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Processo n.º 740/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 26 de Abril de 2023

Assuntos:
- Novo prazo para apresentar nova PI quando a Recorrente escolheu mal o acto administrativo recorrido

SUMÁRIO:
I – Se da leitura da petição inicial e dos fundamentos de facto e de direito do recurso contencioso que nela são explanados não pode resultar qualquer dúvida de que a Recorrente pretendeu dirigir a sua reacção contenciosa contra o acto que aplicou a dita sanção, atacando, em exclusivo, os seus pressupostos e não já os da decisão de reclamação, há, portanto, um erro da Recorrente na escolha do acto recorrido.
II – Esse erro não pode ter-se por manifestamente indesculpável face aos critérios densificadores da indesculpabilidade. Seja, porque o erro não é causador de dificuldade na apreensão pelo julgador do real objecto do recurso, é dizer, do acto a que a Recorrente dirige efectivamente a sua censura; seja, porque o erro em causa se não pode apelidar de crasso, notório, grosseiro ou escandaloso, tendo em vista, nomeadamente, os termos em que foi efectuada a notificação do acto aplicativo da multa na parte concernente aos meios de impugnação graciosa e contenciosa à disposição da Recorrente.
III - Quando a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso, ainda não estava exaurido o prazo para a impugnação contenciosa do acto recorrível, ou seja, do acto da Entidade Recorrida que lhe aplicou a multa aqui em causa, uma vez que ele pediu apoio judiciário o que interrompeu todo o prazo decorrido para efeitos da contagem do prazo para interposição do competente recurso contencioso. Ou seja, a Recorrente foi notificada desse mesmo acto em 22/10/2021 e em 5/11/2021 requereu o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, dessa forma interrompendo o prazo para a interposição do recurso contencioso nos termos previstos no n.º 2 do artigo 20.º da lei n.º 13/2012 e inutilizando todo o prazo então decorrido.
IV - Tendo sido deferido o pedido de apoio judiciário, o prazo iniciou nova contagem a partir da data em que a decisão da Comissão de Apoio Judiciário se tornou inimpugnável, face ao que disposto no n.º 3 do artigo 20.º do mesmo diploma legal, o que, de acordo com a informação constante de fls. 78 dos presentes autos, ocorreu no dia 9 de Março de 2022, pelo que, quando a petição inicial do presente recurso contencioso deu entrada na secretaria do Tribunal Administrativo, em 8 de Abril de 2022, o prazo para a interposição do recurso do acto recorrível ainda não estava esgotado.
V – Nestes termos, a decisão de rejeição liminar proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada e ordenar-se que seja proferida nova decisão no sentido de convidar a Recorrente para rectificar as deficiências detectadas na PI, nomeadamente para identificar, correctamente, o objecto do recurso contencioso (acto administrativo recorrido).
O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong



Processo n.º 740/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 26 de Abril de 2023

Recorrente : A

Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial (初端駁回起訴狀之批示)

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 21/04/2022 (fls. 8), veio, em 15/06/2022, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 16 a 20, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 除了表示應有的尊重外,上訴人不能認同被上訴判決所持之理由。
2. 首先,按上訴人的理解,《行政程序法典》第70條的規定旨在讓利害關係人清楚行政行為是否為確定行為、是否可以針對其提起司法上訴以及應向哪裡提起司法上訴。
3. 然而,旅遊局局長於上述第2107222/DST-DI-AI/OFI/2021之公函通知上訴人可以自接到第850/AI/2021號通知令之日起三十天內針對上述駁回聲明異議的決定提起司法上訴,但實質上駁回聲明異議的決定並不其可訴性。
4. 旅遊局局長於上述第2107222/DST-DI-AI/OFI/2021之公函通知上訴人可以自接到第850/AI/2021號通知令之日起三十天內針對上述駁回聲明異議的決定提起司法上訴,誤導了上訴人可於接收上述通知起三十天內針對上述,駁回聲明異議的決定提起司法上訴,使上訴人對決定的可訴性產生了錯誤。
5. 然而,作為一個普通市民,上訴人沒有義務熟悉法律,也不能理解何謂“中止效力”。
6. 所以必須強調,在對旅遊局發出的公函內容產生確信的情況下,上訴人的過錯程度較低,屬可宥恕之錯誤。
7. 根據《民事訴訟法典》第111條第6款規定:“在任何情況下,不得使當事人因辦事處所犯之錯誤及其不作為而受損害。”
8. 尊敬的終審法院於2019年04月04日第30/2019號案對行政司法裁判的上訴案合議庭裁判中作出如下論述:“我們認為《民事訴訟法典》中的上述規定是一項不僅適用於法院辦事處,而且也適用於負責就可被提起申訴的行政行為作出通知的行政部門的一般性原則。”
9. 再者,上訴人適時於法定期間內提起司法上訴。
10. 因此,即使上訴人因旅遊局局長的錯誤引導,而針對了一不具可訴性之行為提起司法上訴,亦應當視上訴人是於法定期間內提起該司法上訴。
11. 作為補充,既然正如被上訴判決中所述,上述第2107222/DST-DI-AI/OFI/2021之公函內所作的駁回聲明異議的決定無變更被異議之行為的依據,亦不應只因形式上針對錯誤標的提起司法上訴而拒絕審理,使確信上述公函內容及適時提訴的私人受損。
12. 而這樣使上訴人失去提起司法上訴的機會,顯然是不合理的。
13. 因為,上訴人不應因旅遊局局長的誤導,使上訴人對決定的可訴性產生了錯誤而受損害。
14. 基於此,被上訴判決違反了《民事訴訟法典》第111條第6款以及明顯違反了《行政程序法典》所規定的合法性原則,根據《行政程序法典》第124條之規定,屬可撤銷。
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls.81 a 84 dos autos, pugnando:
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que convide a Recorrente a aperfeiçoar a petição inicial, identificando, correctamente, o acto administrativo recorrido.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
    - Em 21/07/2021 a Recorrente recebeu o ofício registado sob o nº 522/AI/2021, da DST, pelo qual se informou que a fracção autónoma aí referida foi servir de pensão ilegal, e relativamente à qual a Recorrente era arrendatária;
    - Em 28/07/2021 a Recorrente apresentou uma carta de explicação à Entidade Recorrida;
    - Em 24/09/2021 pelo Subdirector da DST foi proferida a decisão pela qual se aplicou à ora Recorrente uma multa no valor de MOP$200,000.00;
    - Em 27/10/2021 pela Recorrente foi apresentada reclamação para a Entidade Recorrida;
    - Por despacho da Senhora Directora da DST, proferido em 08/11/2021, foi indeferida a referida reclamação, tendo-se sido mantida a decisão sancionatória.
    Ou seja:
- A Recorrente foi notificada do acto punitivo no dia 22 de Outubro de 2021;
- No dia 5 de Novembro de 2021 ela requereu o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono (ficava dessa forma interrompido o prazo para a interposição do recurso contencioso nos termos previstos no n.º 2 do artigo 20.º da lei n.º 13/2012 e inutilizando todo o prazo então decorrido);
- Tendo sido deferido o pedido de apoio judiciário, o prazo iniciou nova contagem a partir da data em que a decisão da Comissão de Apoio Judiciário se tornou inimpugnável (face ao que disposto no n.º 3 do artigo 20.º do mesmo diploma legal, o que, de acordo com a informação constante de fls. 78 dos presentes autos, ocorreu no dia 9 de Março de 2022);
- Quando a petição inicial do presente recurso contencioso deu entrada na secretaria do Tribunal Administrativo, em 8 de Abril de 2022, o prazo para a interposição do recurso do acto recorrível ainda não estava esgotado.
    - Em 08/04/2022 foi interposto recurso contencioso junto do TA;
    - Por despacho de 21/04/2022 foi liminarmente indeferida a PI do Recorrente pelo juiz do TA;
    - Contra tal despacho foi interposto recurso jurisdicional para este TSI em 10/05/2022.
    
* * *
    IV - FUNDAMENTOS
É o seguinte despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal de primeira instância:

司法上訴人清晰無訛地表示,本司法上訴所針對的標的為旅遊局局長於2021年11月8日第2107222/DST-DI-AI/OFI/2021號公函內所作的駁回就此前科處罰款澳門幣20萬元的處罰決定提出之聲明異議的決定。此外,司法上訴人在起訴狀請求部分還明確訴請法院撤銷該一行為。
從其陳述事由可知,被上訴實體系根據第3/2010號法律《禁止非法提供住宿》第10條第1款規定因應司法上訴人屬“控制用作非法提供住宿的樓宇或獨立單位者”,對之科處罰款處分。而司法上訴人遂就該處罰決定提起聲明異議。儘管未有明述,但毫無疑問,該聲明異議系《行政程序法典》第148條所指的申訴手段,非屬必要行政申訴,因立法者並無特別規定以之作為行政訴願或司法上訴的前置救濟手段。
如我們所知,根據《行政訴訟法典》第31條第1款的規定,對單純確認行為不可提起司法上訴,而同一條文第2款指出,“就必要行政申訴作出決定之行為,不具單純確認行為之性質。”
除此之外,對於非必要行政申訴作出決定之行為,倘若行政機關“創新性的”增加或變更被異議之行為的事實及法律依據,則同樣不可界定為單純確認行為。對此,無論司法判例還是學說都已指出:“單純確認行為是指源自同一行政機關,針對同一對象,依託於相同的事實及法律前提的,複述前一行政行為之內容,且法律無明文要求對行為之前提予以覆核的行為。”(見Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, anotado, CFJJ, 2015, p.121)
本案中,被上訴實體於2021年11月8日在上指第2107222/DST-DI-AI/OFI/2021號公函內所作的駁回聲明了異議的決定顯然屬於不具可訴性的單純確認行為—其既無對必要行政申訴作出決定,又無變更被異議之行為的依據。儘管在該公函內,被上訴實體指司法上訴人“可自接到第850/AI/2021號通知令之日起三十天內就本決定向行政法院提出司法上訴”,似有引導司法上訴人對該公函所載之決定提起司法上訴之意。但是,司法上訴人在適切的訴訟代理下,似乎更應對公函所載的行為具備識別和判讀能力。再者,行政當局的舉動縱使存在誤導成分,也不能改變對其行為應作之法律定性,包括是否具可訴性。
為此,法院裁定:
因被上訴行為不具備可訴性,初端駁回本司法上訴(見《行政訴訟法典》第46條第2款c)項及第31條第1款的規定)。
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訴訟費用由司法上訴人承擔,司法費訂為4個UC,但因司法上訴人之司法援助請求已獲得批准,無需支付本案之訴訟費用。
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登錄及作出通知。
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Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do acto da Directora dos Serviços de Turismo que lhe indeferiu a reclamação por si apresentada do acto da mesma Entidade que lhe aplicou uma multa de MOP$200,000.00 em resultado da prática da infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010 que proíbe a prestação ilegal de alojamento.
O Tribunal Administrativo, por douto despacho liminar que se encontra a fls. 8, rejeitou o recurso contencioso com fundamento no n.º 1 do artigo 31.º e na alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC, por ter considerado que o acto recorrido tem natureza meramente confirmativa.
Inconformada com o dito despacho veio a Recorrente contenciosa interpor o presente recurso jurisdicional pugnando pela respectiva revogação e pela sua substituição por outro que, admitindo a petição inicial do recurso contencioso, determine o ulterior prosseguimento dos autos.
2.
(i)
Do disposto no n.º 1 do artigo 31.º do CPAC decorre a regra da irrecorribilidade do chamado acto meramente confirmativo, ou seja, de acordo com uma formulação corrente, do acto que emanado ma mesma entidade e dirigindo-se ao mesmo destinatário repete o conteúdo de um acto anterior, perante pressupostos de facto e de direito idênticos e sem que o reexame desses pressupostos decorra de revisão imposta por lei.
Excepcionalmente, no entanto, e como também resulta do citado inciso legal, os actos meramente podem ser impugnados. Tal sucederá desde que com o facto de o autor não impugnado o acto confirmado, se cumule uma das seguintes circunstâncias: não ter sido o recorrente notificado do acto anterior ou não ter sido esse acto (que não carecesse de notificação) sido publicado (nestes termos, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Coimbra, 2006, p. 358).
Existe um tranquilo consenso no que tange à razão de ser da regra da inimpugnabilidade dos actos meramente confirmativos e que igualmente justifica as apontadas excepções. Visa-se, no essencial, a estabilidade das situações jurídicas, uma vez que a mesma poderia ser posta em causa se se permitisse aos particulares impedir a consolidação dos actos anuláveis provocando novas decisões sobre o mesmo assunto (veja-se, neste sentido, VIRIATO LIMA/ÁLVARO DANTAS, Código de Processe Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, Macau, 2015, p. 122 e os autores aí citados).
(ii)
(ii.1)
A natureza meramente confirmativa do acto, implicando a respectiva irrecorribilidade, constitui fundamento de rejeição liminar do recurso contencioso que do mesmo venha a ser interposto. É o que resulta do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
Em regra, portanto, perante a irrecorribilidade do acto não pode o juiz deixar de rejeitar o recurso contencioso.
(ii.2)
No entanto, a jurisprudência vem admitindo, que, quando possível, em alternativa à rejeição liminar, tenha lugar prolação de um despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 2, alínea f) a contrario do CPAC e do artigo 6.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1.º do CPAC.
Isto, no essencial, por apelo ao princípio geral do favorecimento processual ou pro actione, que encontra afloramento em diversas normas do CPAC e que mais não é senão uma concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva expressamente consagrado no artigo 2.º daquele diploma legal, o qual que impõe a recusa de interpretações meramente formalistas das normas processuais e que considere, como regra, a sanação dos vícios meramente formais, privilegiando, sempre que possível, a prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma.
Tal acontecerá, nomeadamente e para o que agora interessa, quando da petição inicial do recurso contencioso resulte evidenciada a existência de um erro do recorrente na identificação do acto recorrido, é dizer, quando, do referido articulado resulte que o recorrente pretendeu atacar uma determinada decisão administrativa que é impugnável e contra a qual reportam os vícios que alegam no recurso, mas elegeu como objecto do recurso, não esse acto contra o qual pretende reagir, mas outro desprovido da indispensável característica da impugnabilidade, embora praticado pela mesma autoridade administrativa.
Nessa situação, não haverá «qualquer incerteza quanto ao objecto mediato, quanto às partes ou quanto à causa de pedir, sendo que a correcção da identificação do acto contenciosamente impugnável não implica a modificação de qualquer desses outros elementos da instância» e por isso será de entender que «a falta do pressuposto – acto recorrível – é sanável» [nestes termos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Pleno da Secção) de 3.7.2007, processo 46262 e, no mesmo sentido, os acórdão do mesmo Tribunal (Pleno da Secção) de 29.5.2007, processo n.º 514/05 e de 12.3.2008, processo n.º 654/08].
Além disso, será de exigir, ainda de acordo com a orientação jurisprudencial que vimos a seguir, que o erro na identificação do acto recorrido não seja manifestamente indesculpável, por aplicação do critério legal decorrente da alínea f) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC concernente ao erro na identificação do autor do acto.
Ora, sobre isto, vem-se entendendo, segunda uma certa orientação, que «a manifesta indesculpabilidade ou censurabilidade do erro (…), deverá reflectir necessariamente uma incapacidade ou dificuldade de apreensão pelo julgador do real objecto do recurso, ou seja, do acto a que o recorrente dirige efectivamente a sua censura, devendo considerar-se desculpável o erro de identificação sempre que dos termos da petição possa divisar-se, sem dúvida, o verdadeiro (ainda que incorrectamente designado) objecto da impugnação» [nestes termos, veja-se o acórdão do STA (Pleno da Secção) de 29.5.2007, processo n.º 514/05, que segue o ensinamento de JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, em Errada identificação do acto recorrido. Direcção do processo pelo juiz. Efectividade da Garantia Constitucional de recurso contencioso. Repressão da violação da legalidade, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 54, Volume III, Dezembro de 1994, pp. 868-870], ou então, de acordo com um outro entendimento, que se deve considerar manifestamente indesculpável o erro grosseiro, escandaloso, crasso, notório, aquele em que uma pessoa diligente e medianamente atinada não deveria cair se colocada na posição do recorrente (assim, cfr. acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 1.12.2011, processo n.º 6/2010).
Finalmente, cremos que só será possível o convite ao aperfeiçoamento nas situações em que, no momento da interposição do recurso contencioso, o recorrente ainda esteja em tempo para impugnar o acto recorrível que não figura na petição inicial como acto recorrido e em que, portanto, este ainda se não tenha estabilizado ou consolidado na ordem jurídica como caso decidido (aliás e como vimos, é para preservação da estabilidade associada ao decurso do prazo da impugnação do acto confirmado que se não admite, como regra, o recurso de acto meramente confirmativo), uma vez que, se assim não for, o convite ao aperfeiçoamento redundará num acto inútil dada a verificação, nesse caso, da excepção da caducidade do direito de recurso quanto ao acto recorrível.
(iii)
Revertendo à situação dos autos.
Estamos com o Meritíssimo Juiz a quo na acertada qualificação a que procedeu do acto recorrido como acto meramente confirmativo. Com efeito, estando em causa o acto que decidiu, indeferindo, uma reclamação facultativa do acto recorrível que aplicou à Recorrente uma sanção administrativa de multa, sem ter mexido nos respectivos fundamentos, não merece controvérsia que se trata de acto meramente confirmativo.
Por outro lado, da leitura da petição inicial e dos fundamentos de facto e de direito do recurso contencioso que nela são explanados não pode, em nosso modesto entendimento, resultar qualquer dúvida de que a Recorrente pretendeu dirigir a sua reacção contenciosa contra o acto que aplicou a dita sanção, atacando, em exclusivo, os seus pressupostos e não já os da decisão de reclamação. Houve, portanto, um erro da Recorrente na identificação do acto recorrido.
O mencionado erro não pode, segundo cremos, ter-se por manifestamente indesculpável face aos critérios densificadores da indesculpabilidade que antes referimos. Seja, porque o erro não é causador de dificuldade na apreensão pelo julgador do real objecto do recurso, é dizer, do acto a que o recorrente dirige efectivamente a sua censura; seja, porque o erro em causa se não pode apelidar de crasso, notório, grosseiro ou escandaloso, tendo em vista, nomeadamente, os termos em que foi efectuada a notificação do acto aplicativo da multa na parte concernente aos meios de impugnação graciosa e contenciosa à disposição da Recorrente.
Finalmente, quando a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso, ainda não estava exaurido o prazo para a impugnação contenciosa do acto recorrível, ou seja, do acto da Entidade Recorrida que lhe aplicou a multa aqui em causa. Na verdade, a Recorrente foi notificada desse mesmo acto no dia 22 de Outubro de 2021 e no dia 5 de Novembro de 2021 requereu o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, dessa forma interrompendo o prazo para a interposição do recurso contencioso nos termos previstos no n.º 2 do artigo 20.º da lei n.º 13/2012 e inutilizando todo o prazo então decorrido. Tendo sido deferido o pedido de apoio judiciário, o prazo iniciou nova contagem a partir da data em que a decisão da Comissão de Apoio Judiciário se tornou inimpugnável, face ao que disposto no n.º 3 do artigo 20.º do mesmo diploma legal, o que, de acordo com a informação constante de fls. 78 dos presentes autos, ocorreu no dia 9 de Março de 2022, pelo que, quando a petição inicial do presente recurso contencioso deu entrada na secretaria do Tribunal Administrativo, em 8 de Abril de 2022, o prazo para a interposição do recurso do acto recorrível ainda não estava esgotado.
3.
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que convide a Recorrente a aperfeiçoar a petição inicial, identificando, correctamente, o acto administrativo recorrido.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
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Quid Juris?
A leitura dos factos feita na douta argumentação do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI representa uma leitura possível, mas neste caso frisamos os seguintes aspectos:
a) – Em primeiro lugar, o regime de rejeição liminar do requerimento em processo contencioso encontra-se previsto no artigo 46º do CPAC, à luz do qual só em casos muito evidentes é que se aconselha lançar mão do mecanismo de indeferimento liminar da PI, pois durante a tramitação processual, existe sempre a possibilidade de invocar outros vícios que conduzam à nulidade da decisão atacada, circunstância esta que não se verifica nos processos cíveis.
b) – Em segundo lugar, da leitura da petição inicial e dos fundamentos de facto e de direito do recurso contencioso que nela são explanados não pode, resultar qualquer dúvida de que a Recorrente pretendeu dirigir a sua reacção contenciosa contra o acto que aplicou a dita sanção, atacando, em exclusivo, os seus pressupostos e não já os da decisão de reclamação, há assim um erro da Recorrente na escolha do acto recorrido, resultante informação fornecida pela Administração.
c) – Como ainda não estava exaurido o prazo legal para efeito de interposição do recurso, quando este foi interposto no TA, justifica-se conceder à Recorrente um novo prazo para que ela possa corrigir as “falhas” cometidas (cfr. acórdão do TUI, de processo nº 26/2004, de 10 de Junho).
d) – Assim, fazendo ao apelo ao princípio da economia processual, e tendo em conta que a competência do tribunal pertence ao TA quer se refere ao acto “originário” quer ao acto meramente confirmativo, justifica-se lançar mão de aproveitamento dos actos praticados (ex. processo já autuado, registado e distribuído) e assim é de revogar a decisão recorrida, ordenando que seja convidada a Recorrente para vir a rectificar as “falhas” cometida, nomeadamente para vir a identificar correctamente o objecto do recurso no prazo a fixar pelo juiz do TA ao abrigo do disposto no artigo 51º do CPAC.
Pelo que, julga-se procedente o recurso, ordenando-se a baixa do processo para o TA para que seja proferido novo despacho de convite para rectificar as deficiências da PI nos termos acima fixados.
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Síntese conclusiva:
I – Se da leitura da petição inicial e dos fundamentos de facto e de direito do recurso contencioso que nela são explanados não pode resultar qualquer dúvida de que a Recorrente pretendeu dirigir a sua reacção contenciosa contra o acto que aplicou a dita sanção, atacando, em exclusivo, os seus pressupostos e não já os da decisão de reclamação, há, portanto, um erro da Recorrente na escolha do acto recorrido.
II – Esse erro não pode ter-se por manifestamente indesculpável face aos critérios densificadores da indesculpabilidade. Seja, porque o erro não é causador de dificuldade na apreensão pelo julgador do real objecto do recurso, é dizer, do acto a que a Recorrente dirige efectivamente a sua censura; seja, porque o erro em causa se não pode apelidar de crasso, notório, grosseiro ou escandaloso, tendo em vista, nomeadamente, os termos em que foi efectuada a notificação do acto aplicativo da multa na parte concernente aos meios de impugnação graciosa e contenciosa à disposição da Recorrente.
III - Quando a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso, ainda não estava exaurido o prazo para a impugnação contenciosa do acto recorrível, ou seja, do acto da Entidade Recorrida que lhe aplicou a multa aqui em causa, uma vez que ele pediu apoio judiciário o que interrompeu todo o prazo decorrido para efeitos da contagem do prazo para interposição do competente recurso contencioso. Ou seja, a Recorrente foi notificada desse mesmo acto em 22/10/2021 e em 5/11/2021 requereu o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, dessa forma interrompendo o prazo para a interposição do recurso contencioso nos termos previstos no n.º 2 do artigo 20.º da lei n.º 13/2012 e inutilizando todo o prazo então decorrido.
IV - Tendo sido deferido o pedido de apoio judiciário, o prazo iniciou nova contagem a partir da data em que a decisão da Comissão de Apoio Judiciário se tornou inimpugnável, face ao que disposto no n.º 3 do artigo 20.º do mesmo diploma legal, o que, de acordo com a informação constante de fls. 78 dos presentes autos, ocorreu no dia 9 de Março de 2022, pelo que, quando a petição inicial do presente recurso contencioso deu entrada na secretaria do Tribunal Administrativo, em 8 de Abril de 2022, o prazo para a interposição do recurso do acto recorrível ainda não estava esgotado.
V – Nestes termos, a decisão de rejeição liminar proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada e ordenar-se que seja proferida nova decisão no sentido de convidar a Recorrente para rectificar as deficiências detectadas na PI, nomeadamente para identificar, correctamente, o objecto do recurso contencioso (acto administrativo recorrido).

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Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos ao TA para que seja convidada a Recorrente para os fins acima fixados, inexistindo obstáculo legal.
*
Sem custas nesta instância.
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Notifique e Registe.
*
RAEM, 26 de Abril de 2023.

Fong Man Chong
(Relator)

Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)

Fui presente,
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado do Coordenador)
2022-740-identificação-acto-recorrido 1