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Processo n.º 875/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator :Fong Man Chong
Data :04 de Maio de 2023

Assuntos:
- Infracções administrativas imputadas a entes não abrangidos pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro

SUMÁRIO:

I -A norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, consagra o dever de «desempenhar com zelo e competência a profissão e aperfeiçoar continuamente os seus conhecimentos científicos e técnicos» e a sua violação constitui infracção administrativa que é punível com multa que pode ser substituída por advertência escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º e no n.º 4 do artigo 16.º daquele Decreto-Lei.

II - O âmbito subjectivo de aplicação da norma consta do n.º 2 do artigo 1.º do citado Decreto-Lei, pois que é aí que se referem expressamente quais os profissionais e entidades que ficam abrangidos por esse diploma.

III - O Recorrente contencioso é médico, mas não foi nessa qualidade que a violação do dever de zelo lhe foi imputada, tanto mais que, o que está em causa é a conduta decorrente da cedência do espaço da clínica para o exercício de actividade não licenciada e, portanto, a violação de um suposto dever de boa gestão do estabelecimento que não se enquadra, de todo, no exercício da actividade médica. Por outro lado, o Recorrente contencioso não é a entidade proprietária da clínica. Se o fosse, poderia estar justificada a sua punição, e ainda assim apenas para quem entenda que a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M abrange no seu âmbito as entidades proprietárias.

IV - Não estando em causa uma actuação do Recorrente contencioso como médico e não sendo ele proprietário da clínica, por força do n.º 1 do artigo 3.º em conjugação como o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, que os deveres aí previstos apenas abrangem os profissionais e, eventualmente, as entidades singulares ou colectivas proprietárias de estabelecimentos de saúde, mostra-se inteiramente incorrecta, a decisão punitiva tomada com base nos preceitos legais acima citados, o que é razão bastante para anular a decisão administrativa ora recorrida.


O Relator,

_______________
Fong Man Chong





Processo n.º 875/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 04 de Maio de 2023

Recorrente : Subdirector dos Serviços de Saúde (衛生局副局長)

Recorrido : A

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
O Subdirector dos Serviços de Saúde, devidamente identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 05/09/2022, veio, em 17/10/2022, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 154 a 167, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) A douta Sentença ora recorrida decidiu conceder provimento ao recurso contencioso interposto por A do acto do Subdirector dos Serviços de Saúde que, no âmbito do processo n.º 046/Q/UTLAP/2019, lhe aplicou a sanção de advertência escrita, em substituição da sanção de multa, nos termos do n.º 4 do artigo 16.° do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, por violação do dever consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.° do mesmo Decreto-Lei.
2) Tal deveu-se ao facto de o então Recorrente, tanto na qualidade de médico como no exercício das funções de director técnico do referido "Centro Médico", ter violado o dever previsto na alínea b) n.º 1 do artigo 3.° do citado Decreto-Lei de "desempenhar com zelo e competência a profissão e aperfeiçoar continuamente os seus conhecimentos cientificas e técnicos", o que se impõe aos profissionais e entidades ao serviço da saúde pública, que exercem funções de elevado grau de responsabilidade social.
3) O ora Recorrido, sendo director técnico do dito "Centro Médico", não só permitiu que uma entidade externa, acima identificada, usasse as instalações daquele "Centro Médico" para a prática de "actos" médicos ilegais, como não evitou que a mesma entidade externa se valesse do alvará que lhe foi passado pelos Serviços de Saúde para dar uma aparência de legalidade e normalidade aos actos por ela praticados, enganando os potenciais clientes ou pacientes que ali se deslocaram para se submeterem a tratamentos médicos, confiando que estavam o ser tratados por um "Centro Médico" devidamente licenciado pela entidade pública competente.
4) Ao não ter impedido que a referida entidade externa tenha acedido ao arquivo pessoal dos seus clientes/pacientes, contendo, obviamente, dados pessoais dignos de protecção legal, o director técnico do "Centro Médico", ora Recorrido, violou grosseiramente os deveres inerentes ao cargo e também as suas responsabilidades técnicas e éticas enquanto médico, e tudo isto motivado, apenas, pelo lucro fácil resultante da venda de quotas da sociedade proprietária do citado "Centro Médico", de que era accionista e administrador.
5) O n.º 3 do artigo 16.° do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, é muito claro quando preceitua que, "Os administradores, gerentes e directores de entidades abrangidas por este diploma respondem solidariamente pelo pagamento das sanções pecuniárias aplicadas e pelos prejuízos resultantes das infracções cometidas, excepto quando prévia e expressamente tenham desaprovado os actos ou omissões que lhes deram origem".
6) Dos factos dados como provados, em nenhum momentos se verifica que o ora Recorrido tenha, prévia e expressamente, desaprovado os actos ou omissões praticados naquele "Centro Médico" pela referida entidade externa.
7) Quando se viu privado de utilizar o referido "Centro Médico" e dele ser expoliado, e só então, veio o ora Recorrido pedir o cancelamento do alvará do estabelecimento, mas não sem que antes tenha pactuado com todo aquele complexo de ilegalidades.
8) Estes e outros factos, de não menor gravidade, amplamente provados nos autos, demonstram que o ora Recorrido violou os seus deveres profissionais, e que justificam a sanção de multa que lhe foi aplicada, mas substituída nos termos da lei por uma mera advertência escrita, muito embora o acto que a aplicou tenha sido anulado pela douta Sentença recorrida, com o fundamento de que "o director técnico assume a responsabilidade no âmbito do exercício das suas funções. Porém, é de realçar que apesar da menção legal, inexistem normas que definam os contornos precisos dessa responsabilidade, inclusivamente os efeitos dessa responsabilização".
9) Com o devido respeito pela decisão judicial tomada, não podemos estar com ela mais em desacordo, por entendermos que terá havido um erro lógico de julgamento, resultando em violação de lei por errada aplicação da lei substantiva, desde logo, porquanto se admite na douta Sentença que "o director técnico assume a responsabilidade no âmbito do exercício das suas funções" mas, objecta-se que, na lei, "inexistem normas que definam os contornos precisos dessa responsabilidade, inclusivamente os efeitos dessa responsabilização".
10) A ser assim, como se defende na douta Sentença recorrida, não existiria, nem nunca existirá, em caso algum, qualquer responsabilização para o director técnico de estabelecimento médico legalmente licenciado, quer pelas acções quer pelas omissões no exercício das suas funções, muito embora o director técnico do estabelecimento seja o seu responsável, mas, paradoxalmente, por via da alegada omissão da lei, seria legalmente irresponsável.
11) Consideramos existir uma contradição insanável nos fundamentos que levam a douta Sentença recorrida a anular o acto administrativo de aplicação de uma sanção ao ora Recorrido, por deles nos parecer resultar absurdamente que, pelo facto de o legislador do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, ter optado pela omissão de normas que definam os contornos precisos da responsabilidade do director técnico, nunca ele teria de assumir quaisquer responsabilidades pelos seus actos e omissões.
12) Não nos parece que o legislador do citado Decreto-Lei não tivesse previsto que a falta de definição do âmbito das funções do director técnico de estabelecimento de prestação de cuidados de saúde pudesse ter como consequência isentá-lo de assumir responsabilidades pelo seu exercício, mas sim que, inversamente, não terá sentido a necessidade de definir o âmbito de tais funções, porquanto a própria noção do que seja um director, de um estabelecimento de saúde, decorre imediatamente da sua etimologia.
13) Tanto mais que, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 8.° do Código Civil, "A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada" e "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
14) Logo, mesmo que de uma leitura atenta do texto legal resultasse dúvida de interpretação pela alegada omissão, a consulta a qualquer dicionário permitiria dar-nos a noção do que se deva entender pelo termo director, como aquele: "que dirige"; "indivíduo que tem a seu cargo a direcção de uma de uma empresa ou organização"; "indivíduo que organiza uma tarefa ou orienta um conjunto de pessoas que trabalham juntas" (in, infopedia.pt).
15) Daí se deduzindo que, em concreto, no âmbito da actividade médica, e de um modo geral, o director técnico é um médico e o principal responsável pelo exercício prático e ético da Medicina no estabelecimento, e incumbe-lhe, além de assegurar as condições adequadas de trabalho e os meios imprescindíveis a uma boa prática médica, supervisionar e coordenar todos os serviços técnicos desenvolvidos no estabelecimento de saúde, além de observar o cumprimento, no estabelecimento, das normas legais em vigor.
16) O ora Recorrido era o director técnico do estabelecimento em causa e assumia a dupla função de seu director e de médico (além de ser o administrador da sociedade que o detinha) e, por qualquer delas, estava sujeito aos deveres previstos no artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, porquanto tal preceito legal aplica-se quer aos profissionais quer às entidades, e o cargo de director técnico de um estabelecimento de saúde faz parte integrante da sua estrutura organizacional.
17) Decorre linearmente do n.º 3 do artigo 16.° do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, que o director técnico é responsável " ... pelos prejuízos resultantes das infracções cometidas, excepto quando prévia e expressamente tenham desaprovado os actos ou omissões que lhes deram origem", sendo certo que, o ora Recorrido, não só não os desaprovou, prévia e expressamente, como neles consentiu.
18) Pelos factos ocorridos no referido "Centro Médico", e que o ora Recorrido detalha no Doc. n.º 2 junto à sua petição de recurso contencioso, e atendendo aos seus actos e omissões, a sanção que lhe foi aplicada, por violação dos deveres contantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.° do citado diploma legal, afigura-se como apropriada, proporcional e justa, cumprindo-se integralmente o Princípio da Legalidade.
19) É lamentável e imperdoável que o ora Recorrido tenha actuado como o fez, por acção e omissão, permitindo que práticas "médicas" ilegais tenham ocorrido no citado "Centro Médico", no qual assumia, simultaneamente, as posições de médico, director técnico e administrador da empresa titular do estabelecimento, pondo negligentemente em causa, com tais actos e omissões, a saúde pública.
20) Não se pode admitir que numa actividade de interesse público e de particular importância para a saúde de quem recorre a cuidados médicos, como é a da prestação de cuidados de saúde por estabelecimento legalmente licenciado para o efeito, um qualquer director técnico de um qualquer estabelecimento médico possa ficar impune após as práticas e omissões verificadas.
21) Sendo que o conteúdo funcional do director técnico do estabelecimento se insere perfeitamente na noção do que seja um director, ademais, director técnico de um estabelecimento de prestação de cuidados de saúde, e cuja existência é condição sine qua non para o seu licenciamento.
22) O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, é claro quando nele se prescreve que "A prestação de cuidados de saúde pelos profissionais e pelas entidades referidas no artigo anterior é uma actividade de interesse público que faz parte integrante do sistema de saúde do Território" e, nos termos do n.º 1 do artigo 3.° do mesmo Decreto-Lei, "Os profissionais e as entidades a quem é aplicável o presente diploma encontram-se ao serviço da saúde pública, exercendo actividades de elevado grau de responsabilidade social, devendo, por esta razão: (...) b) Desempenhar com zelo e competência a profissão e aperfeiçoar continuadamente os seus conhecimentos científicos e técnicos".
23) Mostra-se incontestável e bastante censurável que, a actuação do ora Recorrido não se tenha pautado, como era seu dever, quer por acção quer por omissão, por um desempenho zeloso e competente da profissão, tanto como médico como no exercício das funções de director técnico do estabelecimento em causa.
24) A douta Sentença afirma, quanto às responsabilidades do director técnico do estabelecimento de prestação de cuidados de saúde, que " ... inexistem normas que definam os contornos precisos dessa responsabilidade, inclusivamente os efeitos dessa responsabilização" mas, contrariamente ao nela decidido, o n.º 3 do artigo 16.° do citado Decreto-Lei prevê a responsabilização e as consequências para actos e omissões do director técnico, prescrevendo que este responde " ... pelo pagamento das sanções pecuniárias aplicadas e pelos prejuízos resultantes das infracções cometidas, excepto quando prévia e expressamente tenham desaprovado os actos ou omissões que lhes deram origem".
25) Razão da nossa absoluta convicção de a douta Sentença recorrida, ao decidir como decidiu, ter incorrido, no caso sub judice, e salvo o devido respeito, em erro de julgamento, por não ter sido feita uma correcta subsunção dos factos à norma legal indicada.
26) Por todo o acima exposto entendemos que, inversamente ao decidido na douta Sentença recorrida, foi a própria Sentença recorrida que violou, por errada ou omissa subsunção dos factos ao Direito e errada interpretação dos pressupostos de facto e aplicação da lei substantiva, o disposto alínea b) do n.º 1 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, devendo, consequentemente, ser revogada.
27) No mais, reiterando tudo o que foi alegado em sede de recurso contencioso, e com o douto suprimento de V. Exas., a ora Entidade Recorrente oferece o merecimento dos autos.

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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 243 a 245 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- O ora Recorrente é administrador da “B Limitada” (conforme o doc. junto a fls. 40 a 44 dos autos).
- A dita companhia é titular do alvará n.º AL/238/2017, para o funcionamento da clínica “C”, registado nos Serviços de Saúde com o n.º AL-XXXX, localizado em “The Macau Square” XXXXXXXX (conforme o doc. junto a fls. 304 a 306 do P.A.).
- O Recorrente é ainda o médico e o director técnico do referido Centro.
- Por ofício n.º 1488/OF/UTLAP/2020, de 22/5/2020, foi notificado ao Recorrente para audiência escrita relativamente ao projecto da decisão com o seguinte teor:
“… …
A醫生:
本局收到一電郵檢舉,檢舉人指於2018年11月12日在位於澳門雅廉訪XXXXXXXX的“D”(D美容中心)接受了微針療程,其後出現面部紅腫的情況,檢舉人質疑該美容院為其注射了不知名物質。就此,本局醫務活動牌照科開立題述卷宗跟進,在調查過程中,檢舉人及上述美容院的負責人均表示曾到位於澳門廣場的C求診,並由一名聲稱來自香港的女醫生“E”(F)向檢舉人提供諮詢服務;由於上述人士非本局註冊的醫療人員,涉嫌在取得衛生護理准照前提供醫療服務。
1. 為著對上述之事實作進一步了解,一般衛生護理代副局長行使衛生局局長八月十六日第22/SS/2017號批示所授予的職權及根據經五月十八日第20/98/M號法令修訂的十二月三十一日第84/90/M號法令第十五條規定,於2019年8月12日作出批示,由預審員負責開展調查措施。
2. 預審員於2019年9月17日對投訴人G女士進行筆錄聲明。
3. 預審員於2019年10月9日對利害關係人D美容化妝有限公司的行政管理成員H女士進行筆錄聲明。
4. 預審員於2020年1月10日對台端進行筆錄聲明。
5. 就本個案調查所取得的資料,預審員於2020年4月8日歸納出本個案的涉嫌違規要點,就可歸責的行政上之違法行為及相應處罰如下:
關於利害關係人A醫生涉嫌未有妥善管理醫療場所事宜。
- 根據A醫生(下稱“李醫生” ) 的筆錄聲明,C於2017年3月開始與B有限公司合作,合作初期B有限公司有諮詢李醫生的意見,但當李醫生就某些項目提出反對後,該公司便完全不理會李醫生的意見。B有限公司為C醫療中心II的持牌公司大股東(佔75%股權),醫療中心的運作開支亦由該公司繳付,後來該公司開始長期佔用醫療中心的4間診室,亦不讓李醫生進入及查看;李醫生表示不認識該名稱 “E” (F)的人士。
- 根據投訴人G女士、D美容化妝有限公司的行政管理成員H女士及李醫生的筆錄聲明,預審員認為李醫生作為C的技術指導及持牌公司的行政管理成員,其理應確保醫療中心的運作符合現時醫療法律之規定,並確保其及該醫療中心之業務持高度專業的態度,而非讓 “B醫學美容有限公司” 長期佔用4間診室並聘任未取得本局醫療專業准照的人士在該4間診室內向公眾提供“諮詢”服務。
- 預審員考慮事件中李醫生坦白承認及配合本個案的調查,於2018年9月聘用律師入稟檢察院控告該公司欺詐其股權,而本局亦曾於2019年7月10日收到司法警察局第21030/S號公函,要求本局協助調查有關個案,證實李醫生已採取一定的措施以制止不法事情的發生。雖然,李醫生在筆錄聲明中聲稱其並不知情,但 “B醫學美容有限公司” 在C聘任 “未取得本局醫療專業准照的人士”,並利用該醫療中心的名義向公眾提供服務亦為事實,李醫生確實有疏忽管理之責任。因此,證實李醫生違反五月十八日第20/98/M號法令修訂的十二月三十一日第84/90/M號法令第三條第一款b)項之規定,稱職及熱心從事職業,並不斷完善其科學及技術知識。本局按照同一法令第十六條第四款或第二十一條第一款b)頂之規定,對A醫生科以書面警告或澳門幣1,000 至2,000元之罰款作為處罰。
… … ”
(conforme o doc. junto a fls. 242 a 244 do P.A.).
- Em 22/6/2020, o Recorrente, representado por mandatário, apresentou a sua resposta (conforme o doc. junto a fls. 261 a 268 do P.A.).
- Na sequência disso, foi elaborado o relatório n.º 393/R/UTLAP/2020, de 13/11/2020, em que se propôs a aplicação da advertência escrita ao Recorrente, com base no seguinte fundamento:
“… …
2.11 關於A醫生涉嫌未有妥善管理醫療場所事宜
1) A醫生在筆錄聲明及書面聽證中均聲稱其不知悉“B醫學美容有限公司”聘請涉案的女醫生“E”(F)在C提供服務;並在書面聽證中提交了一份與“B醫學美容有限公司”共同簽署的合作協議。
2) 然而,李醫生作為C的技術指導及持牌公司的行政管理成員,其理應確保醫療中心的運作符合現時醫療法律之規定,並確保其及該醫療中心之業務持高度專業的態度。預審機關認為醫療服務提供者或投資者開設醫療場所的目的是為公眾提供醫療服務,並從事高度社會責任之業務,應以稱職及熱心的態度向就診者提供適切的醫療服務,且必須對就診者負責。醫療行業有別於一般商業性行業,醫療不是一般買賣的商品或服務,李醫生作為醫療場所的技術指導及持牌公司的行政管理成員,並非一般商人以合作形式“分租” 醫療場所自負盈虧,又或以簽署 “合作協議” 為由推卸責任,更不應以“不知情” 為由讓 “B醫學美容有限公司” 聘任不知名人士在 “C” 提供醫療服務。
3)為此,預審機關重新複核卷宗內容和審閱李醫生的書面聽證後,預審機關認為作為技術指導理應對醫療場所作出管理及指導,而根據李醫生的筆錄聲明,其聲稱該醫療中心曾出現穿著白色醫生袍的人士進出診室,而李醫生是不確定有關人士是否為註冊醫療人士。考慮就診者一般未能分辨註冊醫療場所內有 “非註冊醫療人士” 提供醫療服務的情況,對此,倘若技術指導發現其負責管理的醫療場所聘任或涉嫌聘任 “非註冊醫療人士” 提供醫療服務,應即時向本局作出檢舉、中止或取消場所執照,以防止就診者在不知情的情況下就診 “非註冊醫療人士” 後構成健康風險。事件中,李醫生確實未有妥善管理涉案醫療場所,預審機關認為維持原處罰建議。因此,證實李醫生違反五月十八日第20/98/M 號法令修訂的十二月三十一日第84/90/M號法令第三條第一款b)項之規定,稱職及熱心從事職業,並不斷完善其科學及技術知識。考慮到李醫生坦白承認及配合本個案的調查,其聲稱於2018年9月3日入稟檢察院控告 “B醫學美容有限公司” 的行政管理成員I及J欺詐其股權,而本局亦曾於2019年7月10日收到司法警察局第21030/S號公函,要求本局協助調查有關個案,證實李醫生已採取一定的措施以制止不法事情的發生。同時,考慮到李醫生並未存有曾違反相同規定被處罰的記錄,屬首次違反,且在得悉違規後已申請取消 “C” 場所執照,其已採取相應的改善措施,因而減輕相應的違規責任,現階段本局未具備證據證明其違規行為對第三人造成損害。因此,符合五月十八日第20/98/M號法令修訂的十二月三十一日第84/90/M號法令第十六條第四款之規定。建議按照該條款之規定,對利害關係人A醫生以書面警告代替罰款作為處罰。
… … ”
(conforme o doc. junto a fls. 328 a 339 do P.A.).
- O supradito relatório mereceu o despacho de concordância da Entidade recorrida, datado de 16/11/2020, decisão que foi notificada ao Recorrente por ofício n.º 450/OF/UTLAP/2021, de 5/2/2021 (conforme os docs. juntos fls. 328 e a fls. 358 a 360 do P.A.).
- Dessa decisão o Recorrente interpôs o recurso contencioso em 11/3/2021.
* * *
    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:

I. Relatório

Recorrente A, melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
Entidade Recorrida Subdirector dos Serviços de Saúde que, pelo seu despacho datado de 16/11/2020, exarado na informação n.º 393/R/UTLAP/2020, decidiu aplicar ao Recorrente uma advertência escrita em substituição da multa, pela violação do artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro.
*
Alegou o Recorrente com os fundamentos de fls. 2 a 16 dos autos, em síntese,
- a violação da lei pela inexistência da infracção do dever profissional do médico.
Concluiu, pedindo que seja anulado o acto recorrido.
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A Entidade Recorrida apresentou a contestação com os fundamentos de fls. 105 a 116 dos autos, na qual pugnou pela legalidade do acto, concluindo no sentido de ser o presente recurso julgado improcedente.
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Ambas as partes apresentaram alegações facultativas.
*
A digna Magistrada do M.º P.º emitiu douto parecer a fls. 139 a 141v, promovendo no sentido de proceder o presente recurso, cujo teor aqui se transcreve:
“司法上訴人A針對被訴實體衛生局副局長於2020年11月16日作出的針對司法上訴人因違反第84/90/M號法令第3條第1款b)項規定並結合第16條第4款規定而科以書面警告處罰的部分決定(以下簡稱:“被上訴行為”),簡言之,主張被訴實體在欠缺充分證據下,不能證實上述所指控的行政違法行為的事實,故認為存在事實認定錯誤並導致錯誤適用法律的瑕疵,因此請求撤銷本案被上訴行為。
我們分析如下:
按照行政卷宗第161頁投訴人G的聲明、第173頁『D美容化妝有限公司代表H的聲明以及起訴狀所主張,顯示曾有一名“E”(F)於上述C提供諮詢服務。司法上訴人於其書面答辯中明確指出對於上述一事完全不知悉,包括不知悉上述H及F、於事發當日其本人亦沒有到上述醫療中心。
誠然,司法上訴人作為一所已獲有權限當局批准及註冊的場所的技術指導員,具有確保衛生護理服務場所必須符合專業技術規則及法例規定的義務。正如第84/90/M號法令第11條第2款a)、c)及d)項規定:“二、執照之申請應致衛生司司長,且附同下列文件:a) 場所之項目,包括指明開設場所所要達到之目的、標明在場所內將開展之業務及用於場所運作之資源以及執行該項目之活動計劃;…c) 由指定擔任場所技術指導職務之人所作之接受聲明書;d) 第五條第二款b項所指之衛生專業人士及技術員之名單;”,可見,開設及營運提供衛生護理服務的場所必須事先取得有權限當局的審查及獲得場所執照,該審查必須包括有關場所所提供的業務目的、內容、運作資源以及活動計劃、以及相應提供有關衛生護理服務的專業人士及技術員,且即使獲得有關的執照後,場所技術指導員有義務確保場所實際所提供的服務係符合向行政當局所提供作審批的項目,符合專業技術規定及法例要求,否則,行政當局的事先審查變得無用,更甚至乎利用衛生護理服務場所的名義提供非法活動。
本案中,司法上訴人與『B醫學美容有限公司』於2017年03月07日簽訂《合作協議》,自此時起便共同使用該醫療中心場所,司法上訴人使用一個房間而該公司使用三個房間,各自自負盈虧及獨立經營醫療服務。儘管上述法令沒有禁止場所執照所有人的法人的股權轉讓,然而,即便存在上述所謂的《合作協議》,亦不能因此而排除司法上訴人作為場所技術指導員的責任 - 不論作為執照持有人的法人內部各股東之間的關係如何,必須確保所有於該提供衛生護理服務的場所內的業務及提供服務的人士均符合專業技術規則及法例要求。
然而,在充分尊重不同立場下,按照被上訴行為內容,似乎被訴實體無棱兩可地指出作為司法上訴人違反上述法令規定的稱職及熱心從事職業的具體事實:
倘若以『B醫學美容有限公司』聘請涉案女醫生“E”(F)在C提供服務作為處罰事實依據,然而,被訴實體本身並沒有進一步地證實該名人士的專業資格以及向公眾提供的服務是否違反專業規則或法例,亦即是說,僅證實了該公司聘用了某人向公眾提供諮詢服務,被訴實體卻未查明該人士的身份、資格及具體的服務是否有違規情況,那麼,如何在此基礎及程度上認定司法上訴人違反了稱職及熱心義務?更何況,正如被訴實體於2020年11月16日作出同意第393/R/UTLAP/2020號報告書的第2.9點第3)段所示,僅指出該名人士向G提供諮詢服務,而且亦確認由於未能證實該名人士是否在取得行政當局發出的衛生護理專業人員准照前提供醫療服務而作出歸檔決定,此外,亦基於無法證實上述事宜而僅向『B醫學美容有限公司』作出書面提醒而非處罰決定。顯然,被訴實體在欠缺調查此部份事實便直接認定司法上訴人違反稱職及熱心義務,造成錯誤認定事實的瑕疵。
另一方面,倘若以司法上訴人聲明指出該醫療中心曾出現穿着白色醫生袍的人士進出診室及不確定有關人士是否已註冊一事而作為處罰的事實依據則更不允許,因為上述聲明內容本身從來不是控訴書的標的,根本與其控訴書所指控的事實完全不同,被訴實體不應將該事實作出考慮或甚至乎作為處罰依據,否則便有違辯論原則;更何況,按照行政卷宗第206至207頁司法上訴人的聲明,僅指出其本人曾於醫療中心看過一名穿白色醫生袍的男人從診室出去,並向該名人士問及誰在診室和做什麼,但該名人士沒有回應以及事後從護士得悉該名人士為潘醫生,可見,司法上訴人並沒有聲明不確定該名潘醫生是否已註冊,再者,被訴實體從沒有就此聲明內容作出任何調查,尤其何時發生(是否有關處罰時效已屆滿?)及該名潘醫生是否已獲註冊等等。同樣地,被訴實體不應以此部份作為處罰依據,尤其(我們似乎認為)作為判斷司法上訴人於另一事件存在過錯的依據。
綜上所述,我們意見認為本案司法上訴理由成立,建議撤銷本案被上訴行為。”
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***

II. Fundamentação
1. De facto
Dos autos resulta provada a seguinte factualidade pertinente:
(...)
***

2. De direito
Segundo alegado pelo Recorrente, este não violou nem desrespeitou qualquer dos deveres profissionais previstos no artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, em síntese, por não ter cometido os factos que consubstanciam a infracção que lhe foi imputada. Daí a violação dessa norma que serviu de base para a prática do acto recorrido.

Em nosso entender, a questão deve colocar-se em outros termos, a saber se o Recorrente enquanto administrador da “B Limitada”, o médico e o responsável técnico do “C” pertencente à dita companhia, é ou não susceptível de violar o dever profissional previsto naquela norma. Portanto, é uma questão de enquadramento jurídico que aqui está em causa.

Importa que apesar da deficiência da alegação, a ilegalidade nesta dimensão concreta não deixou de ser invocada pelo próprio Recorrente na medida em que afirmou “uma vez que não participou, nem teve qualquer hipótese de participar em qualquer actividade ou acto, médico ou outro praticado no….” (conforme se alega no III da conclusão da sua petição inicial).

Vejamos agora.

Logo à partida, a norma invocada pelo acto recorrido – o artigo 3.º do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, como fundamentadora do ilícito administrativo em causa, começou por dizer “Os profissionais e as entidades a quem é aplicável o presente diploma encontram-se ao serviço de saúde pública, exercendo actividades de elevado grau de responsabilidade social, devendo, por esta razão…” Por outras palavras, aqueles que estejam sujeitos ao dever profissional previsto naquela norma são “os profissionais e as entidades” que integram o âmbito subjectivo da aplicação do diploma legal.

A este respeito, dispõe a norma do artigo 1.º, n.º 2 do DL n.º 84/90/M, o seguinte
“2. Ficam abrangidos pelo disposto neste decreto-lei:
b) As entidades, singulares ou colectivas, que sejam proprietárias dos seguintes estabelecimentos:
Hospitais;
Clínicas ou policlínicas;
Centros ou casas de saúde;
Maternidades;
Centros de enfermagem;
Laboratórios de análises clínicas e de radiologia;
Centros de diagnóstico, centros de tratamento e centros de reabilitação.”

Em suma, o diploma legal aplica-se aos que exerçam em regime privado as actividades de prestação de cuidados de saúde, sejam aos profissionais individuais, sejam às entidades proprietárias dos estabelecimentos criado para o exercício deste tipo de actividade.

O infractor que temos aqui é um médico e responsável técnico de um estabelecimento privado de prestação de cuidados de saúde. Foi ele acusado de não ter feito uma boa gestão do estabelecimento de prestação de cuidados de saúde, designadamente, pelo facto de ceder em parte o espaço do estabelecimento explorado, e de deixar os indivíduos desconhecidos a prestar os serviços naquele estabelecimento.

É certo que não obstante o seu estatuto incontestável de médico profissional, não foi no âmbito do exercício da sua actividade profissional e nessa qualidade que o Recorrente cometesse alegadamente a infracção imputada. Por sua vez, se se concluir que o mal que ele praticou consiste na cessão indevida, em parte, do espaço do estabelecimento “C”, não se deve ignorar que tal conduta, na realidade, não lhe é imputável, mas à proprietária do estabelecimento referida no citado artigo 1.º, n.º 2 alínea b) do diploma legal, isto é, “B Limitada”, aquela que requereu a concessão do alvará do estabelecimento como o respectivo cancelamento, sendo a mesma titular do alvará do estabelecimento.

Neste sentido, deveria ser responsabilizada a “B Limitada” pela conduta discriminada no acto recorrido, ainda que se tivesse entendido tal conduta como enquadrável na violação de um daqueles deveres profissionais previstos. De qualquer modo, não é possível chamar à responsabilização pessoal o Recorrente na qualidade do administrador da Companhia.

Não ignoramos que apesar disso, o Recorrente assumia ainda o cargo da direcção técnica do dito estabelecimento. Um título a mais, no entender da Recorrida, para dizer que o Recorrente violou o dever profissional previsto no artigo 3.º do diploma legal.

Contudo, da mesma maneira, tal tese não merece acolhimento.

É verdade que ter-se inscrito nos Serviços de Saúde o indivíduo que vai exercer a função de direcção técnica do estabelecimento constitui um dos requisitos de que depende a autorização para a abertura e o funcionamento do mesmo – nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do DL n.º 84/90/M. E deve, no pedido de licenciamento que é dirigido ao director dos Serviços de Saúde, o requerente juntar “Declaração de aceitação da direcção técnica do estabelecimento, feita por quem for indicado para exercer essa função” – ao abrigo do artigo 11.º, n.º 2, alínea c) desse diploma legal.

Também não menos certo é que com a apresentação da declaração, o director técnico assume a responsabilidade no âmbito do exercício das suas funções. Porém, é de realçar que apesar da menção legal, inexistem normas que definam os contornos precisos dessa responsabilidade, inclusivamente os efeitos dessa responsabilização, assim como sucede com director técnico da farmácia, cuja responsabilidade se encontra expressamente regulada no disposto dos artigos 37.º e 91.º do DL n.º 58/90/M, de 19 de Setembro.

Em todo o caso, parece incontroverso que nunca se deve buscar o fundamento de responsabilização a esse título na própria norma do artigo 3.º do DL n.º 84/90/M, que se limita, como já vimos, a impor os deveres aos profissionais enquanto médico indivíduo, ou enquanto proprietário dos estabelecimentos em que se prestam os serviços de cuidado médico.

Neste sentido, inexiste a violação do dever profissional previsto no artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, por enquadramento errado por parte da Recorrida. Por consequência, a sanção de advertência escrita aplicada ao abrigo do artigo 16.º, n.º 4 do diploma está destituída de base legal.

Sem mais delongas, deve-se julgar procedente o recurso com a anulação do acto recorrido.
***

III. Decisão

Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso contencioso, com a consequente anulação do acto recorrido.
*
Sem custas pela Entidade Recorrida, por ser subjectivamente isenta.
*
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificado nos presentes autos, interpôs no Tribunal Administrativo recurso contencioso do acto praticado pelo Subdirector dos Serviços de Saúde que decidiu aplicar-lhe uma advertência escrita em substituição da sanção de multa por violação do dever profissional previsto na norma legal contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro.
Por douta sentença que se encontra a fls. 142 a 147 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto administrativo impugnado.
Inconformado com o assim decidido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo, veio o Subdirector dos Serviços de Saúde interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela respectiva revogação.

2.
Salvo o devido respeito, somos modestamente a entender que o presente recurso não deverá proceder.
Em termos muito breves, pelo seguinte.
(i)
(i.1)
O acto administrativo recorrido considerou ter o Recorrente incorrido na violação da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro (entretanto revogada), em virtude de não ter feito uma boa gestão do estabelecimento de prestação de cuidados de saúde, designadamente, pelo facto de ter cedido parcialmente o espaço do estabelecimento explorado e de ter deixado indivíduos desconhecidos aí prestar serviços.
Vejamos.
A norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M consagra o dever de «desempenhar com zelo e competência a profissão e aperfeiçoar continuamente os seus conhecimentos científicos e técnicos» e a sua violação constitui infracção administrativa que é punível com multa que pode ser substituída por advertência escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º e no n.º 4 do artigo 16.º daquele Decreto-Lei.
O âmbito subjectivo de aplicação da norma mostra-se, prima facie, recortado por referência ao disposto no n.º 2 do artigo 1.º do citado Decreto-Lei, pois que é aí que se referem expressamente quais os profissionais e entidades que ficam abrangidos por esse diploma.
A verdade, porém, é que uma leitura mais atenta da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M permite concluir, sem grande esforço, que ela apenas visa actuações dos profissionais referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º (médicos, médicos dentistas médicos de medicina tradicional chinesa; odontologistas, enfermeiros, terapeutas, massagistas e acupuncturistas e mestres de medicina tradicional chinesa) e não já as entidades elencadas na alínea seguinte (as entidades, singulares ou colectivas, que sejam proprietárias dos seguintes estabelecimentos: hospitais, clínicas ou policlínicas, centros ou casas de saúde, maternidades, centros de enfermagem, laboratórios de análises clínicas e de radiologia, centros de diagnóstico, centros de tratamento e centros de reabilitação).
Isso resulta da letra da norma, quando aí se impõe o dever se desempenho zeloso e competente da profissão, e também da própria natureza das coisas, pois que só aos profissionais se compreende seja dirigida a exigência de aperfeiçoamento contínuo dos conhecimentos científicos e técnicos.
Em qualquer caso, temos por indisputável que, no âmbito subjectivo de aplicação da norma punitiva aqui em causa e que serviu de base ao acto administrativo contenciosamente impugnado, se não incluem os directores ou responsáveis técnicos de hospitais ou clínicas que exerçam a actividade privada de prestação de cuidados de saúde.
(i.2)
Como acertadamente se assinalou na douta decisão recorrida, o Recorrente contencioso é medico, mas não foi nessa qualidade que a violação do dever de zelo lhe foi imputada, tanto mais que, o que está em causa é a conduta decorrente da cedência do espaço da clínica para o exercício de actividade não licenciada e, portanto, a violação de um suposto dever de boa gestão do estabelecimento que não se enquadra, de todo, no exercício da actividade médica.
Por outro lado, é seguro que o Recorrente contencioso não é a entidade proprietária da clínica. Se o fosse, poderia estar justificada a sua punição, e ainda assim apenas para quem entenda que a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M abrange no seu âmbito as entidades proprietárias.
Deste modo, não estando em causa uma actuação do Recorrente contencioso como médico e não sendo ele proprietário da clínica, e resultando do n.º 1 do artigo 3.º em conjugação como o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, como antes vimos, que os deveres aí previstos apenas abrangem os profissionais e, eventualmente, as entidades singulares ou colectivas proprietárias de estabelecimentos de saúde, mostra-se inteiramente correcta, cremos, a conclusão contida na douta decisão recorrida no sentido de afastar a punição daquele nos termos em que a mesma foi efectuada pelo acto administrativo contenciosamente recorrido.
(ii)
Nas doutas alegações do presente recurso jurisdicional, o Subdirector dos Serviços de Saúde, procura, esforçadamente, demonstrar que o acto punitivo por si praticado encontra apoio na lei, dado que o Recorrente contencioso era o director técnico da clínica e nessa qualidade, contrariamente ao decido pelo Tribunal a quo, estaria também sujeito ao dever de zelo antes referido.
A verdade, porém, é que, como na douta sentença recorrida se decidiu, é meridianamente claro que a norma em causa não abrange no seu âmbito subjectivo de aplicação ao director técnico, não obstante a previsão da figura que consta da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M. Uma interpretação da norma do n.º 1 do artigo 3.º em conjugação com o n.º 2 do artigo 1.º daquele diploma, tal como vem agora proposta pelo Recorrente jurisdicional afronta de modo ostensivo o comando resultante do artigo 8.º, n.º 2 do Código Civil e segundo o qual não pode o intérprete considerar um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.
Também debalde se nos afigura esgrimir o pretenso argumento retirado do n.º 3 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M no sentido de ver aí a consagração do apoio normativo suficiente à responsabilização do director técnico.
Com efeito, a responsabilidade solidária aí consagrada e que recai sobre os administradores, gerentes e directores técnicos tem em vista, como literalmente resulta da norma em causa, o pagamento das sanções pecuniárias aplicadas, pressupondo, portanto, como parece óbvio, a prévia aplicação da sanção a quem seja responsável principal, se nos é permitida esta última expressão. De resto, se algum argumento útil para a presente controvérsia se pode extrair da norma do n.º 3 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M é justamente no sentido contrário ao pretendido pelo Recorrente jurisdicional: temos por evidente que, acaso os administradores, gerentes e directores técnicos respondessem a título principal, desnecessária seria a previsão legal da sua responsabilização solidária nos termos ali previstos.

3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita no que se refere aos fundamentos invocados pela Recorrente neste recurso, da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pela Recorrente.
Por outro lado, como a sentença recorrida já analisou praticamente todas as questões levantadas, ficamos dispensados de voltar as tocar nesta sede.
Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC, é de manter a sentença recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I -A norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro, consagra o dever de «desempenhar com zelo e competência a profissão e aperfeiçoar continuamente os seus conhecimentos científicos e técnicos» e a sua violação constitui infracção administrativa que é punível com multa que pode ser substituída por advertência escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º e no n.º 4 do artigo 16.º daquele Decreto-Lei.
II - O âmbito subjectivo de aplicação da norma consta do n.º 2 do artigo 1.º do citado Decreto-Lei, pois que é aí que se referem expressamente quais os profissionais e entidades que ficam abrangidos por esse diploma.
III - O Recorrente contencioso é medico, mas não foi nessa qualidade que a violação do dever de zelo lhe foi imputada, tanto mais que, o que está em causa é a conduta decorrente da cedência do espaço da clínica para o exercício de actividade não licenciada e, portanto, a violação de um suposto dever de boa gestão do estabelecimento que não se enquadra, de todo, no exercício da actividade médica. Por outro lado, o Recorrente contencioso não é a entidade proprietária da clínica. Se o fosse, poderia estar justificada a sua punição, e ainda assim apenas para quem entenda que a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M abrange no seu âmbito as entidades proprietárias.
IV - Não estando em causa uma actuação do Recorrente contencioso como médico e não sendo ele proprietário da clínica, por força do n.º 1 do artigo 3.º em conjugação como o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, que os deveres aí previstos apenas abrangem os profissionais e, eventualmente, as entidades singulares ou colectivas proprietárias de estabelecimentos de saúde, mostra-se inteiramente incorrecta, a decisão punitiva tomada com base nos preceitos legais acima citados, o que é razão bastante para anular a decisão administrativa ora recorrida.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Sem custa por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 04 de Maio de 2023.
RAEM, 20 de Abril de 2023.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-adjunto)
*
Mai Man Ieng
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