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Processo nº 877/2019
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data do Acórdão: 11 de Maio de 2023

ASSUNTO:
- Revisão de sentença
- Contraditório

SUMÁRIO:
- Sendo uma das partes incapaz e sendo a sua representação atribuída à parte contrária, foi violado o princípio do contraditório;
- Não tendo sido respeitado o princípio do contraditório no processo onde foi proferida a decisão a rever, não pode esta ser confirmada.


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Rui Pereira Ribeiro




Processo nº 877/2019
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data: 11 de Maio de 2023
Requerente: A
Requeridos: B e C
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
  B e C que também usa C1, ambos, também, com os demais sinais dos autos.
  
  Citada a Requerida B para querendo contestar esta silenciou.
  Citado o Requerido C que também usa C1 veio este fazê-lo invocando que na acção a rever a Autora por ser sua mãe também ali o representou por ser menor o que por ser evidente o conflito de interesses equivale à violação do princípio do contraditório, a revisão da sentença em causa consistiria numa violação da ordem pública por uma das partes ter sido representada pela outra em manifesto conflito de interesses, bem como, por à situação subjacente ser aplicável o direito de Macau e a solução de acordo com o direito de Macau ser mais favorável ao Requerido.
  A Requerente respondeu à contestação apresentada pugnando pela procedência do pedido de revisão.
  Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

1. Pelo Tribunal Popular Intermédio da Cidade Zhuhai da Província Guangdong foi proferida sentença em 06.09.2018 e transitada em julgado em 12.11.2018 com o seguinte teor:
«Sentença Civil
(2017) 粵04民初79號
(粵 (Província Guang Dong), 04 (4º Juízo), 民 (civil), 初 (1º Julgamento), 79號 (n.º 79))
 A Autora: A, do sexo feminino, nascido de 21 de Janeiro de 1982, residente da RAEM, residente na XXX, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM n.º XXX.
 Mandatário Judicial delegado: XXX, advogado do Escritório do Advogado XXX, na Província Guang Xi.
 A Ré: B, do sexo feminino, nascido de 25 de Abril de 1990, da etnia HAN, residente na XXX, Cidade Huai Nan, Província An Hui, titular do Bilhete de Identidade de Residente da República Popular da China n.º XXX.
 O Réu: C, do sexo masculino, nascido de 22 de Novembro de 2014, residente da RAEM, residente na XXX, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM n.º XXX.
 Representante Legal: A, é a mãe do C.
 Quanto aos conflitos surgidos no contrato de doação entre a Autora A e os Réus B e C, em 1/8/2017, o presente tribunal instruiu o processo e admitiu o caso, formou legalmente o tribunal colectivo e realizou o julgamento público. A Autora A e o seu mandatário judicial delegado XXX, o Réu C e a sua representante legal A compareceram no tribunal para intervenção, a Ré B foi legalmente citada pelo tribunal mas nunca compareceu no tribunal, a presente acção foi julgada, nos termos da lei, à revelia da Ré.
 Os pedidos da Autora A são os seguintes: 1. Julga que os seguintes bens pertencem à Autora A, 1) O estacionamento de veículos automóveis n.º A077 situado na cave, em n.º 1666 da Rua Jiu Zhou, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong (direito de propriedade n.º 粵 (Província Guang Dong) 房地權證 (direito de propriedade) 珠字 (Cidade Zhu Hai) 0100156723); 2) A fracção 1801 do Bloco 12º, n.º 1666 da Rua Jiu Zhou, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong (direito de propriedade n.º 粵 (Província Guang Dong) 房地權證 (direito de propriedade) 珠字 (Cidade Zhu Hai) 0100145690); 3). A fracção 103 do Bloco 58º do Edifício Dong Cheng Yi Shu, Aldeia San Xiang, Cidade Zhong Shan, Província Guang Dong (direito de propriedade: n.º 粵 (Província Guang Dong) 2015 中山市 (Cidade Zhong Shan) 不動產權 (propriedade do bem imóvel) 003381); 4) 4 Automóveis, respectivamente, com chapa de matrícula n.º 粵 (Província Guang Dong) CN4466, de marca Mazda, n.º粵 (Província Guang Dong) CWL602, de Marca Honda, tipo: Odyssey, n.º粵 (Província Guang Dong) CWL900, de marca Dong Feng, tipo: Peugeot, e n.º粵 (Província Guang Dong) Z.M417/澳 (Macau) MQ3618, de marca Toyota, de tipo Alphard; 5) As retribuições das duas apólices, D é o beneficiário e o tomador do seguro (apólices n.º 00045766 e 00019994, ou seja, Plano de Investimento Ieng Choi 101); 2. Julga que a Ré B e o Réu C apoiem a modificação dos bens relatados no pedido 1 à Autora A; 3. Julga que os Réus assumam as custas processuais do caso.
 Os factos e fundamentos da petição inicial apresentada pela Autora A são os seguintes: D e a Autora A eram casal, D tem uma filha B e um filho C. Em 16/1/2016, por via de assinou um acordo de cessão gratuita, D cessou gratuitamente os bens à Autora A, no entanto, em 26/01/2016, D faleceu por câncer, causando que não conseguiram transferir os bens envolvidos no caso à Autora A. No presente caso, os Rés são herdeiros legais do D, a sucessão de propriedade solicita a liquidação das dívidas do autor da herança. Com a intenção de garantir os legítimos direitos e interesses da Autora A, a Autora A intentou uma acção ao presente tribunal e requer o apoio do tribunal.
 Quanto à petição da Autora A, o Réu C não tem parecer.
 A Ré B não apresentou o parecer contestável.
 No tocante aos pedidos, a Autora A entregou ao presente tribunal as seguintes provas:
1. Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM da Autora A, Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM do Réu C, Bilhete de Identidade de Cidadão e Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM do D, a identificação da B; 2. Livro de Registo Comercial, registos de pagamento do seguro social da A; 3. Certificado do Óbito do D, as fotos dos pais do D na lápide; 4. Acordo de cessão gratuita; 5. 4 Títulos de Propriedade de Automóvel; 6. 3 Títulos de Propriedade de Prédio; 7. 2 Apólices; 8. Certidão de Casamento da Autora A, Certidão da situação dos seus familiares.
 Segundo os factos apurados, antes do seu óbito, D era residente permanente da RAEM, a Autora A era residente não permanente da RAEM, em 17/11/2011, as partes registaram-se o casamento na cidade Lai Bin da Província Guang Xi, na Região Autónoma da Etnia Zhuang, e em 1/12/2014, as partes deram vida ao filho C. Em 26/1/2016, D faleceu por doença, os pais do D faleceram antes do D, a Autor A declarou que D e a ex-esposa dele têm uma filha B.
 D é o proprietário do estacionamento de veículos automóveis n.º A077 situado na cave, em n.º 1666 da Rua Jiu Zhou, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong (direito de propriedade n.º 粵 (Província Guang Dong) 房地權證 (direito de propriedade) 珠字 (Cidade Zhu Hai) 0100156723), da fracção 1801 do Bloco 12º, em n.º 1666 da Rua Jiu Zhou, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong (direito de propriedade n.º 粵 (Província Guang Dong) 房地權證 (direito de propriedade) 珠字 (Cidade Zhu Hai) 0100145690), da fracção 103 do Bloco 58 do Edifício Dong Cheng Yi Shu, Aldeia San Xiang, Cidade Zhong Shan, Província Guang Dong (direito de propriedade: n.º 粵 (Província Guang Dong) 2015 中山市 (Cidade Zhong Shan) 不動產權 (propriedade do bem imóvel) 003381) e dos 4 automóveis, respectivamente, com chapa de matrícula n.º 粵 (Província Guang Dong) CN4466, de marca Mazda, n.º粵 (Província Guang Dong) CWL602, de Marca Honda, tipo: Odyssey, n.º粵 (Província Guang Dong) CWL900, de marca Dong Feng, tipo: Peugeot, e n.º粵 (Província Guang Dong) Z.M417/澳 (Macau) MQ3618, de marca Toyota, de tipo Alphard, alémdisso, D é o beneficiário e o tomador do seguro das duas apólices (n.º 00045766 e 00019994, ou seja, Plano de Investimento Ieng Choi 101), quanto à fracção 103 do Bloco 58 do Edifício Dong Cheng Yi Shu, Aldeia San Xiang, Cidade Zhong Shan, Província Guang Dong, regista-se o nome de “n.º 3 do Bloco 58 do Edifício Yi Shu, Aldeia San Xiang” no contrato de compra e venda de habitação comercial.
 Em 16/1/2016, D e A assinaram o acordo de cessão gratuita, respectivamente com estado de primeiro outorgante e de segundo outorgante, a expor principalmente o seguinte: 1. O primeiro outorgante vem doar os seguintes bens imoveis ao segundo outorgante, esta situação foi aceite pelo segundo outorgante: 1) O primeiro outorgante vem doar gratuitamente o estacionamento de veículos automóveis n.º A077 situado na cave, em n.º 1666 da Rua Jiu Zhou, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong (direito de propriedade n.º 粵 (Província Guang Dong) 房地權證 (direito de propriedade) 珠字 (Cidade Zhu Hai) 0100156723) ao segundo outorgante; 2) O primeiro outorgante vem doar gratuitamente a fracção 1801 do Bloco 12º, em n.º 1666 da Rua Jiu Zhou, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong (direito de propriedade n.º 粵 (Província Guang Dong) 房地權證 (direito de propriedade) 珠字 (Cidade Zhu Hai) 0100145690) ao segundo outorgante; 3). O primeiro outorgante vem doar gratuitamente a fracção 103 do Bloco 58 do Edifício Dong Cheng Yi Shu, Aldeia San Xiang, Cidade Zhong Shan, Província Guang Dong ao segundo outorgante, n.º do contrato: HTN2013071565; 2. O primeiro outorgante vem doar gratuitamente 4 automóveis ao segundo outorgante, respectivamente com chapa de matrícula n.º 粵 (Província Guang Dong) CN4466, de marca Mazda, n.º粵 (Província Guang Dong) CWL602, de Marca Honda, tipo: Odyssey, n.º粵 (Província Guang Dong) CWL900, de marca Dong Feng, tipo: Peugeot, e n.º粵 (Província Guang Dong) Z.M417/澳 (Macau) MQ3618, de marca Toyota, de tipo Alphard, esta situação foi aceite pelo segundo outorgante; 3. O primeiro outorgante vem doar gratuitamente as duas apólices (n.º 00045766 e 00019994, ou seja, Plano de Investimento Ieng Choi 101) ao segundo outorgante, D é o beneficiário e o tomador do seguro, esta situação foi aceite pelo segundo outorgante; 4. Quanto aos bens do casal registados sob o nome do segundo outorgante, o segundo outorgante goza da propriedade dos bens acima referidos, o primeiro outorgante desiste da compropriedade; 5. O primeiro outorgante e o segundo outorgante concordam que o presente acordo é aplicável à lei do continente da China, o tribunal da situação do segundo outorgante trata-se do assunto dos bens; 6. O presente acordo é elaborado em duplicado, ficando cada parte com um exemplar, o acordo entrará em vigor após ser assinada pelas duas partes, produzindo os mesmos efeitos: 7. Após a cessão, a Autora A deve levantar o numerário no valor de 500.000,00 dos bens supracitados do primeiro outorgante, a fim de dá-lo à filha B como dote.
 O presente tribunal delega o Laboratório de Peritagem Hua Sheng da Província Guang Dong para efectuar a perícia quanto à assinatura feita pelo D nas duas páginas do acordo de cessão gratuita e à assinatura feita pela mesma pessoa no contrato de compra e venda de habitação comercial que foi autenticado antes do falecimento do D, segundo o parecer emitido pelo Laboratório de Peritagem Hua Sheng da Província Guang Dong, a assinatura feita pelo D na 1ª página do acordo de cessão gratuita era igual com a assinatura do exemplo, ou seja, era a mesma pessoa que assinou os documentos; e além disso, a assinatura feita na 2ª página do acordo de cessão gratuita também era igual com a assinatura do exemplo.
 Do entendimento do presente tribunal, a Autora A, o Réu C são residentes de Macau, por isso, o presente caso trata-se do conflito surgido no âmbito do contrato de doação, objecto da presente acção envolve residentes de Macau. O acordo de cessão gratuita envolvido no caso convenciona que o acordo é aplicável à lei do interior da China, o tribunal da situação da Autora A tratar-se do assunto supracitado. Por outro lado, a Autora A reside na Cidade Zhu Hai da Província Guang Dong, por isso, o presente tribunal é competente. Nos termos do artigo 41º da Lei da República Popular da China sobre a Escolha da Lei para Relações Civis Relacionadas ao Exterior, o presente caso é aplicável à lei do interior da China.
 Conforme o conteúdo do acordo de cessão gratuita, convencionaram no acordo que D vem doar gratuitamente os seus bens à Autora A, esta situação foi aceite pela Autora A, por isso, o acordo pertence ao contrato de doação. Depois de apreciou as assinaturas feitas pelo D no acordo de cessão gratuita, verificaram que as assinaturas são verdadeiras, aquele acordo é a vontade real das partes, também é legal e válido. Nos termos do artigo 186º do Direito dos Contratos da República Popular da China, “Antes de transferir os direitos de propriedade da doação, o doador pode revogar a doação”, nos termos do artigo 193º, “Nos casos em que o doador é falecido ou incapacitado devido a um ato ilegal do doado, seu herdeiro ou agente legal pode revogar o presente”, como os pais do D faleceram antes do D, por isso, os herdeiros do D são a mulher A, a filha B e o filho C, e além disso, antes do falecimento, D não revogou a doação, e agora, não há provas de que o falecimento do D foi causado pela Autora A, por isso, o acordo de cessão gratuita ainda produz efeitos jurídicos. A Autora A solicitou os herdeiros, ou seja, a Ré B e o Réu C, para apoiar a Autora A a tratar-se dos trâmites de transferência dos direitos de propriedade dos bens doados envolvidos no caso, o presente tribunal prevalece o entendimento. Nos termos do artigo 14º do Direito de Propriedade da República Popular da China, “A criação, alteração, transferência ou eliminação do direito real de um bem imóvel deve, no caso de registrado conforme exigido por lei, entrará em vigor a partir da data em que for registrado no real registro de propriedade”, do artigo 23º, “A criação ou transferência do direito real de uma propriedade móvel entrará em vigor mediante entrega, salvo disposição legal em contrário”, a Autora A não foi modificado como proprietário dos três prédios envolvidos no acordo de cessão gratuita, por causa disso, a Autora A solicita a confirmação de que ela goza da propriedade dos três prédios, o tribunal não prevalece o entendimento; quanto aos 4 automóveis e às duas apólices envolvidas no acordo de cessão gratuita, já entregaram-nos à Autora A, a Autora A solicita a confirmação de que ela goza da propriedade de todos os bens móveis acima referidos, o tribunal prevalece o entendimento.
 Além disso, conforme o conteúdo do acordo de cessão gratuita, convencionaram no acordo que após a sucessão, a Autora A deve levantar o numerário no valor de 500.000,00 dos bens supracitados do D, a fim de dá-lo à filha B como dote, aquela convenção é o dever anexo à doação, a Autora A, como donatária, deve cumprir o dever da convenção.
 Pelo exposto, a Autora A solicitou a confirmação de que os direitos de propriedade dos prédios envolvidos no caso pertencem à Autora, como não há fundamentos de direito, o tribunal não prevalece o entendimento da Autora; quanto a outros pedidos, como há factos e fundamentos de direito, o tribunal prevalece o entendimento da Autora. Nos termos do artigo 41º da Lei da República Popular da China sobre a Escolha da Lei para Relações Civis Relacionadas ao Exterior, do artigo 186º e do artigo 193º do Direito dos Contratos da República Popular da China, do artigo 14º e do artigo 23º do Direito de Propriedade da República Popular da China, do artigo 144º da Lei de Processo Civil da República Popular da China, decidindo:
1) Confirma que a propriedade dos 4 automóveis (respectivamente, com chapa de matrícula n.º CN4466, de marca Mazda, n.º CWL602, de Marca Honda, tipo: Odyssey, n.º CWL900, de marca Dong Feng, tipo: Peugeot, e n.º粵Z.M417/澳MQ3618, de marca Toyota, de tipo Alphard) e as retribuições das duas apólices (n.º 00045766 e 00019994, ou seja, Plano de Investimento Ieng Choi 101) pertencem à Autora A;
2) A Ré B e o Réu C apoiam a Autora A a tratar-se da modificação dos bens relatados no artigo 1º;
3) A Ré B e o Réu C apoiam a Autora A a tratar-se da modificação da propriedade dos seguintes bens à Autora A: o estacionamento de veículos automóveis n.º A077 situado na cave, em n.º 1666 da Rua Jiu Zhou, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong (direito de propriedade n.º 粵 (Província Guang Dong) 房地權證 (direito de propriedade) 珠字 (Cidade Zhu Hai) 0100156723), a fracção 1801 do Bloco 12º, em n.º 1666 da Rua Jiu Zhou, Cidade Zhu Hai, Província Guang Dong (direito de propriedade n.º 粵 (Província Guang Dong) 房地權證 (direito de propriedade) 珠字 (Cidade Zhu Hai) 0100145690), a fracção 103 do Bloco 58 do Edifício Dong Cheng Yi Shu, Aldeia San Xiang, Cidade Zhong Shan, Província Guang Dong (direito de propriedade: n.º 粵 (Província Guang Dong) 2015 中山市 (Cidade Zhong Shan) 不動產權 (propriedade do bem imóvel) 003381);
4) Absolve outros pedidos da Autora A.
Os Réus B e C serão assumir a despesa de admissão no valor de RMB¥54.226,05.
Caso inconformado, a Autora A, o Réu C e a Ré B podem apresentar a petição de recurso ao Supremo Tribunal Popular da Província Guang Dong dentro do prazo de 15 dias a partir da entrega da presente sentença, bem como as cópias apresentadas conforme o número das pessoas da parte contrária.
Juiz Presidente XXX
Juiz XXX
Assessor de Pessoas XXX
Aos 6/9/2018
Está conforme.
Escrivão XXX», tudo conforme resulta dos documentos de fls. 9 a 20 e que aqui se dão por reproduzidos.

b) Do Direito

  De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
  Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
  Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
  «1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
  a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
  b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
  c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
  d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
  e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
  f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
  2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
  
  Vejamos então.
  
  Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Popular Intermédio da Cidade Zhuhai da Província Guangdong foi proferida a sentença objecto destes autos a qual versa sobre uma cessão gratuita (doação) que o falecido marido da agora Requerente e pai dos Requeridos haveria feito à Requerente ali Autora e que segundo a qual lhe eram atribuídos determinados bens móveis e imóveis e outros direitos naquela referidos, vindo o tribunal a reconhecer que os bens ali elencados pertencem à Autora.
  Compulsada a certidão junta nada há que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, estando assim preenchido o pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente resulta da certidão junta que a decisão se tornou definitiva o que equivale nos termos da legislação da China Continental a que já transitou em julgado, não provindo de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  
  Invoca-se contudo em sede de contestação a violação do princípio do contraditório no que concerne ao requerido C.
  Como resulta da sentença a rever C nasceu em 22.11.2014 sendo ainda hoje menor.
  Como também resulta da referida sentença C Réu na referida acção foi ali representado por sua mãe a qual por sua vez era Autora na acção.
  É certo que a representação dos menores cabe em primeira linha a seus pais se não estiverem impedidos de exercer o poder paternal contudo esta regra cede quando há conflitos de interesse entre o menor e o progenitor que o representa.
  Pese embora o Código Civil da China a partir do artº 17º do Livro I Princípios Gerais defina quais os actos que podem ser praticados por um menor e regule a representação dos menores e incapazes na secção 2 do mesmo Livro, destinada à Tutela artº 26º a 39º, nem nas indicadas normas, nem no Livro V que regula o casamento e família, se encontra uma norma de conteúdo idêntico ao nº 2 do artº 1736º do C.Civ.
  Contudo, daí não se pode concluir ser legítimo que em caso de conflito de interesses entre o legal representante e o menor este continue a ser representado por aquele, uma vez que as situações em que a actuação do tutor possa por em causa o tutelado são proibidas nos termos das indicadas normas.
  Por outro lado, independentemente de qual for o regime legal da jurisdição de onde provém a sentença a rever, o princípio do contraditório tem de ter sido cumprido no processo onde foi proferida a decisão a rever, sob pena de nos termos da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC a decisão não poder ser confirmada.
  O princípio do contraditório exige que todas as partes sujeitos de uma acção possam sustentar a sua posição e defender-se.
  Sobre esta matéria veja-se Viriato de Lima em Manual de Direito Processual Civil, 3ª Ed. pág. 18 e seguintes de onde podemos retirar os seguintes trechos:
  «1. Noção: O processo é organizado em forma contraditória, como debate entre as partes. Perante a apresentação de uma questão por uma das partes, deve ser facultada à outra parte a possibilidade de sobre ela se pronunciar. Relativamente às questões e diligências de iniciativa do tribunal deve ser dada às partes a possibilidade de se pronunciarem ou de intervirem.
  (…)
  Prevalece hoje em dia uma concepção mais lata do princípio do contraditório, como “garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. Fala-se agora, menos, do princípio do contraditório como defesa, e mais como influência, no sentido positivo de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.».
  Ora, o que sucedeu no processo onde foi proferida a decisão a rever objecto destes nossos autos é que um dos Réus foi representado pela Autora quando os seus interesses são manifestamente conflituantes, pois se assim não fosse estavam ambos na acção na mesma posição fosse como Autores ou Réus.
  A situação subjacente à decisão a rever pode resumir-se a que o marido e pai faleceu e a mãe pretende que lhe seja reconhecida a propriedade de bens que fazem parte da herança, reduzindo o acervo hereditário e aquilo que o filho pode vir a herdar.
  Como poderia a mãe exercer adequada e correcta representação dos interesses do filho se aquilo que pedia ia contra os interesses deste?
  Na situação do processo onde foi proferida a decisão a rever é evidente que o Réu e aqui Requerido C não podendo exercer o seu direito de defesa devido à incapacidade em função da menoridade e sendo representado por quem contra si dirigia a acção não pode nem teve a oportunidade de exercer o contraditório.
  Não tendo sido observado o princípio do contraditório e da igualdade das partes exigido na alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC como requisito para a que a decisão de tribunal exterior a Macau seja confirmada, não pode esta sê-lo – revista e confirmada -.
  
  A respeito da violação do princípio do contraditório invoca-se na contestação que a decisão a rever ofende a ordem pública.
  Não podemos concordar de forma alguma.
  O resultado incompatível com a ordem pública tem a ver com o conteúdo da decisão e a ordem que é emanada pelo tribunal.
  O que se faz na decisão a rever é reconhecer que determinado sujeito por força de um contrato que se entendeu ser válido é o titular do direito a determinados bens, situação esta que em nada contende com a ordem pública de Macau.
  
  Mais se invoca também que por se tratar do registo de um automóvel nos termos do nº 3 do artº 45º do C.Civ. a decisão havia de ter aplicado o direito de Macau e que a decisão seria mais favorável para o requerido C se lhe fossem aplicadas as regras da sucessão de Macau.
  Também aqui não concordamos.
  O que está em causa na decisão a rever como já se disse é a validade de um contrato e reconhecer-lhe os seus efeitos cujas normas de conflito – artº 40º e seguintes do C.Civ. – não afastam a possibilidade de poder ser resolvido de acordo com a Lei da China Continental, sendo que daí e da sentença a rever nada resulta que vá contra o disposto no nº 3 do artº 45º do C.Civ. por se tratar de um veículo automóvel uma vez que este pode ser transmitido por contrato verbal e revista a decisão há documento bastante para o efeito.
  No que respeita à sucessão esta é regulada pela lei pessoal do “de cujus” sendo certo que, mais uma vez a decisão a rever não trata da sucessão mas da validade e efeitos de um contrato.
  Se depois por força dos efeitos desse contrato houve inoficiosidades nas doações feitas pelo “de cujus” será algo a tratar na sucessão de acordo com a lei que lhe for aplicável, o que sendo de nacionalidade Chinesa e Residente permanente de Macau haveria que resolver nos termos do artº 30º do C.Civ., sendo certo que, a decisão a rever não trata da sucessão.
  Pelo que, não se aplica ao caso o invocado nº 2 do artº 1202º do CPC.
  
  Destarte ficando prejudicada a apreciação dos demais requisitos para a revisão da sentença objecto destes autos por inútil face à não verificação do requisito da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC, requisitos estes que são de verificação cumulativa, impõe-se concluir pela não confirmação da sentença proferida por tribunal exterior a Macau.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a acção não confirmando a decisão proferida pelo Tribunal Intermédio da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong objecto destes autos.
  Custas pela Requerente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 11 de Maio de 2023
  
  Rui Pereira Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (1º Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (2º Adjunto)




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REV e CONF DE DECISÕES