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Processo nº 23/2023
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Fiscal)

Data do Acórdão: 11 de Maio de 2023

ASSUNTO:
- Justo impedimento

SUMÁRIO:
- Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 96.º do CPC, considera justo impedimento «o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto»;
- Enquanto não houvesse sido deferido o pedido de escusa do apoio judiciário, mesma na impossibilidade de apresentar o respectivo requerimento por os serviços se encontrarem excepcionalmente encerrados, cabia ao Advogado diligenciar pela prática dos actos processuais a que havia lugar ou que eram da vontade da parte que fossem praticados.

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Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 23/2023
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Fiscal)

Data: 11 de Maio de 2023
Recorrente: A
Entidade Exequente: Direcção dos Serviços de Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, com os demais sinais dos autos,
  deduziu por simples requerimento a oposição à execução fiscal movida pela Repartição das Execuções Fiscais da Direcção dos Serviços de Finanças, para o pagamento da quantia no valor de MOP70.600,00, a título de reposição do montante indevidamente recebido por aquela.
  Após o trânsito da sentença proferida vem o mandatário oficioso da Executada requerer a concessão do novo prazo para a apresentação do recurso, com fundamento no justo impedimento previsto nos termos dos artigos 95.º, n.º 3 e 96.º do CPC.
  Proferido despacho foi o requerimento indeferido.
  Não se conformando com a decisão, vem a Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Entende o Recorrente padecer o douto despacho proferido pelo douto Tribunal Administrativo, em 23 de Setembro de 2022, no âmbito do processo à margem epigrafado, do vício de erro de julgamento na verificação do justo impedimento invocado pelo Recorrente ao abrigo do art.s 96.º, n.º 1 do Código do Processo Civil ex vi do art.º 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, bem como da errada interpretação do art.º 32.º da lei n.º 13/2012.
2. O douto Tribunal a quo indeferiu o pedido formulado pela Recorrente por entender que o mandatário oficioso desta não cumpriu a formalidade de informar o douto Tribunal do facto de ter apresentado o pedido de escusa relativamente ao patrocínio da Recorrente, acrescendo a essa circunstância o facto de o mandatário oficioso da Recorrente continuar vinculado ao patrocínio do seu “cliente”, não podendo pressupor que a Comissão de Apoio Judiciário deferisse o seu pedido de escusa.
3. Entendeu ainda o douto Tribunal a quo que o mandatário oficioso da Recorrente tinha tempo suficiente para interpor o pedido de recurso, mesmo no período em que eclodiu o surto de Covid 19, uma vez que os tribunais não se encontravam encerrados até à data de 8/7/2022.
4. Nos termos do n.º 2 do art.º 32.º da Lei n.º 13/2012, prevê-se o seguinte a propósito do pedido de escusa de patrocínio oficioso: “Se o pedido referido no número anterior for apresentado na pendência do processo judicial, o patrono deve comunicar o facto ao tribunal, ficando interrompido o prazo processual que estiver em curso, desde a data da junção aos autos do documento comprovativo de que foi deferido o pedido.”.
5. Resulta da norma supratranscrita que o pedido de escusa apresentado na pendência do processo judicial, deve ser comunicado ao tribunal, sendo que o prazo processual só se interrompe com a junção do documento comprovativo do deferimento do pedido.
6. Temos assim que apenas a junção do despacho de deferimento do pedido de escusa apresentado à Comissão de Apoio Judiciário tem a virtualidade de interromper o prazo processual em curso.
7. Assim, a transmissão de ciência ao tribunal do facto de se ter apresentado o pedido de escusa na Comissão de Apoio Judiciário tem apenas o condão de manter o tribunal a par da eventual modificação do patrono oficioso da parte, sempre dependente do deferimento do pedido por parte do CAJ.
8. Como tal, o que releva para efeitos da interrupção dos prazos judiciais é a apresentação do documento comprovativo do deferimento do pedido de escusa.
9. Entendeu-se que a comunicação da apresentação do pedido de escusa e a junção o comprovativo do documento comprovativo de que foi deferido o pedido de escusa devem ser comunicados em momentos distintos, sem perspectivar a possibilidade (legal) de o mandatário que pede escusa poder informar o tribunal da escusa e juntar, concomitantemente, o documento comprovativo do seu deferimento,
10. Circunstância que, aliás, faz todo o sentido numa perspectiva de economia de meios, pois o mandatário apenas necessita deslocar-se ao tribunal por uma ocasião e apenas apresentar um requerimento.
11. A simples apresentação do comprovativo da apresentação do requerimento no CAJ não tem nenhum efeito prático processual, sendo, por essa razão pouco relevante apresentá-lo desacompanhado do referente despacho de deferimento do pedido de escusa, pois é este que terá o efeito desejado de interromper o prazo em curso até que seja nomeado novo mandatário oficioso, conforme prevê a norma supratranscrita.
12. No que diz respeito ao presente caso, o mandatário da Requerente foi contactado telefonicamente, em 15 de Junho de 2022, pelo CAJ, através da sua funcionária Sr.ª B, que pretendia saber se o mandatário já havia recebido a sentença do caso e o que pretendia fazer a respeito, uma vez que a Recorrente tinha tido perda de causa e havia sido condenada por litlgância de má fé,
13. O mandatário oficioso da Recorrente informou o CAJ do facto de se ausentar do território no dia 18 de Junho de 2022 e informou que, por esse motivo, iria apresentar escusa do patrocínio oficioso.
14. A Sr. B, do CAJ, concordou com o pedido de escusa e pediu ao mandatário oficioso da Recorrente para que apresentasse o pedido o mais rápido possível.
15. Temos assim que, desde o dia 15 de Junho de 2022 que o CAJ tinha conhecimento e concordava com o pedido de escusa, como instou o mandatário oficioso do Recorrente a apresentar o pedido de escusa o mais rápido possível.
16. Conforme referido no requerimento indeferido pelo douto Despacho Recorrido, o mandatário oficioso reuniu-se com o representante da Recorrente, por conveniência deste, na sexta-feira, dia 17 de Junho de 2022, às 17:30, para lhe explicar a sentença e informar-lhe que um eventual recurso da sentença tinha uma viabilidade de sucesso marginal, informando-o igualmente que por motivo de ausência do território, iria pedir escusa do pedido de apoio judiciário.
17. Tratando-se o dia 17 de Junho de 2022, da véspera do dia em que o mandatário oficioso da Recorrente se iria ausentar do território e tendo o representante da Recorrente se deslocado ao escritório do mandatário oficioso após as horas de expediente dos serviços da função pública, não foi possível apresentar o pedido de escusa nesse mesmo dia,
18. Tendo o mandatário oficioso deixado o requerimento do pedido de escusa assinado e carimbado, para dar entrada no dia útil seguinte segunda-feira, dia 20 de Junho de 2022.
19. Conforme explanado e documentado no requerimento concessão de novo prazo, indeferido pelo douto Despacho Recorrido, por comunicados sucessivos a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça anunciou a suspensão dos vários serviços tutelados, desde dia 20 de Junho até dia 1 de Julho, entre os quais o CAJ, que só reabriu em 4 de Julho.
20. Tal situação, conforme é óbvio, impediu que o requerimento de escusa pudesse ser submetido antes da data de 27 de Junho de 2022, data em que transitava em julgado a sentença proferida nos vertentes autos.
21. Ora, não tendo sido possível sequer apresentar o pedido de escusa antes da data do trânsito em julgado, consequentemente, não era possível ao mandatário da Recorrente informar o douto Tribunal a quo, antes da data do trânsito em julgado, do facto de ter apresentado pedido de escusa, pelo simples facto de o ainda não ter feito, por causa que não lhe era imputável.
22. Sendo que a norma supratranscrita prevê que o mandatário oficioso comunique ao tribunal da apresentação do pedido de escusa, após a sua efectiva apresentação ao CAJ,
23. Sem, no entanto, excluir a possibilidade de se informar a escusa, fazendo acompanhar esse requerimento do documento comprovativo do seu respectivo deferimento.
24. Pretendendo o mandatário oficioso da Recorrente informar o douto Tribunal a quo do pedido de escusa apresentado e instruir esse requerimento com o respectivo documento comprovativo do seu deferimento,
25. Tal não lhe foi possível, porque o CAJ aquando da apresentação do requerimento de escusa em 8 de Julho de 2022, por força das circunstâncias acima indicadas, limitou-se a indagar junto do douto Tribunal a quo qual era a data do trânsito em julgado da sentença e perante a mesma expediu uma carta, em 27 de Julho de 2022, a informar o mandatário oficioso da Recorrente que já não havia necessidade de apresentar o pedido de escusa porque a sentença em causa já havia transitado em julgado (Cfr. Doc. 1 que ora se junta em anexo e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.).
26. Temos assim que o fundamento do não cumprimento da formalidade de informar o douto Tribunal a quo da apresentação do pedido de escusa antes do trânsito em julgado da sentença, não deve colher, pois era impossível ao mandatário oficioso têlo feito, ainda que permanecesse no território, uma vez que o CAJ simplesmente não estava aberto para receber o pedido de escusa, à data do trânsito em julgado da sentença.
27. Tendo suspendido os seus serviços administrativos entre 20 de Junho de 2022 e 1 de Julho de 2022, sendo que na prática esse serviço encerrou em 17 de Junho e só reabriu em 4 de Julho (ambas datas de 2022).
28. Entre 4 e 8 de Julho de 2022, os serviços do CAJ estavam a funcionar com limitações, conforme foi público e notório, sendo que apenas com marcação era possível tratar de assuntos ou submeter documentos no CAJ, tendo o staff administrativo do escritório do mandatário oficioso da Recorrente, conseguido obter marcação para ir tratar das formalidades de apresentação do pedido de escusa apenas em 8 de Julho de 2022.
29. Também não deve colher o fundamento de que o mandatário oficioso não deve pressupor que o CAJ vá deferir o pedido de escusa, uma vez que o mandatário oficioso da Recorrente foi verbalmente instado a apresentar o pedido de escusa, pela funcionária do CAJ responsável por aquele caso do apoio judiciário, a Sr.ª B, através de chamada telefónica mantida em 15 de Junho de 2022,
30. Aliás, nas situações em que o mandatário oficioso pede escusa, é prática comum e corriqueira ser comunicado logo por via telefónica ao funcionário do CAJ responsável pelo respectivo caso de apoio judiciário, dando entrada, seguidamente, o requerimento de escusa,
31. Que por regra é despachado pelo CAJ entre 1 a 2 dias úteis, conforme se pode verificar do requerimento de escusa e despacho de deferimento do CAJ no processo de apoio judiciário nº 2018-A-0099, que ora se juntam em anexo como Docs. 2 e 3.
32. Analisada a sentença em causa, se afigurava bastante limitada a possibilidade de recurso, sendo que, conforme se informou o douto Tribunal a quo, no requerimento de extensão de prazo (que foi indeferido pelo douto Despacho Recorrido), o mandatário oficioso reuniu-se com o representante da Recorrente para lhe dar conta e explicar o conteúdo da sentença, assim como informar-lhe que se iria ausentar de Macau e que por esse motivo não poderia continuar a patrocinar a Recorrente num eventual recurso,
33. Não fosse a ocorrência do surto de Covid 19, essa seria uma questão que o representante da Recorrente iria tratar com o mandatário oficioso que viesse a ser nomeado pejo CAJ.
34. Sendo que, no presente caso, não tendo o mandatário oficioso da Recorrente a capacidade de antecipar os eventos extremos que viriam a ocorrer em Macau, não fazia sentido interpor recurso da sentença em causa,
35. Só foi possível reunir com o representante da Recorrente no dia anterior à viagem do mandatário oficioso, após as horas de expediente (17:30), depois de o representante da Recorrente sair do seu trabalho (a data e hora foram escolhidas em função da conveniência deste),
36. Perante o conteúdo da sentença e depois de esta ter sido explicada ao representante da Recorrente, ainda não era certo que a direcção da Recorrente (órgão colegial em que o representante de Recorrente se integra) tivesse intenção de apresentar recurso, após ter tido perda de causa e ser condenada em litlgâncla de má fé.
37. Assim o facto de ser legalmente possível apresentar requerimento de interposição de recurso não equivale a dizer que nas circunstâncias concretas do presente caso fosse pertinente ao mandatário oficioso da Recorrente interpor o recurso antes de apresentar o pedido de escusa, uma vez que o representante da Recorrente, perante o conteúdo da Sentença, não teve logo uma ideia certa sobre intenção de apresentar recurso.
38. Perante tudo quanto ficou acima consignado, dúvidas não devem subsistir de que não foi possível ao mandatário oficioso da Recorrente apresentar o seu pedido de escusa do patrocínio da mesma, por motivo que não lhe era imputável.
39. Caso não se tivesse verificado o surto de COVID 19, em 19 de Junho de 2022, com todas as suas implicações para o funcionamento dos serviços públicos, teria sido possível cumprir atempadamente as formalidades tendentes à interrupção dos prazos processuais em curso e à nomeação de um novo mandatário oficioso para representar a Recorrente.
40. Deve considerar-se verificado o justo impedimento invocado pela Recorrente, nos termos e para os efeitos do art.º 96.º, n.º 1 e do art.º 95.º, n.º 3, ambas disposições do Código do Processo Civil, afigurando-se ter o douto Despacho recorrido lncorrido em erro de julgamento ao ter decidido não terem estado verificados os respectivos pressupostos de que dependia o reconhecimento do invocado justo impedimento.
  
  Notificada a Entidade Exequente do recurso interposto, esta silenciou.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Do Direito

É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Fls. 123 a 138 dos autos:
  Após o trânsito da sentença proferida neste processo, vem o mandatário oficioso da Executada requerer a concessão do novo prazo para a apresentação do recurso, com fundamento no justo impedimento previsto nos termos dos artigos 95.º, n.º 3 e 96.º do CPC, alegando que
  - Depois de ter sido notificado da sentença, tinha decidido, como iria ausentar-se de Macau, pedir escusa do patrocínio judiciário e assim o comunicou ao representante da entidade patrocinada.
  - Antes de ir para Portugal, tinha feito remeter o requerimento de escusa para a Comissão do Apoio Judiciário, e por causa das vicissitudes inesperadas relativas ao surto de Covid 19 em Macau, o requerimento apenas chegou a ser submetido à CAJ em 8/7/2022, após a data do trânsito da sentença de 27/6/2022, motivo pelo qual o requerimento de escusa não foi atendido pela CAJ por desnecessidade.
  Salvo melhor opinião, vemos com dificuldade neste caso a concessão do novo prazo para a apresentação do recurso.
  Desde logo, para determinar se se verificou ou não o justo impedimento que obste à prática atempada do acto ao abrigo do artigo 96.º, n.º 1 do CPC, interessa-nos apenas o evento que ocorreu no prazo fixado para o acto - Daí, não tem relevância o alegado relativamente ao que se passava depois da data de trânsito da sentença - 27/6/2022.
  Diz o mandatário que tinha assinado o requerimento de escusa para ser remetido à CAJ antes de se ausentar de Macau em 20/6/2022, mas por causa do surto do Covid 19 em 19/6/2022 e o encerramento do serviço público, o requerimento só pôde ser submetido em 8/7/2022. Neste sentido, se não tivesse sido o Covid 19, a escusa poderia ser atendida pela CAJ e assim a entidade executada devidamente patrocinada estaria em tempo de recorrer da sentença.
  Porém, importa ver que esta questão não foi desatendida pelo legislador da Lei n.º 13/2012 (Regime geral de apoio judiciário), que dispõe no artigo 32.º o seguinte.
  “1. O patrono nomeado pode pedir escusa, ocorrendo motivo justificado, mediante requerimento à Comissão.
  2. Se o pedido referido no número anterior for apresentado na pendência do processo judicial, o patrono deve comunicar o facto ao tribunal, ficando interrompido o prazo processual que estiver em curso, desde a data da junção aos autos do documento comprovativo de que foi deferido o pedido.
  3. A Comissão deve nomear logo um novo patrono se for deferido o pedido.
  4. A Comissão deve comunicar a decisão referida no número anterior ao novo patrono nomeado, ao beneficiário de apoio judiciário e ao tribunal onde corre o processo judicial pendente.
  5. O prazo interrompido nos termos do n.º 2 inicia a sua nova contagem, a partir da data de notificação ao novo patrono sobre a sua nomeação.” (sublinhado nosso).
  Como se vê, em caso da escusa do patrono nomeado na pendência do processo judicial, para que a escusa se opera sobre o prazo processual que estiver em curso, é necessário que o patrono nomeado comunique ao tribunal o seu requerimento da escusa e junte aos autos o comprovativo do deferimento daquela escusa. Só assim é que fica interrompido o prazo processual e inicia a sua nova contagem com a notificação ao novo patrono sobre a sua nomeação. O que isso significa que até ao deferimento do pedido da escusa pela CAJ, o patrono anterior continua a estar vinculado ao dever de patrocinar o seu cliente. Aliás, não se deveria pressupor à partida que a Comissão sempre deferisse o seu pedido de escusa.
  No nosso caso concreto, o mandatário apesar de ter requerido a escusa à CAJ, não levou este facto ao conhecimento do tribunal conforme se prevê na norma transcrita. Além disso, quando acusou o recebimento da sentença proferida em 14/6/2022, tinha tempo suficiente para apresentar o pedido de recurso - mesmo no período em que ocorreu a eclosão do Covid 19, os tribunais não se encontravam encerrados até a data de 8/7/2022.
  Pelo que não se pode ter por verificado o justo impedimento alegado, e por conseguinte, é indeferido o requerimento.».
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «(i)
  A, melhor identificada nos presentes autos, vem interpor recurso jurisdicional da douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 143 dos presentes autos através da qual foi indeferido o requerido pela Recorrente no sentido de que lhe fosse concedido novo prazo para interpor recurso da sentença com fundamento na ocorrência de justo impedimento.
  (ii)
  Salvo o devido respeito, somos modestamente a entender que o presente recurso não deverá proceder.
  Em termos muito breves, pelo seguinte.
  (ii.1)
  Para notificação da sentença proferida nos presentes autos a fls. 101 a 107 que julgou improcedente a oposição que a Recorrente deduziu à execução fiscal que contra si foi instaurada, foi enviada carta com registo de 13 de Junho de 2022 (cfr. fls. 108), o que significa que a notificação se presume efectuada no dia 16 de Junho de 2022 (artigo 201.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
  Com a notificação, iniciou-se o decurso do prazo de 10 dias para a interposição de recurso previsto no artigo 591.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 149.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), o qual se esgotou às 24 horas do dia 27 de Junho de 2022, sem que a Recorrente tenha interposto recurso.
  Ora, como se sabe, o decurso de um prazo peremptório, como é, indiscutivelmente o da interposição de recurso, extingue o direito de praticar o acto (artigo 95.º, n.º 3 do CPC). A lei ressalva, no entanto, a existência de justo impedimento, cuja ocorrência, no caso, vem alegada pela Recorrente. Sem razão, no entanto.
  (ii.2)
  A lei, como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 96.º do CPC, considera justo impedimento «o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto».
  Na situação em apreço, o patrono da Recorrente não praticou atempadamente o acto porque, de acordo com a sua própria alegação, se ausentou da Região no dia 18 de Junho de 2022. Tal ausência, que foi voluntária, não pode deixar de se considerar que é imputável àquele, pelo que, por essa simples, mas incontornável razão, fica irremediavelmente afastado o seu enquadramento na figura do justo impedimento.
  A Recorrente, no entanto, alega que o seu patrono oficioso pediu escusa do patrocínio, em razão, precisamente, da sua planeada ausência da Região, sendo que esse pedido, ele próprio, não pôde ser apresentado em devido tempo em virtude do que seria um justo impedimento decorrente da situação pandémica que então se vivia e que levou ao encerramento de diversos serviços da Administração. Dessa forma indirecta, abrir-se-ia, no entender da Recorrente, a possibilidade de ela ainda poder praticar o acto processual aqui em causa, ou seja, a interposição do recurso da sentença proferida nos presentes autos.
  Parece-nos, porém, e com todo o respeito, que a Recorrente incorre num equívoco: o de considerar que havia um prazo para formular o pedido e que, se escusa tivesse sido apresentado na Comissão de Apoio Judiciário no dia 20 de Junho de 2022, antes, portanto, da exaustão do prazo para a interposição do recurso, isso teria levado à interrupção desse prazo. Não é assim.
  Desde logo, porque o justo impedimento se projecta sobre um prazo e o único que estava em curso era o da interposição de recurso, não havendo qualquer prazo para pedir a escusa da nomeação como patrono.
  Depois, porque, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Lei n.º 13/2012, o simples pedido de escusa não interrompe o prazo processual que estiver em curso em processo pendente, esse efeito interruptivo só se produz na data da junção aos autos do documento comprovativo de que foi deferido esse pedido (é certo que a lei impõe ao patrono o dever de comunicar o pedido de escusa ao tribunal, mas, em rigor, essa comunicação é inconsequente, dela não resultando, nomeadamente, a interrupção do prazo).
  Enquanto se manteve a nomeação do patrono da Recorrente, esteve o mesmo obrigado a diligenciar pela prática dos autos processuais que considerava adequados à defesa dos interesses daquela, incluindo, naturalmente a interposição do recurso da sentença proferida nos presentes autos se considerava haver fundamento para tanto. O simples pedido de escusa não o exonerava dessa obrigação e por isso, não pode o impedimento que tenha ocorrido em relação à apresentação do pedido de escusa repercutir-se de qualquer forma sobre o prazo processual que estava em curso, como parece evidente.
  Significa isto, para resumir, que mesmo que o patrono tivesse apresentado o pedido de escusa no dia 20 de Junho de 2022, nem por isso o prazo para a interposição do recurso deixaria de correr e, eventualmente, de se exaurir, como, no caso, aconteceu.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.».
  Apenas acrescentaríamos reforçando o que já consta do Douto parecer supra transcrito que cabia no dever de patrocínio do patrono da Recorrente diligenciar pela apresentação do pedido de escusa antes de se ausentar de Macau, e havendo-o apresentado ou não, não ficava desonerado de cuidar se o mesmo era deferido em tempo de interromper o prazo processual em curso, e caso não o fosse de apresentar o requerimento de recurso no prazo legal para o efeito se era essa a intenção – recorrer -. Pois se se ia ausentar do território era bom de garantir que se definisse a situação do pedido de escusa antes do prazo se esgotar, e não estando essa situação (a do pedido de escusa) resolvida com um despacho de deferimento – o que era do conhecimento do patrono da Requerente porque o dito requerimento não foi apresentado – havia que acautelar que o requerimento de recurso fosse apresentado em tempo (se era essa a intenção de recorrer) e quiçá até as alegações de recurso, uma vez que, como bem sabia o patrono da Requerente enquanto não fosse expressamente deferido o pedido de escusa não estava desonerado das suas obrigações enquanto patrono da Requerente.
  Ausentando-se do território ou não cabe-lhe sempre primeiro o dever de cumprir com as suas obrigações profissionais.
  Mais se diria que igualmente sabe que são irrelevantes as conversas telefónicas, razão pela qual para obter a deferimento da escusa haveria que apresentar o respectivo requerimento, sendo inócuo tudo quanto se diz a respeito.
  Por fim, quanto aos prazos processuais pelos fundamentos já por nós referidos noutras decisões1 até à data em que ocorreu o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos não houve qualquer suspensão dos mesmos.
  Destarte, pelos fundamentos por nós agora indicados e concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que a decisão recorrida não enferma de erro de julgamento, sendo de negar provimento ao recurso.
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Custas a cargo da Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 11 de Maio de 2023
  
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
  
1 Do dia 20.06.2022 a 9 de Julho os tribunais estiveram a funcionar normalmente no que concerne ao recebimento de peças processuais, nada obstando a que fossem apresentadas.
Por Despacho do Chefe do Executivo nº 116/2022 e 120/2022, publicados no BO nº 27 e 28, Série I, 3º Suplemento, de 10 e 17 de Julho de 2022, respectivamente, foi ordenado o encerramento dos serviços públicos.
Por Despacho do Chefe do Executivo nº 115/2022 e nº 119/2022, publicados no BO nº 27 e 28, Série I, 2º Suplemento, de 9 e 16 de Julho de 2022, respectivamente, foi ordenado o encerramento de todas as sociedades, entidades e estabelecimentos que exerçam actividades comerciais e industriais com excepção das ali indicadas onde não se indica o exercício da advocacia.
Por Deliberação do Conselho de Magistrados Judiciais de 10.07.2022 e 17.07.2022 relativamente ao período de 11 a 22 de Julho de 2022, foi ordenada a suspensão dos serviços dos tribunais de todas as instâncias e de que as secretarias não recebiam peças processuais.
Destarte, há que entender que no período de 11 a 22 de Julho de 2022 a situação excepcional que se viveu implicou um encerramento dos serviços superior ainda ao que ocorre nas férias judiciais.
Pelo que, apenas se pode interpretar que no período de 11 a 22 de Julho de 2022 os prazos processuais se suspenderam de uma forma ainda mais alargada do que a que ocorre nas férias judiciais segundo o nº 1 do artº 94º do CPC, uma vez que, se estende também aos processos urgentes que não estão indicados nas referidas deliberações do Conselho de Magistrados Judiciais.
Assim sendo, os prazos judiciais em curso suspenderam-se no dia 11 de Julho (segunda-feira) inclusive e mantiveram-se suspensos até ao dia 22 de Julho (sexta-feira), ambos de 2022 - salvo quanto aos processos urgentes indicados nas referidas deliberações e relativamente aos quais era possível praticar actos -.
Pelo que, antes de 11 de Julho de 2022 os prazos judiciais estavam em curso nada havendo que justifique que não corriam.

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23/2023 ADM 66