da sentença recorrida, nos termos acabados de expor:
     N. Para chegar ao juízo de procedência do pedido v) da p.i., o Mmo. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, prolator da sentença recorrida, fez presunções judiciais, como previsto, aliás, nos artigos 342.º e 344.° do Código Civil.
     O. Concretamente presumiu que: o 1.º R. declarou na escritura por que vendeu a Moradia ao Recorrente que queria vendê-la, quando não era essa a sua vontade, e o Recorrente declarou ali que queria comprá-la, quando também não o pretendia etectivamente; o 1.º R. e o Recorrente concertaram entre si essas declarações divergentes da sua vontade real; o intuito da concertação era enganar os A.A.
     P. Para alcançar esses factos desconhecidos (desconhecidos porque nem constavam das respostas aos quesitos, nem eram factos notórios ou instrumentais, ou não alegados pelas partes mas essenciais e complemento ou concretização doutros que tivessem sido alegados ou factos supervenientes), o prolator da sentença baseou-se em factos conhecidos e estribou-se numa convicção (ela mesma uma presunção).
     Q. De entre esses factos conhecidos avultam os seguintes:
     - "o Recorrente tinha conhecimento dos contornos do negócio que os A.A. e o R. tinham celebrado relativamente à concessão do terreno de Seac Pai Van";
     - “o 1.° R. tinha-se declarado devedor à 1.ª A da quantia de MOP$370,800,000.00, equivalentes a HK$360,000,000.00, numa escritura de empréstimo com hipoteca celebrada em Novembro de 2013";
     - "o 1.° R. e o Recorrente tinham consciência de que a caducidade da concessão do terreno de Seac Pai Van poderia ocorrer/ser declarada proximamente, tanto que fizeram a escritura da Moradia em Julho e a caducidade da concessão foi declarada em Dezembro de 2016".
     R. Estes factos conhecidos e a ilação referida só poderiam aproveitar à formação das presunções aludidas em O. (e que, por facilidade, designaremos por presunção do acordo simulatório) se se tivesse respondido afirmativamente aos quesitos 3.º, 4.°,5.° e 6.º da Base Instrutória e dado ao quesito 10.° resposta diferente da que lhe coube, confirmando-se a tese dos A.A. sobre aquilo em que consistiu o seu acordo com o 1.º R. no tocante à concessão do terreno, tese que o Tribunal Colectivo rejeitou.
     S. Tendo se socorrido de tais factos e ilação para chegar àquela presunção, o prolator da sentença desrespeitou o Acórdão do Tribunal Colectivo, a que, no entanto, devia obediência.
     T. Os factos conhecidos de que o julgador podia legitimamente socorrer-se para formar as ditas presunções resumem-se a três:
     - houve uma grande discrepância entre o valor que os A.A. e o 1.° R atribuíram à Moradia em 2013 e o preço por que o 1.° R declarou vendê-la ao Recorrente, menos de três anos volvidos;
     - o Recorrente era um mero empregado do 1.° R;
     - na data da escritura de transmissão da Moradia, o Recorrente não pagou a totalidade do preço de venda aí declarado, e também não o tinha já feito em momento anterior,
     U. mas o facto "mero empregado" tem de ser considerado com a qualificação de que não se provou que "esse mero empregado", o Recorrente, houvesse actuado como testa de ferro e agente fiduciário do 1.° R na comprada Moradia.
     V. A resposta aos quesitos 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 15.º-A, 15.°-B e 15.º-C, que integravam e eram da maior importância para firmar a causa de pedir do pedido v), foi, para cada um deles, "Não provado".
     W. Os factos descritos em T., com a qualificação referida em U., apenas permitem concluir que foi feita uma venda da Moradia, com simulação de preço, a um empregado, o Recorrente, comprador, que não pagou integralmente o preço da transacção na data da escritura ou em momento anterior, não se sabendo contudo se chegou a liquidar a diferença mais tarde, comprador esse que, apesar de ser empregado, não actuou no contrato como testa de ferro ou agente fiduciário do 1.° R, vendedor e seu empregador.
     X. Seria irrazoável assentar uma presunção de acordo simulatório entre o 1.° R e o Recorrente apenas nos factos referidos em T., com a qualificação aludida em U., mais a mais se tivermos em conta que não se provou nenhum dos factos referidos em V., que integravam e eram da maior importância para firmar a causa de pedir do pedido v).
     Y. O que se pretende é que a presunção do acordo simulatório entre o 1.° R e o Recorrente mencionada em O. que desemXXXXou na conclusão de que a venda da Moradia foi simulada e é nula, seja eliminada pelo Tribunal de Segunda Instância por duas razões: primeiro, porque repousa sobre factos não provados (a versão dos A.A. sobre o negócio da concessão do terreno e seus contornos) e, segundo, porque viola o Acórdão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, infringindo o princípio do esgotamento do poder jurisdicional ínsito no artigo 569.º do CPC.
     Z. Eliminada a presunção, deve em consequência revogar-se a sentença recorrida, na parte que julgou procedente o pedido que os A.A. formularam em v) a final da sua p.i, e que declarou a nulidade, por simulação, da venda da Moradia pelo 1.° R ao Recorrente e decretou o cancelamento da inscrição no registo predial da respectiva aquisição a favor do 2.º R, aqui Recorrente, através da inscrição n.º XXXXXG.
     AA. O juízo de procedência do pedido vi) é mera consequência jurídica e prática da procedência do pedido v), pelo que deve ser revogado pelas mesmas razões.
     BB. O juízo de procedência do pedido xii) (que é, por lapso, numerado como xi) na p.i., quando o que o antecede já é o décimo primeiro) soçobra porque se, como se defende, a Moradia foi validamente transmitida ao Recorrente, então a procuração de que o 1.° R. se serviu para operar a transmissão caducou logo por falta de objecto.
     CC. O mesmo efeito de caducidade da procuração se terá produzido se se quiser invalidar a venda da Moradia por qualquer das vias que suportam os pedidos vii) a x) porque todos eles improcedem e, nessa conformidade, a transmissão continua a ser válida e procuração continua a estar caducada por falta de objecto.
     Quanto aos pedidos vii) a xi), que a Segunda Instância poderá querer apreciar, ao abrigo do artigo 630.°, n.º 2, do CPC:
     DD. O pedido vii), sendo subsidiário do pedido v), é para ser apreciado na hipótese de não ter havido simulação na venda da Moradia. Nesse caso, argúem os A.A., houve ofensa da ordem pública e dos bons costumes. Porém, posta a simulação de lado, o que temos é uma venda a um empregado, que não actuou como testa de ferro ou agente fiduciário do seu empregador, o vendedor, venda feita com simulação de valor e sem que o preço declarado tivesse sido integralmente pago na data da escritura ou em momento anterior, desconhecendo-se contudo se a diferença foi ou não liquidada mais tarde.
     EE. Neste cenário, à luz dos padrões morais vigentes na sociedade de Macau, a crítica que a conduta de vendedor e comprador porventura mereça nunca poderia ir ao ponto de classificar essa conduta como violadora da ordem pública e dos bons costumes, pelo que o artigo 273.°, designadamente o seu n.º 2, do Código Civil é inaplicável ao caso.
     FF. Na medida em que não se apurou, na discussão da causa, que a Moradia devia reverter ao 2.° A se acontecesse a caducidade da concessão do terreno, não é possível admitir que o fim que o 1.° R. e o Recorrente visaram com a compra e venda da Moradia foi gorar a expectativa do 2.° A de reaver o bem, pelo que é também aqui inaplicável o artigo 274.° do Código Civil, naufragando assim o pedido vii) inteiramente.
     GG. O pedido viii) é de que, na falta duma nulidade por simulação ou ofensa da ordem pública e dos bons costumes, se declare a ineficácia da venda da Moradia vis-à-vis o 2.° A., por abuso de representação do 1.° R. no exercício dos seus poderes de procurador daquele.
     HH. Esse fundamento improcede por causa da resposta que o Tribunal Colectivo deu aos quesitos 10.°, 15.º-A e 15.°-B.
     II. Por outro lado, o desconhecimento por parte do Tribunal daquilo em que consistiu realmente o negócio sobre a concessão do terreno inibe o postulado de que a Moradia revertia ao controlo do 2.° A se a concessão do terreno caducasse, o que acaba também por retirar toda a importância à eventual consciência do 1.° R. e do Recorrente da probabilidade de a declaração de caducidade da concessão do terreno vir a concretizar-se.
     JJ. O pedido ix), subsidiário do pedido viii), e consistente na declaração de ineficácia da venda da Moradia face ao 2.° A em sede de impugnação U, sofre do ilogismo apontado na sentença recorrida e esbarra na impossibilidade de se estabelecer a má-fé de vendedor e comprador, elemento essencial à impugnação U, por não se ter apurado se os A.A. tinham ou não direito a reaver do 1.º R. dinheiro e ou a Moradia na eventualidade de a concessão do terreno caducar (sendo que só se tal direito existisse é que os A.A. podiam acenar com o prejuízo - outro elemento essencial à impugnação U - que a venda da Moradia pelo 1.° R. ao Recorrente lhes causava).
     KK. Este pedido ix) esbarra ainda e sobretudo na improcedência do pedido iv). Se o 1.° R. foi absolvido de ter de restituir aos A.A. tudo aquilo que recebeu, então falta aos A.A. o crédito que poderiam querer acautelar ao abrigo duma impugnação U.
     LL. O pedido x), subsidiário do pedido ix), filia-se no artigo 282.°, n.º 2, do Código Civil. Para que a subsunção fosse possível, era preciso que o negócio sobre a concessão do terreno fosse declarado nulo ou resolvido, à sombra dos pedidos i), ii) ou iii) da p.i., que o 1.º R. fosse condenado à restituição requerida no pedido iv), e que a venda da Moradia tivesse sido gratuita; nada disso se verifica pelo que nada deve o Recorrente restituir aos A.A.; acresce que, mesmo que a previsão do referido artigo se preenchesse, ainda assim o Recorrente não teria de restituir a Moradia, visto que a estatuição do artigo é de entrega de valor, não de entrega da coisa alienada.
     MM. Finalmente o pedido xi), subsidiário do pedido x), é uma extensão, com adaptação, do pedido iv): se, procedendo o pedido iv) de condenação do 1.° R. na restituição da Moradia ao 2° A., essa restituição não for possível, deve então essa condenação passar a ser de pagamento do respectivo valor, ou seja, HK$140,000,000.00.
     NN. Como não houve condenação pelo pedido iv), este pedido xi) não tem sustentação.
*
    A有限公司 e B, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1280 a 1313, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. As presentes contra-alegações resultam do recurso interposto pelo aqui Recorrente D, da douta sentença de fls. 972-991v, proferida em 29 de Abril de 2020, a qual decidiu duas questões, a saber: (i) do negócio quanto ao terreno concedido por arrendamento (melhor identificado nos autos a quo), e (ii) do negócio quanto à moradia (idem).
     2. As alegações do Recorrente debruçam-se sobre a parte do negócio quanto à moradia (a parte em que o Recorrente saiu vencido) sustentam-se fundamentalmente na resposta que foi dada aos quesitos 3.°,4.° 5.°, 6.° e 10.° da base instrutória, e ainda aos quesitos 12.° a 15.º-C.
     3. O Recorrente começa por alegar que, não tendo sido dados como provados os quesitos .3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 10.º da base instrutória, nenhuma legitimidade assiste aos Autores, nomeadamente ao 2.° Autor, para arguir a simulação do negócio quanto à alienação da Moradia, porquanto lhes falta interesse para tal (vide os § 1 a 14 das alegações do Recorrente).
     4. Neste particular, afirma ainda o Recorrente a falta de interesse processual dos AA./Recorridos para pedir ao Tribunal a quo que declare a inexistência do vício de simulação e a correspondente cominação de nulidade do negócio celebrado entre os Réus e que, como se disse, teve por objecto a moradia (vide os § 15 a §19, idem).
     5. As referidas questões - suscitadas pelo Recorrente nos capítulos I e II das suas alegações - merecem censura ao nível processual-legal, porquanto se tratam de assunto novos, ou seja, de questões não abordadas anteriormente nos autos a quo, falecendo ainda de razão quanto aos fundamentos invocados.
     6. O recurso representa um pedido de revisão da legalidade ou ilegalidade da decisão judicial feita por um órgão judicial diferente (superior hierarquicamente) ou em face de argumentos especiais feitos valer, pelo que interpor recurso significa necessariamente manifestar discordância com a decisão recorrida e a vontade de a impugnar.
     7. Essa restrição é forçosamente incompatível com a alegação de novas questões, pelo que o Recorrente não poderá jamais pretender, quer em obediência ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar a finalidade dos recursos, que o tribunal ad quem venha agora pronunciar-se sobre matérias que não foram abordadas pela sentença recorrida, simplesmente porque na fase de recurso, as partes e o tribunal devem partir do pressuposto de que as questões já foram objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação.
     8. Com efeito, “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
     9. Dito de outro modo, "Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação".
     10. Estão nesta situação as excepções invocadas pelo Recorrente nos pontos I e II das suas alegações uma vez que tais excepções não foram invocadas pelo Recorrente quer em sede da sua contestação - o que releva particularmente para a excepção dilatória de falta de interesse processual, mas também para a questão da legitimidade substantiva -, quer em sede da discussão do aspecto jurídico da causa (o que tem especial importância no que concerne à suposta ilegitimidade substantiva dos Autores, ora Recorridos, para arguirem a simulação, tanto mais que o Recorrente assenta esta na circunstância de os quesitos 3.º a 6.º e 10.º não terem resultado provados).
     11. Sendo, pois, questões novas - ou seja, questões que não foram objecto de uma primeira e inequívoca abordagem pelo Tribunal a quo - as mesmas não são susceptíveis de vir a obter um novo enquadramento jurídico em sede de recurso, pelo que ao TSI está vedado o seu conhecimento, por falta de atempada invocação.
     12. Mas ainda que assim não se entendesse, mormente quanto à alegada falta de legitimidade substantiva dos Autores para arguirem a simulação e consequente nulidade do negócio realizado pelos Réus e que teve por objecto a moradia, isto é, que se entenda que a invocação desta excepção pode ser feita a todo o tempo - hipótese que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite -, o certo é que, in casu, ao invés do que defende o Recorrente, estão verificados os requisitos de que depende a declaração de nulidade do negócio com base na respectiva simulação e, portanto, a conclusão retirada por aquele não faz sentido.
     13. Com efeito, constituindo um requisito de procedência da acção, a legitimação substantiva, como pressuposto condicionante do pedido formulado, basta-se com a prova dos fundamentos da causa de pedir, os quais consistem nos requisitos a que alude o artigo 232.º do CC.
     14. Quanto a esses requisitos, a decisão de mérito reflectida na douta sentença a quo, baseada na matéria que resultou assente veio demonstrar, entre outros, que os Réus não pretenderam celebrar qualquer negócio sobre a moradia, que o valor declarado do negócio era manifestamente inferior ao seu valor de mercado, que o valor declarado do negócio não correspondia à vontade das partes, que o preço do negócio não foi pago integralmente, que o 2.º Réu é empregado do 1.º Réu e actuava sob as suas ordens e instruções, que o negócio celebrado pelos Réus visava apenas retirar o imóvel definitivamente da esfera jurídica do 2.º Autor, integrando-o na esfera jurídica de um terceiro que o 1.º Réu dominava.
     15. Por outro lado, são os próprios Réus a confessar e a admitir o interesse dos Autores na declaração de nulidade do negócio celebrado por aqueles em relação à moradia.
     16. Efectivamente, importa recordar que nas suas contestações os Réus (e mormente o 1.º Réu) admitiram (como bem explica a sentença recorrida) que o negócio sobre o terreno consistiu numa compra e venda do mesmo, ou numa cessão dos direitos resultantes da respectiva concessão por arrendamento efectuada pelo 1.º Réu a favor da 1.ª Autora e que parte do preço havia sido pago com a entrega da moradia, facto aliás salientado na douta sentença recorrida quando afirma que para os Réus (e mormente para o 1.º Réu) o que foi celebrado foi uma compra e venda definitiva do terreno que, obviamente, é nula e de nenhum efeito por carecer de autorização.
     17. Destarte, sendo o referido negócio sobre o terreno nulo e de nenhum efeito ou, na menor das hipóteses, impossível (em virtude da declaração de caducidade da concessão), o que impõe a restituição de tudo o que houver sido prestado em função do mesmo dúvidas não há de que aos Autores, por serem titulares da relação jurídica estabelecida com o 1.° Réu, isto é, por serem os titulares dos direitos que emergem dessa relação e que foi afectada pelos efeitos que o negócio tendia a produzir (e que nunca se chegaram a produzir) têm interesse e assiste-lhes legitimidade para invocar a simulação do negócio que teve por objecto a moradia.
     18. Mas ainda que assim não sucedesse, ou seja, admitindo-se que em face da matéria de facto assente é de concluir que nesta fase os Autores ainda não são titulares de qualquer direito em relação ao 1.° Réu (designadamente o direito à restituição daquilo que lhe prestaram em função do negócio sobre o terreno), algo que apenas se concebe à cautela e por dever de patrocínio, nada os impedia de invocar a simulação do negócio que os Réus celebraram em relação à moradia.
     19. É que, consagrando a lei a nulidade do negócio simulado, daí resulta que a nulidade da simulação pode ser invocada por qualquer interessado e ser oficiosamente declarada, conforme decorre da regra geral expressa no artigo 279.° do CC.
     20. Ao dizer "qualquer interessado", não pode deixar de entender-se que a lei se está a referir ao "titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio", ou seja, o sujeito de qualquer relação jurídica que, de algum modo, possa ser afetado pelos efeitos que o negócio tendia a produzir.
     21. A lei não está a referir-se apenas aos titulares de qualquer direito de crédito, como são os Autores em relação às quantias/fundos entregues ao 1.° Réu. A expressão "qualquer interessado" tem um campo muito mais vasto. Para os credores em particular, veja-se o que dispõe o artigo 600.° do CC.
     22. Ademais, como refere a sentença a quo, "não deixa de ser certo que há por banda do 1º Réu a assunpção de uma dívida de MOP370.800.000,00 (equivalente a HKD360.000.000,00), em parte por ter recebido esta moradia, pelo que, havia por banda deste (do 1º Réu) todo o interesse em colocar a mesma numa esfera jurídica que dominasse, o que fez com esta compra e venda”, o que vem também comprovar a legitimidade dos Autores para a invocação da referida nulidade.
     23. Mas ainda que se considerasse que os Autores em virtude da ausência de prova dos quesitos 3.° a 6.° e 10.° da base instrutória ficariam destituídos de invocar a simulação que vicia o negócio sobre a moradia que os Réus celebraram entre si, nem assim estaria o impedido de conhecer da alegada nulidade, como o fez e bem.
     24. É que, uma vez provada a factualidade relevante da simulação (como sucedeu) o Tribunal não poderia abster-se de declarar a cominação para tal vício ou seja a nulidade do negócio. Com efeito sendo o negócio simulada nulo (cfr. artigo 232.º n.º 2 do CC, e sendo tal nulidade do conhecimento oficioso (cfr. artigo 279.° do mesmo diploma legal) o Tribunal tinha o dever de declarar a nulidade da compra e venda em causa, como o fez.
     25. Em face do que fica dito, fica resolvida também a questão do interesse em agir, uma vez que o Autores procuram a tutela jurídica para um direito de que se arrogam titulares, sendo, portanto, parte legítima, uma vez que têm interesse direto em demandar e, como reconheceu a sentença vimos, até, com parcial procedência da sua demanda.
     26. Por outro lado, quanto à alegada excepção de falta de interesse processual/interesse em agir há que registar que a mesma encontra-se coberta pelo caso julgado (cfr. ABRANTES GERALDES, in Recursos ... , cit., 2018, p. 120), por força da decisão proferida em sede de despacho saneador: "as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas em juízo (negrito nosso)" (cfr. p. 276 dos autos a quo).
     27. O Assento do STJ de 1.2.63 (cfr. Diário do Governo, 1.ª Série, de 21.2.63 e BMJ 124-414) pronunciou-se justamente neste sentido: "É definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutem" (neste sentido também, cfr. VIRIATO DE LIMA, in Manual de Direito Processual Civil: Acção Declarativa Comum, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 3.ª Edição, 2018, p. 362).
     28. Em resumo, mesmo entretendo os motivos de fundo alegados pelo Requerente quanto à alegada existência de ilegitimidade ou de falta de interesse processual - o que não se concede e apenas se concebe por mero dever de patrocínio - sempre se diga que os AA./Recorridos são, sem margem para dúvidas, os titulares efectivos da relação material controvertida que sempre alegaram ab initio.
     29. Com efeito e como se disse, a decisão de mérito reflectida na douta sentença a quo veio demonstrar, entre outros, que os Réus não pretenderam, nem celebraram qualquer negócio sobre a moradia.
     30. Por cautela de patrocínio, diz o Recorrente impugnar, ao abrigo do n.º 1 do artigo 599.° do CPC, a "matéria de facto" representada mentalmente pelo Mmo. Juiz a quo, consubstanciada nas presunções judiciais que o próprio passa a "identificar", no §27 das suas alegações (vide o ponto IV das alegações do Recorrente).
     31. O que é exigido pelo citado preceito legal é a indicação, pelo Recorrente, dos concretos pontos da matéria de facto, tendo o legislador, nas palavras de ABRANTES GERALDES, "optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas, às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente (in Recursos ... , cit., 2018, p. 163)". Trata-se, portanto, de matéria de facto controvertida, constante da base instrutória, e não de factos "mentalmente representados" pelo Tribunal a quo (cfr. §27 as alegacões de recurso).
     32. Matéria de facto, passe a redundância, respeita somente a factos: factos que constem do processo e sejam relevantes para a decisão do litígio segundo as várias soluções plausíveis do direito (cfr. artigo 430.° do CPC). E nisto reside essencialmente a distinção entre factos e presunções, as quais se traduzem, estas últimas, em ilações ou conclusões jurídicas, e não em factos (cfr. artigo 342.° do CC) - ainda que derivadas daqueles.
     33. E portanto, não é a partir de ilações que se retira a matéria de facto que, nos termos e para os efeitos pretendidos pelo n.º 1 do artigo 599.°, do CPC foi decidida pelo tribunal e é objecto, em sede de recurso, de discordância pelo Recorrente, nem se pode confundir matéria de facto com os factos desconhecidos a que alude o artigo 342.° do CC - estes últimos, da autoria do julgador, e já não das partes.
     34. Dessarte, o que se pretende com o n.º 1 do citado artigo 599.° é a indicação da matéria de facto controvertida, e não uma qualquer ilação traduzida em factos presumidos, no próprio dizer do Recorrente, "representados mentalmente" pelo julgador.
     35. A delimitação rigorosa destes conceitos não levanta dificuldades quanto à sua natureza particular, sendo imprópria a qualificação de presunções enquanto matéria de facto, quer na dogmática jurídica, quer para efeitos da aplicação do artigo 599.° do CPC. Daí que repetir insistentemente, como faz o Recorrente, que "presunções judiciais são matéria de facto" e que as mesmas são passíveis de reexame judicial pelo Tribunal de Segunda Instância ("TSI") se traduza num absurdo total, sem qualquer nexo ou rigor jurídico.
     36. Tudo o que nos leva a concluir que o Recorrente não logrou, nas suas alegações ou nas conclusões por si deduzidas, indicar os concretos pontos da matéria de facto que considerava incorrectamente julgados, e portanto, nos termos do n.º 1 do artigo 599.°, deverá o seu recurso ser rejeitado, no que diz respeito aos pontos IV, V e VI (§21 a §71 das alegações).
     37. Em parte alguma das alegações de recurso ou das conclusões do Recorrente encontramos igualmente especificados, conforme exigido pela norma constante do artigo 599.°, n.º 1, alínea b) do CPC, os meios de prova que suportam a impugnação.
     38. Sempre se dirá, à cautela, que a "impugnação" que o Recorrente fez da presunção judicial realizada pelo Meritíssimo Juiz a quo e vertida na douta sentença recorrida, quanto à existência de simulação no negócio de compra e venda da moradia melhor identificada nos autos não encontra qualquer apoio jurídico ou legal para que a mesma possa proceder, porquanto não foi feita a devida prova em contrário, nos termos exigidos pelo direito vigente.
     39. No caso sub judice, nem o Recorrente fez a contraprova da presunção judicial, nem o mesmo demonstrou qualquer prova em contrário, tendo omitido por inteiro qualquer referência a matéria de facto em contradição ou a ilações contrárias às ditas leis da natureza - não logrando abalar, assim, a convicção derivada de tal presunção. 40. Contrariamente, o Recorrente limitou-se a impugnar a sobredita a presunção apoiando-se fundamentalmente na sua própria interpretação idiossincrática da resposta que foi dada aos itens ou quesitos 3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 10.° da base instrutória, do conteúdo das alíneas O) e P) dos fados assentes e do doc. 6.° da contestação do 1.° Réu (cfr. o parágrafo introdutório do Recorrente ao ponto IV das alegações), daqui retirando toda uma série de observações de índole argumentativa, especulativa e conclusiva.
     41. Ora, "discordar de conclusão que na sentença se extraiu a partir dos factos julgados como provados e sustentar que estes evidenciam uma asserção diversa, não é o mesmo que dizer que este ou aquele facto, julgados de determinada forma, foram incorrectamente decididos e que, por isso a correspondente decisão deve ser alterada neste ou naqueloutro sentido. Atribuir erro de apreciação da prova, não ao julgamento de qualquer um dos factos, mas a afirmação feita na fundamentação da respectiva decisão [no caso sub judice, a afirmação de que o negócio que foi realizado entre o 1.° e o 2.° Réu sobre a moradia foi simulado], nenhuma valia tem, já que a dita fundamentação, não integrando a decisão propriamente dita de qualquer questão de facto, não é objecto próprio da impugnação em causa" (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.09.2011, processo n.º 456/05.5TMSNS.L1-7).
     42. Não tendo sido ilidida a presunção judicial por ausência de contraprova ou prova em contrário, deverá claudicar o ponto IV das alegações do Recorrente, e bem assim, por maioria de razão, os pontos V e VI das alegações (§21 a §71 das alegações), julgando-se os mesmos improcedentes.
     43. Para o caso de os Venerandos Juízes deste TSI considerarem que, contrariamente ao que se contra-alegou supra, foi realizada pelo Recorrente a contraprova ou a prova em contrário da presunção judicial do Mmo. Juiz a quo - o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona -, não podemos deixar de pugnar pela improcedência da(s) mesma(s), porquanto falecem de razão os fundamentos invocados pelo ora Recorrente.
     44. Com efeito, a fundamentação do Recorrente consistiu exclusivamente em procurar inquinar o processo cognitivo do juiz a partir da afirmação de que as suas ilações não têm correspondência lógica com a resposta que foi dada aos itens ou quesitos 3.º, 4.°,5.°, 6.º e 10.° da Base Instrutória, do conteúdo das alíneas O) e P) dos Factos Assentes e do doc. 6 da contestação do 1.º Réu. Dali assacando a invalidade da sentença por erro na apreciação da referida prova, violação da lei, inconsistências lógicas, etc.
     45. Constituiria injustificável leitura formalista da prova, sem qualquer reflexo material sério, admitir-se que o Mmo. Juiz a quo se encontrasse limitado a determinado elemento probatório em concreto, em detrimento da prova globalmente considerada. Sobretudo, é bom de se ver, tendo em consideração a matéria jurídica que está em jogo, i.e., a simulação, onde a dificuldade de se produzir prova directa é reconhecidamente fastigiosa (no dizer do Acórdão do STJ de 02/07/2017, processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1, "É certo que a demonstração da simulação é quase uma "probatio diabólica", mesmo para os terceiros lesados, ou enganados").
     46. Com efeito, é justamente neste campo, na consideração do instituto da simulação, onde relevam as chamadas regras da experiência, sendo a necessidade de recorrer a presunções agudizada pela escassez de elementos directos, como se viu.
     47. Em traços gerais, no tocante às regras da experiência convocadas pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua presunção, não se afigura que as inferências extraídas padeçam de qualquer ilogicidade, pelo que não se apurou das alegações do Recorrente, nem pouco mais ou menos, razões para que a mesma deva ceder.
     48. Sendo que, nada impedia o Tribunal a quo de se socorrer de presunções judiciais, tanto mais que não estava precludida aos Autores, nomeadamente ao 2.° Autor, o recurso à prova testemunhal
     49. A base da presunção judicial é um facto conhecido do qual se retira, com grande probabilidade, tendo em conta as regras da experiência, a existência do facto que se pretende provar, no caso, a simulação.
     50. Os factos aqui são os seguintes: a) a venda a um empregado, o 2.° Réu, que conhecia os contornos do negócio sobre o terreno e que actuava sob as instruções do seu empregador, o 1.° Réu; b) venda nas vésperas da declaração de caducidade da concessão do terreno, já em pleno processo tendente a essa declaração; c) quando já se conhecia, sendo público e notório, a mudança de perspectiva do Governo quanto à não renovação das concessões provisórias e reversão dos respectivos terrenos, quando se dispôs de um período de tempo bem alargado, entre 2013 e 2016, para o efeito; d) o baixo preço acordado, relativamente ao valor por que inicialmente se transmitiu a moradia, o qual, salvo uma debacle do mercado imobiliário, que se não verificou, é incompreensível! Salvo a hipótese de venda com doação, que os Réus não aventaram, sendo que, no mínimo, sempre se verificaria simulação de preço...
     51. Todos estes factos são adequados a, tendo em conta as regras da experiência, e o comportamento de agentes económicos, pouco dados a liberalidades, inferir a existência de uma simulação que, note-se, foi confessada pelo 1.° Réu.
     52. Efectivamente, aqui chegados não poderá deixar de se ter presente que o 1.° Réu confessou integralmente e sem reservas a existência de simulação (vide fls. 819v e 820).
     53. Apesar de tal confissão ter posteriormente sido declarada ineficaz (ineficácia que se restringe somente ao efeito confessórios das suas declarações) o certo é que o 1.° Ré reconheceu que:
     a) que o 2.° Réu nunca lhe pagou na data da escritura mencionada em U) dos factos assentes, ou seja, da escritura de compra e venda da moradia, a título de preço da venda da Moradia, qualquer quantia;
     b) pagava salário todos os meses ao 2.º Réu, o qual trabalhava para si na compra e venda de imóveis e que quando fez a escritura mencionada em U), o 2.º Réu ainda trabalhava para si;
     c) o 2.º Réu nunca tomou posse da Moradia que sempre permaneceu na disponibilidade e sob o poder do 1.º Réu desde que os Autores mormente o 2.º Autor lha entregaram;
     d) o 2.º Réu limitou-se na compra e venda a que se refere na alínea U) dos factos assentes a actuar como testa de ferro do 1.° Réu e como agente fiduciário deste.
     54. Tendo sido estes os factos que mereceram a motivação do douto Tribunal a quo, e encontrando-se a sentença devidamente fundamentada, nenhuma censura jurídica merece a presunção judicial infirmada no sentido de que existiu um negócio simulado entre 1.º Réu e o 2.º Réu, ora Recorrente; devendo por isso, em conformidade, manter-se a douta sentença nesta parte, rejeitando-se o recurso na nos seus pontos IV, V e VI das alegações, por não provado (§21 a §71 das alegações).
     55. Nas presentes contra-alegações os Recorridos irão também socorrer-se da faculdade prevista no n.º 2 do artigo 590.° do CPC, feita a título meramente subsidiário, ampliando o objecto do recurso para que as questões seguintes sejam apreciadas, caso tal se venha a revelar necessário.
     56. Conforme acima se deixou bem claro, tendo em conta a factualidade assente outra solução não restava ao Tribunal a quo senão a de dar procedência ao pedido dos Autores de declaração de nulidade do negócio sobre a moradia por força da respectiva simulação e de revogação da procuração mencionada em U) dos factos assentes, como fez e bem a sentença recorrida.
     57. No entanto, para a hipótese meramente académica e que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite de a questão suscitada pelo Recorrente relativa à pretensa ilegitimidade dos Autores para invocarem a aludida simulação por não ter sido feita prova dos quesitos 3.° a 6.° vir a proceder, vêm os Recorridos, subsidariamente e com base na citada disposição legal impugnar a decisão proferida sobre os ditos quesitos que foram julgados não provados.
     58. Fazem-no dando aqui por reproduzidas para todos os efeitos legais o capítulo IV das suas alegações de recurso.de fls. 1094 e seguintes (págs. 119 a 164 das referidas alegações), concluindo como aí se diz pela alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto aos referidos quesitos.
     59. A referida ampliação do objecto do recurso incide ainda sobre a decisão proferida pelo Tribunal Colectivo que considerou a confissão do 1.° Réu, transcrita a fls. 819v e 820, ineficaz por força do disposto no n.º 2 do artigo 346.° do CC, decisão que esteve na base do julgamento proferido aos quesitos 7.° (donde resultou provado que o 2.° Réu não pagou ao 1° Réu, na data da escritura mencionada em U) dos factos assentes ou anteriormente, a título de preço da venda da Moradia, a totalidade do preço mencionada na mesma escritura, 14.° e 15.º-C (estes considerados não provados).
     60. Com efeito, a referida decisão revela-se errada em dois planos, sendo que o primeiro consiste no facto de a mesma violar o caso julgado.
     61. Neste particular, importa recordar que o depoimento de parte do 1.° Réu, para efeitos de confissão, à matéria dos referidos quesitos foi requerida pelos Autores no seu requerimento de.prova.de 13.09.2018.
     62. O referido pedido foi deferido por despacho de fls. 357 o qual, no que concerne à admissão do depoimento de parte aos artigos 7.°, 14.° e 15.º-C da base instrutória transitou em julgado, pois o mesmo não foi impugnado pelos Réus pelo que, em cumprimento do ordenado pelo Tribunal, o 1.° Réu prestou depoimento à referida matéria na audiência de 27.02.2020.
     63. O depoimento do 1.° Réu foi depois reduzido a escrito nos termos do artigo 487.° do CPC, por, naturalmente, o Tribunal a quo ter considerado haver confissão do depoente. Esta redução a escrito do depoimento do 1.° Réu não foi também impugnada pelas partes.
     64. Somente na audiência de 13.03.2020 e posteriormente nas alegações a que o artigo 560.° do CPC se reporta os Réus vieram suscitar a ineficácia da confissão do 1.° Réu nos termos do citado n.º 2 do artigo 346.° do CC, o que veio a ser aceite no acórdão proferido no dia 23.03.2020 sobre a matéria de facto.
     65. Ora, sob pena de se considerar ser legítimo aos Tribunais a prática de actos processuais perfeitamente inúteis e sem qualquer significado, a decisão proferida pelo Tribunal a quo e a que acima se fez menção é totalmente inaceitável, por violadora do caso julgado, caso julgado esse que abrange tanto a decisão que admitiu o depoimento de parte (o despacho de fls. 357), como a decisão proferida pelo Tribunal Colectivo a fls.820 de, nos termos do artigo 487.° do CPC, reduzir a escrito o referido depoimento na parte em que considerou haver confissão do depoente.
     66. Efectivamente, quanto à primeira dessas decisões, foi nesse momento que foi feito um juízo em relação aos factos em que seria admissível o depoimento do 1.° Réu.
     67. Como tal, caso o Tribunal a quo no despacho em apreço, em que analisou os requerimentos probatórios das partes, tivesse considerado que se verificava uma situação de litisconsórcio necessário passivo só lhe restava uma solução, a de indeferir o pedido de depoimento de parte do 1.° Réu face à impossibilidade de confissão por ineficácia atento o disposto nos artigos 479.° do CPC e 346.° do CC.
     68. Não o tendo feito, ou seja, tendo admitido tal depoimento aos quesitos em apreço, o Tribunal a quo considerou que o mesmo seria eficaz em termos de confissão e, por isso, susceptível de fazer prova plena em juízo, cabendo, então, aos Réus, em caso desacordo, impugnar a referida decisão por via de recurso o que não tendo sucedido, implicou naturalmente o respectivo trânsito em julgado.
     69. Doutro passo, sempre que o depoimento redunde em confissão, haverá que reduzi-lo a escrito, por força do n.º 1 do artigo 487.° do CPC, pois só desse modo se assegurará a força probatória plena que o n.º 1 do artigo 351.° do CC atribui à confissão judicial escrita.
     70. Ora, a razão pela qual o Tribunal a quo ordenou a redução a escrito do depoimento do 1.° Réu, nos termos em que o fez, mormente com a menção expressa de que as matérias dos itens 7.°, 14.° e 15.º-C da base instrutória se têm por confessadas, não pode ser outra senão a de ter considerado tal confissão eficaz e com força probatória plena!
     71. Assim sendo, não tendo os Réus impugnado no prazo legal a mencionada decisão que, repita-se, ordenou a redução a escrito o depoimento do 1.° Réu, nomeadamente aos factos por este confessados, por considerar tal confissão como dotada de força probatória plena, apenas suscitando a questão da sua ineficácia em 13.03.2020 e fazendo-o verbalmente, ou seja, mais de 10 dias após a mesma ter tido lugar, dúvidas não podem restar que a mesma transitou em julgado e como tal não poderia ter sido objecto de revogação/modificação como veio a suceder com o acórdão proferido em 23.03.2020.
     72. Por conseguinte, o Tribunal a quo ao considerar, no acórdão proferido sobre a matéria de facto, que a confissão-do 1.° Réu aos quesitos 7.°, 14.° e 15.º-C era ineficaz violou o disposto no artigo 576.° do CPC e tem, por isso, de ser revogada passando os referidos quesitos a darem-se flor assentes.
     73. Mas ainda que assim não fosse, ou seja, admitindo-se que a decisão de considerar ineficaz a confissão do 1.º Réu está em conformidade com a lei, hipótese que apenas por dever de patrocínio se concebe, o que jamais se poderá aceitar é que o Tribunal a quo venha dizer que “não pode a confissão do 1.º Réu valer para efeito algum” (vide pág. 32 do acórdão de 23.03.2020), remetendo, sem dó nem piedade, para o caixote do lixo aquilo que o 1.° Réu, devidamente ajuramentado, afirmou em juízo, residindo aqui o segundo vício do acórdão em apreço quanto a esta questão.
     74. Trata-se de uma decisão inaceitável uma vez que é consabido e pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que, mesmo que estejam em causa direitos indisponíveis insusceptíveis de confissão ou que o depoimento da parte não possa produzir efeito confessório o mesmo é admissível e deverá (tem de) ser valorado à luz da livre apreciação pelo Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 436.°, 442.°, 477.°, n.º 1 e 558.° todos do CPC.
     75. Por outro lado, ao contrário do que parece ser o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, do disposto na alínea b) do artigo 347.° do CC, resulta apenas que a confissão não faz prova contra o confitente, ou seja que a confissão realizada não é eficaz, nada mais. Mas nesses casos, e conforme acima se explicou, o depoimento prestado será apreciado livremente como elemento probatório.
     76. Dúvidas não restam, pois, de que o depoimento do 1.° Réu - em que confessou que o 2.° Réu nunca lhe pagou na data da escritura mencionada em U) dos factos assentes, ou seja, da escritura de compra e venda da moradia, a título de preço da venda da Moradia, qualquer quantia; que pagava salário todos os meses ao 2.° Réu, o qual trabalhava para si na compra e venda de imóveis e que quando fez a escritura mencionada em U), o 2.° Réu ainda trabalhava para si; que o 2.° Réu nunca tomou posse da Moradia que sempre permaneceu na disponibilidade e sob o poder do 1.° Réu desde que os Autores mormente o 2.º Autor lha entregaram e que o 2.° Réu limitou-se na compra e venda a que se refere alínea U) dos factos assentes a actuar como testa de ferro do 1.° Réu e como agente deste - podia e devia ter sido considerado como elemento probatório e assim apreciado pelo Tribunal.
     77. Se assim tivesse sucedido, dúvidas não restam também de que o mesmo, quer isoladamente, quer analisado em conjunto com as outras provas carreadas para os autos (ou a inexistência das mesmas, nomeadamente: a prova da inexistência do pagamento do preço da moradia, a incapacidade dos Réus de fazerem essa prova, a inexistência de prova de qualquer acto de posse sobre a moradia por parte do 2.° Réu, demonstrada pelos ofícios de fls. 399, 400 e 519) é mais do que suficiente para se dar como totalmente assentes as matérias dos quesitos 7.°,14.° e 15.º-C.
     78. Com efeito, é uma regra ou máxima da experiência que ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro. É isso o que sucede com o depoimento do 1.° Réu do qual resulta expressamente, reconhecido por este a simulação do negócio que celebrou com o 2.° Réu em relação à moradia.
     79. E esse depoimento assume ainda maior relevância quando os Réus, em particular o 2.° Réu, vem afirmar que o 1.° Réu (que, pretensamente lhe vendeu o imóvel a que se vem fazendo menção) era o dono de facto da moradia.
     80. Ou seja, o principal interessado no suposto negócio de compra e venda da moradia, interveniente directo no mesmo e com uma razão de ciência inatacável, vem confessar perante o Tribunal e perante os Autores que impugnaram a validade de tal negócio que, efectivamente, o mesmo não passou de um negócio simulado e que tal imóvel nunca saiu da sua posse.
     81. Aqui chegados não poderá deixar de notar que os motivos pelos quais a lei estabelece a existência de litisconsórcio necessário no caso em apreço vem secundar a posição assumida pelos Recorrentes, pois no caso em apreço, o que está em causa é evitar que a confissão de um dos supostos simuladores viesse a prejudicar o outro suposto simulador, quando na verdade não se verificasse qualquer simulação.
     82. lsto é, pretende-se evitar que através da confissão de uma suposta simulação se possa prejudicar os interesses da contraparte do negócio que agora se quer destruir, quer para prejudicar o outro suposto simulador, quer para beneficiar o terceiro a favor de quem se faz a confissão ou o próprio confessor-simulador.
     83. Ora, no caso dos autos é claro que o 1.° Réu, com a confissão que fez, não se quer beneficiar e muito menos beneficiar os Autores. Tão-pouco quer prejudicar o 2.° Réu. O que ele quer é na verdade prejudicar os Autores. Não há qualquer acordo, conluio, entendimento ou o que quer que seja com os Autores que justificasse a confissão do 1.º Réu, pois o que ele não se pretende prejudicar é a si próprio, e tão-pouco o pretende quanto ao 2.° Réu.
     84. O que significa que em boas contas nos encontramos fora do perímetro hipotético a que visa dar resposta a imposição do litisconsórcio necessário imposto pelo artigo 346.° do CC, e como talo depoimento do 1.° Réu deveria ter sido valorado.
     85. Perante isto e perante os outros dados-apurados AOS autos, nomeadamente o facto de se ter por assente que o 2.° Réu era um empregado do 1.º Réu e actuava sob as suas ordens e instruções, não restava outra solução ao Tribunal a quo, sob pena de uma total arbitrariedade na apreciação das provas, senão a de considerar o quesito 7.° como totalmente assente e os quesitos 14.° e 15.º-C como provados.
     86. A decisão do Tribunal a quo, além de fazer uma interpretação incorrecta do artigo 347.º do CC e ser violadora dos artigos 436.°, 442.°, 477.°, n.º 1 e 558.° todos do CPC, é totalmente contrária a um juízo lógico e às regras da experiência, nomeadamente aquela a que se acima se fez menção de que ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro.
     87. Assim, para a hipótese meramente académica e que, como se disse, apenas por cautela e dever de patrocínio se admite, de a questão suscitada pelo Recorrente relativa à pretensa insuficiência da matéria de facto para o julgamento de procedência do pedido de declaração de nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda a que se refere a alínea U) dos factos assentes, vir a ser considerada insuficiente, deverá o acórdão proferido sobre a matéria de facto ser parcialmente revogado para que, com base nos meios probatórios acima mencionados, nomeadamente o depoimento do 1.° Réu, o artigo 7.° passe ser dado como integralmente provado, na sua redacção original, e dando-se também como totalmente assentes os artigos 14.° e 15.º-C, dos quais resulta também totalmente a factualidade atinente à dita simulação.
     88. Na mesma senda, isto é, para a hipótese meramente académica e que, como se disse, apenas por cautela e dever de patrocínio se admite, de a questão suscitada pelo Recorrente relativa à pretensa insuficiência da matéria de facto para o julgamento de procedência do pedido de declaração de nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda a que se refere a alínea U) dos factos assentes, vir a ser considerada insuficiente e de o pedido formulado supra relativamente aos quesitos 7.°, 14.° e 15.º-C não vir a ser atendido, deverá este Venerando Tribunal julgar os recursos interlocutórios interpostos pelos Autores dos despachos de fls. 357 a 359, 459 e 460 e 626, dando-lhes provimento ordenando a repetição do julgamento aos quesitos 7.°, 12.° e 15.º-C nos termos do disposto do n.º 4 do artigo 629.° do CPC.
     89. Por outro lado, para o caso de se vir a considerar que não houve simulação (hipótese que apenas por dever de patrocínio se aventa) ainda assim o referido negócio de compra e venda da moradia assume contornos de tal forma gravosos que é manifestamente ofensivo dos bons costumes e como tal, nulo, nos termos dos artigos 273.° e 274.° do CC.
     90. A demonstração cabal da ilicitude do fim da compra e venda da moradia celebrada entre os Réus reside no facto de a mesma ter sido feita:
     (i) numa altura em que o 1.° Réu, conforme confessa na sua contestação, suspeitar que o 2.° Autor pudesse vir a enfrentar problemas com eventuais credores por força da nova política governativa em relação aos terrenos concessionados e à mais que provável declaração de caducidade do Terreno;
     (ii) por um patrão a favor de um empregado;
     (iii) sem que o respectivo preço tivesse sido pago (ou pelo menos na sua totalidade);
     e de
     (iv) o preço declarado na escritura ser infinitamente inferior ao valor venal atribuído pouco tempo antes ao imóvel pelo suposto vendedor, sem que os Réus tenham apresentado qualquer justificação quer para esse facto.
     91. O fim ou propósito subjacente ao negócio de compra e venda da moradia celebrado pelos Réus é, pois, ilícito e claramente reprovável, sendo uma clara demonstração de falta de ética e de má fé.
     92. Ora, "quando o procurador, agindo formalmente dentro dos seus poderes funcionais, e a outra parte colaboram conscientemente para prejudicar o representado. Neste caso, em que existe 'colusão' o negócio é ofensivo dos bons costumes, caindo assim sobre a alçada do artigo 281.° tendo como consequência a sua nulidade".
     93. Caso se venha a considerar que tal negócio não foi simulado, deverá ser declarada a sua nulidade e cancelado o respectivo registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2.° Réu mediante a inscrição n.º XXXXXG com a consequente condenação dos Réus a restituírem a moradia ao 2.° Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens, o que se requer a título subsidiário.
     94. Por último, não obstante a procuração a que se refere a alínea P) dos fados assentes tivesse por fito formalizar a atribuição ao 1.° Réu de todos os direitos sobre a moradia como pagamento de parte do preço de venda do Terreno de que este era titular, o certo é que a utilização deste instrumento nos moldes em que ocorreu e que atrás se descreveram, não pode deixar de se considerar como um verdadeiro abuso de representação e uma actuação de má fé por parte do 1.° Réu.
     95. Configurando um abuso de representação, o negócio de compra e venda da Moradia realizado com base na procuração em apreço é, nos termos dos artigos 261.° e 262.° do CC, ineficaz em relação ao 2.° Autor, razão pela qual, também por este via, que se invoca a título subsidiário, deverá ser declarada a ineficácia do negócio e ordenado o cancelamento do registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2.º Réu mediante a inscrição n.º XXXXXG, com a consequente condenação dos Réus a restituírem a Moradia ao 2.° Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens.
     96. Ainda subsidiariamente, e se porventura se viesse a entender que o negócio de compra e venda da moradia não constituiu um negócio simulado, nem que fim do mesmo foi contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes, nem que o mesmo padece de ineficácia com base no abuso de representação, ainda assim sempre impenderia sobre o 2.° Réu a obrigação de restituir a moradia ao 2.º Autor por forçado disposto no n.º 2 do artigo 282.° do CC.
     97. Efectivamente, como resultou assente, o 2.° Réu não pagou a quantia declarada pela pretensa aquisição da moradia, tendo-se tratado de uma alienação gratuita.
     98. Assim sendo, impendendo sobre o 1.° Réu a obrigação de restituir tal imóvel à esfera do 2.° Autor, conforme se espera com o provimento do recurso que os ora Recorridos interpuseram da sentença recorrida na parte em que ficaram vencidos, tal obrigação transfere-se para o 2.° Réu por força do disposto no citado n.º 2 do artigo 282.°.
     99. E ainda que se viesse a concluir que o 2.° Réu pagou parte do preço que foi declarado na escritura que celebrou com o 1.° Réu tal aquisição, por ter sido feita por um montante manifestamente inferior ao valor que Autores e 1.° Réu atribuíram à Moradia aquando da sua entrega ao 1.° Réu, não poderia deixar de se considerar como consubstanciando um enriquecimento sem causa do 2.° Réu pelo que este sempre estaria obrigado a pagar ao 2.° Autor o valor de HK$140,000,000.00 ou, pelo menos, o montante de HKD$110.000.000,00 valor que corresponde à medida do seu enriquecimento sem causa, caso se viesse a concluir (hipótese que apenas por dever de patrocínio se admite) que o 2.° Réu pagou o preço declarado na escritura de compra e venda da Moradia, caso em que o 1.° Réu deverá ser condenado no pagamento do remanescente.
*
    D, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1441 a 1444, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O pedido de ampliação do âmbito do recurso abrange (a) os quesitos 3.° a 6.° da Base Instrutória, (b) a confissão do 1.º R., C, (c) os recursos interlocutórios já interpostos pelos Recorridos durante a fase de instrução do processo, (d) a ofensa dos bons costumes com a venda da Moradia dos autos efectuada pelo 1.° R. (que também recorre da sentença, mas autonomamente) a favor do Recorrente, (e) o abuso de representação no uso que o 1.º R. fez da procuração sobre a Moradia, recebida do 2.º Recorrido, B, quando se serviu dela para vender o imóvel ao aqui Recorrente, e (f) a obrigação de restituição da Moradia pelo Recorrente ao 2.º Recorrido.
     2. A questão referida em (a) supra está já tratada pelos Recorridos nas alegações do seu próprio recurso, interposto da parte da sentença em que decaíram, limitando-se eles agora a remeter para o que ali disseram.
     3. A questão (c) não é exposta em termos que permitam entender por que é que os Recorridos a configuram como pertinente ao presente recurso. Tacitamente, os Recorrentes dizem que os seus recursos interlocutórios, que não incidem sobre o mérito da causa, são matéria que deve ser apreciada no presente recurso - que incide sobre o mérito da causa. Não alcançamos a lógica, mas isso não será essencial porque os Recorridos acabam por pedir apenas que os ditos recursos sejam julgados.
     4. A questão (d) foi já prevenida pelo Recorrente nos parágrafos 72 a 76 das suas alegações de recurso. Os argumentos dos Recorridos sobre a ofensa dos bons costumes (deixaram de falar na ordem pública) não acrescentam ao que já disseram anteriormente, e portanto, julga o Recorrente que não se justifica aditar mais nada ao que ele próprio já referiu quanto a esta matéria naquelas suas alegações.
     5. Idem quanto à questão (e) – v. parágrafos 77 a 80 das alegações do Recorrente.
     6. E idem quanto à questão (f) - v. parágrafos 81 a 91 das alegações do Recorrente.
     7. Consequentemente, a única questão de que cumpre tratar é a questão (b), a confissão do 1.º R..
     8. A este respeito, a posição dos Recorridos é que a desconsideração do depoimento do 1.° R., feita na Acórdão do Tribunal Colectivo, com fundamento no artigo 346.°, n.º 2, do Código Civil, viola o caso julgado formal de despacho anterior que admitiu o depoimento de parte do 1.° R., porque tal admissão teria implícita uma posição do Tribunal (contra legem, já que contrária ao referido artigo 346.°, n.º 2 do Código Civil), no sentido de que as declarações confessórias que o 1.° R. porventura viesse a proferir nessa sede teriam o valor de confissão.
     9. Seguem os Recorridos dizendo que aquele despacho anterior, como não foi tempestivamente impugnado pelo Recorrente, fez caso julgado formal e, portanto, o Tribunal Colectivo, ao desconsiderar o depoimento do 1.° R., teria violado o caso julgado.
     10. Todavia, a desconsideração do depoimento do 1.° R. contra a qual os Recorridos se insurgem é uma decisão do Tribunal Colectivo sobre uma questão de direito.
     11. Seria uma decisão sobre uma questão de facto se o Tribunal tivesse apreciado a veracidade das declarações do 1.° R., para concluir se acreditava nelas ou não e qual o seu peso no conjunto da prova produzida sobre os quesitos objecto do depoimento da parte, concretamente os quesitos 7.°, 14.° e 15.º-C. Mas não, o Tribunal, independentemente do teor das referidas declarações, decidiu desconsiderá-las por aplicação duma norma legal, o que é claramente um pronunciamento sobre uma questão de direito.
     12. Por conseguinte, a desconsideração do depoimento do 1.º R. constitui materialmente um despacho sobre matéria de direito de que os Recorridos podiam, se quisessem, ter recorrido.
     13. Aliás, também os Recorridos a entenderam como um despacho, como transparece de fls. 36 das suas contra-alegações, que transcrevemos de seguida com sublinhados nossos:
     "Somente na audiência de 13.03.2020 e posteriormente nas alegações a que o artigo 560.º do CPC se reporta os Réus vieram suscitar a ineficácia da confissão [...] o que veio a ser aceite no acórdão proferido no dia 23.03.2020 sobre a matéria de facto.
     "Ora, ... a decisão proferida pelo Tribunal a quo [...] é totalmente inaceitável ... ".
     14. Não tendo os Recorridos reagido tempestivamente contra esse despacho, a decisão de desconsiderar o depoimento do 1.° R., por força do estatuído no artigo 346.°, n.º 2, do CPC, transitou e passou a constituir caso julgado formal.
     15. Independentemente disso, repare-se que o próprio registo escrito do depoimento do 1.° R. não cumpre os requisitos legais exigíveis para que a confissão judicial escrita faça prova plena contra o confitente.
     16. Faltou o requisito do artigo 487.°, n.º 3, do CPC:
     "Concluído o registo, é lido ao depoente, que o confirma ou faz as rectificações necessárias."
     17. Como pode ler-se a fls. 819v e 820 dos autos, tal não aconteceu.
     18. Ora, o conhecimento pelo confitente do que ficou escrito em acta e a sua confirmação de que o texto corresponde às suas declarações é uma formalidade essencial, sem a qual o depoimento não vale como confissão. Consulte-se, a este respeito, a seguinte decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida no seu acórdão de 19 de Abril de 2007, proc. 317/07-2,68 relativamente a norma do Código de Processo Civil português semelhante ao artigo 487.º, n.º 3, do nosso CPC:
     "Se, finda a prestação do depoimento de parte, o depoente não confirmar a assentada, rectificando-a nos termos do nº 3 do artigo 563° do CPC, não haverá confissão judicial escrita na parte questionada, devendo a eventual confissão judicial ser livremente apreciada pelo tribunal."
     19. Os Recorridos podiam ter reagido a essa omissão, arguindo uma nulidade, nos termos do artigo 147.°, n.º 1, e no prazo do artigo 151.°, n.º 1, ambos do CPC.
     20. Porque não o fizeram, a omissão da referida formalidade essencial não pode mais ser suprida e a nulidade daí derivada não pode mais ser invocada.
     21. Ademais, o registo do depoimento do 1.° R descreve ou interpreta as suas declarações, mas não as reduz a escrito. Veja-se, por exemplo, que a acta refere, relativamente a alguns quesitos, "confessou" ou "não confessou" – cf. fls. 819v e 820 - sem reproduzir o que o depoente disse. Portanto, faltou também o requisito básico de redução a escrito, exigido pelo artigo 487.°, n.º 1, do CPC.
     22. Resultado: o depoimento do 1.° R não tem valor confessório.
     23. Caso assim não se entendesse, o que só se admite por cautela de patrocínio, sempre diremos que não há contradição entre, por um lado, ter-se admitido o depoimento e, por outro, ter-se rejeitado que ele servisse de confissão, uma vez prestado, porque, de todo o modo, esse depoimento constituiu um elemento probatório submetido à livre apreciação do tribunal, conforme resulta do artigo 354.° do Código Civil.
     24. Decorre daqui que o facto de o depoimento de parte ter sido admitido não importou qualquer decisão contra legem implícita do Mmo. Juiz Relator, no sentido de que as declarações que o 1.° R viesse a produzir nesse contexto teriam valor confessório.
     25. Posto o que, lido o Acórdão do Tribunal Colectivo, não é líquido que este tenha querido erradicar as declarações do 1.° R, quando consignou que "não pode a confissão do 1° Réu relevar para efeito algum"; o Tribunal Colectivo terá pretendido dizer apenas que a confissão não tinha qualquer efeito, mesmo que só limitado aos interesses do 1.º R. (cf. a primeira parte do n.º 2 do artigo 346.°, n.º 2).
     26. Atentando mais de perto na aplicabilidade do artigo 354.° do Código Civil, deve destacar-se que a livre apreciação das declarações do 1.° R. pelo Tribunal impõe o respectivo enquadramento pelas circunstâncias pessoais do declarante (designadamente o seu estado de saúde - cf. relatório médico a fls. 700 a 702 dos autos) que que certamente interferiram com a sua memória e clareza de espírito. Note-se que o 1:° R. esteve em juízo sempre acompanhado por uma enfermeira, como pode inferir-se da seguinte transcrição00:00: da audiência de julgamento:

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 10.31.15 (3$S(XN#W04220319)"
00:00:30

Juiz Presidente (JP): Onde é que está o despacho do depoimento de parte?
JP: 2 a 7 era só isso que queria ter a certeza.
00:01:05

JP: Muita bom dia.
JP: A Senhora pode ficar, se eu não precisar de pôr o tradutor aqui a Senhora pode ficar sentada ao lado do Senhor, não tem problema nenhum, que o Senhor precisa de si.
JP: Depende daquilo que o Senhor quiser.
00:01:53

JP: Por favor cumprimentem o Réu, e peçam para dizer como é que se chama.
00:03:05
(Fim)

     27. A interferência na memória e clareza de espírito do 1.° R. é visível, de resto, na declaração que o 1.° R. fez, no sentido de que nunca prometeu vender o terreno dos autos à 1.ª A., ainda que e apenas quando essa venda fosse possível, o que, no contexto do depoimento, foi entendido por todos - Tribunal Colectivo e mandatários das partes - como uma rejeição categórica do 1.º R. de que alguma vez fizera algum negócio com a 1.ª A. (e não que somente não prometera vender, mas que transmitira situações resultantes da concessão, o que revelaria uma capacidade de discernir entre uma realidade e outra que claramente o 1.° R. não demonstrou na sala de audiências), quando é facto adquirido que houve um negócio sobre o terreno dos autos. A este respeito, leia-se o que o 1.° R. declarou:

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 10.34.24 (3$S)%1OW04220319)"
00:00:00
JP: Por favor Carol.
JP: Consegue dizer o nome?
00:00:13
C: C.
00:00:22
JP: Sendo parte neste processo, e tendo naturalmente interesse na decisão, mesmo assim está obrigado a responder com verdade àquilo que for perguntado. Está consciente disso?
C: Compreendo.

Directório "20.2.27 CV1-17-0095-CAO#19/Translator 1"
Ficheiro "Recorded on 27-Feb-2020 at 10.37.56 (3$S)0WMW04220319)"
00:00:00
JP: (...) acordo no sentido de o Senhor prometer à companhia A esse terreno?
C: Não.
00:00:22
JP: Nunca acordaram que o Senhor ia vender à A o terreno?
C: Não, não aconteceu.
00:00:53
JP: Portanto também não combinaram que essa venda seria feita quando fosse possível, quando fosse legalmente viável?
C: Sim, sim não é verdade.

     28. Sem prejuízo, mesmo que, in extremis, o depoimento do 1.° R. fosse admitido como confissão, esta só faria prova contra o confitente, por uma questão cultural, de respeito pela individualidade de cada um, e sobretudo por imperativo legal - cf. artigos 345.° e 347.°, a contrario, do Código Civil - que teria força plena, mas sempre só contra o confitente, por ter sido realizada em juízo e estar escrita - cf. artigo 351.°, n.º 1, do Código Civil.
     29. Logo, quando o 1.° R. declarou:
     - ao quesito 7.°, que não recebeu qualquer pagamento do Recorrente a título de venda da Moradia;
     - ao quesito 14.°, que o Recorrente nunca tomou posse da Moradia, e
     - ao quesito 15.º-C, que o Recorrente se limitou a actuar, na compra e venda da Moradia, como seu testa de ferro,
     nunca essa confissão se imporia ao Recorrente, enquanto reconhecimento de que nada pagou, não tomou posse da Moradia e actuou como testa de ferro do 1.° R..
     30. Não existem confissões exógenas, ou seja, confissões de factos próprios (pagar dinheiro, tomar passe dum imóvel, actuar num contrato como testa de ferro doutrem) feitas por outrem, em vez do próprio.
     31. Portanto, em última análise, a confissão destes factos pelo 1.° R., quando muito, apenas contra si faria prova plena.
     32. Já no que concerne ao Recorrente, essa confissão seria livremente apreciada; considerando que o 1.° R. depôs sob grande condicionamento físico, possivelmente também emocional, como referido nos parágrafos 26 e 27 supra, e considerando ainda o que o Recorrente já disse nas suas alegações de recurso, em jeito de impugnação do mérito da declaração de nulidade, por simulação, da venda da Moradia, só pode chegar-se a uma conclusão que contraria a confissão do 1.° R. ou a coloca em dúvida.
     33. Reflictamos, porém, nos factos em apreço. Estão em causa:
     - dois factos produzidos por acção recíproca de dois agentes:
     • pagar e receber um preço (o comprador paga e o vendedor recebe), e
     • actuar como testa de ferro (alguém, fingindo actuar no interesse próprio, actua no interesse de outra pessoa, a pedido dessa pessoa),
     e
     - um facto de que se diz ter conhecimento, mas que foi ou não praticado por outra pessoa:
     • a tomada de posse da Moradia pelo Recorrente, que o 1.° R. disse não ter acontecido.
     34. Esta situação obriga a que se questione a plenitude da prova da confissão contra o 1.° R..
     35. Afigura-se artificial, ilógico e antijurídico que uma mesma realidade faça prova plena contra um dos intervenientes - o 1.° R., por força do disposto no artigo 351.°, n.º 1, do Código Civil – e não faça contra o outro - o Recorrente, por força da mesma norma a contrario.
     36. A realidade é só uma, não sendo possível que, vista do lado do 1.º R., o preço da Moradia não tenha sido pago e o Recorrente tenha actuado como testa de ferro e não tenha tomado posse da Moradia, mas que, vista do lado do Recorrente, as coisas possam ser ao contrário.
*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     a) A 1ª Autora é uma sociedade comercial que se encontra registada na CRCBM sob o nº 46963, tendo por objecto o investimento e desenvolvimento em propriedades; (alínea A) dos factos assentes)
     b) O seu capital social (MOP100.000,00) encontra-se dividido em duas quotas, cada uma com o valor nominal de MOP50.000,00 (cinquenta mil patacas) detidas respectivamente pelo 2º Autor e pela sua mulher M; (alínea B) dos factos assentes)
     c) O 2º Autor é também administrador da 1ª Autora que, nos termos dos respectivos estatutos, se obriga validamente com a assinatura de um administrador; (alínea C) dos factos assentes)
     d) O 1º Réu era o titular da concessão por arrendamento do terreno com a área de 3375 m2, designado por lote «SF» (doravante designado por o “Terreno”), situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o nº XXXXX; (alínea D) dos factos assentes)
     e) A concessão por arrendamento do Terreno a favor do 1º Réu foi titulada por escritura de 9/11/1990, lavrada a fls. 66 do livro 280 da divisão de notariado da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), tendo os direitos emergentes da mesma sido inscritos na CRP a favor do 1º Réu sob a inscrição nº XXXXX do livro F; (alínea E) dos factos assentes)
     f) O Terreno foi concedido ao 1º Réu pelo prazo de 25 anos a contar de 9 de Novembro de 1990; (alínea E-1) dos factos assentes)
     g) O Terreno destinava-se a ser aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 8 pisos, ficando o rés-do-chão afectado à indústria de fabrico de perfis de aço inoxidável a explorar directamente pelo 1º Réu; (alínea F) dos factos assentes)
     h) Nos termos deste contrato, ficou estipulado que a transmissão de situações decorrentes da concessão, enquanto o terreno não estivesse integralmente aproveitado, dependia de prévia autorização do sujeito passivo - o então denominado Território de Macau e desde 20 de Dezembro de 1999 a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) - e sujeitaria a transmissão à revisão das condições do contrato; (alínea G) dos factos assentes)
     i) Nos termos deste contrato, ficou estipulado que a transmissão de situações emergentes do contrato, na parte relativa aos pisos destinados ao uso exclusivo da actividade industrial do sujeito activo, ficaria sujeita a autorização expressa do sujeito passivo, durante o período de 10 anos contados a partir da data de emissão pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) da licença de utilização do edifício, bem como implicação de revisão das condições contratuais da concessão, nomeadamente quanto ao prémio; (alínea H) dos factos assentes)
     j) O preço acordado para o negócio sobre o Terreno entre os Autores e o 1º Réu foi de HKD360.000.000,00 (trezentos e sessenta milhões de dólares de Hong Kong) equivalentes para efeitos fiscais a MOP370.800.000,00 (trezentos e setenta milhões e oitocentas mil patacas); (alínea I) dos factos assentes)
     k) Cujo pagamento os Autores e o 1º Réu acordaram seria assegurado integralmente pelo 2º Autor do seguinte modo:
     (i) HKD220.000.000,00 (duzentos e vinte milhões de dólares de Hong Kong) seriam pagos em-numerário pelo 2º Autor ao 1º Réu;
     (ii) o remanescente, no montante de HKD140.000.000,00 (cento e quarenta milhões de dólares de Hong Kong) seria pago pelo 2º Autor através da entrega ao 1º Réu do prédio urbano com os nºs 18 e 18-A da Estrada de D. XXXXXX, constituído por uma moradia unifamiliar, descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 181v do livro B44 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº XXXXX (doravante a “Moradia”), o qual era propriedade do 2º Autor e como tal se encontrava registado a seu favor.
     (alínea J) dos factos assentes)
     l) Os Autores e o 1º Réu concordaram em atribuir à Moradia o valor de HKD140.000.000,00 (cento e quarenta milhões de dólares de Hong Kong) considerando, pois, que com a sua entrega ao 1º Réu a prestação a que se alude supra na alínea (ii) do item anterior ficaria integralmente satisfeita, independentemente de futuras eventuais valorizações ou desvalorizações deste imóvel; (alínea K) dos factos assentes)
     m) Em 06.11.2013, o 2º Autor entregou ao 1º Réu o cheque nº HA607256, no montante de HKD220.000.000,00 (duzentos e vinte milhões de dólares de Hong Kong), sacado sobre a conta nº 9003268092, titulada pelo 2º Autor junto do Banco Nacional Ultramarino; (alínea L) dos factos assentes)
     n) O 1º Réu emitiu o correspondente recibo em que declarou que “收到A有限公司交來上述支票,作為購買位於澳門路環石排灣工業區SF地段的全數 (該地段在澳門物業登記局標示編號第XXXXX號)”; (alínea M) dos factos assentes)
     o) O 1º Réu recebeu efectivamente a referida quantia tendo a mesma sido-lhe entregue pela instituição bancária a que acima se fez referência, em cumprimento do mandato contido no cheque em apreço; (alínea N) dos factos assentes)
     p) Em 06.11.2013, o 2º Autor entregou a Moradia ao 1º Réu, através da entrega das respectivas chaves e tradição da posse; (alínea O) dos factos assentes)
     q) A fim de formalizar tal entrega ou seja de legalmente formalizar a atribuição ao 1º Réu de todos os direitos, mormente os direitos de disposição sobre a Moradia, o 2º Autor outorgou em 24.04.2014, no Cartório do Notário Privado I, uma procuração através da qual conferiu ao 1º Réu os mais amplos poderes de disposição e administração da Moradia; (alínea P) dos factos assentes)
     r) O 1º Réu constituiu uma hipoteca sobre o Terreno a favor da 1ª Autora pelo montante de MOP370.800.000,00 (doravante a “Hipoteca”), titulada por escritura exarada a fls. 99 e seguintes do livro nº 268 do cartório do Notário Privado I; (alínea Q) dos factos assentes)
     s) Na escritura supra referida as partes declararam que a Hipoteca se destinava a garantir o reembolso de um empréstimo concedido pela 1ª Autora ao 1º Réu no montante de MOP370.800.000,00 (trezentos e setenta milhões e oitocentas mil patacas) do qual este se confessou devedor; (alínea R) dos factos assentes)
     t) Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas nº 57/2016, publicado no Boletim Oficial da RAEM nº 1, II Série, de 4 de Janeiro de 2017 foi tornado “público que por despacho do Chefe do Executivo, de 15 de Dezembro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 3375 m2, designado por lote «SF», situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o nº 23 161, a que se refere o Processo nº 16/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo”; (alínea S) dos factos assentes)
     u) Em consequência da caducidade acima referida, o Terreno e quaisquer direitos emergentes do mesmo foram retirados da esfera jurídica e da titularidade do 1º Réu, passando “a integrar o domínio privado do Estado”; (alínea T) dos factos assentes)
     v) Em 25.07.2016, o 1º Réu, no uso da procuração que o 2º Autor lhe havia conferido celebrou com o 2º Réu uma escritura pública (a escritura exarada a fls. 65 do livro 17-B do Cartório do Notário Privado N), pela qual declarou vender ao 2º Réu (na citada qualidade de procurador do 2º Autor) que, por seu turno, declarou comprar a Moradia pelo preço de HKD30.000.000,00; (alínea U) dos factos assentes)
     w) Pelo menos em 2013 o 1º Réu e os Autores entabularam negociações com vista à aquisição por parte destes do Terreno de que aquele era titular; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
     x) O 2° Réu não pagou ao 1º Réu, na data da escritura mencionada em v) ou anteriormente, a título de preço da venda da Moradia, a totalidade do preço mencionada na mesma escritura; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
     y) O 2º Réu tinha perfeito conhecimento da existência e dos contornos do acordo celebrado entre o 1º Réu e os Autores; (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
     z) O 2º Réu era um mero empregado do 1º Réu, actuando sob as suas ordens e instruções; (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
     aa) Em 06.11.2013, o 1º Réu outorgou uma procuração a favor da 1ª Autora concedendo-lhe poderes para relativamente ao terreno objecto destes autos conforme documento de folhas 199 a 204 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (resposta ao quesito nº 16 da base instrutória).

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Comecemos pelos recursos interlocutórios.
    
    A – Recurso interlocutório:
    (i) – Despacho de fls.357 e ss:
     Fls. 327 e seguintes:
     (…)
     *
     - Prova documental - Partes B e E:
     A fim de provar ou contribuir para o esclarecimento da matéria factual alegada sob os artigos 7.°, 11.°, 12.° e 15.º-C da base instrutória, designadamente o facto de o 2.° Réu não ter pago ao 1.° Réu o preço da pretensa transmissão a que alude a alínea U) dos factos assentes e de o 2.° Réu não ter capacidade financeira, nem liquidez para adquirir a Moradia, vêm os Autores requerer obter os extractos bancários de todas as contas dos Réus desde 6/11/2013 até, pelo menos, à data em que foi decretado o arresto das contas do 1.° Réu.
     Cumpre decidir.
     As regras do ónus da prova reconduzem-se a regras de decisão, porquanto tem o ónus da prova aquela parte contra a qual, na dúvida, o juiz sentenciará, desfavoravelmente. Não implicando o direito subjectivo à prova a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, a parte só deve soçobrar na pretensão deduzida em juízo, por dificuldades inultrapassáveis de obtenção dos meios de prova que, por sua iniciativa pessoal, razoavelmente, sem o concurso de outra ou de terceiro, não esteja em condições de conseguir. No entanto, a dispensa do sigilo bancário é uma situação excepcional, sujeita a apreciação casuística segundo critérios restritivos, só se justificando se necessária e proporcional.
     No caso em apreço, quanto à existência da relação de trabalho entre os Réus (quesito 11.° da base instrutória), só se os extractos das contas bancárias dos Réus mostrassem respectivamente pagamentos e recebimentos mensais ou a outros intervalos regulares entre um e outro poderiam as mesmas servir à prova.
     No entanto, sendo o 2.° Réu residente de Macau, o eventual pagamento da remuneração não só pode ser feito por meio de depósito à ordem em instituição bancária. Mais, a DFS ou o FSS poderiam informar das relações nominais de trabalhadores entregues pelo 1.° Réu, inscrição, descontos e contribuições do e por conta do 2.º Réu para esclarecer sobre a situação de patrão/empregado dos Réus (mas os Autores não requereram).
     É obviamente que os extractos bancários de todas as contas dos Réus não são necessários, nem proporcionais para provar o quesito 11.°, sob pena de uma séria violação da privacidade dos Réus.
     Em segundo, no que tocante a que os Autores alegaram que o 2.° Réu nunca pagou ao 1.° Réu o preço da compra da Moradia (quesito 7.° da base instrutória), é excessivo que tem acesso a todas as informações e transacções bancárias dos Réus e não apenas àquelas que estejam relacionadas com a compra e venda da Moradia. (sublinhado nosso)
     Nota-se que, o 2.° Réu já apresentou as cópias do cheque e das ordens de caixa juntas como doc. n.º1 da sua contestação e, a isso, os Autores também requereram alguma diligência na Parte C.
     Assim, são desnecessárias as diligências em causa para provar o quesito 7.° da base instrutória.
     Por último, os Autores ainda pretendem obter todas as informações e transacções bancárias dos Réus para provar que o 2.° Réu não tinha capacidade financeira para comprar a Moradia (os quesitos 12.° e 15.º-C da base instrutória).
     Salienta-se que: 1. De acordo com o artigo 335.°, n.º1 do CC, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado; 2. A dispensa do sigilo bancário é uma situação excepcional, sujeita a apreciação casuística segundo critérios restritivos, só se justificando se necessária e proporcional.
     Sucede que, nunca através da exibição das contas bancárias do 1.° Réu se poderia ficar a saber se o 2.º Réu tinha ou não disponibilidade económica para se abalançar à compra da Moradia.
     Por outro lado, não devem os Autores apenas suscitar a suspeição de que o 2.º Réu não tinha capacidade financeira para adquirir a Moradia, mas não têm nenhuma prova ao mesmo tempo e, vêm agora requerer buscar todas as informações, saldos e transacções bancárias do 2.º Réu, visando procurar prova, através deste Tribunal, na maneira de "expedições de pesca", para provar a alegada simulação da compra e venda da Moradia.
     Neste contexto, face ao conflito entre a descoberta da verdade e a privacidade do 2.º Réu, não é proporcional que obter todas as informações, saldos e transacções bancárias do 2.º Réu, sob pena de uma séria violação da sua privacidade.
     Em conclusão, vão indeferidas todas as diligências requeridas na Parte B pelos Autores.
     Mutatis mutandis, ainda vão indeferidas as diligências requeridas na Parte E pelos Autores.
     *
     - Prova documental - Parte C:
     Oficie ao Banco da XXXX e ao Banco XXXX nos termos requeridos, com anexo das cópias dos respectivos documentos.
     Para o efeito, as respectivas entidades estão dispensadas do dever do sigilo.
     *
     - Prova documental - Parte D:
     A eventual inexistência do relatório de operação de valor elevado não pode ser imputada aos Réus e a sua existência não comprova sequer o efectivo pagamento do preço. Por não ser necessário, nem pertinente, vai indeferido o requerimento dos Autores.
     *
     - Prova documental - Parte F:
     O requerimento dos Autores é obviamente excessivo, designadamente quanto a todas as facturas e recibos de pagamento desde 25/07/2016 até à presente data.
     Por isso, oficie à Companhia de Electricidade de Macau, à Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, S.A., e à Companhia de Telecomunicações de Macau, S.A.R.L. para que informar, relativamente à Moradia (ou seja, o imóvel sito na estrada de D. XXXXXX, com os n.ºs 18 e 18-A, descrito na Conservatória da Registo Predial sob o n.º XXXXX), quem é(são) titular(es) dos contratos de fornecimento respectivamente de energia eléctrica, água e telefone, no período desde 25/07/2016 até à presente data.
     *
     - Prova documental - Partes G e H:
     Quanto ao requerimento sob (i) da Parte G, oficie à sociedade O (Macau) Limitada, nos termos requeridos.
     *
     No que respeito aos demais requerimentos nas partes G e H, mais uma vez, os Autores pretendem procurar prova, através deste Tribunal, na maneira de "expedições de pesca", para provar a alegada simulação da compra e venda da Moradia.
     De acordo com o artigo 88.°, n.º1 do CPC, Os actos processuais têm a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir. O que está em causa o princípio da economia e da celeridade processual. Tem na sua base a ideia de economia de meios, de máximo rendimento com o mínimo custo.
     No caso em apreço, os Autores mesmo que não deduziram quando a Moradia foi posta no mercado? Onde os Autores viram a publicitação da venda da Mordia? Como os Autores sabem a divulgação da venda da Mordia? Então vêm requerer procurar a eventual existência da actividade da promoção da venda da Mordia a todos as entidades e pessoas licenciadas para o exercício da actividade de mediação imobiliária e agente imobiliário. Isto é, evidentemente não proporcional.
     Mais salienta-se que, nos termos do artigo 335.°, n.º1 do CC, cabem os Autores, mas não este Tribunal, fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
     Em conclusão, vai indeferida a diligência requerida sob (ii) da Parte G pelos Autores.
     Mutatis mutandis, ainda vão indeferidas as diligências requeridas na Parte H pelos Autores.
     *
     (…)
     
     *
     Notifique e DN.

*
    Esta parte do recurso tem por objecto a matéria discutida nos quesitos 7.°, 11.°, 12.° e 15.º-C da base instrutória.
    Os Autores pediram a requisição, através da ordem do Tribunal, de diversas informações junto de instituições bancárias da RAEM com vista a tentar provar a versão factual alegada por eles, o Tribunal a quo deferiu algumas diligências requeridas, indeferindo outras.
    Vejamos então.
    Os quesitos sob ataque são:


    O 2° Réu nunca pagou ao 1º Réu, na data da escritura mencionada em U) dos factos assentes ou anteriormente, a título de preço da venda da Moradia, qualquer quantia?
    Provado que o 2° Réu não pagou ao 1º Réu, na data da escritura mencionada em U) dos factos assentes ou anteriormente, a título de preço da venda da Moradia, a totalidade do preço mencionada na mesma escritura;
    
    (…)
11º
O 2º Réu era um mero empregado do 1º Réu, actuando sob as suas ordens e instruções?
Provado;
  
12º
    O 2º Réu é uma pessoa destituída de capacidade financeira para adquirir a Moradia não dispondo, nem nunca tendo disposto dos fundos necessários para adquirir um imóvel desta grandeza?
    Não Provado;
    
    (…)
15º-C
O 2º Réu limitou-se, na compra e venda a que refere a alínea U), a actuar como testa de ferro do 1º Réu e como agente fiduciário deste?
Não Provado;

    Este recurso interlocutório foi interposto antes de o Tribunal recorrido se pronunciar sobre a matéria constante dos quesitos em causa. Agora, nesta sede do recurso, importa ver, antes de mais, quais quesitos receberam respostas POSITIVAS e quais negativas depois de instrução do processo.
    
    Ora como essas matérias foram alegadas pelos Autores e o quesito 7º e 11º já receberam respostas positivas, não tem interesse em reapreciá-los nesta sede do recurso, já que a versão contada pelos Autores nestes dois quesitos ficou provada, diferente será a matéria constante dos quesitos 12º e 15º-C.
*
    Quanto a outros dois quesitos:
    a) Relativamente à matéria do quesito 12º, em rigor das coisas, é matéria inócua, para além de ser um quesito conclusivo, já que o 2º Réu tinha ou não capacidade financeira para adquirir o imóvel é pouco irrelevante, mesmo que ele, pessoalmente não os tivesse, podia ultrapassar esta situação mediante financiamentos!
    Pelo que, indefere-se o pedido de modificação da resposta do quesito em causa.
*
    b) – No que se refere ao quesito 15º-C, ele está mal formulado, pois utilizam-se conceito jurídico ou conceitos inadequados: “testa de ferro do 1º Réu” e como “agente fiduciário deste” em vez de utilizar expressões comuns, de natureza factual, por exemplo, representante, ou mandatário, ou intermediário. A resposta do quesito pode remeter-se para a do quesito 11º nos termos acima citados.
    Nesta óptica, o recurso há-de ser julgado improcedente nesta parte, mantendo-se a resposta dada pelo Tribunal recorrido.
    *
    Custas pelos Recorrentes/Autores (Cfr. artigo 17º/4 do RCT, aprovado pelo DL nº 63/99/M, de 25 de Out.).
*
    Prosseguindo, passemos a ver o 2º recurso interlocutório:

    (ii) – Despacho de fls.459 e ss:
     FIs.398:
     (…)
     *
     Fls. 370 e seguintes, 418 a 425v:
     Notificado do despacho a fls. 357 a 359v dos autos, o 2.º Réu vem apresentar os documentos a fls. 373 a 396, para apurar os quesitos 7.°, 11.°, 12.° e 15.º-C, nos termos do princípio da cooperação consagrado no artigo 8.° do CPC, dizendo que os documentos a fls. 373 e 374 titulam transferências bancárias realizadas em substituição do cheque bancário cuja cópia foi junta aos autos na fls. 225.
     Os Autores apresentaram as defesas contra os referidos documentos juntos pelo 2.° Réu, requerendo o 2.° Réu para apresentar prova e justificativos sobre a origem dos fundos relativos às transferências, bem como juntar extracto da conta bancária por si titulada junto do Banco XXXX desde 25/07/2016 até 16/05/2017. Os Autores ainda requerem o envio de ofício aos The Lau Family Trust e Tennessee Gas Processing LLC, bem como Royal Bank of Canada e Bank of America, através de carta rogatória, para que virem informar se os referidos montantes foram efectivamente recebidos nessas contas, se os mesmos foram reportados às autoridades competentes para devidos efeitos legais e qual o motivo para a realização das referidas transferências.
     Cumpre decidir.
     Antes de mais, salienta-se que: 1. De acordo com o artigo 5.° do CPC, Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. 2. De acordo com o artigo 335.°, nº1 do CC, Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
     Assim, cabem aos Autores provar os factos constitutivos do direito alegado que integram a causa de pedir. Isto, não obsta que os Réus podem fazer a prova (mas não se tratando de ónus deles).
     Como alegado pelo 2.° Réu, este juntou os documentos a fls. 373 a 396 dos autos nos termos do princípio da cooperação consagrado no artigo 8.° do CPC.
     Os Autores vêm requerer, mais uma vez, os extractos da conta bancária pelo 2.° Réu titulada junto do Banco XXXX desde 25/07/2016 até 16/05/2017, só que nesta vez os Autores requerem o Tribunal ordenar o 2.° Réu para juntar os extractos da conta bancária, em vez de requererem o Tribunal ordenar o envio de ofício a referida instituição bancária.
     Parece que, assim, já não existe a questão da dispensa do sigilo bancário. No entanto, o que está em causa é mesmo. De acordo com o ónus de prova que incumbe às partes, tendo em conta a necessidade e proporcionalidade dos documentos requeridos, é obviamente excessivo que tem acesso a todas as informações e transacções bancárias do 2.° Réu (mas não apenas àquelas que estejam relacionadas com a compra e venda da Moradia).
     Quanto às informações e transacções bancárias relacionadas com a compra e venda da Moradia, o 2.° Réu já apresentou as cópias do cheque e das ordens de caixa juntas como doc. n.º1 da sua contestação, e no que tocante a isso, o Tribunal já ordenou alguma diligência no despacho a fls. 357 a 359v nos termos requeridos dos Autores.
     No entanto, o 1.° Réu vem agora dizer que os documentos a fls. 373 e 374 titulam transferências bancárias realizadas em substituição do cheque bancário cuja cópia foi junta aos autos como doc. n.º1 da sua contestação (fls. 225 dos autos).
     Para a boa decisão de causa, é verdade que tem que apurar se os montantes referidos nos documentos a fls. 373 e 374 foram efectivamente recebidos nas contas respectivas.
     No entanto, ao abrigo do princípio da economia e da celeridade processual consagrado no artigo 88.°, n.º1 do CPC, e tendo em conta que já se mostram nos documentos a fls. 373 e 374 os motivos para a realização das referidas transferências (Purpose of remittance) (mesmo que há divergência entre si e o alegado pelo 2.° Réu), o Tribunal ordena, em vez do envio de carta rogatória, o envio de ofício ao Banco XXXX, com anexo das cópias dos documentos a fls. 373 e 374, para que vir informar se os montantes referidos nos respectivos documentos foram efectivamente descontados e remetidos para as contas indicadas, e apresentar os documentos em relação.
     Para o efeito, fica dispensado o dever do sigilo bancário.
     Vão indeferidos no mais os requerimentos dos Autores.
     Notifique e DN.

    Esta parte do recurso tem por objecto o despacho do Tribunal recorrido (fls. 459 e 460), na parte que indeferiu o pedido formulado pelos Autores no seu requerimento de 5/11/2018 de ser ordenado (cfr. artigos 6.°, n.º 3, 8.° e n.º 2 ambos do CPC), que o 2.° Réu venha a apresentar prova e justificativos sobre a origem dos fundos relativos às transferência bancárias a que respeitam os documentos de fls. 373 e 374, juntando também extracto da conta bancária por si titulada junto do Banco XXXX desde a data em que teve lugar o negócio de compra e venda da Moradia até, pelo menos, 16/05/2017, data a que se reporta a realização da transferência a que alegadamente alude o referido documento de fls. 374.
    Tal pedido foi indeferido nos termos semelhantes aos inerentes à decisão que tinha indeferido outras diligências requeridas.
    Ora, é de verificar que a prova documental requerida pelos Autores visa obter a prova de que o contrato de compra e venda, sobre a moradia unifamiliar sita nos números 18 e 18-A da Estrada D. XXXXXX, descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n.º XXXXX, celebrado entre o 1.° e 2.° Réus, em 25/07/2016, por escritura pública, no Cartório Privado do Notário Privado N, constituiu um negócio simulado no entender dos Autores.
    Quid Juris?
    Os mencionados documentos referem-se aos registos de transferências bancárias que pretendem demonstrar o suposto pagamento do preço de aquisição do imóvel em causa, pois foi alegado pelo 2.ª Réu que os docs. n.ºs 1 e 2 por si juntos "titulam transferências realizadas em substituição do cheque bancário cuja cópia foi junta aos autos como doc. 1 da contestação do 2.º R..".
    Para bem decidir o pedido dos Autores, importa atender às seguintes circunstâncias relatadas nos autos:
    a) - As afirmações do 2.° Réu, acima descritas, estão em oposição com aquilo que o mesmo afirmou na sua contestação, o mesmo acontecendo com o 1.° Réu, tendo aí afirmado que o preço do alegado negócio de transmissão da Moradia foi pago através de duas ordens de caixa e um cheque bancário cujas cópias juntaram aos autos (vide doc. n.º 1 da contestação do 2.° Réu);
    b) - Os Réus declararam na escritura de compra e venda da Moradia outorgada em 25/07/2016 que o preço ali declarado se encontrava integralmente pago;
    c) - Acresce que, na transferência a que se refere o doc. n.º 1 junto com o requerimento do 2.° Réu de fls. 367 este indicou como correspondente propósito (匯款用途/Purpose of remittance) 捐款 Donations, ao passo que naquela a que se refere o doc. n.º 2, o 2.° Réu declarou como respectiva finalidade 資本/投資 Business Investment.
    
    Ora, é de verificar que a “história” entre os 2 Réus não está bem contada! Importa esclarecer este aspecto.
    Um ponto fucral que importa esclarecer é saber se o 2.º Réu pagou o preço da transmissão da Moradia ao 1.° Réu com fundos próprios, ou não foi feito nenhum pagamento nestes termos.
    O que justifica a requisição de dados sobre as transferências bancárias.
    Por outro lado, como bem se pode compreender a demonstração da disponibilidade ou liquidez financeira de uma pessoa, só pode ser alcançada mediante o acesso à respectiva informação bancária, pelo que, consistindo este facto mais um dos indícios apontado pela doutrina e jurisprudência como de relevo para a prova do negócio simulado - o indício subfortuna – eis mais uma razão para ter acesso à referida informação bancária.
    Na situação semelhante decidiu-se, citado em nome do Direito Comparado:
    “Existindo a necessidade de verificar os movimentos bancários realizados entre as partes envolvidas em negócio alegadamente simulado – como elemento de prova idóneo a desvendar essa simulação - deve levantar-se o sigilo bancário a que a instituição financeira, à partida, estaria obrigada (art.° 417.°, n.° 4, CPC)”.69
    Invocando uma das partes a simulação do negócio - no caso, dois contratos, um de compra e venda e outro de arrendamento -, há que atentar na especificidade que reveste a produção de prova: na grande maioria dos casos, a prova do acordo simulatório assume particular dificuldade e resulta de um conjunto de elementos que, isoladamente considerados, têm pouco significado, mas quando conjugados uns com os outros, à luz das regras da experiência comum, ponderando a normalidade da vida quotidiana, assumem outra dimensão, apontando decisivamente nesse sentido.
    Nesse contexto, justifica-se a quebra do segredo de escrituração mercantil da sociedade ré (compradora e senhoria), com vista a que esta junte aos autos documentos alusivos ao valor que alegadamente pagou - correspondente ao preço devido pela aquisição do imóvel - e aos valores que alegadamente recebeu - alusivos às rendas pelo arrendamento desse mesmo imóvel."70
    Julga-se deste modo procedente o recurso nesta parte interposto pelos Autores, revogando-se o despacho recorrido por violar o artigo artigos 6.°, n.º 3, 8.° e n.º 2 ambos do CPC e deferindo-se as diligências requeridas, só que estas se tornam supervenientemente inúteis, uma vez que, ainda que as diligências fossem indeferidas pelo Tribunal recorrido, este acabou por vir aceitar a tese dos Autores, decidindo que existe negócio simulado entre os 2 Réus.
*
    Custas pelos Recorridos (Réus) (Cfr. artigo 17º/4 do RCT, aprovado pelo DL nº 63/99/M, de 25 de Out.).
*
    Continuando, passemos a ver um outro recurso interlocutório.

*
    (iii) – Despacho de fls.626 e ss:
     - Fls. 568 a 569, 610 a 611, 612 a 613:
     
     (…)
     Quanto ao pedido (i) a fls. 592v, como se mencionou no Despacho a fls. 357 e seguintes, a dispensa do sigilo bancário é uma situação excepcional, sujeita a apreciação casuística segundo critérios restritivos, só se justificando se necessária e proporcional. Como se mostra no documento a fls. 570, o Banco da XXXX solicitou à O em nome do E (mas não do 1.° Réu). Face à informação, os Autores já indicaram E como testemunha e podem perguntar a ele em audiência de julgamento. Nesta altura, não é necessário nem proporcional de proceder a diligência requerida pelos Autores, pelo que vai indeferido o pedido (i) dos Autores a fls. 592v.
     Também indefiro o pedido (ii) dos Autores a fls. 592v por os Autores já indicarem F como testemunha e o que com aquele se pretende deve ser perguntado a ele em audiência de julgamento.
     *
     Notifique e D.N.”
     

    O presente recurso tem por objecto o despacho do TJB de fls. 626 na parte em que aí se determinou:
    (i) que as testemunhas cuja inquirição foi requerida pelos Autores a fls. 592 verso sejam, nos termos do n.º 2 do artigo 431.° do CPC, a apresentar;
    (ii) o indeferimento do pedido de ser ordenado o envio de ofício ao Banco da XXXX, Sucursal de Macau para que, com dispensa de sigilo bancário, viesse informar, nomeadamente através do seu funcionário XXXX, qual o propósito ou objectivo do relatório de avaliação que esta instituição bancária solicitou à O em nome do Sr. E.
     
    1) - Quanto à primeira das decisões acima referidas, o Tribunal a quo não apresentou uma justificação expressa para o facto de, ao contrário do requerido pelos Autores no seu requerimento de fls. 592, ter afastado a aplicação do regime previsto no artigo 548.º do CPC impondo aos Recorrentes o ónus de apresentação das testemunhas em apreço, no que se refere ao indeferimento do envio de ofício ao Banco da XXXX o despacho recorrido socorre-se dos mesmos argumentos que constituem a fundamentação dos doutos despachos de fls. 357 a 359 e 459 e 460, igualmente objecto de recurso interposto pelos Autores que já foram objecto da decisão por parte deste TSI.
    2) - As diligências probatórias requeridas pelos Autores visavam a prova de que o contrato de compra e venda, sobre a moradia unifamiliar identificada nos autos, celebrado entre o 1.° e 2.° Réus, em 25 de Julho de 2016, por escritura pública, no Cartório Privado do Notário Privado N, constituiu um negócio simulado.
    3) – Esta matéria foi alegada no artigo 15.º da base instrutória, inserida também na prova do acordo simulatório celebrado pelos Réus relativamente à venda da Moradia, no qual se pergunta se este imóvel havia sido posto no mercado imobiliário por instruções do 1.° Réu.
    4) - Na erigem das diligências negadas pelo Tribunal a quo, está um pedido feito pelos Autores para que a O (Macau) Limitada (O) (pedido que foi deferido pelo Tribunal) viesse informar se havia sido incumbida de promover ou mediar a venda da Moradia e quais as diligências efectuadas nesse sentido, com indicação do nome do respectivo agente imobiliário.
    5) - Na sequência do aludido pedido veio a O informar (vide fls. 401) que, efectivamente, conduziu uma avaliação à Moradia a qual foi solicitada em Novembro de 2017 por um indivíduo de nome E. Considerando a informação contida no supra mencionado ofício insuficiente os Autores vieram requerer que fosse ordenado à dita sociedade a prestação de esclarecimentos adicionais, o que foi deferido pelo Tribunal a quo (vide despacho de fls.512), com excepção do pedido de apresentação do relatório.
    6) - A este novo pedido de informações veio a O responder nos termos que constam de fls. 520. Dessa resposta resultam os seguintes factos:
    (i) a avaliação efectuada pela O à Moradia resultou de uma recomendação nesse sentido por parte do Banco da XXXX, Sucursal de Macau;
    (ii) o destinatário final do relatório foi um individuo de nome E, residente em Hong Kong;
    (iii) o responsável pela avaliação foi um empregado da O de nome F;
    (iv) as diligências efectuadas no âmbito dessa avaliação incluíram uma visita ao imóvel, cujo acesso foi disponibilizado "pelo assistente do proprietário", não se referindo, contudo, o nome destas pessoas, assistente e proprietário.
    Tendo em conta que as pessoas mencionadas pela O nos esclarecimentos que prestou ao TJB - funcionário incumbido de realizar a avaliação e a pessoa que a terá solicitado - são desconhecidas dos Autores segundo estes alegaram, que apenas nesse momento foram confrontados com a sua existência e relação com a matéria que se discute na lide.
    7-) Nestes termos, têm razão os Autores, efectivamente não se afigura adequado impor aos Autores o ónus de apresentar em Tribunal pessoas que desconhecem e cujo relação com a matéria em discussão nos autos apenas posteriori foi revelada, tanto mais que os ora Recorrentes, quer no seu requerimento 28/11/2018, quer no seu requerimento de fls. 592, requereram expressamente a sua inquirição ao abrigo do disposto no artigo 548.° do CPC e não do artigo 431.º deste diploma legal.
    8) Efecitvamente com esta decisão o Tribunal a quo inviabiliza, na prática, o depoimento em juízo das referidas pessoas uma vez que, como é consabido, os Autores não dispõem dos meios legais para intimar ou forçar a mencionada inquirição.
    Pelo expendido, ao não justificar o porquê de impor que a inquirição das referidas pessoas se faça ao abrigo do disposto no artigo 431.° do CPC em preterição do regime que decorre do artigo 548.° do mesmo diploma legal, o despacho recorrido padece de vício, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.°, aplicável ex vi n.º 3 do artigo 569.° ambos do CPC.
    O despacho recorrido violou também o princípio do inquisitório consagrado no artigo 6.º do CPC, à luz do qual cabe ao juiz ordenar e realizar todas as diligências que se revelem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, tenham elas sido requeridas pelas partes, tenham elas partido de iniciativa sua.
    Nestes termos, o despacho recorrido violou os artigos 6.º, 7.º, 108.°, 442.º, e 548.° do CPC padecendo ainda de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º, aplicável ex vi n.º 3 do artigo 569.º do mesmo diploma legal.
    Andou mal, pois, o despacho recorrido também na parte em que indeferiu o pedido pedido formulado pelos Autores de envio de ofício ao Banco da XXXX, tendo violado não só as disposições legais a que acima se fez menção mas ainda o artigo 442.º e 462.° ambos do CPC, pelo que o mesmo deverá ser revogado e substituído por outro que ordene a realização da diligência probatória em apreço.

    Julga-se assim procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e deferindo-se as diligências requeridas. Só que estas se tornam supervenientemente inúteis, por o Tribunal ter chegadoa à conclusão da existência da simulação no negócio entre o 1º Réu e o 2º Réu, o que foi um dos pedidos formulados pelos Autores, não obstante tais diligências terem sido indeferidas na fase de instrução do processo.
    Custas pelos Recorridos (Requeridos) nesta parte (Cfr. artigo 17º/4 do RCT, aprovado pelo DL nº 63/99/M, de 25 de Out.).
*
    B – Recurso da decisão final:
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este proferiu a decisão de mérito nos seguintes termos:

    A有限公司, sociedade comercial com sede em Macau na Rua da XXXX nº 74, Edifício XXXX, Taipa, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº 46963; e,
    B, casado no regime da separação de bens com M, de nacionalidade portuguesa, residente em Macau na Estrada de XXXX 703-767, Edifício XXXX, 8º andar “C”, Taipa.
    Vêm instaurar a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra,
    C, casado com P no regime de separação de bens, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na Rua XXXX, nº 21, Edifício XXXX, 1º andar “A”; e,
    D, divorciado, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na Avenida da XXXX, nº 387, 1º andar “F”.
    Alegando os Autores que o 2º é sócio e administrador da 1ª e que o 1º Réu era titular de uma concessão por arrendamento de um terreno que identificam, invocam que em 2013 o 1º Réu e os Autores entabularam negociações com vista à aquisição por parte destes do referido terreno, no seguimento do que, o 1º Réu prometeu vender à 1ª Autora pelo preço de HKD360.000.000,00 o prédio em causa, sendo o preço pago através de numerário no montante de HKD220.000.000,00 e HKD140.000.000,00 através da entrega pelo 2º Autor ao 1º Réu de uma moradia que identificam. No cumprimento da obrigação assumida em 06.11.2013 o 2º Autor pagou ao 1º Réu o preço indicado através de cheque e da tradição e entrega das chaves da moradia, vindo em Abril de 2014 a outorgar procuração a atribuir poderes ao 1º Réu para poder dispor da moradia. Nada tendo sido reduzido a escrito quanto ao acordo de promessa de compra e venda, para garantir o cumprimento por banda do 1º Réu este constituiu hipoteca sobre o terreno em causa a favor da 1ª Autora para reembolso de um empréstimo de MOP370.800.000,00 do qual o 1º Réu se declarou devedor. Posteriormente veio a ser declarada a caducidade da concessão do terreno o que tornou impossível o cumprimento por banda do 1º Réu.
    Invocando a nulidade do contrato de promessa por não ter sido redigido a escrito, bem como, por ser o objecto do mesmo impossível ou o enriquecimento sem causa, entendem os Autores que o 1º Réu deve ser condenado a restituir tudo quanto recebeu.
    Mais alegam os Autores que o 1º Réu celebrou com o 2º Réu uma escritura pública de compra e venda da moradia entregue para pagamento do preço, o que contudo não corresponde à verdade uma vez que nunca houve nem a intenção de vender nem a de comprar, nem o pagamento do preço, pretendendo apenas através desse acto impedir que os Autores venham a ser pagos do seu crédito e a ser devolvida a moradia que havia sido entregue, uma vez que, já sabiam aquando da realização da mesma da caducidade do terreno, bem sabendo o 2º Réu o prejuízo que essa venda implicaria para os Autores.
    Concluindo pedem os Autores que:
    (i) seja declarada a nulidade do acordo de promessa de compra e venda celebrado entre os Autores e o 1° Réu e que teve por objecto o terreno com a área de 3375 m2, designado por lote «SF», situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o nº XXXXX, e cujos direitos emergentes da concessão por arrendamento pertenciam ao 1° Réu, conforme inscrição nº XXXXX do livro F;
    (ii) subsidiariamente, caso se venha a considerar que o referido acordo não configurou uma promessa, mas sim uma transmissão efectiva, deverá ser declarada a nulidade da mesma;
    (iii) ainda subsidiariamente e na eventualidade de se considerar que o referido negócio não estava ferido de qualquer invalidade (hipótese que apenas se admite por cautela), deverá ser decretada a resolução do dito acordo por impossibilidade definitiva e culposa do 1º Réu ou caso se venha a entender que tal impossibilidade não é imputável ao 1º Réu, por impossibilidade objectiva;
    (iv) ser o 1° Réu condenado a restituir aos Autores tudo aquilo que recebeu, sendo, como tal condenado a restituir à 1ª Autora a quantia de HKD220.000.000,00 equivalentes para efeitos fiscais a MOP226.600.000,00 e a restituir ao 2° Autor o prédio urbano com os nºs 18 e 18-A da Estrada de D. XXXXXX, constituído por uma moradia unifamiliar, descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 181v do livro B44 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº XXXXX;
    (v) ser declarado que o contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 25 de Julho de 2016, exarada a fls. 65 do livro 17-B do Cartório do Notário Privado N constituiu um negócio simulado e, assim, nulo e de nenhum efeito, nos termos dos artigos 232° e 282° do CC, ordenando-se o cancelamento do respectivo registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2° Réu mediante a inscrição nº XXXXXG;
    (vi) ser ordenado também aos Réus, em consequência da referida declaração de nulidade, que restituam a Moradia ao Autor, livre de ónus e encargos e devoluta de pessoas e bens;
    (vii) subsidiariamente, caso se venha a considerar que o negócio de compra e venda formalizado pela escritura pública de 25 de Julho de 2016, exarada a fls. 65 do livro 17-B do Cartório do Notário Privado N não constituiu um negócio simulado, deverá ser declarada a sua nulidade nos termos dos artigos 273° e 274° do CC e cancelado o respectivo registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2° Réu mediante a inscrição nº XXXXXG, por tal negócio ser ofensivo da ordem pública e dos bons costumes, com a consequente condenação dos Réus a restituírem a Moradia ao 2° Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens;
    (viii) Subsidiariamente, para o caso de se entender que não verifica nenhuma das supra apontadas causas de nulidade do negócio de compra e venda da Moradia celebrada entre os Réus deverá ser declarado que a mesma é, nos termos dos artigos 261º e 262º do CC, ineficaz em relação ao 2° Autor por ter configurado um abuso de representação por parte do 1° Réu, razão pela qual deverá ser também ordenado o cancelamento do registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2° Réu mediante a inscrição nº XXXXXG, com a consequente condenação dos Réus a restituírem a Moradia ao 2° Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens;
    (ix) ainda subsidiariamente, para o caso de se entender que nenhum dos pedidos formulados nas alíneas (v) a (viii) deverá ser procedente, deverá ser julgada procedente a impugnação U deduzida contra a compra e venda do prédio urbano com os nºs 18 e 18-A da Estrada de D. XXXXXX, constituído por uma moradia unifamiliar, descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 181v do livro B44 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº XXXXX, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2º Réu mediante a inscrição nº XXXXXG, com a consequente condenação dos Réus a restituírem a Moradia ao 2º Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens;
    (x) também subsidiariamente, caso se venha a entender que o negócio de compra e venda do prédio urbano com os nºs 18 e 18-A da Estrada de D. XXXXXX, constituído por uma moradia unifamiliar, descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 181v do livro B44 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº XXXXX celebrado entre os Réus não constituiu um negócio simulado, nem o fim do mesmo foi contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes, nem o mesmo é ineficaz em relação ao 2º Autor por força das regras do abuso de representação, nem seja procedente a impugnação U, ser o 2º Réu condenado a restituir ao 2° Autor tal imóvel por força do disposto no nº 2 do artigo 282º do CC ou, subsidiariamente, a pagar ao 2º Autor o montante de HKD110.000.000,00 equivalentes para efeitos fiscais MOP113.300.000,OO valor que corresponde à medida do seu enriquecimento sem causa, caso se viesse a concluir (hipótese que apenas por dever de patrocínio se admite) que o 2º Réu pagou o preço declarado na escritura de compra e venda do dito imóvel;
    (xi) por último, caso a restituição da Moradia, ou seja a restituição em espécie da prestação efectuada pelo 2° Autor, por parte do 1º Réu e do 2º Réu não seja possível por improcedência dos pedidos supra formulados, nem seja procedente o pedido formulado na alínea (x) supra, hipótese que apenas por dever de patrocínio se admite, deverá o 1º Réu, juntamente com a condenação formulada na alínea (iv) de pagamento da quantia de HKD220.000.000,00, ser também condenado a pagar aos Autores a quantia de HKD140.000.000,00 equivalentes para efeitos fiscais a MOP144.200.000,00 (ou seja o montante global de HKD360.000.000,00) que correspondente ao valor que, com a entrega da Moradia, foi por ele recebido por conta da realização da prestação (pagamento do preço) efectuada pelos Autores no âmbito da promessa de compra e venda do Terreno;
    (xi) em tudo o caso ser declarada a revogação, por justa causa, da procuração outorgada em 24.04.2014, no Cartório do Notário Privado I, cuja cópia se junta como doc. nº 5.
    Citados os Réus para querendo contestarem, vieram estes fazê-lo defendendo-se por impugnação e concluindo pela improcedência da acção.
    Foi proferido despacho saneador, sendo seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
    Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
    
    As questões a decidir nestes autos consistem em conhecer:
    - Do negócio quanto ao terreno concedido por arrendamento: Se entre Autores e 1º Réu foi celebrada uma promessa de compra e venda ou uma compra e venda e se a mesma é nula ou, subsidiariamente, sendo o contrato válido da resolução do mesmo por impossibilidade imputável ao 1º Réu ou impossibilidade objectiva ou do enriquecimento sem causa;
    - Do negócio quanto à moradia: Da simulação da compra e venda da moradia realizada entre os Réus, ou se assim não se entender da nulidade por ofensa dos bons costumes, ou se assim não se entender da ineficácia do negócio quanto ao 2º Autor por abuso de representação, ou da impugnação U, ou da restituição da moradia.
    
    Da instrução e discussão da causa apurou-se que:
    (...)
    
    Cumpre apreciar e decidir.
    
    Do negócio quanto ao terreno.
    
    O 1º Réu era o titular da concessão por arrendamento do terreno indicado nos autos cujos termos – da concessão – resultam do respectivo contrato – cf. als. d) a i) –.
    Tal como resulta do contrato de concessão e dos artº 142º e 143º da Lei de Terras, Lei nº 6/80/M de 5 de Junho, vigente ao tempo a que os factos se reportam, o terreno em causa apenas poderia ser transaccionado com autorização da entidade competente.
    No caso em apreço não só não se alega que essa alteração alguma vez haja sido concedida, como, o que resulta é que as partes – Autores e 1º Réu – não a tinham.
    Relacionado com um negócio que consistia em os Autores adquirirem o terreno de que o 1º Réu era concessionário (cf. al. w)) as partes, aqui Autores e 1º Réu acordaram que o preço seria de HKD360.000.000,00, quantia que foi paga através de um cheque que o 2º Autor entregou ao 1º Réu no valor de HKD220.000.000,00, tendo este emitido o recibo onde declara “收到A有限公司交來上述支票,作為購買位於澳門路環石排灣工業區SF地段的全數 (該地段在澳門物業登記局標示編號第XXXXX號)”, entregando-lhe ainda, o 2º Autor ao 1º Réu, uma moradia no valor de HKD140.000.000,00 para pagamento do remanescente, vindo o 1º Réu a outorgar uma procuração a favor da 1ª Autora concedendo poderes relativamente ao terreno indicado – cf. als. j) a q) -.
    Simultaneamente é celebrado entre os Autores e 1º Réu uma escritura pública de Mútuo com Hipoteca em valor igual ao supra mencionado preço – cf. fls. 33 a 36 dos autos -.
    Nos artigos 12º a 32º da sua p.i. os Autores vêm invocar que celebraram com o 1º Réu um contrato de promessa de compra e venda do terreno o qual não foi reduzido a escrito, tendo pago integralmente o preço e que para garantir que o 1º Réu cumpria constituíram uma hipoteca sobre o terreno e que quando o 1º Réu se confessa devedor da quantia de MOP370.800.000,00 (equivalente aos HKD360.000.000,00 pagos) “tal confissão de dívida quis significar que o 1º Réu tinha recebido tal dinheiro por conta da venda do terreno”.
    Nas suas alegações de direito, a fls. 922, parágrafo 4º os Autores dizem que “o tribunal entendeu e considerou o mútuo como simulado algo que, salvo o devido respeito, é de difícil aceitação quando a simulação pressupõe o intuito de enganar terceiros, o que in casu não se vislumbra.”
    Ora bem, “o intuito de enganar terceiros” consta do nº 1 do artº 232º C.Civ. como sendo um dos elementos da simulação, pelo que é matéria de direito e como tal conclusiva, pelo que, não se alega e não se prova “com o intuito de enganar terceiros”, o que se provam são os factos que permitem ao tribunal extrair essa conclusão.
    Por enquanto o tribunal não retirou conclusão nenhuma porque ainda não decidiu.
    O que o tribunal fez em sede de fundamentação das respostas dadas à matéria de facto é dizer que o que os Autores vêm dizer é que o mútuo é simulado71, afirmação que sendo da nossa autoria, reiteramos e mantemos, pois ao se alegar que se queria comprar, mas como a transacção não era legalmente possível se entrega o preço acordado pela transacção e o cedente/vendedor declara-se devedor de uma quantia igual ao preço quando isso apenas queria significar que “tinha recebido tal dinheiro por conta da venda do terreno”, isto encerra o pacto simulatório, a divergência entre a declaração e a vontade e o intuito de enganar terceiros resulta da vontade de iludir a lei transaccionando, comprando e vendendo, um terreno que por imposição legal não pode ser transaccionado.
    O terceiro engando ou que se queria enganar é a RAEM.
    E os elementos da simulação estavam todos na p.i. nos artº 10º a 32º, só não se lhe chama simulação, sendo certo que quanto à integração e qualificação de direito o tribunal não está dependente da alegação das partes.
    Tal como se refere em sede de fundamentação da matéria de facto, na resposta dada ao item 2º, dúvidas algumas existem de que o que as partes queriam era comprar e vender o terreno.
    O valor do preço e a caracterização de “preço” foi levado aos factos assentes por ter sido confessado, isto é, as partes estão de acordo que os HKD360.000.000,00 eram o “preço” – cf. al. j) dos factos assentes -.
    Preço significa o valor de algo e é aquilo que se entrega em contrapartida desse algo72.
    Nos autos está assente que “o preço acordado para o negócio sobre o Terreno entre os Autores e o 1º Réu foi de HKD360.000.000,00”.
    A intenção de enganar terceiros, tal como já referimos resulta de se querer transaccionar um terreno cuja transacção não é naqueles termos possível, visando enganar as autoridades competentes.
    A matéria dos itens 3º a 6º não se provou, mas os factos referidos supra resultam da factualidade apurada, pelo que, o tribunal tem elementos suficientes para concluir.
    Contudo, o negócio realizado foi o mútuo.
    Pelo que, o mútuo seria o negócio simulado.
    Porém, ninguém vem pedir a nulidade do mútuo, nem o mútuo é objecto destes autos.
    Pese embora as nulidades sejam de conhecimento oficioso – artº 279º do C.Civ. - a simulação tem de ser invocada por quem tem legitimidade para o efeito – artº 234º do C.Civ. -.
    Nada se invocando quanto ao mútuo, nada se pedindo quanto ao mútuo e não sendo o mútuo objecto destes autos, nada pode o tribunal declarar relativamente à escritura pública de mútuo com hipoteca.
    O que se pede é a nulidade daquele que seria o negócio dissimulado – para os Autores uma promessa de compra e venda ou também se se entendesse que era venda -.
    Salvo melhor opinião toda a acção foi mal construída do ponto de vista jurídico.
    As partes queriam comprar e vender o terreno e na impossibilidade legal de o fazerem fizeram um mútuo com hipoteca.
    Com o devido respeito, que é muito o que deveria ter sido feito era:
    - Invocar que este mútuo com hipoteca é um negócio nulo porque simulado, sendo o negócio dissimulado uma promessa de compra e venda (segundo o que os Autores alegam), promessa essa que nunca se chegou a cumprir por culpa ou impossibilidade do Réu, vindo pedir-se que se declare nulo o mútuo e incumprido o negócio dissimulado e a devolução do que se prestou,
    Ou
    - Invocar que este mútuo com hipoteca é um negócio nulo porque simulado, sendo o negócio dissimulado uma compra e venda, a qual não se concretizou por impossibilidade legal do objecto, pelo que sempre seria nula, e em consequência, vir pedir-se que se declare nulo o mútuo e a devolução do que se prestou.
    Em vez disso, vieram os Autores invocar que quiseram fazer uma promessa de compra e venda que é nula ou que o 1º Réu incumpriu, mas que aquilo que fizeram foi um mútuo cuja declaração de dívida quer dizer que recebeu o preço.
    Ou seja, percebendo tudo o que está em causa vem-se atacar directamente o negócio dissimulado sem nada alegar ou fazer quanto ao simulado o que é tecnicamente impossível.
    Assim não se invocando a nulidade decorrente da simulação do mútuo, nem havendo pedido algum nesse sentido, nada se pode decidir a respeito.
    Aqui chegados há que assinalar vários aspectos para que não haja distorções do racíocinio.
    Como já se disse o facto das partes não invocarem a simulação não impede o tribunal de caracterizar os factos como tal. Aquilo que se invoca dos artigos 10º a 32º da p.i. é a simulação do mútuo com todos os seus elementos.
    Embora as partes não retirem daí – da simulação – consequência jurídica alguma, não impede ao tribunal que assim o entenda para o efeito do artº 388º nº 1 e 2 do C.Civ. como se fez para não aceitar a prova testemunhal em contrário do que consta de documento, uma vez que, o que se dizia era que se fez uma escritura de mútuo mas em que a declaração de que deve quer dizer que recebeu o preço.
    Não é admissível a prova testemunhal73 em contrário do que consta de documento autêntico, mas isto em nada depende dos pedidos que se fazem a final. Não é pelas partes nada pedirem quanto ao negócio titulado pelo documento autêntico que vamos permitir que se prove algo que daquele não conste por testemunhas, pois isso mais não seria, do que permitir aquilo que o legislador quis impedir com um efeito ainda pior, pois iria permitir a prova do negócio dissimulado sem afectar o simulado deixando este intacto na ordem jurídica.
    Este seria o efeito se no caso em apreço tivéssemos concluído que havia uma promessa de compra e venda, decidindo sobre a validade dela sem nada decidir sobre o mútuo.
    O resultado seria condenar-se o 1º Réu como é pedido a restituir o que recebeu pela promessa de compra e venda deixando na ordem jurídica intacto e incólume o mútuo e a declaração de dívida que os Autores sempre poderiam executar, decisão que seria um absurdo jurídico, em tudo idêntica a em direito penal condenar a mesma pessoa duas vezes pelos mesmos factos.
    Destarte, não se provando que haja sido feita promessa de compra e venda alguma, a acção no que concerne ao pedido i) que emerge desta causa de pedir apenas pode improceder.
    
    Como também não se provou que tivesse feito uma compra e venda, também com esta causa de pedir terá de improceder o pedido feito em ii).
    
    Como também não se provou qualquer acordo de igual sorte goza o pedido feito em iii).
    
    Sob a alínea iv) dos seus pedidos vêm os Autores pedir que o 1º Réu seja condenado a restituir os HKD220.000.000,00 que recebeu e o prédio urbano que identifica (a moradia).
    Este pedido resulta da matéria alegada nos artigos 38º a 53º da p.i., onde dos artigos 38º a 48º se sustenta a nulidade da promessa de compra e venda ou se assim se entendesse da compra e venda, e da matéria alegada nos artigos 49º a 51º da p.i. onde se invoca que caso se aceite a validade das declarações negociais de transmissão – promessa de ou compra e venda – por incumprimento culposo ou não da declaração negocial e do artigo 52º da p.i. onde subsidiariamente se invoca o enriquecimento sem causa sem nada mais dizer.
    Ora, quanto à matéria alegada nos artigos 38º a 51º nada mais há a dizer para além do que já se disse: não se provando nem a promessa nem a compra e venda com este fundamento o pedido improcede.
    Quanto ao artigo 52º e o invocado enriquecimento sem causa o que resulta dos autos é que o 1º Réu recebeu um cheque de HKD220.000.000,00 o qual foi pago e uma moradia no valor de HKD140.000.000,00 e em escritura de mútuo com hipoteca que não é posta em causa se declarou devedor dessa quantia, logo, não há qualquer enriquecimento sem causa.
    Pelo que, também o pedido formulado em iv) terá de improceder.
    
    Do negócio quanto à moradia.
    
    Relativamente a esta matéria começam os Autores por invocar a simulação porquanto nem o 1º Réu teve intenção de vender nem o 2º Réu de comprar, sendo este um mero empregado daquele, não tendo sido pago preço algum, sendo o valor declarado para a venda muito inferior ao valor real do imóvel, nunca tendo o 2º Réu tomado posse da mesma, visando o negócio apenas impedir que o 2º Autor conseguisse a restituição da mesma.
    Relativamente a esta matéria o que se provou foi que a escritura de compra e venda foi realizada tendo o 1º Réu no uso da procuração que o 2º Autor outorgou a seu favor vendido ao 2º Réu por HKD30.000.000,00 a moradia a que se reportam os autos, preço este que não foi integralmente pago e que o 2º Réu tinha conhecimento “dos contornos do acordo celebrado entre o 1º Réu e Autores”, sendo o 2º Réu um mero empregado do 1º Réu – cf. als. v) e x) a z) -.
    Igualmente ficou demonstrado que em Dezembro de 2016 foi declarada a caducidade da concessão do terreno – cf. al. t) - e a escritura de compra e venda do terreno foi realizada em Julho de 2016.
    Segundo o artº 232º do C.Civ. «1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo.».
    Para Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, pág. 151, simulação é a divergência entre a vontade e a declaração, estabelecida por acordo entre as partes com o intuito de enganar terceiros.
    Podemos elencar os requisitos cumulativos da simulação do seguinte modo:
    - Divergência entre a vontade real e a vontade declarada;
    - Acordo entre o declarante e declaratário ou pacto simulatório;
    - Intuito de enganar terceiros;
    Sobre esta matéria veja-se Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Jurisprudência, Livro I, Vol. III, pág. 493 e seguintes, onde na anotação nº 5 se diz:
    «Em face da noção do artigo estaremos não só perante um vício da declaração, mas ainda perante uma falta de vontade, tratando-se da simulação absoluta. A simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico.
     O Artigo estabelece três requisitos para a simulação: o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário; a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico que resultam da declaração efectuada; o intuito de enganar terceiros, sendo desnecessário o intuito de prejudicar.».
     É também relevante para a decisão da questão em apreço a jurisprudência consagrada no Acórdão do Venerando TSI (e também, citada pelos Autores nas suas alegações de direito) de 18.04.2013 em Procº 775/2012:
     «Há factos que não deixam de o ser por não serem directamente apreensíveis, por pertencerem ao foro íntimo, por se situarem no domínio do volitivo e do intelecto. Não se pode abrir a cabeça dos declarantes e observar o que quiseram quando proferiram uma determinada declaração, mesmo que formalmente com aparência negocial. Se o declarante A diz vender e o B diz comprar mas não é isso que eles pretendem, antes dizem celebrar um negócio para enganar e prejudicar terceira pessoa, o que se colhe indirectamente de uma factualidade adjuvante - seja a divergência entre o preço de mercado e a negociada, seja a ausência de uma justificação para esse negócio, seja um mau relacionamento entre o casal, seja a falsa declaração quanto ao regime de bens, seja o facto de esse imóvel ter sido adquirido pelo cônjuge alienante em solteiro, seja o facto de ter sobrevindo uma estipulação de comunhão geral de bens, seja a verificação de uma alienação não consentida por ambos os cônjuges, seja o facto de não se comprovarem actos de posse do novo pretenso proprietário, seja o facto de se ter escondido tal alienação - é que tudo aponta para existência de um negócio simulado. Esta prova, por vezes, traduz-se numa prova verdadeiramente diabólica e só muito dificilmente se consegue atingir a verdade dos factos. Há então que sair das formas e das formalidades, das aparências evidenciadas e contextualizar aquilo que é visível de forma a perscrutar a realidade das coisas.»
     Aqui chegados, analisemos criticamente o que se apurou nos autos.
     A moradia em causa foi entregue ao 1º Réu pelo valor de HKD140.000.000,00 em Novembro de 2013. Menos de 3 anos após o 1º Réu no uso da procuração que havia recebido do 2º Autor “vende” a moradia por cerca de 1/5 do valor que a havia recebido a um empregado que não pagou integralmente preço.
     Esse empregado do 1º Réu que vem a “comprar” a moradia por 1/5 do valor porque este a havia recebido sem pagar integralmente o preço, tem por sua vez conhecimento de todos os contornos do negócio celebrado entre Autores e 1º Réu que tinha por objecto o terreno concedido por arrendamento e que culminou na realização de um mútuo com hipoteca em que o 1º Réu se declara devedor da quantia de MOP370.800.000,00 (equivalente a HKD360.000.000,00).
     Pese embora não tenha sido feita prova da matéria constante dos itens 15º-A a 15º-C da Base Instrutória, vindo a caducidade do terreno a ser declarada em Dezembro de 2016, resulta das regras da experiência, até pela novidade do procedimento em termos de política de concessões de terrenos na RAEM, associada à complexidade do processo e ao elevado número de prédios envolvidos, que não seria ignorada pelos intervenientes e por quem desenvolve a sua actividade na área do imobiliário, que a caducidade da concessão do terreno poderia ocorrer.
     Sendo certo que a matéria alegada e apurada não é abundante, a relação empregador/empregado, o valor igual a 1/5 do valor da aquisição, a falta de pagamento do preço, o conhecimento por banda do comprador do negócio do terreno e a proximidade com a declaração de caducidade da concessão do terreno são suficientes para, à semelhança do que se fez no citado Acórdão do TSI, concluir pela existência da divergência entre a vontade declarada e a vontade real, o pacto simulatório e que a realização deste negócio visava apenas retirar o imóvel definitivamente da esfera jurídica do 2º Autor integrando-o na esfera jurídica de um terceiro que o 1º Réu dominava. Deste modo o 1º Réu faz seu e recebe todo o “preço” pelo negócio do terreno.
     Reitera-se aqui o que já se disse supra no sentido de existirem nestes autos todos os factos que seriam necessários a concluir pela eventual simulação do mútuo, questão que, contudo não é objecto deste processo e que, aquilo que não se provou foi que o negócio dissimulado (pese embora não se tenha invocado a simulação de negócio algum) fosse uma promessa de compra e venda.
     Porém, apesar de não se poder apurar da validade do negócio dissimulado seja porque não se invoca negócio simulado algum, seja porque não se provou o dissimulado, não deixa de ser certo que há por banda do 1º Réu a assunpção de uma dívida de MOP370.800.000,00 (equivalente a HKD360.000.000,00), em parte por ter recebido esta moradia, pelo que, havia por banda deste (do 1º Réu) todo o interesse em colocar a mesma numa esfera jurídica que dominasse, o que fez com esta compra e venda.
     Note-se que a procuração outorgada pelo 2º Autor a favor do 1º Réu – cf al. q) e fls. 31 e 32 - não conferia poderes para fazer negócio consigo mesmo nem era irrevogável, pelo que, a realização de escritura pública de compra e venda a terceiro era necessária para colocar o imóvel fora do domínio jurídico do 2º Autor.
     Perante todo o exposto concluímos estarem verificados “in casu” os requisitos da simulação absoluta, não havendo entre os Réus a intenção de celebrar negócio jurídico algum relativamente à moradia, sendo a compra e venda realizada nula de acordo com a citada disposição legal.
     Decidindo-se que é procedente a simulação quanto à compra e venda da moradia, fica prejudicada a apreciação das demais causas de pedir invocadas subsidiariamente relativamente a este negócio, aproveitando-se no entanto para realçar um aspecto quanto à alegada impugnação U.
     A impugnação U está prevista nos artigos 605º e seguintes do C.Civ.
     “A impugnação U insere-se, pois, neste conjunto de meios colocados à disposição dos credores para evitarem a frustração da posição de segurança que constitui a garantia patrimonial, enquanto expectativa jurídica do direito de executar o património do devedor para satisfação dos seus créditos.
    Os efeitos legais atribuídos à impugnação U são decisivos para a definição da natureza deste meio de tutela da garantia patrimonial e foi precisamente nesta matéria que se verificaram mudanças radicais do regime do Código de Seabra para o C.C. de 1966.
    A letra do art. 1044.º, do Código de 1867, apontava no sentido da destruição do acto impugnado, com a reversão do bem alienado ao património do devedor, onde podia ser executado por todos os seus credores, mesmo os posteriores à prática do acto. Daí que a acção U fosse encarada como uma acção de anulação. Esta construção, herdeira do direito romano, era conduto duramente criticada pela doutrina contemporânea da vigência daquele Código, particularmente atenta aos estudos publicados noutros países.
    Foi no seguimento destas críticas e com a atenção dirigida aos modelos italiano e alemão nesta matéria que o C.C. de 1966 (art. 616.º) veio definir novas consequências para a procedência da impugnação U individual, alterando, assim, a sua natureza.
    Procurou reduzir-se o impacto nas relações entretanto estabelecidas pelo acto atacado ao mínimo suficiente para assegurar apenas ao credor activamente interessado a garantia patrimonial afectada por esse acto. Daí que se tenha dado a possibilidade aos credores de requererem ao tribunal a manutenção da exposição dos bens deslocados ou onerados pelo acto impugnado, aos meios legais conservatórios e executivos, desactivando-se o efeito indirecto de subtracção à garantia patrimonial dos actos de transmissão ou oneração daqueles bens.
    A impugnação U passou a limitar-se a efectuar uma intervenção de micro-cirurgia no acto impugnado, neutralizando apenas aquele efeito secundário, o que permite ao credor continuar a obter a satisfação do seu crédito através dos bens que haviam sido objecto desse acto, apesar deles poderem residir já no património de terceiro alheio à respectiva obrigação. No demais, o acto impugnado mantém a sua inteira validade e eficácia, sobrevindo todas as novas relações dele nascidas (negrito e sublinhado nossos).
    Conseguiu reduzir-se os efeitos destrutivos sobre o acto impugnado, ao mesmo tempo que se melhorou a eficácia da protecção à posição do credor impugnante.
    Com esta nova configuração, a impugnação U individual retirou-se dos quadros da invalidade, nomeadamente da anulabilidade, e inseriu-se na categoria da simples ineficácia stricto sensu, em que um obstáculo exterior se opõe à produção de alguns dos efeitos jurídicos do negócio jurídico afectado. O obstáculo é aqui o interesse da preservação da garantia patrimonial dos credores dos intervenientes nesse negócio, que importa tutelar. O efeito indirecto neutralizado é o da subtracção dos bens negociados à possibilidade deles poderem ser utilizados na satisfação dos interesses desses credores” – Citação de T em Impugnação U, Almedina, pág. 84/87 -.
    Como resulta do texto citado a impugnação U não visa a anulação dos negócios celebrados mas tão só permitir ao credor satisfazer o seu crédito através dos bens que foram alienados ou onerados.
    O credor não precisa de se preocupar com a validade do negócio objecto da impugnação tal como resulta do artº 611º do C.Civ.74.
    No caso dos autos, antes da escritura pública de compra e venda celebrada entre os Réus a moradia estava na esfera jurídica do 2º Autor a quem segundo este alega pertencia, sendo a credora a 1ª Autora (sociedade que pertence ao 2º Autor e esposa), nunca tendo estado a moradia na esfera jurídica do 1º Réu que seria aqui o devedor, não se percebe o que é que se pretendia com a impugnação U.
    Será que o 2º Autor queria executar o seu “próprio” património para cobrança coerciva da dívida do 1º Réu para com a 1ª Autora?
    
    Da revogação da procuração
    
    Pede o 2º Autor que julgando-se procedente uma das causas de pedir da qual resulte o regresso da moradia à sua esfera patrimonial, seja revogada a procuração que outorgou a favor do 1º Réu nos termos do artº 258º nº 2 e artº 1096º nº 1 do C.Civ..
    Salvo nos casos em que haja convenção em contrário ou renuncia ao direito de revogação, situação que no caso em apreço não se invoca nem decorre do texto da procuração, a procuração pode ser livremente revogada pelo mandante.
    Destarte, julgando procedente a invocada simulação da compra e venda realizada entre o 1º e 2º Réus, nada obsta à procedência do pedido de revogação, sendo contudo o 1º Réu notificado pessoalmente desta sentença para restituir o respectivo documento nos termos do artº 260º do C.Civ..
    
    Nestes termos e pelos fundamentos expostos julgando-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada:
    - Absolvem-se os Réus75 dos pedidos formulados em i), ii), iii), iv);
    - Julga-se procedente a declaração de nulidade por simulação da compra e venda realizada através da escritura de 25 de Julho exarada a fls. 65 do livro 17-B do Cartório do Notário Privado N, ordenando-se o cancelamento da inscrição no registo predial da respectiva aquisição a favor do 2º Réu através da inscrição nº XXXXXG e a restituição do prédio objecto da mesma ao 2º Autor e a revogação da procuração outorgada pelo 2º Autor a favor do 1º Réu em 24.04.2014 no Cartório do Notário Privado I cuja cópia consta de fls. 31 e 32 destes autos, tendo o 1º Réu que entregar o respectivo documento ao 2º Autor em 10 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão;
    - Julgar prejudicada a apreciação dos demais pedidos subsidiários realizados, sob vii) a x).
    
    Custas a cargos dos Autores e Réus na proporção do decaimento.
    
    Registe e Notifique sendo o 1º Réu pessoalmente da revogação da procuração supra indicada e para proceder à entrega da mesma nos termos ordenados.
    
    Comunique ao Cartório do Notário Privado N, em que foi celebrada a escritura pública de 25 de Julho exarada a fls. 65 do livro 17-B - compra e venda declarada nula por simulação - para os efeitos do artº 141º al. e) do Código do Notariado.
     
*
    Quid Juris?
    
    Na sua PI os Autores formularam os seguintes pedidos:
    “ (i) seja declarada a nulidade do acordo de promessa de compra e venda celebrado entre os Autores e o 1° Réu e que teve por objecto o terreno com a área de 3375 m2, designado por lote «SF», situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o nº XXXXX, e cujos direitos emergentes da concessão por arrendamento pertenciam ao 1° Réu, conforme inscrição nº XXXXX do livro F;
    (ii) subsidiariamente, caso se venha a considerar que o referido acordo não configurou uma promessa, mas sim uma transmissão efectiva, deverá ser declarada a nulidade da mesma;
    (iii) ainda subsidiariamente e na eventualidade de se considerar que o referido negócio não estava ferido de qualquer invalidade (hipótese que apenas se admite por cautela), deverá ser decretada a resolução do dito acordo por impossibilidade definitiva e culposa do 1º Réu ou caso se venha a entender que tal impossibilidade não é imputável ao 1º Réu, por impossibilidade objectiva;
    (iv) ser o 1° Réu condenado a restituir aos Autores tudo aquilo que recebeu, sendo, como tal condenado a restituir à 1ª Autora a quantia de HKD220.000.000,00 equivalentes para efeitos fiscais a MOP226.600.000,00 e a restituir ao 2° Autor o prédio urbano com os nºs 18 e 18-A da Estrada de D. XXXXXX, constituído por uma moradia unifamiliar, descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 181v do livro B44 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº XXXXX;
    (v) ser declarado que o contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 25 de Julho de 2016, exarada a fls. 65 do livro 17-B do Cartório do Notário Privado N constituiu um negócio simulado e, assim, nulo e de nenhum efeito, nos termos dos artigos 232° e 282° do CC, ordenando-se o cancelamento do respectivo registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2° Réu mediante a inscrição nº XXXXXG;
    (vi) ser ordenado também aos Réus, em consequência da referida declaração de nulidade, que restituam a Moradia ao Autor, livre de ónus e encargos e devoluta de pessoas e bens;
    (vii) subsidiariamente, caso se venha a considerar que o negócio de compra e venda formalizado pela escritura pública de 25 de Julho de 2016, exarada a fls. 65 do livro 17-B do Cartório do Notário Privado N não constituiu um negócio simulado, deverá ser declarada a sua nulidade nos termos dos artigos 273° e 274° do CC e cancelado o respectivo registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2° Réu mediante a inscrição nº XXXXXG, por tal negócio ser ofensivo da ordem pública e dos bons costumes, com a consequente condenação dos Réus a restituírem a Moradia ao 2° Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens;
    (viii) Subsidiariamente, para o caso de se entender que não verifica nenhuma das supra apontadas causas de nulidade do negócio de compra e venda da Moradia celebrada entre os Réus deverá ser declarado que a mesma é, nos termos dos artigos 261º e 262º do CC, ineficaz em relação ao 2° Autor por ter configurado um abuso de representação por parte do 1° Réu, razão pela qual deverá ser também ordenado o cancelamento do registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2° Réu mediante a inscrição nº XXXXXG, com a consequente condenação dos Réus a restituírem a Moradia ao 2° Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens;
    (ix) ainda subsidiariamente, para o caso de se entender que nenhum dos pedidos formulados nas alíneas (v) a (viii) deverá ser procedente, deverá ser julgada procedente a impugnação U deduzida contra a compra e venda do prédio urbano com os nºs 18 e 18-A da Estrada de D. XXXXXX, constituído por uma moradia unifamiliar, descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 181v do livro B44 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº XXXXX, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição efectuado na CRP a favor do 2º Réu mediante a inscrição nº XXXXXG, com a consequente condenação dos Réus a restituírem a Moradia ao 2º Autor livre de ónus ou encargos e devoluta de pessoas e bens;
    (x) também subsidiariamente, caso se venha a entender que o negócio de compra e venda do prédio urbano com os nºs 18 e 18-A da Estrada de D. XXXXXX, constituído por uma moradia unifamiliar, descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 181v do livro B44 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº XXXXX celebrado entre os Réus não constituiu um negócio simulado, nem o fim do mesmo foi contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes, nem o mesmo é ineficaz em relação ao 2º Autor por força das regras do abuso de representação, nem seja procedente a impugnação U, ser o 2º Réu condenado a restituir ao 2° Autor tal imóvel por força do disposto no nº 2 do artigo 282º do CC ou, subsidiariamente, a pagar ao 2º Autor o montante de HKD110.000.000,00 equivalentes para efeitos fiscais MOP113.300.000,OO valor que corresponde à medida do seu enriquecimento sem causa, caso se viesse a concluir (hipótese que apenas por dever de patrocínio se admite) que o 2º Réu pagou o preço declarado na escritura de compra e venda do dito imóvel;
    (xi) por último, caso a restituição da Moradia, ou seja a restituição em espécie da prestação efectuada pelo 2° Autor, por parte do 1º Réu e do 2º Réu não seja possível por improcedência dos pedidos supra formulados, nem seja procedente o pedido formulado na alínea (x) supra, hipótese que apenas por dever de patrocínio se admite, deverá o 1º Réu, juntamente com a condenação formulada na alínea (iv) de pagamento da quantia de HKD220.000.000,00, ser também condenado a pagar aos Autores a quantia de HKD140.000.000,00 equivalentes para efeitos fiscais a MOP144.200.000,00 (ou seja o montante global de HKD360.000.000,00) que correspondente ao valor que, com a entrega da Moradia, foi por ele recebido por conta da realização da prestação (pagamento do preço) efectuada pelos Autores no âmbito da promessa de compra e venda do Terreno;
    (xi) em tudo o caso ser declarada a revogação, por justa causa, da procuração outorgada em 24.04.2014, no Cartório do Notário Privado I, cuja cópia se junta como doc. nº 5.

    Instruído o processo e após a audiência e julgamento, o Tribunal recorrido proferiu a decisão nos seguintes termos:
     “Nestes termos e pelos fundamentos expostos julgando-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada:
    - Absolvem-se os Réus76 dos pedidos formulados em i), ii), iii), iv);
    - Julga-se procedente a declaração de nulidade por simulação da compra e venda realizada através da escritura de 25 de Julho de 2016 exarada a fls. 65 do livro 17-B do Cartório do Notário Privado N, ordenando-se o cancelamento da inscrição no registo predial da respectiva aquisição a favor do 2º Réu através da inscrição nº XXXXXG e a restituição do prédio objecto da mesma ao 2º Autor e a revogação da procuração outorgada pelo 2º Autor a favor do 1º Réu em 24.04.2014 no Cartório do Notário Privado I cuja cópia consta de fls. 31 e 32 destes autos, tendo o 1º Réu que entregar o respectivo documento ao 2º Autor em 10 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão;
    - Julgar prejudicada a apreciação dos demais pedidos subsidiários realizados, sob vii) a x).
    
    Custas a cargos dos Autores e Réus na proporção do decaimento.
    
    Registe e Notifique sendo o 1º Réu pessoalmente da revogação da procuração supra indicada e para proceder à entrega da mesma nos termos ordenados.
    
    Comunique ao Cartório do Notário Privado N, em que foi celebrada a escritura pública de 25 de Julho exarada a fls. 65 do livro 17-B - compra e venda declarada nula por simulação - para os efeitos do artº 141º al. e) do Código do Notariado.”
  
    Contra esta decisão vieram os Autores interpuseram recurso ordinário, tendo formulado conclusões supérfluas e de algum modo “confusas”, que contêm 223 pontos, misturando as “coisas”, voltando a tocar as questões suscitadas no recurso interlocutório quanto à matéria de facto.
    Cabe lembrar-se de que ao Tribunal do recurso não compete apreciar todos os argumentos aduzidos pelos Recorrentes, mas sim, apenas resolver as questões levantadas pelas mesmas e tomar decisão em conformidade com os factos provados.
    Citem-se aqui algumas decisões proferidas neste sentido em nome do Direito Comparado:
“ As questões a que se refere a alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do CPC são as respeitantes ao pedido e causa de pedir e não os motivos, argumentos ou razões invocados pelas partes em sustentação do seu ponto de vista. Não há omissão de pronúncia, mesmo que se não tome conhecimento de todos os argumentos apresentados, desde que se apreciem os problemas fundamentais e necessários à justa decisão da lide (Ac. RL, de 1.3.1982, Recurso n.° 204: BTE, 2.ª série, n.os 3-4/86, pág. 427).”

“ Não constitui nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questão suscitada pelas partes quando a sua apreciação perdeu interesse face à solução encontrada a respeito da outra questão também posta pelas partes (Ac. RC, de 16.1.1990: Col. Jur., 1990, 1.°-124).

I - A omissão de proúncia, causa de nulidade da sentença ou do acórdão, consiste no facto de o juiz ter deixado de proferir decisão sobre questões de que devia conhecer.
II - A expressão «questões» utilizada no art. 668.º, n.° 1, al. d) do Cód. Proc. Civil não abrange os «argumentos» ou «raciocínios» utilizados pelas partes nas suas alegações que não integram matéria decisória para o juiz (Ac. STJ, de 30.3.1990: AD, 346.°-1297).”
  
    Quanto aos requisitos a que devem obedecer as conclusões do recurso, o artigo 598º do CPC (sobretudo o seu nº 1) é muito claro, em que fala:
Artigo 598.º
(Ónus de alegar e formular conclusões)
1. Ao recorrente cabe apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto.
4. Quando as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o recorrente é convidado a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
5. A parte contrária é notificada da apresentação do aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder-lhe no prazo de 10 dias.
6. O disposto nos n.os 1 a 4 deste artigo não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
  
    A falta de síntese coloca alguma dficuldade ao Tribunal ad quem resolver as questões de modo directo e eficaz.
    O mesmo reparo também se deve fazer em relação à sentença recorrida, em que se fala “compra e venda do terreno” em várias passagens, ora, é de eslcarecer, antes de mais, o que está em causa não é a compra e venda do terreno, sendo a sua propriedade pertencente sempre ao Governo da RAEM, mas sim cessão ou transmissão de posição decorrente da concessão provisória do terreno em causa.
    O quadro factual dado como provado (com base nos factos assentes) é o seguinte:
    A 1.ª A. e o 1.º Réu iniciaram as negociações com vista à cessão da posição de concessionário do 1.º Réu, no contrato de arrendamento, a favor da 1.ª Autora.
    Como contrapartida, foi acordado o preço de HKD 360.000.000,00 (trezentos e sessenta milhões de dólares de Hong Kong), a realizar através da entrega de HKD 220.000.000,00 (duzentos e vinte milhões de dólares de Hong Kong), em numerário, e de um prédio urbano, com os números de polícia 18 a 18-A, sito na Estrada D. XXXXXX, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º XXXXX, a favor do 2.º A. (de ora em diante, a moradia), a que as partes atribuíram o valor de HKD 140.000.000,00 (140 milhões de dólares de Hong Kong).
    A parte da contrapartida acordada em numerário foi entregue pela 1.ª A. ao 1.º R., através de um cheque, datado de 8 de Novembro de 2013, sacado sobre uma conta do 2.º A., junto do XXX, e a moradia foi disponibilizada com entrega simbólica da posse, através da entrega das chaves, e de uma procuração, com os mais amplos poderes de disposição e administração, outorgada pelo 2.º A. a favor do 1.º R., em 24 de Abril de 2014.
    O cheque foi cobrado junto do XXX, e a moradia continuou na disponibilidade do 1.º R. até que, por escritura pública de 25 de Julho de 2016, este a transmitiu ao 2.º R..
    Ou seja, não resta dúvida que a vontade verdadeira das partes é a transmissão das situações decorrentes da concessão provisória do terreno identificado nos autos, na linguagem utilizada pelo legislador da Lei de Terras de 1980.
    Tal não veio a concretizar-se porque, por despacho n.º 57/2016, publicado no BORAEM n.º 1, II série, de 4 de Janeiro de 2017, do Secretário das Obras Públicas e Transportes, foi tornado público que, por Despacho de 15 de Dezembro de 2016, do Chefe do Executivo, foi declarada a caducidade do contrato de concessão por arrendamento, por decurso do prazo.
    Pelo que os Autores vieram actuar em via judicial contra os Reus para recuperarem os valores dispendidos, que, em consequência daquele despacho do Chefe do Executivo, ficaram desprovidos de causa.
    Foi isto que ocorreu na realidade, independentemente da natureza que se atribui a cada um dos actos praticados pelas partes no procedimento de nogociações e cumprimento do alegado “acordo”, pois estão causa:
    a) - Tentativa da cessão das situações da concessão do terreno referido nos autos;
    b) - Quantias elevadas entregues ao 1º Réu a título do preço da “aquisição” das situações da concessão do terreno;
    c) - Entrega da vivenda identificada nos autos pelo 2º Autor à 1º Réu a título da parte do preço referido na alína a).
*
    Ora, o próprio contrato de concessão do terreno contém cláusula restritiva relativa à transmissão da posição contratual, aliás, a matéria com interesse para a decisão da causa provada é a seguinte neste ponto:
    g) O Terreno destinava-se a ser aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 8 pisos, ficando o rés-do-chão afectado à indústria de fabrico de perfis de aço inoxidável a explorar directamente pelo 1º Réu; (alínea F) dos factos assentes)
    h) Nos termos deste contrato, ficou estipulado que a transmissão de situações decorrentes da concessão, enquanto o terreno não estivesse integralmente aproveitado, dependia de prévia autorização do sujeito passivo - o então denominado Território de Macau e desde 20 de Dezembro de 1999 a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) - e sujeitaria a transmissão à revisão das condições do contrato; (alínea G) dos factos assentes)
    i) Nos termos deste contrato, ficou estipulado que a transmissão de situações emergentes do contrato, na parte relativa aos pisos destinados ao uso exclusivo da actividade industrial do sujeito activo, ficaria sujeita a autorização expressa do sujeito passivo, durante o período de 10 anos contados a partir da data de emissão pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) da licença de utilização do edifício, bem como implicação de revisão das condições contratuais da concessão, nomeadamente quanto ao prémio; (alínea H) dos factos assentes)
    
    Sobre esta matéria, o artigo 153º da Lei de Terras de 1980, estipulava:
(Transmissão inter vivos)
    1. A transmissão das situações decorrentes da concessão provisória deve ser requerida pelo transmissário.
    2. Salvo casos justificados, a transmissão não será autorizada:
    a) Quando os prazos de aproveitamento do terreno não tenham sido respeitados;
    b) Quando a execução das obras se não processe de acordo com o plano de trabalhos aprovado;
    c) Quando o aproveitamento do terreno se não desenvolva ou não se concretize nos termos e pela forma estabelecidos no respectivo contrato.
    3. Não são permitidas a substituição da parte no processo nem a transmissão de situações decorrentes da concessão quando houver indícios de que uma e outra são pedidas para fins especulativos.
(*) Nova redacção dada pela Lei n.º 8/83/M, de 13 de Agosto, publicada no Boletim Oficial n.º 33, de 13 de Agosto de 1983.

    Nos termos do nº 1 do artigo 153º da Lei de Terras acima citada, ao 1º Réu enquanto transmissário da concessão, competia pedir autorização para este efeito, mas esta questão acabou por ser irrelevante a partir do momento em que foi declarada a caducidade da concessão do terreno em causa, porque já não é possível “funcionar” o objecto da transacção as situações decorrentes da concessão do terreno! Eis uma impossibilidade legal!
    Nesta óptica, a falta da autorização em tempo oportuno acarreta a nulidade da “trasacção” nos termos do artigo 143º da Lei de Terras, que consagra:
(Necessidade de autorização)
1. A substituição da parte no processo e a transmissão de situações resultantes da concessão dependem de prévia autorização da entidade competente para o deferimento da concessão.
2. A substituição da parte no processo e a transmissão de situações resultantes da concessão são nulas e de nenhum efeito se não forem autorizadas.
3. É, porém, dispensada a autorização para a transmissão de situações decorrentes de concessão definitiva por aforamento ou por arrendamento.
(*) Nova redacção dada pela Lei n.º 8/83/M, de 13 de Agosto, publicada no Boletim Oficial n.º 33, de 13 de Agosto de 1983.
    Ora, uma vez que o legislador qualifica a falta de autorização competente como nulidade, esta é do conhecimento oficioso nos termos do artigo 279º do CCM (que corresponde ao artigo 286º do CC de 1966), que estipula:
(Nulidade)
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

    E, consequentemente daí os efeitos previsto no artigo 282º do CCM (que corresponde ao artigo 289º do CC de 1966) que estabelece:
(Efeitos da declaração de nulidade e da anulação)
1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo exigir-se ou tornar-se efectiva essa restituição contra o adquirente, nem se podendo tornar efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.
3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1194.º e seguintes.
    Nesta lógica, é irrelevante também discutir se estamos perante uma promessa verbal da cessão das situações da concessão, ou do acordo preparatório da cessão da mesma, porque hoje é impossível concretizar juridicamente a cessão em causa.
    Pois, para que tal cessão seja reconhecida juridicamente, um conjunto de actos que tem de ser autorizados e praticados:
    - Revisão das cláusulas contratuais da concessão;
    - Revisão do prémio da concessão;
    - Publicação das alterações das cláusulas contratuais no BOM;
    - etc.
    Não é como alguém ir ao supermercado para fazer compras, pagando o preço e fica com o bem adquirido, fica assim consumada a adquisição!
    Lida toda a defesa dos Réus, ficamos com a ideia de que, como se diz o povo, “ fugir como o diabo da cruz!”
    Para os Autores, as quantias já foram entregues por eles, o que eles ficariam? O que, em contrapartida, os Réus entregaram para os Autores?
    Nada!
    Não é preciso fazer grandes exercícios neste aspecto para chegar à conclusão apontada.
*
    Ora, importa reter os actos praticados pelas partes em termos cronológicos:
    1) – Em 29/11/1990 foi feita a concessão do terreno em causa por escritura pública;
    2) – Em 08/11/2013 foi sacado um cheque do XXX para transmitir a posição da concessão do terreno;
    3) – Em 24/04/2014 foi passada uma procuração pelo 2º Réu a favor do 1º Réu para administrar a vivenda unifamiliar identificada nos autos;

    Daí resulta que, antes de Novembro de 2013, as Partes começaram as negociações para transmitir a posição da concessão.
    A nova lei das Terras, Lei nº 10/2013, de 2 de Setembro, que entrou em vigor a partir de 1 de Março de 2014.
    Esta nova lei vem regular a matéria ainda de modo mais restritivo e mais esclarecedor em vários aspectos.
    A transacção das Partes atravessou a sombra da lei antiga e a nova, por isso, se aplicarmos o novo padrão da lei nova, igualmente a cessão não pode ser concretizada.
    Ou seja, os actos tendentes à transacção da posição contratual foram praticados ainda à sombra da Lei de Terras de 1980, sendo certo que alguns actos vieram a praticar após a entrada da nova Lei de Terras acima citada.
    A nova lei veio a consagrar igualmente a obrigatoriedade da autorização prévia da transmissão das situações decorrentes da concessão provisória, que, nos seus artigo 144º e 145º , mandou:
Factos determinantes
1. Salvo disposição em contrário da presente lei ou do respectivo contrato de concessão do terreno, a substituição da parte no procedimento ou a transmissão de situações resultantes da concessão podem operar-se por efeito de:
1) Associação;
2) Acto de substituição ou transmissão voluntária entre vivos, a título gratuito ou oneroso;
3) Execução judicial;
4) Sucessão por morte.
2. Para efeitos do disposto na presente lei, considera-se que equivale à substituição da parte no procedimento ou à transmissão de situações resultantes da concessão:
1) A transmissão, por uma ou várias vezes em acumulação, superior a 50% do seu capital social ou do capital social do seu sócio dominante, quando a parte no procedimento, ou o concessionário, seja uma sociedade comercial, à excepção de sociedades anónimas com acções ao portador;
2) A constituição de procuração ou substabelecimento que confira ao procurador poderes para a prática de todos os actos no procedimento ou a disposição das situações resultantes da concessão e que seja irrevogável sem o acordo do interessado, nos termos do n.º 3 do artigo 258.º do Código Civil.
3. Sem prejuízo do disposto no número anterior e à excepção de sociedades anónimas com acções ao portador, quando se verifica a transmissão superior a 10% do capital da sociedade concessionária ou do capital social do seu sócio dominante, esta deve comunicá-la à DSSOPT no prazo de 30 dias a contar da sua ocorrência, nas seguintes situações:
1) Concessão provisória;
2) Concessão definitiva, cuja transmissão de situações dela resultantes esteja sujeita à autorização prévia do Chefe do Executivo.
4. Em caso de inobservância do disposto no número anterior, o Chefe do Executivo pode:
1) Aplicar ao concessionário a multa fixada no contrato de concessão ou sendo este omisso a multa no montante correspondente a 1% do prémio ou do preço de adjudicação, em caso de primeira infracção;
2) Rescindir a concessão, em caso de segunda infracção.
Artigo 145.º
Necessidade de autorização
1. A substituição da parte no procedimento e a transmissão de situações resultantes da concessão dependem de prévia autorização do Chefe do Executivo, sem prejuízo do disposto nos artigos 146.º e 147.º
2. A substituição da parte no procedimento e a transmissão de situações resultantes da concessão são nulas e de nenhum efeito se não forem autorizadas.
3. É dispensada a autorização para a transmissão de situações resultantes de concessão definitiva, salvo disposição em contrário da presente lei ou do respectivo contrato de concessão, tendo em conta a natureza da mesma.
4. No caso de reaproveitamento do terreno concedido a título definitivo e enquanto aquele não estiver concluído, a transmissão de situações resultantes da concessão do terreno depende de prévia autorização do Chefe do Executivo, sob pena de nulidade e de nenhum efeito.
    É de ver que o o nº 2 do artigo 145º da nova Lei de Terras consagra expressamente a nulidade no que toca à substituição da parte no procedimento e a transmissão de situações resultantes da concessão sem autorização.
    É justamente o caso em discussão.
    Aliás, a partir do momento em que foi declarada a caducidade da concessão do terreno, torna-se inútil discutir se é ainda possível concluir o negócio que as Partes tiveram em vista.
    Pelo que, concedendo-se provimento ao recurso interposto pelos Autores, julgando-se procedente o pedido da delaração da nulidade do acordo celebrado pelas partes e consequentemente ordenando-se a restituição das quantias recebidas pelos Réus aos Autores nos termos peticionados nos pedidos indicados nas alíneas i) a ii) da PI.
     Com o decidido, fica prejudicada a apreciação dos demais pedidos subsdiários dos Autores.
*
    II – Recurso interposto pelo 1º Réu C contra a sentença:
    O Recorrente/1º Réu invocou, entre outros, os seguintes argumentos:
    “II. A decisão do Tribunal a quo padece de nulidade porquanto houve omissão de pronúncia no que respeita ao invocado abuso de direito e à ilegitimidade dos A.A.; falta de conhecimento do interesse processual dos A.A.; e, bem assim, uma interpretação errada do negócio jurídico consubstanciado na procuração relativa à Moradia:
     III. A Moradia mais não representa do que parte do preço pago pelo 2.º A ao 1.º R. no âmbito do negócio celebrado sobre o Terreno, em finais de 2013;
     IV. Os A.A. conheciam e sabiam bem, desde o primeiro momento, os riscos que corriam com a celebração do negócio sobre o Terreno, cuja formalização foi por eles gizada e/ou consentida e para o qual obtiveram até "garantias";
     V. Como aquele negócio "correu mal", lançam mão de uma acção contra os RR., na qual tentam convencer o Tribunal que o risco corria por conta do 1.° R., visando ao fim e ao cabo, a restituição de tudo quanto lhe pagaram - em pecunia e em espécie -, como se houvesse da parte do 1.° R. qualquer incumprimento ou actuação culposa;
     VI. O 2.° A e o 1.° R., em 6 de Novembro de 2013, agiram com confiança na palavra então dada por cada um, com a intenção de cada uma das partes proceder honesta e lealmente;
     VII. Os A.A. actuam manifestamente de má fé e em abuso de direito, lançando mão de todos os expedientes como tábua de salvação, visando uma só coisa: a recuperação de tudo o que pagaram ao 1.° R. (incluindo a Moradia);
     VIII. "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito";
     IX. Nas relações jurídicas estabelecidas entre os sujeitos rege como princípio fundamental inultrapassável aquele de que, tanto na formação, como na execução dos contratos e das relações jurídicas relevantes para a ordem jurídica, se devem usar valores de boa-fé e de correcção;
     X. Corolário da cláusula geral ou princípio de boa-fé é o exercício dos respectivos direitos em conformidade com os escopos éticos e sociais "pelo qual o próprio direito vem reconhecido e concedido pelo ordenamento jurídico positivo; o uso anormal do direito pode conduzir o comportamento do particular (no caso concreto) fora da esfera do direito subjectivo, tornando-o, por conseguinte, ilícito, segundo as normas gerais do direito material";
     XI. «O princípio da boa fé significa que todos devem guardar "fidelidade" à palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, sendo, pois; mister que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e correctamente no tráfico jurídico, no quadro de uma vinculação jurídica especial.»;
     XII. A boa-fé, como princípio normativo de actuação, encerra o entendimento de que as pessoas devem ter um comportamento honesto, leal, diligente, zeloso, tudo em termos de não frustrar o fim prosseguido pelo contrato e defraudar os legítimos interesses ou expectativa da outra parte;
     XIII. «O abuso de direito existe quando há um exercício do direito fora do âmbito do exercício do poder de autodeterminação que é próprio fundamento do reconhecimento de direitos subjectivos, propondo, como critério para o apurar, a falta de interesse no exercício do direito a apreciar em abstracto ou concreto, e a transcendência do prejuízo em relação ao agente.»;
     XIV. O abuso de direito enquanto forma desviada e jurídico-socialmente reprovável de um direito subjectivo constitui-se como paralisador do exercício do direito na medida em que o interesse (positivo) prosseguido pelo respectivo titular se coloca numa posição de defraudação da expectativa jurídica expressa na estabilização jurídico-material da normação vigente e desejada pelo legislador;
     XV. A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente, exercício esse tido por parte da doutrina como inadmissível;
     XVI. O ventre contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, se comporta de determinada maneira, gerando expectativas na outra de que o seu comportamento permanecerá inalterado;
     XVII. Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adoptada anteriormente, mas depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objectiva - a confiança;
     XVIII. Os princípios que, à face do Direito civil de Macau, permitem detectar a presença de um facto gerador de confiança podem ser induzidos das regras referentes às declarações de vontade, com relevância para a normalidade - art. 228.°, n.º 1 – e o equilíbrio - art. 229.°, ambos do Código Civil;
     XIX. A tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência;
     XX. A invocação da simulação e da correspondente nulidade dum negócio jurídico pode ser feita a todo o tempo por qualquer interessado;
     XXI. O interesse dos A.A. na declaração de invalidade da venda da Moradia radicava na invalidação do negócio que aqueles estabeleceram com o 1.° R. referente à concessão do Terreno;
     XXII. O Acórdão do Tribunal Colectivo que decidiu a-matéria de facto relevante para a composição do litígio - invalidade do negócio referente à concessão do Terreno - respondeu "não provado" aos quesitos 3.°, 4.°, 5.° e 6.°, todos integrantes da causa de pedir que sustentava os pedidos fundamentais i), ii), iii) e iv) formulados na p.i.;
(…)”.
    Aqui, importa frisar mais uma vez que ao Tribunal ad quem não compete apreciar todos os argumentos deduzidos pelo Recorrente, mas sim resolver as questões pertinentes, tendo em conta os pedidos formulados ou os argumentos invocados para defesa.
    A tese do abuso de direito ou venire contra factum proprium invocada pelo Recorrente/1º Réu não vinga, visto que:
    1) – O que os direitos que os Autores reclamam são o direito às quantias por eles entregues ao 1º Réu a título de preço e o direito de propriedade sobre a vivenda identificada nos autos nos termos do acordo fixado, ponto este que não resta qualquer dúvida! Na sequência da nulidade do acordo, declarada por este TSI nos termos acima anlisados, obviamente os Autores têm direito a reaver tudo aquilo que eles entregaram, por força e efeitos da nulidade do acordo em causa.
    2) – Nestes termos, os direitos exercidos pelos Autores através desta acção são perfeitamente legítimos e legalmente fundamentados! Aliás, o próprio Réu/Recorrente reconheceu também a lógica das coisas, quando ele afirmou nas conclusões do recurso: “
“(…)
XXI. O interesse dos A.A. na declaração de invalidade da venda da Moradia radicava na invalidação do negócio que aqueles estabeleceram com o 1.° R. referente à concessão do Terreno;
XXII. O Acórdão do Tribunal Colectivo que decidiu a-matéria de facto relevante para a composição do litígio - invalidade do negócio referente à concessão do Terreno - respondeu "não provado" aos quesitos 3.°, 4.°, 5.° e 6.°, todos integrantes da causa de pedir que sustentava os pedidos fundamentais i), ii), iii) e iv) formulados na p.i.;
XXIII. Não tendo ficado provado que o 1.° R. violou as suas obrigações no âmbito daquele, negócio (referente à concessão do Terreno), nem sido julgados procedentes os respectivos pedidos, os A.A. deixaram de ter qualquer interesse processual e legitimidade para requerer a invalidade da venda da Moradia, visto que não satisfazem o requisito do interesse exigido pelos artigos 279.° e 234.°, n.º1, do Código Civil;
XXIV. Se não assiste aos A.A. a faculdade de invocar a nulidade, por simulação, da venda da Moradia, falta-lhes um motivo juridicamente idóneo - ou seja, os A.A. não têm interesse processual -, para pedir ao Tribunal que declare a existência do vício e a correspondente cominação de nulidade;
(…)


XXVIII. A procuração outorgada pelo 2.° A. a favor do 1.° R., a qual serviu como mero instrumento formal para a realização da prestação a que o 2.° A. se obrigou no âmbito do negócio celebrado sobre o Terreno: pagamento parcial e em espécie do preço acordado;
XXIX. Tendo o Tribunal a quo rejeitado a invalidade do negócio celebrado entre os A.A. e o 1.° R. sobre o Terreno, a obrigação assumida pelo 2.° A., de pagamento parcial e em espécie do preço acordado não se extinguiu;
XXX. A outorga da procuração em causa configura uma verdadeira dação em cumprimento, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação a que o 2.° A. estava obrigado (cfr. artigo 828.º do Código Civil);
XXXI. O 2.° A., ao requerer ao Tribunal a revogação da procuração, incorre novamente em abuso de direito, lançando mão dos meios processuais em fraude à lei e com o fim de conseguir, com o beneplácito judicial, um objectivo ilegal, qual seja o de reverter a todo o custo a prestação que realizou com a outorga da procuração.”

    Isto por um lado, por outro, a propósito das questões levantadas pelo Recorrente/1º Réu, tecemos as seguintes considerações:
    A) – a questão da simulação do negócio celebrado entre o 1º e o 2º Réu:
    
    1) Ora, ficou provado que “a moradia em causa foi entregue ao 1º Réu pelo valor de HKD140.000.000,00 em Novembro de 2013. Menos de 3 anos após o 1º Réu no uso da procuração que havia recebido do 2º Autor “vende” a moradia por cerca de 1/5 do valor que a havia recebido a um empregado que não pagou integralmente preço”, o 2º Réu adquiriu ao 1º Réu a moradia por 1/5 do valor porque este a havia recebido sem pagar integralmente o preço, tem por sua vez conhecimento de todos os contornos do negócio celebrado entre Autores e 1º Réu que tinha por objecto as situações da concessão do terreno concedido por arrendamento e que culminou na realização de um mútuo com hipoteca em que o 1º Réu se declara devedor da quantia de MOP370.800.000,00 (equivalente a HKD360.000.000,00) (vide a p. 987v dos autos a quo)”, a invocação de uma nulidade, in casu uma simulação, não tem em si nada de abusivo. A própria lei civil reconhece-lhe a legitimidade de atacar este vício invalidante, pois estão em causa interesse público e ordem pública.
    
    2) - Assim, estando em causa um negócio simulado, cuja nulidade é determinada por razões de ordem pública, não se pode vir defender, como pretende o Recorrente/1º Réu, que a invocação do referido vício é susceptível de abuso. Parafraseando ZEPOS (cfr. MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé No Direito Civil, Volume II, Livraria Almedina, 1985, p. 716, nota 250) os direitos advenientes de restrições de ordem pública são inabusáveis.
    3) - No caso sub judice, e dado que se trata de uma simulação em que o conluio é entre o 1.º Réu, actuando no uso da procuração e o 2.° Réu - conluio, de resto, demonstrado e comprovado pela douta sentença quo -, apesar de juridicamente o 2.° Autor ser parte no contrato, a verdade é que, relativamente à simulação, o mesmo é considerado como sendo um terceiro (neste sentido, vide o acórdão do STJ, de 02.14.2008, proc. n.º 08B180, em cujo teor pode ler que "O terceiro a que se refere o art. 240º [correspondente ao artigo 232.° do Código Civil de Macau] não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio, mas antes alguém que seja alheio ao conluio”).
    4) – Nesta parte, bem andou o Tribunal recorrido ao julgar procedente o pedido da declaração da nulidade do negócio celebrado entre o 1º Réu e o 2º Réu por simulação.
*
    B – Questão de abuso de direito alegado pelo 1º Réu:
    
    a) - A invocação de abuso do direito por parte do Recorrente/1º Réu assenta numa ficção. Com efeito, diz o mesmo que os Autores/Recorridos conheciam e sabiam os riscos inerentes à celebração do negócio sobre o terreno, nomeadamente, o risco de não aproveitamento do terreno (cfr. §3 das alegações), que o 2.° Autor e o 1.º Réu agiram com confiança na palavra dada por cada um, com a intenção de cada uma das partes proceder honesta e lealmente (cfr. §7 das alegações) e que só porque foi declarada a caducidade do terreno, os Autores/Recorridos pretenderam a anulação do negócio sobre o terreno (cfr. §4 das alegações), com a consequente devolução das prestações realizadas em virtude do mesmo.
    b) - Esta tese não é acolher por não ter apoio na matéria de facto assente. Nenhum facto assente permite-nos concluir que se trata de um acordo aleatório. Com efeito, não havendo reciprocidade de atribuições e contraposição de vantagens patrimoniais com o mesmo grau de certeza e que se equilibram tal como sucede nos contratos onerosos comuns.
    c) – Só tem sentido falar-se do risco do negócio quando as partes já tivessem ponderado essa hipótese ou, concluído o negócio, este acabou por não ter o mesmo âmbito querido pelas partes, mas este ponto não tem apoio nos factos considerados assentes pelo Tribunal recorrido.
    d) – O ponto mais importante é o de que, hoje em dia, face à evolução dos circunstancialismo concreto do caso em apreciação, já não tem sentido em falar do risco do negócio na medida em que o negócio não foi concretizado por padecer de vício da nulidade, emergente da falta de autorização do Governo e também da declaração da caducidade da concessão do terreno em causa.
*

    C – Questão da falta de interesse processual alegada pelo Recorrente/1º Réu:
    
    1) - O Recorrente/1º Réu alega também que, não tendo sido dados como provados os quesitos 3.°, 4.º , 5.°, 6.° e 10.° da base instrutória, nenhuma legitimidade assiste aos Autores, nomeadamente ao 2.° Autor, para arguir a simulação do negócio quanto à alienação da Moradia, porquanto lhes falta interesse para tal. Neste particular, afirma ainda o Recorrente a falta de interesse processual dos Autores/Recorridos para pedir ao "Tribunal a quo que declare a inexistência do vício de simulação e a correspondente cominação de nulidade do negócio celebrado entre os Réus e que, como se disse, teve por objecto a moradia.
    3) – Sobre estas questões - suscitadas pelo Recorrente nos capítulos I e II das suas alegações - merecem censura ao nível processual-legal, porquanto se tratam de assuntos novos, ou seja, de questões não abordadas anteriormente nos autos a quo, falecendo ainda de razão quanto aos fundamentos invocados.
    4) - O recurso representa um pedido de revisão da legalidade ou ilegalidade da decisão judicial feita por um órgão judicial diferente (superior hierarquicamente) ou em face de argumentos especiais feitos valer, pelo que interpor recurso significa necessariamente manifestar discordância com a decisão recorrida e a vontade de a impugnar. Essa restrição é forçosamente incompatível com a alegação de novas questões, pelo que o Recorrente não poderá pretender, quer em obediência ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar a finalidade dos recursos, que o tribunal ad quem venha agora pronunciar-se sobre matérias que não foram abordadas pela sentença recorrida, simplesmente porque na fase de recurso, as partes e o tribunal devem partir do pressuposto de que as questões já foram objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação.
    5) - Com efeito, “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Dito de outro modo, "Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação".
    6) - Estão nesta situação as excepções invocadas pelo Recorrente nos pontos I e II das suas alegações uma vez que tais excepções não foram invocadas pelo Recorrente/1º Réu quer em sede da sua contestação - o que releva particularmente para a excepção dilatória de falta de interesse processual, mas também para a questão da legitimidade substantiva -, quer em sede da discussão do aspecto jurídico da causa (o que tem especial importância no que concerne à suposta ilegitimidade substantiva dos Autores, ora Recorridos, para arguirem a simulação, tanto mais que o Recorrente assenta esta na circunstância de os quesitos 3.° a 6.° e 10.° não terem resultado provados). Sendo, pois, questões novas - ou seja, questões que não foram objecto de uma primeira e inequívoca abordagem pelo Tribunal a quo - as mesmas não são susceptíveis de vir a obter um novo enquadramento jurídico em sede de recurso, pelo que ao TSI está vedado o seu conhecimento, por falta de atempada invocação.
    7) - Mas ainda que assim não se entendesse, mormente quanto à alegada falta de legitimidade substantiva dos Autores para arguirem a simulação e consequente nulidade do negócio realizado pelos Réus e que teve por objecto a moradia, isto é, que se entenda que a invocação desta excepção pode ser feita a todo o tempo. Com efeito, constituindo um requisito de procedência da acção, a legitimação substantiva, como pressuposto condicionante do pedido formulado, basta-se com a prova dos fundamentos da causa de pedir, os quais consistem nos requisitos a que alude o artigo 232.° do CC.
    8) - Quanto a esses requisitos, a decisão de mérito reflectida na douta sentença a quo, baseada na matéria assente demonstrou, entre outros, que os Réus não pretenderam celebrar qualquer negócio sobre a moradia, que o valor declarado do negócio era manifestamente inferior ao seu valor de mercado, que o valor declarado do negócio não correspondia à vontade das partes, que o preço do negócio não foi pago integralmente, que o 2.° Réu é empregado do 1.° Réu e actuava sob as suas ordens e instruções, que o negócio celebrado pelos Réus visava apenas retirar o imóvel definitivamente da esfera jurídica do 2.° Autor, integrando-o na esfera jurídica de um terceiro que o 1.° Réu dominava.
    Por outro lado, são os próprios Réus a confessar e a admitir o interesse dos Autores na declaração de nulidade do negócio celebrado por aqueles em relação à moradia. Efectivamente, importa recordar que nas suas contestações os Réus (e mormente o 1.º Réu) admitiram (como bem explica a sentença recorrida) que o negócio sobre o terreno consistiu numa compra e venda do mesmo, ou numa cessão dos direitos resultantes da respectiva concessão por arrendamento efectuada pelo 1.° Réu a favor da 1.ª Autora e que parte do preço havia sido pago com a entrega da moradia, facto aliás salientado na douta sentença recorrida quando afirma que para os Réus (e mormente para o 1.° Réu) o que foi celebrado foi uma compra e venda definitiva das situações da concessão do terreno que, obviamente, é nula e de nenhum efeito por carecer de autorização.
    9) - Destarte, sendo o referido negócio sobre as situações da concessão do terreno nulo e de nenhum efeito ou, na menor das hipóteses, impossível (em virtude da declaração de caducidade da concessão), o que impõe a restituição de tudo o que houver sido prestado em função do mesmo dúvidas não há de que aos Autores, por serem titulares da relação jurídica estabelecida com o 1.º Réu, isto é, por serem os titulares dos direitos que emergem dessa relação e que foi afectada pelos efeitos que o negócio tendia a produzir (e que nunca se chegaram a produzir) têm interesse e assiste-lhes legitimidade para invocar a simulação do negócio que teve por objecto a moradia.
    10) - É que, consagrando a lei a nulidade do negócio simulado, daí resulta que a nulidade da simulação pode ser invocada por qualquer interessado e ser oficiosamente declarada, conforme decorre da regra geral expressa no artigo 279.° do CC. Ao dizer "qualquer interessado", não pode deixar de entender-se que a lei se está a referir ao "titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio", ou seja, o sujeito de qualquer relação jurídica que, de algum modo, possa ser afetado pelos efeitos que o negócio tendia a produzir.
    11) - Mas ainda que se considerasse que os Autores em virtude da ausência de prova dos quesitos 3.° a 6.° e 10.° da base instrutória ficariam destituídos de invocar a simulação que vicia o negócio sobre a moradia que os Réus celebraram entre si, nem assim estaria o Tribunal impedido de conhecer da alegada nulidade, como o fez e bem.
    12) - É que, uma vez provada a factualidade relevante da simulação (como sucedeu) o Tribunal não poderia abster-se de declarar a cominação para tal vício ou seja a nulidade do negócio. Com efeito sendo o negócio simulado nulo (cfr. artigo 232.° n.º 2 do CC) e sendo tal nulidade do conhecimento oficioso (cfr. artigo 279.° do mesmo diploma legal) o Tribunal tinha o dever de declarar a nulidade da compra e venda em causa, como o fez.
    13) - Em face do que fica dito, fica resolvida também a questão do interesse em agir, uma vez que o Autores procuram a tutela jurídica para um direito de que se arrogam titulares sendo, portanto, parte legítima, uma vez que têm interesse direto em demandar e, como reconheceu a sentença vimos, até, com parcial procedência da sua demanda.
    14) - Por outro lado, quanto à alegada excepção de falta de interesse processual/interesse em agir há que registar que a mesma encontra-se coberta pelo caso julgado (cfr. ABRANTES GERALDES, in Recursos ... , cit., 2018, p. 120), por força da decisão proferida em sede de despacho saneador: "as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas em juízo (negrito nosso)"(cfr. p. 276 dos autos a quo). O Assento do STJ de 1.2.63 (cfr. Diário do Governo, 1.ª Série, de 21.2.63 e BMJ 124- 414) pronunciou-se justamente neste sentido: "É definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutem" (neste sentido também, cfr. VIRIATO DE LIMA, in Manual de Direito Processual Civil: Acção Declarativa Comum, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 3.ª Edição, 2018, p. 362).
    15) - Em resumo, mesmo entretendo os motivos de fundo alegados pelo Recorrente quanto à alegada existência de ilegitimidade ou de falta de interesse processual, sempre se diga que os Autores/Recorridos são, sem margem para dúvidas, os titulares efectivos da relação material controvertida que sempre alegaram ab initio.
    16) – Bem andou o Tribunal recorrido ao proferir decisão nesse sentido, o que não merece censura.
*

    Pelo expendido, nega-se provimento ao recurso em apreço, interposto pelo 1º Réu.
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    III – Passemos a ver o recurso interposto pelo 2º Réu D contra a sentença recorrida.
    As conclusões tecidas por este Recorrente/2º Réu são:
    “
     A. Os itens ou quesitos 3.°, 4.°, 5.° e 6.° da Base Instrutória contêm o essencial da causa (de pedir dos pedidos i), ii), iii) e iv) formulados na p.i., a final, todos relativos ao negócio realizado entre os A.A. e o 1.° R sobre a concessão do terreno descrito nos autos.
     B. O Acórdão do Tribunal Colectivo respondeu "Não provado" a cada um desses quesitos e, consequentemente, a sentença recorrida jugou improcedentes os referidos pedidos i), ii), iii) e iv).
     C. De harmonia com a resposta referida em B., a resposta dada pelo Acórdão do Tribunal Colectivo ao quesito 10.° - que contém matéria da causa de pedir do pedido v) da p.i., este relativo à venda ao Recorrente da Moradia pelo 1.° R, no uso de procuração que, recebera do 2.° A - foi "Provado apenas que o 2º Réu tinha perfeito conhecimento da existência e dos contornos do acordo celebrado entre o 1º Réu e os Autores", significando aquele "apenas" que o resto da pergunta que o quesito 10.° encerrava, a saber, "O 2° Réu tinha perfeito conhecimento ... de que na altura em que se processou a venda da Moradia tal acordo já não estava em condições de ser cumprido" foi considerado não provado.
     D. Na fundamentação desta resposta diz-se no Acórdão do Tribunal Colectivo que " ... não se tendo provado a matéria dos itens 3° a 6° não se pode provar que o acordo não pudesse ser cumprido ... ".
     E. Por conseguinte, o Tribunal Colectivo não conseguiu apurar em que consistiu o negócio celebrado entre os A.A. e o 1.° R sobre a concessão do terreno, donde que não tenha podido esclarecer os respectivos contornos.
     F. Um dos contornos ou termos do negócio era, segundo a tese dos A.A., que o 1.° R. estava obrigado a restituir a Moradia ao 2.° A. se a concessão do terreno viesse a caducar antes de se operar a transmissão dessa concessão do 1.° R para a 1.ª A.
     G. Como essa obrigação do 1.° R não se provou, os A.A. não demonstraram ter um interesse juridicamente atendível na arguição da nulidade, por simulação, da venda da Moradia que entretanto ele efectuou ao Recorrente;
     H. Os A.A. não invocaram outro facto ou circunstância donde pudesse extrair-se esse interesse (cabendo referir, a propósito, que o facto ou circunstância de o 2.° A. figurar como vendedor e o 1.° R. como procurador na escritura de venda da Moradia é neutralizado pela matéria das alíneas O) e P) do Factos Assentes e pela declaração de venda da Moradia, pré-existente à escritura, emitida pelo 2.° a favor do 1.°R.) (doc. 6 da contestação do 1.° R.).
     I. Por essa razão, os A.A. eram alheios ao negócio da venda da Moradia pelo 1.º R. ao Recorrente,
     J. situação em que, atento o disposto nos artigos 234.°, n.º 1, e 279.° do Código Civil, os A.A. não têm legitimidade para arguir a nulidade, por simulação, da venda da Moradia pelo 1.° R., ao Recorrente.
     K. Tal falta de legitimidade gera a falta de interesse processual dos A.A. para deduzirem os pedidos v) e vi) da p.i., uma vez que, se nada tinham a ver com a alienação da Moradia que o 1.° R. quisesse fazer no uso da procuração, então a venda que este efectuou ao Recorrente não colocou os A.A. na situação de carência que o artigo 72.° do CPC exige para que haja interesse processual.
     L. A falta de interesse processual é uma excepção dilatória, prevista no artigo 413.°, h), do CPC, que importa, nos termos do artigo 412.°, n.º 1, a absolvição da instância do 1.° R. e do Recorrente na parte respeitante aos pedidos v) e vi); a par dessa absolvição da instância deve declarar-se a extinção da instância, nos termos do artigo 229.°, e), do CPC, por inutilidade superveniente, relativamente ao pedido xii) da p.i ..
     M. Em alternativa à referida absolvição da instância, deve a sentença recorrida ser revogada na parte que apreciou e decidiu os pedidos v) e vi), por violação do dever de conhecimento oficioso da excepção de falta de interesse processual dos A.A., ínsito no artigo 414.° do CPC, e do dever de não conhecer dos pedidos v) e vi) e absolver o 1.° R. e o Recorrente da instância, no tocante a eles, previsto no artigo 230.°, n.º 1, e); juntamente com essa revogação parcial da sentença recorrida, deve ainda declarar-se a extinção da instância, nos termos do artigo 229.°, e), do CPC, por inutilidade superveniente relativamente ao pedido xii), ou revogar-se ou, pelo menos, declarar-se supervenientemente inútil a prolação sobre o pedido xii) que foi feita pelo Tribunal a quo.
     Admitindo, sem conceder, que não se decida a absolvição da instância do 1.° R. e do Recorrente ou a revogação da sentença recorrida, nos termos acabados de expor:
     N. Para chegar ao juízo de procedência do pedido v) da p.i., o Mmo. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, prolator da sentença recorrida, fez presunções judiciais, como previsto, aliás, nos artigos 342.º e 344.° do Código Civil.
     O. Concretamente presumiu que: o 1.º R. declarou na escritura por que vendeu a Moradia ao Recorrente que queria vendê-la, quando não era essa a sua vontade, e o Recorrente declarou ali que queria comprá-la, quando também não o pretendia etectivamente; o 1.º R. e o Recorrente concertaram entre si essas declarações divergentes da sua vontade real; o intuito da concertação era enganar os A.A.
     P. Para alcançar esses factos desconhecidos (desconhecidos porque nem constavam das respostas aos quesitos, nem eram factos notórios ou instrumentais, ou não alegados pelas partes mas essenciais e complemento ou concretização doutros que tivessem sido alegados ou factos supervenientes), o prolator da sentença baseou-se em factos conhecidos e estribou-se numa convicção (ela mesma uma presunção).
     Q. De entre esses factos conhecidos avultam os seguintes:
     - "o Recorrente tinha conhecimento dos contornos do negócio que os A.A. e o R. tinham celebrado relativamente à concessão do terreno de Seac Pai Van";
     - “o 1.° R. tinha-se declarado devedor à 1.ª A da quantia de MOP$370,800,000.00, equivalentes a HK$360,000,000.00, numa escritura de empréstimo com hipoteca celebrada em Novembro de 2013";
     - "o 1.° R. e o Recorrente tinham consciência de que a caducidade da concessão do terreno de Seac Pai Van poderia ocorrer/ser declarada proximamente, tanto que fizeram a escritura da Moradia em Julho e a caducidade da concessão foi declarada em Dezembro de 2016".
     R. Estes factos conhecidos e a ilação referida só poderiam aproveitar à formação das presunções aludidas em O. (e que, por facilidade, designaremos por presunção do acordo simulatório) se se tivesse respondido afirmativamente aos quesitos 3.º, 4.°,5.° e 6.º da Base Instrutória e dado ao quesito 10.° resposta diferente da que lhe coube, confirmando-se a tese dos A.A. sobre aquilo em que consistiu o seu acordo com o 1.º R. no tocante à concessão do terreno, tese que o Tribunal Colectivo rejeitou.
     S. Tendo se socorrido de tais factos e ilação para chegar àquela presunção, o prolator da sentença desrespeitou o Acórdão do Tribunal Colectivo, a que, no entanto, devia obediência.
     T. Os factos conhecidos de que o julgador podia legitimamente socorrer-se para formar as ditas presunções resumem-se a três:
     - houve uma grande discrepância entre o valor que os A.A. e o 1.° R atribuíram à Moradia em 2013 e o preço por que o 1.° R declarou vendê-la ao Recorrente, menos de três anos volvidos;
     - o Recorrente era um mero empregado do 1.° R;
     - na data da escritura de transmissão da Moradia, o Recorrente não pagou a totalidade do preço de venda aí declarado, e também não o tinha já feito em momento anterior,
     U. mas o facto "mero empregado" tem de ser considerado com a qualificação de que não se provou que "esse mero empregado", o Recorrente, houvesse actuado como testa de ferro e agente fiduciário do 1.° R na comprada Moradia.
     V. A resposta aos quesitos 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 15.º-A, 15.°-B e 15.º-C, que integravam e eram da maior importância para firmar a causa de pedir do pedido v), foi, para cada um deles, "Não provado".
     W. Os factos descritos em T., com a qualificação referida em U., apenas permitem concluir que foi feita uma venda da Moradia, com simulação de preço, a um empregado, o Recorrente, comprador, que não pagou integralmente o preço da transacção na data da escritura ou em momento anterior, não se sabendo contudo se chegou a liquidar a diferença mais tarde, comprador esse que, apesar de ser empregado, não actuou no contrato como testa de ferro ou agente fiduciário do 1.° R, vendedor e seu empregador.
     X. Seria irrazoável assentar uma presunção de acordo simulatório entre o 1.° R e o Recorrente apenas nos factos referidos em T., com a qualificação aludida em U., mais a mais se tivermos em conta que não se provou nenhum dos factos referidos em V., que integravam e eram da maior importância para firmar a causa de pedir do pedido v).
     Y. O que se pretende é que a presunção do acordo simulatório entre o 1.° R e o Recorrente mencionada em O. que desemXXXXou na conclusão de que a venda da Moradia foi simulada e é nula, seja eliminada pelo Tribunal de Segunda Instância por duas razões: primeiro, porque repousa sobre factos não provados (a versão dos A.A. sobre o negócio da concessão do terreno e seus contornos) e, segundo, porque viola o Acórdão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, infringindo o princípio do esgotamento do poder jurisdicional ínsito no artigo 569.º do CPC.
     Z. Eliminada a presunção, deve em consequência revogar-se a sentença recorrida, na parte que julgou procedente o pedido que os A.A. formularam em v) a final da sua p.i, e que declarou a nulidade, por simulação, da venda da Moradia pelo 1.° R ao Recorrente e decretou o cancelamento da inscrição no registo predial da respectiva aquisição a favor do 2.º R, aqui Recorrente, através da inscrição n.º XXXXXG.
     AA. O juízo de procedência do pedido vi) é mera consequência jurídica e prática da procedência do pedido v), pelo que deve ser revogado pelas mesmas razões.
     BB. O juízo de procedência do pedido xii) (que é, por lapso, numerado como xi) na p.i., quando o que o antecede já é o décimo primeiro) soçobra porque se, como se defende, a Moradia foi validamente transmitida ao Recorrente, então a procuração de que o 1.° R. se serviu para operar a transmissão caducou logo por falta de objecto.
     CC. O mesmo efeito de caducidade da procuração se terá produzido se se quiser invalidar a venda da Moradia por qualquer das vias que suportam os pedidos vii) a x) porque todos eles improcedem e, nessa conformidade, a transmissão continua a ser válida e procuração continua a estar caducada por falta de objecto.
     Quanto aos pedidos vii) a xi), que a Segunda Instância poderá querer apreciar, ao abrigo do artigo 630.°, n.º 2, do CPC:
     DD. O pedido vii), sendo subsidiário do pedido v), é para ser apreciado na hipótese de não ter havido simulação na venda da Moradia. Nesse caso, argúem os A.A., houve ofensa da ordem pública e dos bons costumes. Porém, posta a simulação de lado, o que temos é uma venda a um empregado, que não actuou como testa de ferro ou agente fiduciário do seu empregador, o vendedor, venda feita com simulação de valor e sem que o preço declarado tivesse sido integralmente pago na data da escritura ou em momento anterior, desconhecendo-se contudo se a diferença foi ou não liquidada mais tarde.
     EE. Neste cenário, à luz dos padrões morais vigentes na sociedade de Macau, a crítica que a conduta de vendedor e comprador porventura mereça nunca poderia ir ao ponto de classificar essa conduta como violadora da ordem pública e dos bons costumes, pelo que o artigo 273.°, designadamente o seu n.º 2, do Código Civil é inaplicável ao caso.
     FF. Na medida em que não se apurou, na discussão da causa, que a Moradia devia reverter ao 2.° A se acontecesse a caducidade da concessão do terreno, não é possível admitir que o fim que o 1.° R. e o Recorrente visaram com a compra e venda da Moradia foi gorar a expectativa do 2.° A de reaver o bem, pelo que é também aqui inaplicável o artigo 274.° do Código Civil, naufragando assim o pedido vii) inteiramente.
     GG. O pedido viii) é de que, na falta duma nulidade por simulação ou ofensa da ordem pública e dos bons costumes, se declare a ineficácia da venda da Moradia vis-à-vis o 2.° A., por abuso de representação do 1.° R. no exercício dos seus poderes de procurador daquele.
     HH. Esse fundamento improcede por causa da resposta que o Tribunal Colectivo deu aos quesitos 10.°, 15.º-A e 15.°-B.
     II. Por outro lado, o desconhecimento por parte do Tribunal daquilo em que consistiu realmente o negócio sobre a concessão do terreno inibe o postulado de que a Moradia revertia ao controlo do 2.° A se a concessão do terreno caducasse, o que acaba também por retirar toda a importância à eventual consciência do 1.° R. e do Recorrente da probabilidade de a declaração de caducidade da concessão do terreno vir a concretizar-se.
     JJ. O pedido ix), subsidiário do pedido viii), e consistente na declaração de ineficácia da venda da Moradia face ao 2.° A em sede de impugnação U, sofre do ilogismo apontado na sentença recorrida e esbarra na impossibilidade de se estabelecer a má-fé de vendedor e comprador, elemento essencial à impugnação U, por não se ter apurado se os A.A. tinham ou não direito a reaver do 1.º R. dinheiro e ou a Moradia na eventualidade de a concessão do terreno caducar (sendo que só se tal direito existisse é que os A.A. podiam acenar com o prejuízo - outro elemento essencial à impugnação U - que a venda da Moradia pelo 1.° R. ao Recorrente lhes causava).
     KK. Este pedido ix) esbarra ainda e sobretudo na improcedência do pedido iv). Se o 1.° R. foi absolvido de ter de restituir aos A.A. tudo aquilo que recebeu, então falta aos A.A. o crédito que poderiam querer acautelar ao abrigo duma impugnação U.
     LL. O pedido x), subsidiário do pedido ix), filia-se no artigo 282.°, n.º 2, do Código Civil. Para que a subsunção fosse possível, era preciso que o negócio sobre a concessão do terreno fosse declarado nulo ou resolvido, à sombra dos pedidos i), ii) ou iii) da p.i., que o 1.º R. fosse condenado à restituição requerida no pedido iv), e que a venda da Moradia tivesse sido gratuita; nada disso se verifica pelo que nada deve o Recorrente restituir aos A.A.; acresce que, mesmo que a previsão do referido artigo se preenchesse, ainda assim o Recorrente não teria de restituir a Moradia, visto que a estatuição do artigo é de entrega de valor, não de entrega da coisa alienada.
     MM. Finalmente o pedido xi), subsidiário do pedido x), é uma extensão, com adaptação, do pedido iv): se, procedendo o pedido iv) de condenação do 1.° R. na restituição da Moradia ao 2° A., essa restituição não for possível, deve então essa condenação passar a ser de pagamento do respectivo valor, ou seja, HK$140,000,000.00.
     NN. Como não houve condenação pelo pedido iv), este pedido xi) não tem sustentação.
*
    Ora, as presentes contra-alegações resultam do recurso interposto pelo Recorrente/2º Réu, D, da douta sentença de fls. 972-991v, proferida em 29 de Abril de 2020, a qual decidiu duas questões, a saber: (i) do negócio quanto ao terreno concedido por arrendamento (melhor identificado nos autos a quo), e (ii) do negócio quanto à moradia (idem).
    As alegações do Recorrente debruçam-se sobre a parte do negócio quanto à moradia (a parte em que o Recorrente saiu vencido) sustentam-se fundamentalmente na resposta que foi dada aos quesitos 3.°,4.° 5.°, 6.° e 10.° da base instrutória, e ainda aos quesitos 12.° a 15.º-C.
    O Recorrente começou por alegar que, não tendo sido dados como provados os quesitos .3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 10.º da base instrutória, nenhuma legitimidade assiste aos Autores, nomeadamente ao 2.° Autor, para arguir a simulação do negócio quanto à alienação da Moradia, porquanto lhes falta interesse para tal (vide os § 1 a 14 das alegações do Recorrente).
    Neste particular, afirma ainda o Recorrente a falta de interesse processual dos Autores/Recorridos para pedir ao Tribunal a quo que declare a inexistência do vício de simulação e a correspondente cominação de nulidade do negócio celebrado entre os Réus e que, como se disse, teve por objecto a moradia (vide os § 15 a §19, idem).
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    a) Sobre estas questões - suscitadas pelo Recorrente nos capítulos I e II das suas alegações, são questões novas, que não foram suscitadas e abordadas anteriormente, só agora em sede de recurso é que as veio a suscitar. Não é de aceitar esta situação já que o recurso representa um pedido de revisão da legalidade ou ilegalidade da decisão judicial feita por um órgão judicial diferente (superior hierarquicamente) ou em face de argumentos especiais feitos valer, pelo que interpor recurso significa necessariamente manifestar discordância com a decisão recorrida e a vontade de a impugnar.
    b) - Este ponto também foi levantado pelo Recorrente/1º Réu, relativamente ao qual já se pronunciarmos anteriormente e como tal mantemos a nossa decisão com os mesmos fundamentos acima produzidos, é de julgar improcedentes os argumentos aduzidos pelo Recorrente/2º Réu.
    c) Resta ver as demais questões suscitadas pelo mesmo Recorrente.
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    A – Questão da presunção judicial do Tribunal a quo:
    1) - No caso sub judice, nem o Recorrente fez a contraprova da presunção judicial, nem o mesmo demonstrou qualquer prova em contrário, tendo omitido por inteiro qualquer referência a matéria de facto em contradição ou a ilações contrárias às ditas leis da natureza - não logrando abalar, assim, a convicção derivada de tal presunção. Contrariamente, o Recorrente limitou-se a impugnar a sobredita presunção apoiando-se fundamentalmente na sua própria interpretação da resposta que foi dada aos itens ou quesitos 3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 10.° da base instrutória, do conteúdo das alíneas O) e P) dos fados assentes e do doc. 6.° da contestação do 1.° Réu (cfr. o parágrafo introdutório do Recorrente ao ponto IV das alegações), daqui retirando toda uma série de observações de índole argumentativa, especulativa e conclusiva.
    2) - Ora, "discordar de conclusão que na sentença se extraiu a partir dos factos julgados como provados e sustentar que estes evidenciam uma asserção diversa, não é o mesmo que dizer que este ou aquele facto, julgados de determinada forma, foram incorrectamente decididos e que, por isso a correspondente decisão deve ser alterada neste ou naqueloutro sentido. Atribuir erro de apreciação da prova, não ao julgamento de qualquer um dos factos, mas a afirmação feita na fundamentação da respectiva decisão [no caso sub judice, a afirmação de que o negócio que foi realizado entre o 1.° e o 2.° Réu sobre a moradia foi simulado], nenhuma valia tem, já que a dita fundamentação, não integrando a decisão propriamente dita de qualquer questão de facto, não é objecto próprio da impugnação em causa" (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.09.2011, processo n.º 456/05.5TMSNS.L1-7).
    3) - Não tendo sido ilidida a presunção judicial por ausência de contraprova ou prova em contrário, deverá claudicar o ponto IV das alegações do Recorrente, e bem assim, por maioria de razão, os pontos V e VI das alegações (§21 a §71 das alegações), julgando-se os mesmos improcedentes.
    
    4) - Com efeito, a fundamentação do Recorrente consistiu exclusivamente em procurar inquinar o processo cognitivo do juiz a partir da afirmação de que as suas ilações não têm correspondência lógica com a resposta que foi dada aos itens ou quesitos 3.º, 4.°,5.°, 6.º e 10.° da Base Instrutória, do conteúdo das alíneas O) e P) dos Factos Assentes e do doc. 6 da contestação do 1.º Réu. Dali assacando a invalidade da sentença por erro na apreciação da referida prova, violação da lei, inconsistências lógicas, etc.
    5) - Constituiria injustificável leitura formalista da prova, sem qualquer reflexo material sério, admitir-se que o Mmo. Juiz a quo se encontrasse limitado a determinado elemento probatório em concreto, em detrimento da prova globalmente considerada. Sobretudo, é bom de se ver, tendo em consideração a matéria jurídica que está em jogo, i.e., a simulação, onde a dificuldade de se produzir prova directa é reconhecidamente fastigiosa (no dizer do Acórdão do STJ de 02/07/2017, processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1, "É certo que a demonstração da simulação é quase uma "probatio diabólica", mesmo para os terceiros lesados, ou enganados").
    6) - Com efeito, é justamente neste campo, na consideração do instituto da simulação, onde relevam as chamadas regras da experiência, sendo a necessidade de recorrer a presunções agudizada pela escassez de elementos directos, como se viu. Em traços gerais, no tocante às regras da experiência convocadas pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua presunção, não se afigura que as inferências extraídas padeçam de qualquer ilogicidade, pelo que não se apurou das alegações do Recorrente, nem pouco mais ou menos, razões para que a mesma deva ceder.
    7) - Sendo que, nada impedia o Tribunal a quo de se socorrer de presunções judiciais, tanto mais que não estava precludida aos Autores, nomeadamente ao 2.° Autor, o recurso à prova testemunhal. A base da presunção judicial é um facto conhecido do qual se retira, com grande probabilidade, tendo em conta as regras da experiência, a existência do facto que se pretende provar, no caso, a simulação.
    
    7) - Importa sublinhar alguns factos mais importantes que o Tribunal recorrido considerou provados:
     
a) A venda a um empregado, o 2.° Réu, que conhecia os contornos do negócio sobre o terreno e que actuava sob as instruções do seu empregador, o 1.° Réu;
b) A venda nas vésperas da declaração de caducidade da concessão do terreno, já em pleno processo tendente a essa declaração;
c) Quando já se conhecia, sendo público e notório, a mudança de perspectiva do Governo quanto à não renovação das concessões provisórias e reversão dos respectivos terrenos, quando se dispôs de um período de tempo bem alargado, entre 2013 e 2016, para o efeito;
d) O baixo preço acordado, relativamente ao valor por que inicialmente se transmitiu a moradia, o qual, salvo uma debacle do mercado imobiliário, que se não verificou, é incompreensível! Salvo a hipótese de venda com doação, que os Réus não aventaram, sendo que, no mínimo, sempre se verificaria simulação de preço...
O Réu confessou integralmente e sem reservas a existência de simulação (vide fls. 819v e 820).
Apesar de tal confissão ter posteriormente sido declarada ineficaz (ineficácia que se restringe somente ao efeito confessórios das suas declarações) o certo é que o 1° Réu reconheceu que:
a) Que o 2.° Réu nunca lhe pagou na data da escritura mencionada em U) dos factos assentes, ou seja, da escritura de compra e venda da moradia, a título de preço da venda da Moradia, qualquer quantia;
b) Pagava salário todos os meses ao 2.º Réu, o qual trabalhava para si na compra e venda de imóveis e que quando fez a escritura mencionada em U), o 2.º Réu ainda trabalhava para si;
c) O 2.º Réu nunca tomou posse da Moradia que sempre permaneceu na disponibilidade e sob o poder do 1.º Réu desde que os Autores mormente o 2.º Autor lha entregaram;
d) O 2.º Réu limitou-se na compra e venda a que se refere na alínea U) dos factos assentes a actuar como testa de ferro do 1.° Réu e como agente fiduciário deste.

8) - Tendo sido estes os factos que serviram de base de convicção do Tribunal a quo, e encontrando-se a sentença devidamente fundamentada, nenhuma censura jurídica merece a presunção judicial infirmada no sentido de que existiu um negócio simulado entre 1.º Réu e o 2.º Réu, ora Recorrente; é de nesta conformidade manter-se a douta sentença nesta parte, julgando-se improcedentes os argumentos invocados pelo Recorrente/2º Réu nesta sede de recurso.
*
B – Ampliação do objecto do recurso pedida pelos Autores (artigo 580º/2 do CPC):
a) - Nas presentes contra-alegações os Recorridos socorreram-se da faculdade prevista no n.º 2 do artigo 590.° do CPC, feita a título meramente subsidiário, ampliando o objecto do recurso para que as questões levantadas pelos Autores sejam apreciadas, caso tal se venha a revelar necessário, nomeadamente as matérias constantes dos quesitos 7º, 14º e 15º-C, os quais deviam ficar provados (em vez de não provados nos termos decididios pelo Tribunal recorrido).

b) - Como os pedidos principais formulados pelos Autores foram julgados procedentes por este Tribunal de recurso, deixa-se de ter sentido apreciar este pedido subsidiário de ampliação do objecto de recurso, já que se perdeu o interesse nesta ordem.
c) Pelo que, fica prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação acima indicado.
d) Pelo que, nega-se provimento ao recurso interposto pelo 2º Réu por manifesto infundado, ficando prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso nesta parte formulado pelos Autores.
*
    Sintesese conclusiva:
    I – Estando em causa um negócio alegadamente simulado, que tem por objecto a compra e venda de um imóvel, pelos Autores foi formulado o pedido de requisição de informações bancárias sobre a origem de fundos para pagar o respectivo preço, pretenssão esta que foi indeferida pelo Tribunal a quo, com fundamento no sigilo bancário, decisão esta que, para além de não ter fundamentos bastantes, violou o disposto nos artigos 6º/3 e 8º/2 do CPC, o que impõe à revogação do despacho recorrido e ao consequente deferimento das diligências requeridas, só que estas se tornam supervenientemente inúteis, uma vez que, ainda que as diligências fossem indeferidas pelo Tribunal recorrido, este acabou por vir aceitar a tese dos Autores, decidindo que existe negócio simulado entre os 2 Réus.
    II – Estando em causa um negócio que tem por objecto a cessão (ou transmissão) das situações decorrentes da concessão provisória de um terreno identificado nos autos, ela é regida pelos artigos 153º e artigo 143º da Lei de Terras de 1980 (a nova lei, Lei nº 10/2013, de 2 de Setembro, veio a manter o mesmo regime), ou seja, só pode haver lugar à transmissão da posição contratual quando o originário transmissário obtivesse a competente autorização concedida pelo Governo da RAEM para este efeito, sob pena de nulidade e daí os efeitos do artigo 282º do CCM.
    III – Independentemente da natureza jurídica do acordo a que as partes atribuíram, se é uma promessa do acordo de transmissão das situações da concessão referida no II, ou se é um acordo preparatório da promessa (ou do acordo formal) da transmissão em causa, esta questão passa a ser uma questão falsa e inútil a partir do momento em que o Governo da RAEM veio a declarar definitivamente a caducidade da concessão provisória do terreno em causa, acresce ainda uma outra particularidade: o concessionário nunca chegou a pedir tal autorização junto do Governo até à declaração da respectiva caducidade, assim, o objecto do negócio é legalmente impossível, por a Lei de Terras interditar da cessão nessas circunstâqncias sem competente autorização.
    IV – Infringindo os artigos 153º e artigo 143º da Lei de Terras de 1980 (cfr. artigos 144º e 145º da Lei de Terras, Lei nº 10/2013, de 2 de Setembro), o negócio em causa é nulo e daí a condenação dos Réus a restituir tudo o que eles receberam dos Autores.
    V – Declarada a simulação do negócio celebrado entre os dois Réus, estes vieram a recorrer contra a decisão, acusando o Tribunal a quo de acionar incorrectamente o mecanismo de presunção judicial para chegar à conclusão de simulação, não apresentaram porém provas bastantes para contrariar a convicção do julgador. É de frisar que a base da presunção judicial é um facto conhecido do qual se retira, com grande probabilidade, tendo em conta as regras da experiência, a existência do facto que se pretende provar, no caso, a simulação. Não tendo sido ilidida a presunção judicial por ausência de contraprova ou prova em contrário, deverá claudicar a impugnação feita pelo Recorrente nesse sentido.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em:
    1) - Conceder provimento aos recursos interlocutórios interpostos pelo Autor/Recorrente, contra os despachos de fls. 459 e seguintes e fls. 626 e seguintes dos autos, revogando-se os mesmos. Porém, como o recurso contra a decisão do mérito é julgado parcialmente procedente nesta sede, torna-se inútil ordenar a realização das diligências requeridas pelos Autores em sede dos recursos interlocutórios.
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    2) – Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelos Autores contra o despacho de fls. 357 e seguintes.
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    3) – Conceder provimento ao recurso interposto pelos Autores contra a sentença final, revogando-se a decisão na parte recorrida, passando a decidir: “Declarar-se, por força dos argumentos acima tecidos, nulo o acordo das partes que tinha por objecto as situações da concessão do terreno identificado nos autos, e condenar os Réus a restituir aos Autores as quantias recebidas nos termos peticionados nos pedidos indicados sob as alíneas i) a ii).
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    4) – Não conhecer dos demais pedidos formulados pelos Autores por sua apreciação ficar prejudicada, ficando igualmente prejudicado o conhecimento do pedido da ampliação do objecto do recurso formulado pelos Autores.
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    5) – Negar provimento aos recursos interpostos pelos Réus, mantendo-se a decisão recorrida nesta parte respectiva.
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    6) – Manter-se o demais decidido na sentença da 1ª instância.
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    Custas pelos Recorridos (Réus), sem prejuízo das custas fixadas nas decisões sobre os recursos interlocutórios interpostos por ambas as partes.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 20 de Abril de 2023.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-adjunto)

1 Conforme a deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 14/10/2022, foi feita uma redistribuição, em 19/10/2022, dos processos pendentes, que ficavam a cargo do Dr. Lai King Hong que se aposentou em 18/10/2022, razão pela qual este processo passou a ser relatado pelo signatário.
2 Processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1 in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0efbade800b75630802580c100373870?OpenDocument,
3 Processo n.º 775/2012 do Tribunal de Segunda Instancia, in http://www.court.gov.mo/sentence/pt/13817,
4 Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, pp 93, Coimbra Editora, 1987
5 Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 506
6 Proc. n° 632/2011
7 Acs. da RL de 4/10/2001, C.J.2001, 4° vol. pag. 116 e de 5/03/2002, C.J, 2001, 2° vol. pag. 71; 8/07/2004, C.J. C.J. 2004, 4° vol, pag. 71; 21/10/2004, Proc. n° 1153/2004-9
8 Processo n.º 775/2012 do Tribunal de Segunda Instancia, in http://www.court.gov.mo/sentence/pt/13817
9 Proc.nº 632/2011
10 Acs. da RL de 4/10/2001, C.J. 2001, 4° vol, pág. 116 e de 5/03/2002, C.J., 2001, 2° vol. pág. 71; 8/07/2004, C.J. C.J. 2004, 4° vol. pág. 71; 21/10/2004, Proc. nº 1153/2004-9
11 Ac. do STJ, de 14.1.1997: BMJ, 463.º -472) .
12 Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 6.05.2014, Proc. 1225/10.6T2STC-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
13 Ac.do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.03.2011, Proc. 1517/06.97TBGMR-W.G1, disponível em www.dgsi.pt.
14 Referimo-nos ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.03.2011, Proc. 1517/06.97TTGMR-W.G1.
15 Em nossa opinião, o sigilo bancário interessa ao cliente, mas também ao banco, aspecto que normalmente não é abordado. Pense-se, por exemplo, na hipótese de o extracto bancário revelar, graças aos códigos usados para os vários tipos de movimentos, que o banco fez um adiantamento ao cliente, o qual enfrenta naquele momento dificuldades de financiamento na praça, o que põe a nu critérios porventura discutíveis de gestão do risco de crédito do banco. Idêntico raciocínio se aplica a terceiros que creditem dinheiro ou sejam pagos pela conta extractada.
16 Os receios do 2.° R. são fundados, a julgar pelo pedido que os A.A. entretanto dirigiram ao Tribunal a quo no sentido de que questionasse um banco sobre os motivos por que um residente de Hong Kong, que não é tido nem achado no litígio, terá pedido uma avaliação da Moradia a uma empresa imobiliária, após a sua aquisição pelo 2.° R. (cf. fls. 592).
17 Referimo-nos ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 6.05.2014, Proc. 1225/10/.6T2STC-A.E1. Na acção ali discutida, houve factos instrumentais alegados pelo autor: transferência do preço do negócio da conta de um dos réus (o simulador-vendedor, a que chamaremos A) para a do outro (o simulador-comprador, a que chamaremos B) em determinada época de determinado ano; pagamento cheque do preço por B a A; desconto do cheque por A em dinheiro; depósito do valor do cheque, em várias tranches, por A na conta de B, ao longo de determinado período. Vimos já, no corpo desta peça, que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.03.2011, Proc. 1517/06.97TTGMR-W.G1, versa a matéria do segredo da escrituração mercantil que não está em debate. Seja como for, das passagens desse acórdão transcritas pelos A.A. (não conseguimos localizar o texto publicado na base de dados indicada pelos A.A.) retiramos apenas que ali se prescreveu ao réu que, com quebra do segredo da escrituração mercantil, juntasse aos autos documentos alusivos ao valor do imóvel pago para compra dum imóvel, coisa que o 2.º R. na presente acção já fez.
18 Em nossa opinião, o sigilo bancário interessa ao cliente, mas também ao banco, aspecto que normalmente não é abordado. Pense-se, por exemplo, na hipótese de o extracto bancário revelar, graças aos códigos usados para os vários tipos de movimentos, que o banco fez um adiantamento ao cliente, o qual enfrenta naquele momento dificuldades de financiamento na praça, o que põe a nu critérios porventura discutíveis de gestão do risco de crédito do banco. Idêntico raciocínio se aplica a terceiros que creditem dinheiro ou sejam pagos pela conta extractada.
19 Citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-07-2014, consultado em 8 de Fevereiro de 2019, na página das Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf, disponível sob o processo n.º 825/12.4TMLSB-C.L1-7
20 Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28-04-2015, consultado em 8 de Fevereiro de 2019, na página das Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt/jtrc.nsf, disponível sob o processo nº 46/14.1TBMBR-A-C1
21 Cfr. Paulo MOTA PINTO, "A Protecção da Vida Privada e a Constituição", BFDUC, ano 2000, vol. LXXVI, pp. 174-175.
22 Consultado em 8 de Fevereiro de 2019, na página das Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt/jtrg.nsf, disponível sob o processo n.º 2730/08-2
23 Comentários ao Código de Processo Civil, I, 2ª ed., pp. 457 e 458.
24 Manual de Direito Bancário, 1998, p. 320.
25 Manual de Direito Bancário, 3ª ed., Coimbra, 2006, pp. 268 e 269.
26 Em nossa opinião, o sigilo bancário interessa ao cliente, mas também ao banco, aspecto que normalmente não é abordado. Pense-se, por exemplo, na hipótese de o extracto bancário revelar, graças aos códigos usados para os vários tipos de movimentos, que o banco fez um adiantamento ao cliente, o qual enfrenta naquele momento dificuldades de financiamento na praça, o que põe a nu critérios porventura discutíveis de gestão do risco de crédito do banco. Idêntico raciocínio se aplica a terceiros que creditem dinheiro ou sejam pagos pela conta extractada.
27 Citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-07-2014, consultado em 8 de Fevereiro de 2019, na página das Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf, disponível sob o processo n.º 825/12.4TMLSB-C.L1-7
28 Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28-04-2015, consultado em 8 de Fevereiro de 2019, na página das Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt/jtrc.nsf, disponível sob o processo n.º46/14.ITBMBR-A.C1
29 Cfr. Paulo MOTA PINTO, "A Protecção da Vida Privada e a Constituição", BFDUC, ano 2000, vol. LXXVI,
pp. 174-175.
30 Consultado em 8 de Fevereiro de 2019, na página das Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt/jtrg.nsf, disponível sob o processo n.º 2730/08-2
31 Comentários ao Código de Processo Civil, I, 2ª ed., pp. 457 e 458.
32 Manual de Direito Bancário, 1998, p. 320.
33 Manual de Direito Bancário, 3ª ed., Coimbra, 2006, pp. 268 e 269.
34 Vide pág.23 da sentença.
35 O dinheiro e a moradia, ou o valor desta, caso a recuperação em espécie não fosse possível.
36 Vide, p. 21 do acórdão da matéria de facto.
37 Vide, p. 23 do acórdão da matéria de facto.
38 Vide, p. 22 da sentença.
39 Vide, pp. 20, 23, 24 do acórdão da matéria de facto, e pp. 21 a 23 da sentença.
40 RLJ, 103.º-13.
41 O diferencial declarou, na mesma data, 6 de Novembro de 2013, o 2.º A. transferi-lo, em espécie, através da moradia, cujo valor foi fixado em HKD120.000.000,00.
42 Pires de Lima/Antunes Varela, vol. 1, anot. n.ºs 3 e 6 ao art.° 394.º.
43 Um indício que, como tal, não dispensa, a quem dela se pretenda prevalecer, a prova da ocorrência do negócio oculto. É essa prova que a actual lei de terras dispensa, ao fazer equivaler à transmissão das situações emergentes da concessão por arrendamento provisória a outorga de procurações irrevogáveis.
44 Vaz Serra, apud Mota Pinto/Pinto Monteiro, p. 13.
45 Ib..
46 Recordamos aqui a nota 1 supra. Os pedidos consignados pelos Recorrentes não são reprodução fiel dos pedidos (i) a (v) com que concluíram a suas alegações de direito na Primeira Instância, nem o que pediram em (i) a (iv), a final da pi..
47 v. nota 1.
48 É um facto, relatado nas alegações dos Recorrentes, que esta testemunha, quando perguntada, revelou que recebera uma comissão do 1.º Recorrido pela realização do negócio deste com os Recorrentes; pelo contrário, a testemunha R disse que ajudou o 2.º Recorrido graciosamente, mas é contra as regras da experiência comum (então em Macau! ... ) acreditar que só teria trabalhado por amor à arte. A admissão do Sr. G, quanto a este ponto, abona em favor da sua sinceridade, o mesmo não podendo dizer-se do Sr. R.
49 Naquela altura, a variante "acordo preliminar" ainda não estava no horizonte.
50 Veja-se que essa publicação é de 4 de Janeiro de 2017 (alínea S) dos Factos Assentes) e a p.i. (já corrigida) tem data de 21 de Novembro de 2017.
51 O Sr. G alude ao risco de o 1.° Recorrido ceder a pressão dos filhos, subentendendo-se que, nessa situação, ele podia ser tentado a revogar a procuração, uma vez que, se bem que irrevogável, o respectivo texto não o estatuía expressamente, ou transmitir o "direito desenvolvimento para uma terceira pessoa", o que deve ser interpretado como o 1.° Recorrido emitir uma segunda procuração a favor doutra pessoa. Este tema foi já tratado no parágrafo 87 supra.
52 Porque era preciso fazer acreditar que o empréstimo de MOP$370,800,000.00 da 1.ª Recorrente ao 1.° Recorrido era verdade e, para tanto, tinha de existir uma hipoteca, uma vez que não se empresta esse dinheiro sem uma garantia real.
53 Citamos a instância do Ilustre Mandatário dos Recorrentes, a fls. 144 das sua alegações: " ... essa hipoteca, essa confissão de dívida visavam garantir apenas essa situação, ou seja, no caso do Sr. Lau falecer ... [ou a hipoteca] visava também proteger o Sr. JMS ou a "Kam Loi" para o caso de o Governo não autorizar essa transmissão, ou para o caso do Governo por ventura vir a declarar a caducidade do terreno ... ".
54 Notamos que o documento que as alegações dos Recorrentes citam não é o que se lhes encontra junto, intitulado "Consulta", ou seja, não é o Parecer. Veja-se que a nota de rodapé 50, a fls. 30 das alegações, e que é suposto reproduzir a nota 60 (não 50) do Parecer, a fls. 18 do Parecer, não o faz fielmente; o mesmo acontece com a nota 61, a fls. 40 das alegações, que devia reproduzir a nota 73 (não 61), a fls. 22 do Parecer, mas não a transpõe correctamente; o parágrafo "E do mesmo passo, atenta a discussão da matéria de facto, ... " (fls. 43 das alegações) não copia bem o correspondente parágrafo a fls. 25 do Parecer. Estes são apenas alguns exemplos de um número significativo de discrepâncias. Por essa razão, as transcrições feitas nas alegações devem ser cotejadas com o próprio Parecer.
55 E tendo presente o que sobre essa procuração se discorreu nas alegações de direito apresentadas pelo 2.° Recorrido (v. respectivo parágrafo 12) e pelos Recorrentes (v. fls. 919v, 920 e 923 dos autos).
56 O Parecer nunca usa a expressão "pagamento do preço" e, muito menos, "pagamento do preço à cabeça" ou similar, mas os eufemismos "movimentação de fundos" (fls. 26), ou "fundos antecipados" (fls. 37), ou "fundos entregues" (fls. 38, 40 e 61), ou "entrega dos fundos" (fls. 39), ou "fundos adiantados" (fls. 39 e 61) ou "valores entregues" (fls. 62) ou "antecipação dos fundos" (fls. 66 e conclusão HH)). O mesmo acontece com as alegações dos Recorrentes que recorrem a expressões como "transferência dos fundos patrimoniais" e "deslocação patrimonial” (fls. 111).
57 Recordamos aqui a nota 2 supra. Os pedidos consignados pelos Recorrentes não são reprodução fiel dos pedidos (i) a (v) com que concluíram as suas alegações de direito na Primeira Instância, nem o que pediram em (i) a (iv), a final da pi ..
58 v. nota 2 supra.
59 É um facto, relatado nas alegações dos Recorrentes, que esta testemunha, quando perguntada, revelou que recebera uma comissão do 1.º Recorrido pela realização do negócio deste com os Recorrentes; pelo contrário, a testemunha R disse que ajudou o 2.° Recorrido graciosamente; mas é contra as regras da experiência comum (particularmente em Macau) acreditar que só teria trabalhado por amor à arte. A admissão do Sr. G, quanto a este ponto, abona em favor da sua sinceridade, o mesmo não podendo dizer-se do Sr. R.
60 Naquela altura, a variante "acordo preliminar" ainda não estava no horizonte.
61 Veja-se que essa publicação é de 4 de Janeiro de 2017 (alínea S) dos Factos Assentes) e a p.i. (já corrigida) tem data de 21 de Novembro de 2017.
62 O Sr. G alude ao risco de o 1.° Recorrido ceder à pressão dos filhos, subentendendo-se que, nessa situação, ele podia ser tentado a revogar a procuração, uma vez que, se bem que irrevogável, o respectivo texto não o estatuía expressamente; ou transmitir o "direito de desenvolvimento para uma terceira pessoa", o que deve ser interpretado como o 1.º Recorrido emitir uma segunda procuração a favor doutra pessoa. Este tema foi já tratado no §. 112 supra.
63 Porque era preciso fazer acreditar que o empréstimo de MOP$370,800,000.00 da 1ª Recorrente ao 1.° Recorrido era verdade e, para tanto, tinha de existir uma hipoteca, uma vez que não se empresta esse dinheiro sem uma garantia real.
64 Citamos a instância do Ilustre Mandatário dos Recorrentes, a fls. 144 das sua alegações: " ... essa hipoteca, essa confissão de dívida visavam garantir apenas essa situação, ou seja, no caso do Sr. Lau falecer ... [ou a hipoteca] visava também proteger o Sr. JMS ou a "Kam Loi" para o caso de o Governo não autorizar essa transmissão, ou para o caso do Governo por ventura vir a declarar a caducidade do terreno ... ?"
65 José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.°, Coimbra Editora, pág. 35.
66 José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.°, Coimbra Editora, pág. 35.
67 Consultado em 14 de Outubro de 2020, na página das Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf, disponível sob o processo n.º 317/07-2.
68 Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/39DDA00B0AC3CA91802572D40046A26A
69 Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 6.05.2014, Proc. 1225/10.6T2STC-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
70 Ac.do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.03.2011, Proc. 1517/06.97TBGMR-W.G1, disponível em www.dgsi.pt.
71 «O que já não parece ser tão certo é que obrigação é essa.
A hipoteca foi constituída para garantir um mútuo ou o cumprimento de uma obrigação de cumprir decorrente de um contrato de promessa.
O que os Autores nos vêm dizer é que acertaram a compra e venda do terreno pelo valor de HKD360.000.000,00, pagaram o preço que seria devido pela compra e para garantir que o promitente vendedor não vendia o terreno a outro constituíram uma hipoteca sobre o terreno e para o caso de isso só não ser suficiente o promitente vendedor confessou-se devedor também da quantia que recebeu.
A ser assim, então, o que os Autores vêm dizer é que o mútuo é simulado, ou seja, a 1ª Autora nunca quis emprestar dinheiro ao 1º Réu, o que a 1ª Autora fez foi pagar-lhe o preço devido pela compra e venda do terreno e o 1º Réu ficava obrigado a transmitir para a 1ª Autora o terreno o que não fez.
Isto é, o que a 1ª Autora vem invocar é que o negócio celebrado com o 1º Réu é simulado!
Onde as partes divergem é qual seria o negócio dissimulado.
Para os Autores era uma promessa de compra e venda com o pagamento integral do preço, para os Réus foi efectivamente uma compra e venda.» cit do Acórdão sobre a matéria de facto a fls. 902.
72 Veja-se Dicionário da Língua Portuguesa de 2009, Dicionários Editora, Porto Editora, pág. 1276.
73 Para além de que no caso em apreço nem prova testemunhal para o provar foi feita, como consta do Acórdão da matéria de facto.
74 Neste sentido veja-se obra citada a pág. 122/123: “O nosso legislador, porém, consagrou expressamente solução contrária, dispondo que “não obsta à impugnação a nulidade do acto realizado pelo devedor” (art. 615.º, n.º 1, do C.C.). Para esta solução contribuiu a dificuldade do credor muitas vezes provar a existência do vício que afecta o acto nulo, nomeadamente no caso dos negócios simulados, e a circunstância da impugnação pauliana produzir efeitos mais favoráveis ao credor que a acção de nulidade. Enquanto a nulidade apenas obriga o terceiro adquirente a restituir ao devedor o que recebeu, quando este estiver em condições de também devolver o recebido (art. 289.º e 290.º do C.C.), na pauliana, o credor pode executar imediatamente no património do terceiro adquirente os bens por este recebidos, podendo ele só posteriormente tentar reaver do devedor o que lhe cedeu, mediante condições (art. 616.º e 617.º, do C.C.).
Perante a faculdade concedida pelo art. 615.º, n.º 1, do C.C., o credor, face a um acto nulo em que se verificam os requisitos da impugnação pauliana, pode optar entre invocar a sua nulidade ou limitar-se a impugná-lo, ignorando o vício que o afecta.”

75 Diz-se os Réus porque no pedido não se identifica contra qual deles se dirigem estes pedidos, pelo que, em benefício da segurança jurídica se tem de entender serem dirigidos contra os dois.
76 Diz-se os Réus porque no pedido não se identifica contra qual deles se dirigem estes pedidos, pelo que, em benefício da segurança jurídica se tem de entender serem dirigidos contra os dois.
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