Processo nº 196/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 11 de Maio de 2023
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B, S.A. (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 09/12/2022, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B, S.A. a pagar ao Autor A a quantia de MOP$158,497.25, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
2. Impõe-se, ainda, apreciar a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Recorrida numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial;
3. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, deste modo, mostra-se em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e dos artigos 42.º e 43.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
Em concreto,
4. Entendeu o Tribunal a quo condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
5. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
6. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
7. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
8. Resultando provado que desde o início da relação de trabalho (leia-se, 16/11/2007) até 31/12/2008 (descontados 24 dias relativos a períodos de férias anuais e/ou de dispensas ao trabalho) o Autor prestou para a Ré um total de 388 dias de trabalho efectivo - correspondente a 56 dias de trabalho prestado em dia de descanso semanal (388/7dias) - deve a Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$26,880.00 a título do dobro do salário - e não só apenas MOP$13,440.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Do mesmo modo,
9. Resultando provado que:
- De 16/11/2007 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos (8.º);
- De 01/01/2009 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias (...). (12.º)
- De 01/01/2009 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019 a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (13.º).
10. Ora, não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal entre o período de 01/01/2009 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois;
11. E a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória;
12. Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7.º dia, após 6 dias consecutivos de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7.º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8.º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito;
De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$169,174.30, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal - e não só de apenas MOP$22,443.27, conforme parece resultar da douta Sentença que, salvo o devido respeito, nesta parte poderia estar um pouco mais clara, e correspondente ao seguinte (remuneração diária X número de dias de descanso - que, para facilidade de raciocínio, se expõe na seguinte tabela):
De
A
Remuneração
N.º de dias
Total
01/01/2009
31/07/2010
$240.00
77
$18,480.00
26/08/2010
31/01/2011
$250.00
22
$5,500.00
01/02/2011
31/12/2011
$262.50
45
$11,812.50
01/01/2012
31/01/2013
$288.77
54
$15,593.40
01/02/2013
31/12/2013
$306.10
48
$14,692.80
01/01/2014
31/08/2014
$321.40
31
$9,963.40
01/09/2014
31/12/2014
$348.07
18
$6,265.20
01/01/2015
31/12/2018
$365.50
194
$70,907.00
01/01/2019
31/03/2019
$385.50
13
$5,011.50
01/04/2019
29/10/2019
$405.50
27
$10,948.50
13. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43.º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 271 a 281, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
Inicialmente entre 16/11/2007 a 31/07/2010 e, posteriormente, entre 26/08/2010 a 29/10/2019 o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, no Casino Hotel C, enquanto trabalhador não residente. (A)
Era a Ré quem fixava o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (B)
Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (C)
De 16/11/2007 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho nos dias seguintes: (D)
Ano/período
Número dos dias
2008
24
2009
24
2010
22
08/02/2011 a 04/03/2011
25
25/12/2012 a 31/12/2012
7
01/01/2013 a 15/01/2013
15
07/04/2014 a 05/05/2014
29
29/04/2015 a 31/05/2015
33
2016
24
01/04/2017 a 29/04/2017
29
24/04/2018 a 12/05/2018
19
06/04/2019 a 04/05/2019
29
De 16/11/2007 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, o Autor gozou de um dia de dispensa ao trabalho em cada oitavo dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivo. (E)
Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (F)
Durante a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1º)
De 16/11/2007 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, a Ré (B) pagou ao Autor as seguintes quantias a título de salário de base mensal: (2º)
DE
A
Salário de base mensal (MOP)
16/11/2007
31/07/2010
$7,200.00
26/08/2010
31/01/2011
$7,500.00
01/02/2011
31/12/2011
$7,875.00
01/01/2012
31/01/2013
$8,663.00
01/02/2013
31/12/2013
$9,183.00
01/01/2014
31/08/2014
$9,642.00
01/09/2014
31/12/2014
$10,442.00
01/01/2015
31/12/2018
$10,965.00
01/01/2019
31/03/2019
$11,565.00
01/04/2019
29/10/2019
$12,165.00
De 16/11/2007 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (3º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (4º)
De 16/11/2007 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da al. D) dos Factos Assentes. (5º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (6º)
A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (7º)
De 16/11/2007 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (8º)
Entre 16/11/2007 e 31/12/2008, a Ré (B) não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da al. D) dos Factos Assentes. (9º)
Entre 16/11/2007 e 31/12/2008 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (10º)
Entre 16/11/2007 e 31/12/2008 a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho dia de descanso compensatório não gozado. (11º)
De 01/01/2009 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019, a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias), sem prejuízo da al. D) dos Factos Assentes. (12º)
De 01/01/2009 a 31/07/2010 e de 26/08/2010 a 29/10/2019 a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (13º)
A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (14º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Das compensações devidas pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal na vigência do DL nº 24/89/M:
O recurso do Autor nesta parte não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte, no sentido de que a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
A título exemplificativo, citamos os Acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos 778/2010, 376/2012 e 61/2014 e 582/2014.
Nesta conformidade, o Autor tem o direito a receber:
Descanso semanal: MOP$240 x 388/7 x 2 = MOP$26,400.00.
*
2. Da compensação devida pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal na vigência da Lei nº 7/2008:
Este TSI tem entendido, de forma unânime, que o trabalho prestado ao sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Por outro lado, “(...) uma coisa é a continuidade das actividades de casino, outra coisa é a inviabilidade de assegurar aos seus guardas de segurança o gozo de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas num período de sete dias.
Não podemos aceitar que, dado o número gigantesco, que aliás é facto notório, dos elementos do pessoal de segurança da B, como é que não é viável mobilizá-los por forma a conciliar o normal funcionamento dos casinos com a não prestação de serviço por um número razoável dos guardas de segurança durante apenas vinte e quatro horas em cada período de sete dias!
Aliás, se é viável, (...) o gozo pelo Autor de um dia de descanso ao oitavo dia, não se vê por quê motivo não é viável o gozo do tal dia ao sétimo dia!
De qualquer maneira, o dito oitavo dia que o Autor gozou nunca é qualificável como descanso semanal a que se refere o art. 42.º da Lei n.º 7/2008 (...)” (Cfr. o Ac. do TSI n.º 944/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia, antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008.
Neste conformidade, o Autor tem o direito de receber MOP$166,241.20:
De
A
Remuneração
N.º de dias
Total
01/01/2009
31/07/2010
$240.00
77
$18,480.00
26/08/2010
31/01/2011
$250.00
21
$5,250.00
01/02/2011
31/12/2011
$262.50
44
$11,550.00
01/01/2012
31/01/2013
$288.77
53
$15,304.81
01/02/2013
31/12/2013
$306.10
47
$14,386.70
01/01/2014
31/08/2014
$321.40
30
$9,642.00
01/09/2014
31/12/2014
$348.07
17
$5,917.19
01/01/2015
31/12/2018
$365.50
193
$70,541.50
01/01/2019
31/03/2019
$385.50
12
$4,626.00
01/04/2019
29/10/2019
$405.50
26
$10,543.00
*
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$192,641.20 (MOP$26,400.00 + MOP$166,241.20), com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
*
Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 11 de Maio de 2023.
Ho Wai Neng
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2o Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(1o Juiz-Adjunto)
Declaração de voto vencido
Para o trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que consiste, a meu modesto ver, na soma do salário diário em singelo mais um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que entre 16/11/2007 e 31/12/2008 o autor já recebeu da ré B o salário diário em singelo, assim para efeito de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, teria direito a receber apenas mais um dia de acréscimo, sob pena de estar o autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º, o autor iria receber quatro dias de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula aplicada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, no âmbito no Decreto-Lei n.º 24/89/M.
5
196/2023