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Processo n.º 263/2022
(Autos de recurso contencioso)

Data: 4/Maio/2023

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Chefe do Executivo

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos (doravante designada por “recorrente”), notificada do despacho do Exm.º Senhor Chefe do Executivo que aceitou o pedido de troca de informações fiscais formulado pela República Federativa do Brasil e, em consequência, foi-lhe exigida a prestação da informação requerida, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
     “A recorrente, enquanto anterior liquidatária da B, não está vinculada pela lei em vigor a entregar a informação que lhe foi pedida pela DSF na Notificação, nem o pedido de troca de informações poderia ter legalmente sido aceite pelo Senhor Chefe do Executivo nos termos em que foi formulado, porque:
     A. A B não está sob investigação das autoridades fiscais brasileiras e não está sequer sujeita a imposto no Brasil, pelo que não se encontra abrangida pela obrigação de prestação de informações prevista na Convenção – segundo o disposto no art. 1º, n.º 3 da Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativo Mútua em Matéria Fiscal, da OCDE, ao abrigo da qual o Brasil terá feito o pedido de troca de informações.
     B. A informação pedida não é informação previsivelmente relevante para as autoridades fiscais brasileiras, pelo que o pedido deveria ter sido recusado – segundo o disposto no art. 4º, n.º 1 da Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal, e no art. 4º, n.º 1 do Regime Jurídico da Troca de Informações em Matéria Fiscal.
     C. A informação pedida é reveladora de segredos comerciais da B, pelo que o pedido deveria ter sido recusado – segundo o disposto no art. 21º, n.º 2, alínea d), da Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal, e no art. 7º, n.º 3) do Regime Jurídico da Troca de Informações em Matéria Fiscal.
     D. O Regime Jurídico da Troca de Informações em Matéria Fiscal não permite que seja pedida informação sobre a própria entidade requerida, mas apenas relativamente a pessoas singulares ou colectivas terceiras, sobre as quais a requerida, instituição offshore, tenha informações que possa prestar – cfr. por todos, art.ºs 8º e 20º deste diploma legal, e, ainda, a Nota Justificativa da proposta de lei inicial do RJTIMF, o Parecer N.º 4/V/2017, da 1ª Comissão Permanente, relativo à proposta de lei sobre o RJTIMF, bem como o texto da Lei n.º 1/2022, de 7 de Fevereiro de 2022, que veio alterar o RJTIMF e que entrará em vigor em 1 de Abril de 2022 e o Parecer N.º 1/VII/2022, da 3ª Comissão Permanente, relativo à proposta de lei sobre a alteração do RJTIMF.
     E. A B foi liquidada e está extinta desde a data do registo do encerramento da liquidação (5 de Março de 2021), e o ora recorrente não é uma entidade financeira ou offshore, pelo que não tem legitimidade para prestar a informação requerida – cfr. o disposto no art. 8º do Regime Jurídico da Troca de Informações em Matéria Fiscal.
     Termos em que, se requer a Vossas Excelências que seja anulado o acto administrativo praticado por Sua Excelência, o Senhor Chefe do Executivo da RAEM de aceitação do pedido de troca de informação a pedido, de que ora se recorre, com as legais consequências, assim se fazendo a costumeira JUSTIÇA!”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Oportunamente, apresentou a recorrente alegações facultativas, tendo formulado as seguintes conclusões:
     “A recorrente, enquanto liquidatária da B, não está vinculada pela lei em vigor a entregar a informação que lhe foi pedida pela DSF em cumprimento do despacho do Senhor Chefe do Executivo, nem o pedido de troca de informações poderia ter legalmente sido aceite pelo Senhor Chefe do Executivo nos termos em que foi formulado, porque:
     A. A B não está sob investigação das autoridades fiscais brasileiras e não está sequer sujeita a imposto no Brasil, pelo que, segundo o disposto no art. 1º, n.º 3 da Convenção, não se encontra abrangida pela obrigação de prestação de informações prevista na mesma, e o Senhor Chefe do Executivo da RAEM deveria consequentemente ter recusado o pedido – não o tendo feito, violou o disposto no referido artigo 1º, n.º 3 da Convenção.
     B. A informação pedida não é informação previsivelmente relevante para as autoridades fiscais brasileiras, nos termos do disposto no art. 4º, n.º 1 da Convenção, e no art. 4º, n.º 1 do RJTIMF, pelo que o pedido deveria ter sido recusado pelo Senhor Chefe do Executivo – não o tendo feito, violou o disposto no art. 4º, n.º 1 da Convenção, e no art. 4º, n.º 1 do RJTIMF.
     C. A informação pedida é reveladora de segredos comerciais da B e tem carácter secreto, violando a sua prestação o disposto no art. 21º, n.º 2, alínea d), da Convenção, no art. 7º, n.º 3) do RJTIMF, e no art. 52º do Código Comercial, pelo que o pedido deveria ter sido recusado pelo Senhor Chefe do Executivo – não o tendo feito, violou o disposto nos referidos art. 21º, n.º2, alínea d), da Convenção, art. 7º, n.º 3 do RJTIMF, e art. 52º do Código Comercial.
     D. O RJTIMF não permite que seja pedida informação sobre a própria entidade requerida, mas apenas relativamente a pessoas singulares ou colectivas terceiras, sobre as quais a requerida, instituição offshore, tenha informações que possa prestar – cfr. por todos, artigos 8º e 20º do RJTIMF, e, ainda, a Nota Justificativa da proposta de lei inicial do RJTIMF, o Parecer N.º 4/V/2017, da 1ª Comissão Permanente, relativo à proposta de lei sobre o RJTIMF, bem como o texto da Lei n.º 1/2022, de 7 de Fevereiro de 2022, que veio alterar o RJTIMF e que entrou em vigor em 1 de Abril de 2022, e o Parecer N.º 1/VII/2022, da 3ª Comissão Permanente, relativo à proposta de lei sobre a alteração do RJTIMF – pelo que o pedido deveria ter sido recusado pelo Senhor Chefe do Executivo; não o tendo feito, violou o disposto nos referidos artigos 8º e 20º do RJTIMF, bem como os princípios e o espírito do próprio RJTIMF.
     E. O art. 36º da Lei Básica, o art. 2º do CPAC, o art. 21º, n.º 1 da Convenção e o art. 9º, n.º 3 do RJTIMF, conferem à recorrente o direito de recorrer ao Tribunal no presente caso, por estar em causa a tutela de direitos e interesses legalmente protegidos, pelo que foi interposto o presente recurso contencioso.
     Termos em que, dando provimento ao presente recurso contencioso, farão Excelências inteira JUSTIÇA!”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
A recorrente é liquidatária da sociedade designada pela firma “B Limited”, adiante designada por “B”.
Foi efectuado pelas autoridades brasileiras um pedido de troca de informações, solicitando que a sociedade prestasse as seguintes informações:
- Todas as facturas emitidas pela B em 2019, limitadas aos produtos adquiridos da C S.A., listando separadamente as facturas relativas a produtos adquiridos da C;
- As contas anuais “standart” da B (balanço, desmonstração de resultados e relatório.)
A recorrente, na qualidade de liquidatária da B, foi notificada pelo Exm.º Chefe do Executivo para prestar aquelas informações.
A B foi liquidada e está extinta desde a data do registo do encerramento da liquidação, ou seja, desde 5 de Março de 2021.
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Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, a recorrente requereu a anulação do despacho de “批准/Autorizou” exarado pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo na Proposta n.º 080/DAIJ/21 (doc. de fls. 2 a 6 do P.A.), cujas conclusões e propostas são: 基於上述分析,建議將本項專項信息交換個案上呈經濟財政司司長,以便根據《制度》第八條第一款的規定,轉呈請行政長官批准:(1) 接納巴方所提出之信息交換請求;(2) 由於相關納稅人已不存在,建議由本局向其倘有清算人蒐集資料或進行實地稽查;(3) 由於B為一間離岸公司,建議向“澳門貿易及投資促進局”索取有關資料;(4) 有關資料備妥後,建議由本局直接回覆巴方稅務主管當局。
Interpretando o despacho in quaestio nos termos do n.º 1 do art. 115º do CPA e em articulação com Proposta n.º 080/DAIJ/21, entendemos que a decisão de “批准/Autorizou” (do Exmo. Senhor Chefe do Executivo) consubstancia em autorizar as quatro propostas supra aludidas.
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1. Alcance do n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 5/2017
Repare-se que a recorrente interpôs o presente recurso na qualidade da liquidatária da extinta sociedade denominada de “B, Limitada”, e todos os fundamentos arrogados por ela não consistem no erro na informação a remeter.
Vale frisar que a notificação consagrada no n.º 3 do art. 8.º da Lei n.º 5/2017 é diferente da notificação prescrita n.º 1 do art. 9.º desta Lei, as diferenças referem-se não só aos respectivos destinatários de cada uma espécie de notificação, mas também às correspondentes finalidades.
De outro lado, é de reforçada ênfase que o n.º 5 deste art. 8.º evidencia, com clareza e certeza, que as “instituições e entidades” previstas na alínea 3) do n.º 1 do art. 5.º são, sem margem para dúvida, completamente distintas das “pessoas singulares ou colectivas, a quem as informações respeitam” aludidas no n.º 1 do art. 9.º da dita Lei – apenas estas pessoas são, em boa verdade, visadas pelas informações a trocar.
Bem, patente e concludente é que na Lei n.º 5/2017 não há preceito expresso que estabeleça quaisquer meios de defesa para as “instituições e entidades” elencadas na alínea 3) do n.º 1 do apontado art. 5.º que, em bom rigor, são tão-só prestadoras de informações a trocar.
Atento tudo isto, afigura-se-nos pertinente e até necessário que se esclarece o alcance do n.º 3 do art. 9.º acima, segmento legal que determina: Nos casos em que se deve efectuar a notificação prevista no n.º 1, da decisão da troca de informações a pedido pode ser interposto pelas pessoas singulares ou colectivas, a quem as informações respeitam, recurso contencioso com efeito suspensivo, com fundamento em erro na informação a remeter.
1.1. Ora, a sobredita Proposta n.º 080/DAIJ/21 constata, com irrefutável certeza, que, para além de aceitar o pedido da troca de informações na matéria fiscal de Brasil (doc. de fls. 7 e 8 do P.A.), o despacho recorrido produz ainda o efeito de impor a recorrente, na qualidade jurídica da liquidatária da sobredita sociedade “B, Limitada”, a prestar informações pedidas por Brasil.
Por outro lado, na nossa modesta opinião, não se divisa doutrina e jurisprudência, segundo as quais a decisão administrativa de aceitar um pedido (proveniente de Estado estrangeiro ou de jurisdição fiscal exterior) destinado à troca de informações na matéria fiscal possa ser qualificada no acto político e fique excluída da fiscalização judicial.
1.2. No n.º 1 do art. 21.º da Convenção Multilateral sobre a Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal publicada pelo Aviso do Chefe do Executivo n.º 47/2018 (a seguir designa-se por “Convenção”), estipula-se: Nada na presente Convenção afecta os direitos e as garantias concedidos as pessoas pela legislação ou pela prática administrativa do Estado requerido.
Bem, a título de “Procedural Rights and Safeguards”, o ponto 15 do Model Manual on the Exchange of Information for Tax Purposes do OEDC afirma categoricamente: Domestic Law provides for a variety of procedural rights and safeguards por persons afected by information gathering measures or more generally by information Exchange. Such rights and safeguards include notification rules, a right to challenge the exchange of information following notification or rights to challenge information gathering measures taken by the requested party.
No nosso ordenamento jurídico interno, dispõe o n.º 2 do art. 19.º da Lei Básica: Os tribunais da Região Administrativa Especial de Macau têm jurisdição sobre todas as causas judiciais da Região, salvo as restrições à sua jurisdição que se manter, impostas pelo ordenamento jurídico e pelos princípios anteriormente vigentes em Macau.
Para além disso, o art. 2.º do CPAC consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o n.º 2 do art. 25.º da Lei n.º 4/2002 (Lei Relativa ao Cumprimento de Certos Actos de Direito Internacional) manda a aplicação do CPA e do CPAC aos actos administrativos previstos nesta Lei, e o art. 31.º da Lei n.º 6/2016 (Regime de Execução de Congelamento de Bens) estabelece peremptoriamente o recurso contencioso e dá-lhe o carácter urgente.
Voltando ao n.º 3 do art. 9.º da Lei n.º 5/2017, entendemos que é de todo interesse a explanação apresentada pelo Governo como proponente desta Lei (vide. o Parecer n.º 4/V/2017 da 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa): 該款明確規定“信息涉及的自然人或法人”有正當性提出“具中止效力”的司法上訴,且僅限於“擬送交的信息存在錯誤”的理由;至於其他情況,則按照一般法例尤其是《行政訴訟法典》的規定處理。
1.3. Com todo o respeito pelo entendimento diferente, o exposto supra aconselha-nos a opinar que o supramencionado n.º 3 não deve ser interpretado no sentido de negar ou reduzir a tutela judicial e o direito de acesso aos tribunais, sendo ambos consagrados no n.º 2 do art. 19.º da Lei Básica bem como nos art. 2.º do CPAC e o art. 1.º do CPC.
Afigura-se-nos que tal n.º 3 tem como objectivo estabelecer os dois requisitos cumulativos – legitimidade e fundamento – dos quais depende imprescindivelmente o efeito suspensivo do recurso contencioso, sabe-se que o efeito suspensivo é excepcional (art. 22.º do CPAC).
Posto isto e, assim, tomando como pressuposto que o despacho em escrutínio pode ser objecto de recurso contencioso, vamos analisar se tal despacho enfermar de qualquer dos vícios invocados pela recorrente na petição inicial e na sua alegação facultativa.
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2. Da invocada violação do n.º 3 do art. 1.º da Convenção
Abonando o pedido de anulação, a recorrente arrogou a violação do disposto no n.º 3 do art. 1.º da Convenção, disposto que reza: As Partes prestam assistência administrativa, seja a pessoa visada residente ou nacional de uma Parte ou de qualquer outro Estado.
Em sede de substanciar a sua tese, ela argumenta (vide arts. 11.º e 12.º da petição inicial): A “B, Limitada” nunca teve qualquer tipo de presença tributável em Brasil, nem está aí sob investigação, exercendo a sua actividade exclusivamente em Macau.
No nosso prisma, do princípio da unidade do ordenamento jurídico decorre que o sobredito n.º 3 deva ser entendido em harmonia com o n.º 1 do art. 4.º e o art. 9.º da Lei n.º 5/2017, no sentido de que a locução “pessoa visada” aludida neste n.º 3 equivale categoricamente às “pessoas singulares ou colectivas, a quem as informações respeitam” (art. 9.º, n.º 3 desta Lei).
Quer isto dizer que no fundo, são exactamente coincidentes tanto a conotação e como a denotação (abrangência) destas duas locuções – de um lado, pessoa visada e, de outra banda, pessoa singular ou colectiva a quem as informações respeitam.
Daí resulta logicamente que, segundo nos parece, a “pessoa visada” prescrita no sobredito n.º 3 não incide em quem tenha sido ou venha ser ordenada a prestar informações solicitadas por Parte requerente, mas na pessoa a quem tais informações respeitam.
No caso sub judice, o pedido da troca de informações proveniente de Brasil constata que a “pessoa visada” pela investigação a correr termos em Brasil e pelas informações requeridas por ele é identificada na sociedade “C” que é residente fiscal desse Estado (doc. de fls. 7 do P.A.).
Tudo isto impulsiona-nos a retirar tranquilamente que o despacho acatado nestes autos está em completa conformidade com as disposições no n.º 3 do art. 1.º da Convenção e também nos n.º 1 do art. 4.º e art. 9.º da Lei n.º 5/2017, pelo que falece a conclusão A da petição.
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3. Da arrogada inexistência da previsível relevância
Ora, o n.º 1 do art. 4.º da Lei n.º 5/2017 exige peremptoriamente que as informações a trocar tenham de ser previsivelmente relevante e, por sua vez, o n.º 1 do art. 4.º da Convenção reza: As Partes trocam, designadamente de acordo com o previsto na presente Secção, qualquer informação que seja previsivelmente relevante para a administração ou execução da legislação interna respeitante aos impostos abrangidos pela presente Convenção.
Anotando o n.º 1 do art. 4.º da Convenção, o ponto 50 do Comentários Relativos às Disposições da Convenção do OCDE aponta com boa nitidez: A regra das “informações previsivelmente relevante” visa assegurar uma troca de informações em matéria fiscal o mais ampla possível e, ao mesmo tempo, deixar claro que as Partes não são livres de pedir indiscriminadamente informações (fishing exepeditions) ou de solicitar informações cuja relevância seja improvável para o esclarecimento dos assuntos fiscais de uma pessoa ou de um grupo ou de uma classe determinável de pessoas.
No nosso prisma, convém ter em consideração, a título do direito comparado, duas orientações jurisprudenciais preconizadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (cfr. Acórdão no Processo n.º C276/12 de 22/10/2013, citado no Acórdão proladado pelo Tribunal Administrativo Central Sul no Processo n.º 402/20.6BELRA):
De um lado, cabe à autoridade da Parte requerida apreciar, segundo as circunstâncias do processo, a relevância previsível das informações solicitadas em função da evolução do procedimento, porém, ela deve, em princípio, confiar na autoridade requerente e presumir que o pedido de informações que lhe é submetido é simultaneamente conforme com o direito nacional da Parte requerente e necessário à investigação.
E de outro, o juiz da Parte requerida deve verificar apenas que a decisão de injunção se baseia num pedido suficientemente fundamentado da autoridade requerente incidindo sobre informações que não se afiguram, de forma manifesta, desprovidas de relevância previsível tendo em conta, por um lado, o contribuinte visado e o terceiro eventualmente requerido e, por outro, a finalidade fiscal prosseguida.
No vertente caso, o sobredito pedido da troca de informações indica (doc. de fls. 8 do P.A.): (1) 巴方正在對C進行調查,懷疑C出口開立低價發票(under-invoicing)和潛在的錯誤發票(mis-invoicing)。(2) 巴方分析個案發現可疑的國際資金流動,包括母公司和子公司(C)之間的持續信貸交易,沒有產生利息,後來轉化為巴西運營公司的資本增加。(3) 深入分析後發現,這種國際資金流動的動機是出口公司C持續和相關的現金消耗,其收取的價格低於生產成本。而C 98%的收入都是來自單一客戶公司B,B隸屬於C的經濟集團。(4) 在訴訟過程中,C被命令提交其主要客戶的發票和財務報表。C拒絕提交上述文件,理由是傳票無法得到這些文件,也無法將其提交予檢查。(5) 根據經濟集團的組織結構圖,巴方知悉C與B屬於同一個經濟集團。(6) 在一項比較出口商收取的價格和溶解木漿產品的市場價格調查中,發現每噸491美元的潛在價格差異,或117%的出口低價發票,且尚未考慮財務或物流的影響,由此證實了C可能潛在虛報的做法。(7) 鑑於這些事實,巴方須查閱B於2019年期間開立的發票及其財務報表,以適當核實信息的準確性,以供巴方作轉讓定價分析和評定其稅收後果。
Salvo merecido respeito pelo entendimento diferente, não podemos deixar de colher que é prudente e imaculado o despacho in quaestio no que atine à verificação in casu da previsível relevância das informações solicitadas por Brasil, pelo que cai na terra a conclusão B da petição.
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4. Da arguição da violação do secreto comercial
A recorrente reivindicou que o pedido da troca de informações (de Brasil) supra referido devia ser recusado de acordo com as disposições nas alíneas 3) do art. 7.º da Lei n.º 5/2017 e também d) do n.º 2 do art. 21.º da Convenção, sob pena de revelar o segredo comercial da referida sociedade “B, Limitada”.
Em primeiro lugar, há de frisar que as informações solicitadas no sobredito pedido da troca de informações (de Brasil) incindem em dois grupos (doc. de fls. 8 do P.A.) a saber: a) Todas as invoices emitidas em 2019 pela B que tem como vendedor a C S/A; b) Demonstrações Financeiras Padronizadas da B Limited (Balance Sheet, Income Statement and Reports).
4.1. Começando pelas “invoices”, é de apontar, antes de mais, que a palavra na língua inglesa “invoice” corresponde ao termo “factura” na língua portuguesa, sendo esta (factura) “um documento comercial ou contabilístico, de valor dispositivo, que incorpora uma declaração de vontade pelo vendedor que, completada com a aceitação expressa pelo comprador, titula, em regra, e mesmo que informalmente, um contrato de compra e venda de bens ou produtos.” (cfr. Acórdão do TSI no processo n.º 674/2011).
Ora, no ponto 194 dos Comentários Relativos Às Disposições da Convenção do OCDE lê-se a seguinte asserção (sublinhas nossas): Por sigilo comercial ou industrial entende-se, de um modo geral, os factos ou as circunstâncias de considerável importância económica, susceptíveis de serem explorados na prática e cuja utilização não autorizada pode causar um grave prejuízo (por exemplo, originando graves dificuldades financeiras). A determinação, a liquidação ou a cobrança de impostos, em si mesmas, não podem ser consideradas como geradoras de um grave prejuízo. As informações financeiras, incluindo livros e registos contabilísticos, não constituem, pela sua própria natureza, um secreto comercial, industrial ou outro.
Na nossa ordem jurídica interna, os preceitos nos arts. 39.º a 51.º dão a entender que as facturas (invoices) não fazem parte integrante da escrituração mercantil (contabilidade comercial), pelo que, na nossa modesta opinião, não têm o carácter secreto consagrado no n.º 1 do art. 52.º do Cód. Comercial, sem dignidade do secreto comercial.
4.2. Repare-se que o art. 53.º do Cód. Comercial, o art. 22.º do RIP e o art. 40.º do RICR permitem o exame à contabilidade. O que nos leva a sufragar, a título do direito comparado, a jurisprudência que assevera (cfr. Acórdão do STJ no Processo n.º 97A826): A escrituração comercial não é mais secreta que quaisquer outros assentos ou escritos particulares, pelo contrário, e precisamente porque é imposta por lei para permitir conhecer em cada momento o estado do negócio e fortuna do comerciante, isto é, porque se destina a constituir essencialmente um meio de prova, a escrita pode ser objecto de exame, até, embora em casos especiais, contra a vontade e os interesses daquele a quem pertence.
Merece ênfase acentuada que os pedidos da troca de informações ficam vinculados pelos princípios da confidencialidade e da especialidade consignados nos n.º 1 e n.º 2 do arts. 22.º da Convenção, e de outro lado, o Brasil como Parte requerente prestou, no seu pedido da troca de informações (docs. de fls. 7 e 8 do P.A.), compromisso de esse pedido de intercâmbio de informações está sujeito aos termos e condições previstos na Convenção.
Nesta linha de vista, e sopesando que “B, Limitada” foi já liquidada e caíu na extinção a partir de 05/03/2021 (art. 8.º da petição e doc. de fls. 28 do P.A.), afigura-se-nos que a troca de informações relativas às “Demonstrações Financeiras Padronizadas da B Limited (Balance Sheet, Income Statement and Reports)” não causa a indevida revelação do secreto comercial, muito menos as informações sobre as “invoices”.
4.3. Ao exposto acima, acresce-se que nos arts. 25.º e 26.º da petição se encontra, em boa verdade, apenas uma arguição vazia, sendo patente e concludente que a recorrente não demonstra, de todo em todo lado, como e em que medida concreta é que a aceitação do apontado pedido da troca de informações vá relevar o secreto comercial da sociedade “B, Limitada”.
Tudo isto conduz-nos a concluir sossegadamente que é desprovida de qualquer razão a conclusão C da petição inicial (A informação pedida é reveladora de secretos comerciais da B, pelo que o pedido deveria ter sido recusado ……).
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5. Quanto ao âmbito das informações a prestar
A fiel interpretação do disposto nos arts. 5.º e 8.º da Lei n.º 5/2017 conduz, cabal e necessariamente, a que o legislador não distingue as informações relativas às próprias instituições financeiras e offshore das relativas a terceiros, o que o legislador estabelece no fundo é que tais instituições ficam obrigadas a remeter as informações que estejam na posse delas e sejam necessárias à troca de informações a pedido.
Com efeito, o argumento sintetizado na conclusão D da petição inicial é frontal e manifestamente contrário ao objectivo da Convenção, que se consubstancia em assegurar a troca de informações em matéria fiscal o mais ampla possível e, deste modo, em prevenir eficazmente a evasão e fraude fiscais. Daí resulta que essa conclusão D não pode deixar de ser sofístico e, em consequência disso, insubsistente.
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6. Quanto a ilegitimidade subjectiva e ao direito de recurso
6.1. Ora, as alegações facultativas da recorrente patenteiam concludentemente que ela reiterou as conclusões formuladas na petição, a não ser a conclusão E, aí lutou pela sua ilegitimidade para prestar a informação requerida, por não ser instituições financeiras e offshore.
Na nossa óptica, a completa omissão (nas alegações facultativas) relativa à “ilegitimidade” arrogada na petição não se deve à mera negligência, mas é decerto intencional. O que nos conduz a perfilhar a sensata doutrina, segundo a qual tal omissão intencional significa que a recorrente abandonou a sobredita ilegitimidade (José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ 2013, pp. 162 a 166)
Por cautela, basta-nos consignar aqui que por força do disposto no n.º 2 do art. 49.º do Código Comercial, a ora recorrente como liquidatária da extinta “B, Limitada” não só tem legitimidade subjectiva de prestar informações mencionadas no pedido de troca de informações supra aludido, mas também e sobretudo está obrigada a prestá-las.
6.2. Há de assinalar que nos arts. 24.º a 26.º das suas alegações facultativas, a recorrente confunde, seja intencional ou não, as instituições referidas na alínea 3) do n.º 1 do art. 5.º com as pessoas previstas no n.º 1 do art. 9.º da Lei n.º 5/2017, e distorceu o real significado do n.º 3 do art. 9.º desta Lei. Pois em bom rigor, ela fica fora da previsão do n.º 1 do art. 9.º acima, não sendo a pessoa contemplada neste segmento legal.
Seja como for, do que não há margem para dúvida é que o presente recurso contencioso não é rejeitado por ilegitimidade da recorrente ou por inexistência de interesse processual, por isso o seu direito de recurso não vê nenhum obstáculo ou limitação.
Sendo assim, estamos convictos de que o argumento resumido na conclusão E das alegações facultativas da recorrente não pode deixar de ser incuravelmente inócuo e supérfluo, sem mínima virtude de invalidar o despacho impugnado nestes autos.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Atento o teor do douto e fundamentado parecer emitido pelo Digno Procurador-Adjunto que antecede, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos, havendo de julgar improcedente o recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar improcedente o recurso contencioso interposto pela recorrente A, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 10 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 4 de Maio de 2023

Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)




Recurso Contencioso 263/2022 Página 30