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Processo n.º 226/2023
(Autos de recurso cível)

Data: 18/Maio/2023
Descritor: Prazo para requerimento da falência

SUMÁRIO
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1083.º do CPC, verifica-se a caducidade da acção de falência quando o credor tomou conhecimento, há mais de dois anos, que o devedor, atento o montante e as circunstâncias do incumprimento, já se encontrava impossibilitada de liquidar a dívida, ou seja, o seu património já não era suficiente para o efeito.
A mera resolução dos contratos não implica necessariamente que o devedor se encontrava impossibilitado de liquidar as dívidas ou o seu património não era suficiente para o efeito, havendo necessidade de ponderar as circunstâncias do caso concreto.
No caso em apreço, atento o facto de que já antes de avançar com a resolução dos contratos, o credor ora recorrente já estava ciente da incapacidade do devedor de cumprir com as suas obrigações, tendo a situação ficado insuportável, andou bem o juiz a quo ao julgar procedente a excepção de caducidade da acção, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1083.º do CPC, por já ter decorrido o prazo de dois anos.

       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 226/2023
(Autos de recurso cível)

Data: 18/Maio/2023

Recorrente:
- A-Property Development Company Limited (requerente da falência)

Recorrida:
- B Ltd (requerida)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A-Property Development Company Limited, com sinais nos autos (doravante designada por “requerente” ou “recorrente”) intentou a acção especial de falência contra a sociedade B Ltd, melhor identificada nos autos (doravante designada por “requerida” ou “recorrida”).
Inconformada com a decisão que julgou procedente a excepção de caducidade da acção que havia sido invocada pela requerida e que, em consequência, absolveu-a do pedido, recorreu a requerente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. Vem o presente recurso interposto da decisão de fls. 2053 e 2053v que, julgou procedente a excepção de caducidade da acção que havia sido invocada pela Recorrida e que, em consequência, julgou o requerimento de falência improcedente, absolvendo a Recorrida do pedido.
     2. Na resposta que a Recorrente apresentou à excepção de caducidade da acção invocada pela Recorrida, a Recorrente alegou diversas circunstâncias factuais que revelavam que a Recorrida estava impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, e que todas essas circunstâncias eram muito posteriores à data da resolução do contrato com a Recorrida, a saber:
     3. Alegou o facto de a Recorrente só ter tido conhecimento da inexistência de bens da Recorrida através das buscas efectuadas pela 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, no âmbito de um procedimento cautelar de Arresto que ali correu termos sob o n.º CV2-21-0008-CPV, de que a Recorrente só teve conhecimento a 10 de Dezembro de 2021 e 7 de Janeiro de 2022.
     4. Alegou o facto de, no dia 14 de Maio de 2021, ter sido publicado um edital (n.º 24/2021) de uma execução instaurada contra a Recorrida pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, para pagamento de multas e salários em atraso aos seus trabalhadores.
     5. Alegou o facto de, no dia 3 de Setembro de 2021, ter sido afixado um outro edital, a citar a Recorrida para uma acção ordinária decorrente da falta de pagamento de rendas relativas ao arrendamento de um armazém.
     6. Alegou o facto de, no dia 14 de Setembro de 2021, a Recorrente ter tido conhecimento da existência de um outro processo de execução ordinária movido contra a Recorrida, com uma quantia exequenda de MOP$62.251.956,75.
     7. Os factos alegados pela Recorrente, quer na sua Petição Inicial, quer na sua resposta à excepção invocada pela Recorrida, não poderiam ser ignorados pelo Tribunal a quo, porque demonstram que não foi a mera resolução dos contratos a determinar a existência de um motivo para o requerimento de falência, mas sim todas as circunstâncias posteriores a essa resolução.
     8. O despacho recorrido não se pronunciou sobre nenhum destes factos pelo que, e nos termos conjugados dos artigos 571º, n.º 1 al. d) e 569º, n.º 3 do CPC, deverá ser declarada a nulidade da decisão ora em crise, por omissão de pronúncia sobre questões alegadas pela Recorrente que se mostravam relevantes para a boa decisão da causa e sobre as quais deixou o Douto Tribunal a quo de se pronunciar. Por outro lado,
     9. A decisão do Tribunal a quo baseou-se no entendimento de que o prazo de dois anos a que se refere o artigo 1083º, n.º 1 do CPC deveria começar a contar-se desde a data da resolução dos dois contratos celebrados entre a Recorrente e a Recorrida. Porém,
     10. O facto de um contrato ser resolvido e de desse contrato resultarem créditos não faz com que, automaticamente, se deva considerar que o devedor está em situação de falência.
     11. Um empresário comercial está em situação de falência quando se encontra “impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações” (cfr. art. 1043º do CPC), estabelecendo o artigo 1082º do CPC vários motivos de declaração de falência que, entendeu o legislador, evidenciarem essa impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações.
     12. A mera resolução de um contrato, do qual resultem créditos, não se enquadra em nenhum dos motivos de declaração da falência referidos no artigo 1082º, al. a) do CPC, nem nunca a Recorrente alegou que o requerimento de falência da Recorrida que apresentou tinha como “motivo” a resolução dos contratos.
     13. A resolução dos contratos com a Recorrida e os consequentes créditos que daí resultaram foram alegados em cumprimento do estipulado no artigo 1085º, n.º 1 do CPC, que determina a necessidade de justificação da “origem”, da “natureza” e do “montante” do crédito.
     14. As circunstâncias pelas quais a Recorrente entendeu que a Recorrida estava em situação de falência são posteriores ao momento da resolução dos contratos, e não se confundem com aquelas.
     15. O fundamento da Requerente para o pedido de declaração de falência da Requerida vai muito para além do incumprimento dos referidos contratos e da sua resolução.
     16. As circunstâncias que levaram a Recorrente a requerer a falência da Recorrida foram isso sim, aquelas já atrás referidas aquando da alegação da nulidade da sentença:
     - as buscas efectuadas pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, no âmbito do procedimento cautelar de Arresto que revelaram que a Recorrida não tinha quaisquer bens (das quais a Recorrente teve conhecimento a 10 de Dezembro de 2021 e a 7 de Janeiro de 2022) (cfr. artigo 91º da P.I. e no documento n.º 197 junto com aquela);
     - o edital (n.º 24/2021) de Execução coactiva da ora Recorrida, afixado no dia 14 de Maio de 2021, mandado publicar, pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, que revela que a Recorrida tinha em dívida multas e salários aos seus trabalhadores (cfr. art. 95º da P.I. e documento n.º 200 junto com aquela);
     - o edital, de 3 de Setembro de 2021, a citar a Recorrida para uma acção ordinária que contra ela moveu a sociedade C, Limitada, decorrente da falta de pagamento de rendas relativas ao arrendamento de um armazém (cfr. art. 96º da P.I. e documento n.º 201 junto com aquela);
     - a existência de um processo de execução ordinária que foi movido contra a Recorrida e que corre os seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, sob o n.º CV1-20-0135-CEO, cuja quantia exequenda é no valor de MOP$62.251.956,75, do qual a Recorrente só teve conhecimento a 14 de Setembro de 2021 (cfr. art. 99º da P.I. e documento n.º 202 junto com aquela).
     17. Só com o efectivo conhecimento destes factos é que estão reunidos os pressupostos para que seja decretada a falência da Recorrida, pois são estes factos que demonstram que a Recorrida se encontra impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações.
     18. Considerando que tais factos remontam a um período compreendido entre Maio de 2021 e Janeiro de 2022, e sendo o requerimento de declaração de falência datado de 22 de Abril de 2022, tal Requerimento foi tempestivo.
     Nestes termos, e nos mais de Direito, requer-se a V. Exa. se digne julgar o presente recurso procedente e, em consequência, julgue improcedente, por não provada, a caducidade da acção invocada pela Recorrida, e seja ordenada a prossecução do processo de falência, seguindo-se os seus ulteriores termos até final.
     Só assim se fazendo inteira e sã, JUSTIÇA!”

Ao recurso respondeu a requerida nos seguintes termos conclusivos:
     “I. A Recorrente entende que a Decisão de fls. 2053 a 2053v é nula por omissão de pronúncia, razão que não lhe assiste.
     II. A Recorrente apresentou ainda uma nova tese relativamente aos motivos que alegadamente a levaram a requerer a declaração de falência da Recorrida, alegando assim que a Decisão recorrida interpretou erradamente as normas jurídicas relativas aos motivos da declaração de falência e ao prazo dentro do qual a declaração de falência pode ser requerida, alegação que também não pode proceder.
     Da (não) nulidade da Decisão recorrida por omissão de pronúncia
     III. O Despacho-Sentença em crise foi proferido na sequência da invocação pela Recorrida da excepção peremptória de caducidade, tendo a Recorrente sido notificada para se pronunciar sobre a excepção arguida pela Recorrida.
     IV. Após a realização de audiência prévia (vide Requerimento de fls. 2043 a 2049), o Tribunal a quo proferiu uma decisão, declarando caducado o direito de acção da Recorrente e, dest’arte, julgou a acção improcedente e absolveu a ora Recorrida do pedido.
     V. A Decisão recorrida cumpriu com o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, tal como previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571º do CPC.
     VI. O Tribunal a quo entendeu – e bem – que o motivo que levou a Recorrente a apresentar o pedido de declaração de falência da Recorrida foi a falta de cumprimento das obrigações decorrentes dos dois contratos celebrados entre ambos nos termos da alínea a) do artigo 1082º do CPC.
     VII. A Decisão recorrida especificou os fundamentos de facto (o motivo que levou a Recorrente a iniciar a acção para a declaração da falência foi a falta e cumprimento de obrigações que se verificou em 23/03/2020) e de direito (a Recorrente requereu a falência da Recorrida com fundamento na alínea a) do artigo 1082º do CPC; nos termos do artigo 1083º n.º 1 do do CPC, a declaração da falência pode ser requerida no prazo de 2 anos) que justificaram a decisão tomada.
     VIII. Quanto à previsão, na alínea d) do n.º 1 do artigo 571º do CPC, de nulidade da sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, não é despiciendo referir que a omissão de apreciação de determinadas questões suscitadas pelas partes só determina a nulidade da sentença se estiverem em causa questões que devam aí ser apreciadas e se tais questões se relacionarem com o objecto do litígio que importa resolver, sejam elas questões processuais (excepções) ou questões relacionadas com o fundo e mérito da pretensão.
     IX. Para que essa omissão importe a nulidade da decisão, a matéria cuja menção se omitiu teria de importar para a decisão, podendo levar a que a mesma tivesse um sentido diferente.
     X. A Decisão recorrida não deixa dúvidas quanto ao entendimento do Tribunal de que “na óptica da Requerente”, a falta de cumprimento de obrigações que serviram como motivo para provocar a presente acção para a declaração de falência foi aquela que levou a Recorrente a resolver os contratos em 23 de Março de 2020, sendo essa a data relevante a partir da qual começou a contar o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 1083º do CPC.
     XI. Tendo o Tribunal a quo doutamente decidido pela caducidade do direito de acção da Recorrente, absolvendo a Recorrida do pedido, ficou precludida a apreciação de quaisquer outras matérias alegadas neste procedimento falimentar, nomeadamente aquelas que a Recorrente entende determinarem a nulidade da Decisão em crise, porquanto tais alegações não são determinantes para a decisão tomada pelo Tribunal a quo.
     XII. Em momento algum do Requerimento Inicial, nomeadamente nos artigos 91º a 102º (os únicos que não dedicou aos Contratos) a Recorrente alegou que só tomou conhecimento de que a Recorrida estava impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações com a verificação de alguma das circunstâncias que descreve naqueles artigos.
     XIII. O Tribunal recorrido andou bem ao decidir que, tendo em consideração a factualidade apresentada no Requerimento Inicial, a Recorrente pediu a declaração de falência da Recorrida com base na alínea a) do artigo 1082º do CPC, ou seja, na falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações.
     XIV. Resulta evidente do conteúdo dos artigos 33º e seguintes e 68º e seguintes do Requerimento Inicial que a Recorrente entendeu que a Recorrida estava impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações antes de ter resolvido os Contratos.
     XV. É a própria Recorrente que o confessa no artigo 35º do Requerimento Inicial: “porém, e mesmo com todo o apoio financeiro que a Requerente se disponibilizou a prestar, a Requerida nunca se mostrou capaz de cumprir com as suas obrigações, tendo a situação ficado incomportável.”
     XVI. Nos termos do n.º 1 do artigo 1083º do CPC, “a declaração de falência pode ser requerida no prazo de 2 anos a contar da verificação de qualquer dos factos previstos no artigo anterior”.
     XVII. A Recorrente verificou a alegada incapacidade da Recorrida “de cumprir com as suas obrigações, tendo a situação ficado incomportável”, antes de 23 de Março de 2020, data da resolução contratual, conclusão a que também chegou o Tribunal recorrido.
     XVIII. E daí que a pronúncia sobre os argumentos apresentados pela Recorrente no Requerimento de fls. 2043 a 2049 não revista carácter necessário à boa decisão da causa, porquanto não afecta a decisão tomada.
     XIX. Nestes termos, a Decisão recorrida não padece de qualquer vício de nulidade por omissão de pronúncia, e deverá ser mantida na íntegra.
     Dos motivos para a declaração de falência da Recorrida
     XX. A Recorrente apresentou argumentos nas suas Alegações de Recurso para sustentar o seu pedido que diferem dos argumentos aduzidos no Requerimento Inicial, o que configura uma verdadeira alteração da causa de pedir e, dest’arte, não poderá ser admitida, devendo, inversamente, ser desconsiderada, pelo que esta parte do recurso também não poderá proceder.
     XXI. Ao contrário do que a Recorrente vem agora sustentar, as circunstâncias de que alega apenas ter tomado conhecimento entre Maio de 2021 e Janeiro de 2022 já eram do seu conhecimento em momento muito anterior.
     XXII. O edital de execução coactiva da Recorrida, mandado publicar pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais diz respeito a multas e salários em atraso dos trabalhadores que exerceram funções na obra da Recorrente ao abrigo dos Contratos celebrados entre as partes do pleito e que, após se terem manifestado no local da obra contra o atraso da Recorrida no pagamento dos seus salários, a Recorrente forçou aquela a despedi-los, pelo que não pode a Recorrente mostrar surpresa na publicação do edital quando a própria Recorrente é a única causadora dessa falta de pagamento.
     XXIII. A Recorrente também estava ciente da falta de pagamento de rendas relativas ao arrendamento de um armazém, pelo que também não é verdade que tenha tomado conhecimento desse facto pela publicação do edital a que faz referência no artigo 98º do Requerimento Inicial.
     XXIV. O processo de execução ordinária no montante de MOP62.251.956,75 foi, como a Recorrente bem sabe, motivado contra a Recorrida pelo banco emissor das garantias bancárias que a Recorrente acionou indevidamente aquando da sua resolução, também indevida, dos Contratos, pelo que a Recorrente também tinha conhecimento dessa dívida em momento muito anterior àquele que agora vem alegar.
     XXV. A Recorrente ocupou noventa por cento do seu Requerimento Inicial a tentar justificar com detalhe o seu fantasioso crédito sobre a Recorrida, no alegado montante de MOP311.935.078,57 (cfr. artigo 88º).
     XXVI. O requisito legal para a declaração de falência é a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações (cfr. artigo 1082º a) do CPC).
     XXVII. É a Recorrente quem reconhece expressamente, nomeadamente (mas não só) no artigo 34º do Requerimento Inicial que “mesmo com todo o apoio financeiro que a Requerente se disponibilizou a prestar, a Requerida nunca se mostrou capaz de cumprir com as suas obrigações, tendo a situação ficado incomportável, e tendo-se visto a Requerente forçada a resolver o contrato”, o que a Recorrente veio a fazer, por cartas registadas com aviso de recepção datadas de 23 de Março de 2020, nas quais também reclamou os valores alegadamente em dívida pela Recorrida e que constituem o fundamento para o Requerimento de Falência apresentado.
     XXVIII. Não colhe esta tese de que só a partir de Maio de 2021 é que a Recorrente tomou conhecimento de que a Recorrida estava impossibilitada de cumprir a sua obrigação.
     XXIX. Por todo o exposto, deverá o presente recurso, também quanto a esta parte, ser julgado improcedente, por não ser admitida a alteração da causa de pedir em sede de recurso e por as respectivas alegações não terem ficado provadas e serem desprovidas de fundamento legal, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida, que aplicou correctamente as normas dos artigos 1082º a) e 1083º n.º 1 do CPC.
     Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a douta Decisão proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a boa e sã JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Pelo juiz de primeira instância foi proferida a seguinte decisão, objecto do recurso:
“Da caducidade da acção:
Nos presentes autos vem a requerente requerer a falência da requerida com fundamento na alínea a) do artigo 1082º do CPC, isto é, por motivo de falta de cumprimento de obrigações da requerida, que pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações.
Dos artigos 3º a 25º do Requerimento Inicial vem a requerente alegar a falta de cumprimento da requerida, e vem concluir no artigo 25º do Requerimento Inicial que esse incumprimento é directamente imputável à requerida.
Alegando posteriormente nos artigos 37º e 71º do Requerimento Inicial que o contrato veio a ser validamente resolvido com aviso de recepção datada de 23-03-2020.
Assim, pelo menos, na óptica da Requerente, a falta de cumprimento de obrigações a qual serviu como motivo para provocar a presente acção para a declaração da falência (artigo 1082º al a) do CPC) da Requerida, se verificou na data supracitada, ou seja em 23/03/2020.
Dispõe o artigo 1083º n.º 1 do do CPC que a declaração da falência pode ser requerida no prazo de 2 anos, a contar da verificação de qualquer dos factos previstos no artigo anterior, ainda que o empresário comercial tenha deixado de exercer a sua actividade ou tenha falecido.
A requerente apenas apresentou a presente acção em 22/04/2022. De 23/03/2020 a 22/04/2022, já tinha ultrapassado o prazo de dois (2) anos. Ou seja, da verificação do facto alegado pela Requerente até à data da apresentação do requerimento da presente acção já tinha passado mais do que dois (2) anos.
Assim, caducado está o direito de acção da Requerente.
Caducada a acção, fica prejudicado o conhecimento da suspensão da instância alegada.
Nestes termos, por se verificar a caducidade da acção nos termos do artigo n.º 1 do artigo 1083º do CPC, julgo a acção improcedente, absolvendo a requerida do pedido.
Custas pela Requerente.
Notifique.”

A recorrente invoca a nulidade da decisão por omissão da pronúncia.
A nosso ver, sem mínima razão.
Estatui-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código do Processo Civil que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como observa Viriato de Lima1, “As nulidades da sentença da alínea d) – omissão e excesso de pronúncia – relacionam-se com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 563.º: o juiz tem de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e só se pode ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.”
Como se decidiu no Acórdão deste TSI, no âmbito do Processo n.º 867/2010, “a nulidade prevista na referida disposição legal só se verifica quando o tribunal ignora pura e simplesmente qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes. (…) Por isso se diz que, mesmo sem abordar algum dos fundamentos alinhados por elas, não é nula a sentença se esta contiver todos os argumentos de facto e de direito que a sustentam, ainda que, porventura, em erro de julgamento…”
No vertente caso, não se vislumbra que o juiz a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, antes analisou a questão consistente em saber se o pedido de falência foi apresentado tempestivamente, apenas não acompanhou os argumentos invocados pela recorrente.
Isto posto, não há nulidade por omissão da pronúncia.

Outra questão que cumpre resolver por esta instância é a de saber se já decorreu o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 1083.º do CPC.
Dispõe o n.º 1 do citado artigo que “A declaração da falência pode ser requerida no prazo de 2 anos, a contar da verificação de qualquer dos factos previstos no artigo anterior, ainda que o empresário comercial tenha deixado de exercer a sua actividade ou tenha falecido.”
Por sua vez, preceitua a alínea a) do artigo 1082.º do CPC que “A declaração da falência, (…) tem lugar desde que se prove algum dos seguintes factos: Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações (…)”
O juiz a quo entende que já decorreu o prazo de caducidade da acção previsto nas normas citadas supra, contado a partir de 23.3.2020, data de resolução dos contratos resultante da falta de cumprimento de obrigações.
Em nossa opinião, julgamos não merecer reparo a decisão recorrida.
Vejamos.
Verifica-se a caducidade da acção de falência quando a recorrente tomou conhecimento, há mais de dois anos, que a recorrida, atento o montante e as circunstâncias do incumprimento, já se encontrava impossibilitada de liquidar a dívida, ou seja, o seu património já não era suficiente para o efeito.
Coloca-se, assim, a questão de saber quando é que a recorrente tomou conhecimento de a recorrida se encontrar impossibilitada de liquidar as dívidas em causa.
Resulta do requerimento inicial que em 23.3.2020 a recorrente avançou com a resolução dos contratos por falta de cumprimento de obrigações da recorrida.
Convenhamos que, a mera resolução dos contratos não implica necessariamente que a recorrida se encontrava impossibilitada de liquidar as dívidas ou o seu património não era suficiente para o efeito, havendo necessidade de ponderar as circunstâncias do caso concreto.
E aquilo que tem relevância para a decisão é o facto de a recorrente ter admitido no seu requerimento inicial que a resolução dos contratos resulta da circunstância de a recorrida se encontrar impossibilitada de liquidar as suas dívidas.
Mais precisamente, alega a recorrente que:
- Face às grandes dificuldades que a recorrida foi demonstrando em conseguir a liquidez necessária para cumprir as usas obrigações, a recorrente providenciou suporte financeiro à recorrida, quer através de pagamentos adiantados, quer mediante pagamentos directos a fornecedores por forma a que a obra e os trabalhos da recorrida não sofressem mais vicissitudes, totalizando o montante de MOP81.186.000,00; (artigos 32.º e 33.º do requerimento inicial)
- Mesmo com todo o apoio financeiro que a recorrente se disponibilizou a prestar, a recorrida nunca se mostrou capaz de cumprir com as suas obrigações, tendo a situação ficado incomportável. (artigos 34.º do requerimento inicial)
- Porque a situação era insustentável, o contrato veio a ser validamente resolvido pela recorrente por carta registada com aviso de recepção datada de 23.3.2020. (artigo 37.º do requerimento inicial)
- E em relação ao outro contrato, alegou a recorrente que pela manifesta incapacidade de a recorrida demonstrar em terminar a obra, tornou-se a situação incomportável, e a recorrente viu-se forçada a resolver o contrato e a contratar terceiro para completar os trabalhos que a recorrida não conseguiu concluir. (artigo 68.º do requerimento inicial)
- Considerando que a situação era insustentável, o contrato veio a ser validamente resolvido pela recorrente por carta registada com aviso de recepção datada de 23.3.2020. (artigo 71.º do requerimento inicial)
Ora bem, tendo em consideração as circunstâncias fácticas acima descritas, é bom de ver que a situação financeira da recorrida não era boa, aliás estava cada vez pior, sendo que já antes de avançar com a resolução dos contratos, a recorrente já estava ciente da incapacidade da recorrida de cumprir com as suas obrigações, tendo a situação, conforme alegada pela recorrente, ficado insuportável.
Por isso, bem se vê que não podemos colher a tese de a recorrente só ter tomado conhecimento que a recorrida se encontrava impossibilitada de cumprir as suas obrigações a partir de Maio de 2021, pelo contrário, conforme as circunstâncias por ela alegadas, já no momento em que avançou com a resolução dos contratos, já tomou conhecimento que a recorrida se encontrava impossibilitada de liquidar as suas dívidas, pelo que andou bem o juiz a quo ao julgar procedente a excepção de caducidade da acção, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1083.º do CPC.
Por tudo o que se disse, não merece provimento o recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A-Property Development Company Limited, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
 RAEM, aos 18 de Maio de 2023
 
Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)
 
1 Manual de Direito Processual Civil, 3.ª edição, 2018, página 569
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Recurso Cível 226/2023 Página 9