Processo n.º 363/2023/A
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 1/Junho/2023
Requerente:
- A
Entidade requerida:
- Secretário para a Segurança
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, casada, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM, com sinais nos autos (doravante designada por “requerente”), vem, nos termos do artigo 120.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança (adiante designado por “entidade requerida”), de 17.3.2023, que declarou a nulidade da autorização de residência concedida à requerente.
A requerente invoca que o acto administrativo lhe causa prejuízo de difícil reparação e para os interesses que vai defender no recurso contencioso, e que não há grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão, nem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, vem pugnar pelo indeferimento do pedido.
*
O Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Nos termos previstos no n.º 2 do artigo 129º do CPAC, o Ministério Público vem emitir o seu parecer nos termos seguintes:
1.
A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança que declarou a nulidade da respectiva autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
A Entidade Requerida, devidamente citada, contestou.
2.
(i)
Decorre do disposto nos artigos 120º e 121º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
- a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
- a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
- do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
(ii)
No caso sujeito, verifica-se que a Requerente pretende a suspensão de eficácia de um acto de declaração de nulidade de um acto anterior de autorização de residência na RAEM, ou seja, um acto que se repercute sobre um status anterior, extinguindo-o ou, pelo menos, declarando a sua extinção, o qual consubstancia, portanto, um acto positivo e, como tal, suspensível.
Parece-nos, pois, legalmente admissível, face ao disposto na alínea b) do artigo 120º do CPAC, a peticionada suspensão de eficácia.
Por outro lado, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, sendo que, como se sabe, esta verificação ser reporta, no essencial, aos pressupostos processuais do recurso contencioso (v.g. a tempestividade do recurso ou a recorribilidade do acto) e não a qualquer juízo, ainda que perfunctório, sobre o respectivo mérito.
Mostra-se, assim, verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121º do citado diploma legal.
Também nos parece, ademais, que a suspensão de eficácia do acto, a ser decretada, não será susceptível de causar grave lesão do interesse público, pelo que se deve ter por verificado requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.
(iii)
Resta, pois, a questão de saber se a execução do acto suspendendo causará à Requerente, previsivelmente, prejuízo de difícil reparação.
Face à factualidade alegada pela Requerente e da qual resulta que a imediata execução do acto suspendendo teria consequências muito gravosas tanto para si como para os seis filhos menores em resultado da separação entre aquela e estes, e tendo presente a jurisprudência mais recente do Tribunal de Segunda Instância a propósito de situações que, no essencial, são semelhantes à que está em causa nos presentes autos, será de considerar que a execução do acto suspendendo causará à Requerente, previsivelmente, prejuízo de difícil reparação pelo que será de ter por preenchido o requisito a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC (vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos proferidos nos processos n.º 155/2023/A, 163/2023 e 262/2023/A e, por último, no processo n.º 33/2023).
3.
Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser deferido o pedido de suspensão de eficácia.”
*
Cumpre decidir.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e têm interesse processual.
Não existe nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do pedido.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta indiciariamente provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
A requerente apresentou em 2011 o seu pedido de permanência na RAEM, com o objectivo de fixar cá residência com o seu cônjuge.
Por despacho do Exm.º Secretário para a Segurança, de 17.3.2023, foi declarada a nulidade da autorização de residência concedida à requerente.
A requerente tem dois filhos menores.
Os filhos precisam de continuar a sujeitar-se a consultas periódicas de otorrinolaringologia, devido às frequentes infecções do trato respiratório superior e outras patologias.
A requerente é quem sempre acompanha os filhos menores nas idas ao médico, às consultas médicas, aos hospitais e clínicas privadas, e na obtenção da medicação junto das farmácias.
A execução imediata do acto administrativo vai-lhe causar a perda do actual emprego e impedi-la de cuidar e acompanhar o crescimento dos dois filhos de tenra idade (uma de 8 e outro de 5 anos de).
A saída da requerente da RAEM vai implicar a separação imediata das crianças da mãe, causando impactos à requerente e prejuízo para o desenvolvimento das crianças.
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A prova dos factos resulta dos documentos juntos aos autos e da confissão (face à não impugnação) da entidade requerida.
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O caso
A requerente é titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
Por despacho do Exm.º Secretário para a Segurança, foi declarada a nulidade da sua autorização de residência na RAEM.
Pede agora a suspensão de eficácia do referido acto administrativo.
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Acto de conteúdo positivo
Dispõe o artigo 120.º do Código do Processo Administrativo Contencioso que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Observa José Cândido de Pinho que “Há, porém, actos que, sem alterarem a situação jurídica anterior, apresentam ainda assim alguma vertente positiva, traduzida nalguma vantagem para a esfera do interessado. Trata-se de uma categoria de decisões em que há efectivamente uma utilidade na suspensão, se se concluir que deles advêm efeitos secundários positivos.” 2
Dito por outras palavras, o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo só é admissível quando o acto for positivo ou, tendo conteúdo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em crise consiste na declaração de nulidade da autorização de residência anteriormente concedida à requerente, a qual consubstancia um acto de conteúdo positivo, uma vez que com a execução do acto, a requerente perde o seu estatuto de residente permanente.
Daí que a eficácia do acto é susceptível de suspensão em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
De facto, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, face aos elementos carreados aos autos.
Bastará a falta de um deles para que a providência requerida seja indeferida.
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Não há grandes dúvidas sobre o preenchimento dos dois requisitos negativos, por que não se nos afigura que o recurso contencioso a ser interposto em sede própria está enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, nem cremos que a eventual suspensão de execução do acto praticado pelo Exm.º Secretário para a Segurança possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, daí que verificados estão os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Resta saber, por último, se está verificado o requisito previsto na alínea a) daquele mesmo artigo, e para o efeito, compete à requerente alegar e demonstrar a existência do prejuízo de difícil reparação para ela própria ou para os interesses que ela venha a defender no recurso contencioso, decorrente da execução do acto.
Tem-se entendido que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo próprio interessado.
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.3
É o que se decidiu, também, no Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo n.º 328/2010/A:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No mesmo sentido, decidiu-se ainda no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 37/2013, que “cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente”.
No caso vertente, alega a requerente que a execução imediata do acto administrativo implica a perda do emprego, o que colocará a família numa situação de dificuldade e de quase absoluta carência económica.
Ora bem, é bom de ver que a perda do trabalho e do respectivo rendimento é reparável, em caso de provimento do recurso contencioso, e não havendo nos autos qualquer prova de que a família tenha que enfrentar dificuldades extremas, improcede a alegação da requerente nesta parte.
Alega ainda a requerente que a execução imediata do acto vai obrigar a que ela se veja forçada a separar-se dos seus filhos menores, que estão a estudar em Macau e precisam do cuidado da mãe ora requerente.
Quanto a isso, julgamos ter razão a requerente.
Em relação aos filhos menores, estes precisam do acompanhamento da mãe ora requerente, que é a pessoa quem sempre os acompanha nas idas ao médico e às consultas nos hospitais e clínicas privadas.
E sendo mãe dos menores de tenra idade (uma de 8 e outro de 5 anos), a separação imediata entre a mãe e os filhos pode causar perturbações de saúde e impactos negativos tanto à requerente como aos filhos menores, prejuízos esses que, diferentemente dos danos de natureza patrimonial, são previsivelmente irreparáveis.
Perante o quadro factual acima descrito, somos a entender que verificada está a circunstância de a execução do acto poder vir a causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação à requerente, pelo que, demonstrado o preenchimento de todos os requisitos previstos no n.º do artigo 121.º do CPAC, nada obsta ao decretamento da providência requerida.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em deferir o pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo formulado pela requerente A.
Sem custas por a entidade requerida beneficiar de isenção subjectiva.
Registe e notifique.
***
RAEM, 1 de Junho de 2023
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 Diogo Freitas do Amaral, Lições de Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, pág. 155
2 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2.ª edição, CFJJ, 2015, pág. 278
3 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª edição, CFJJ, pág. 310
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Suspensão de Eficácia n.º 363/2023/A Pág. 8