Processo nº 308/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 08 de Junho de 2023
ASSUNTO:
- Indeferimento liminar
- Despacho de aperfeiçoamento
SUMÁRIO:
- O Tribunal a quo, perante uma petição inicial feita inicialmente para o recurso contencioso administrativo, não sendo portanto adequada para a forma de processo de acção declarativa, deve convidar a parte activa para o seu aperfeiçoamento, em vez de proferir logo uma decisão de rejeição liminar ou a declaração da nulidade do processado.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo nº 308/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 08 de Junho de 2023
Recorrente: A (Autora)
Objecto do recurso: Sentença que declarou a nulidade de todo o processado
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 30/01/2023, declarou-se a nulidade de todo o processado e, em consequência, absolveu a B e C da instância.
Dessa decisão vem recorrer a Autora A, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso vem interposto no seguimento da douta decisão judicial de fls. 3080 a 3086 dos autos.
2. A recorrente apresentou um recurso contencioso administrativo ao Tribunal Administrativo em 14 de Julho de 2020, pedindo a declaração de nulidade ou anulabilidade da deliberação de 19 de Junho de 2019 da Assembleia Geral Extraordinária da C e cumulativamente pediu a condenação da C, adiante C, a uma indemnização por danos morais e patrimoniais.
3. Por decisão judicial de 11 de Janeiro de 2021, o Exmo. Senhor Juiz, declarou o Tribunal Administrativo incompetente, em razão da matéria, para julgar o recurso da Recorrente (processo no. 2957/20-ADM) de fls. 1848 a 1851 dos autos e decidiu remeter o processo para o Juízo Civil do Tribunal Judicial de Base nos termos do artigo 33º, no.1 do CPC, “ex vi” o artigo 1º do CPAC.
4. A Recorrente inconformada com a decisão judicial do Tribunal Administrativo, recorreu para o Venerando Tribunal de Segunda Instância. O acórdão do processo no. 313/2021 do TSI proferido no dia 23 de Setembro de 2021, decidiu manter a decisão Judicial do Tribunal Administrativo, cfr. fls. 2263 a 2278 dos autos.
5. Assim, o processo foi remetido para o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, nos termos do artigo 33º, no. 1 do CPC ex vi artigo 1º do CPAC, de acordo com o acórdão do processo no. 313/2021 do TSI e proferido no dia 23 de Setembro de 2021.
6. Posteriormente a Recorrente foi notificada pelo Tribunal Administrativo de que o processo no. 2957-20-ADM foi remetido ao Juízo Civil do TJB e após a distribuição, o presente processo recebeu o no.CV3-22-0046-CAO.
7. A Recorrente apresentou uma nova petição inicial, aperfeiçoada, ao TJB no dia 25 de Maio de 2022, de fls. 2932 a 3030 dos autos, para adequar os autos à nova forma de processo, de acordo com o artigo 389º do CPCM, cumprindo o princípio da adequação formal, com boa-fé.
8. O Exmo. Senhor Juiz do TJB, em face da nova petição, aperfeiçoada, de fls. 2932-3030 dos autos, emitiu despacho de fls. 3031-3032 dos autos.
9. A Recorrente, de fls. 3034-3036 dos autos, respondeu ao Exmo. Senhor Juiz do TJB que se dá por aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. Seguidamente o Exmo. Senhor Juiz do TJB, por despacho de fls. 3051 dos autos, enviou todo o expediente para as Rés, Assembleia Geral da C e C.
10. A C, adiante C, no pedido de indemnização cumulado, respondeu de fls. 3053-3056 dos autos, e pediu o desentranhamento da nova petição, aperfeiçoada, de fls. 2932-3030 dos autos. Seguidamente o Senhor Juiz do TJB emitiu o despacho de fls. 3057-3061 dos autos e decidiu desentranhar a nova petição inicial, aperfeiçoada, apresentada pela recorrente de fls. 2932-3030 dos autos.
11. A recorrente após tomar conhecimento do despacho de fls. 3057-3061 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, apresentou o requerimento de fls. 3064-3069 dos autos, que se dá por aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, comunicando ao Exmo. Senhor Juiz que a 1ª Ré, Assembleia Geral da C não constituiu mandatário judicial e não tomou conhecimento do despacho de fls. 3057-3061 dos autos.
12. A C (pedido de indemnização cumulado) de fls. 3072-3075 respondeu ao requerimento da recorrente de fls. 3064-3069. Seguidamente o Senhor Juiz do TJB emitiu despacho de fls. 3076-3077, concluindo que “ainda que se considere a 1ª Ré não notificada do despacho de fls. 3051, não temos por violada nenhuma norma que ponha em causa a decisão que se proferiu”.
13. Assim, a recorrente ficou a aguardar o convite do Exmo. Senhor Juiz do TJB para aperfeiçoar a P.I. de fls. 2 e seguintes dos autos, nos termos do disposto no artigo 397º do CPCM, porque esta mesma P.I. foi elaborada segundo os requisitos legais do CPAC, mas tal não aconteceu e a recorrente recebeu, com surpresa, a douta decisão judicial de fls. 3080-3086 dos autos que decidiu rejeitar a P.I. da recorrente e declarar a nulidade de todo o processado e, em consequência, decidiu absolver a Assembleia Geral da C e a C da Instância.
14. A petição inicial no Recurso contencioso administrativo de fls. 2 e seguintes dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, foi apresentada pela recorrente de acordo com os requisitos legais do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) e nela está identificada a entidade recorrida, Assembleia Geral da C, adiante Assembleia Geral da C, e também identificada, a C, adiante C, no pedido de indemnização cumulado.
15. Não há a mínima dúvida de que na P.I., estão identificadas a entidade recorrida, Assembleia Geral da C e a C, no pedido de indemnização cumulado, de acordo com os requisitos legais do CPAC, cfr fls. 321 dos autos e ver o acórdão do processo no. 313/2021 do TSI, proferido no dia 23 de Setembro de 2021, de fls. 2263 a 2278 dos autos.
16. O acórdão no. 313/2021 do TSI proferido em 23.09.2021 decidiu manter a decisão do Tribunal Administrativo de fls. 1848-1851 dos autos, assim, o presente processo foi remetido ao TJB e após a distribuição, o presente processo recebeu o no. CV3-22-0046-CAO.
17. De acordo com o disposto no artigo 33º, no.1 do CPCM: “A verificação da incompetência implica a remessa do processo para o tribunal competente, considerando-se neste caso a petição apresentada na data do primeiro registo de apresentação”.
18. Nos termos do citado artigo 33º, no. 1 do CPCM, remetido o processo, considera-se que a petição, que já se encontrava no processo, passa a valer para a nova instância, relevando-se para todos os efeitos, nomeadamente quanto à obstaculização de eventuais caducidades e prescrições à data daquele primeiro registo de apresentação, outrossim quanto aos efeitos civis decorrentes da propositura da acção e citação.
19. A Recorrente, de boa fé, colaborando com o TJB, apresentou nova petição inicial, aperfeiçoada, de fls. 2932-3030 dos autos, cumprindo o princípio da adequação formal porque a P.I. foi elaborada de acordo com os requisitos legais do CPAC e deve na nova instância adequar com os requisitos legais do artigo 389º e seguintes do CPCM, mas, após os despachos do Exmo. Senhor Juiz do TJB acima referidos, esta nova Petição inicial, aperfeiçoada, de fls. 2932-3030 dos autos, apresentada de acordo com os requisitos legais do CPCM foi desentranhada pelo Exmo. Senhor Juiz do TJB, cfr fls. 3031-3032, fls. 3034-3036, fls. 3051 e fls. 3057-3061 dos autos.
20. Em conformidade com o artigo 145º no. 1 do CPCM: “O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”.
21. Dispõe o n.º 1 do artigo 397º do CPCM o seguinte: Quando não ocorra nenhum dos casos previstos no n.º 1 do artigo 394.º, mas a petição não possa ter seguimento por falta de requisitos legais ou por não vir acompanhada de documentos essenciais, ou quando apresente insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada, pode ser convidado o autor a corrigir ou completar a petição ou a apresentar os documentos em falta, marcando-se prazo para o efeito”.
22. O Exmo. Senhor Juiz do TJB desentranhou a P.I. aperfeiçoada, de fls. 2932-3030 dos autos, apresentada pela recorrente, porque entende que não foi por seu convite, ou seja, sem sua autorização, cfr fls. 3032 e fls. 3057-3061 dos autos.
23. Escreveu o Exmo. Senhor Juiz do TJB, de fls. 3084 dos autos que a recorrente “conformou a sua p.i. de acordo com o artº 42 do Código do Processo Administrativo Contencioso, relevando nomeadamente a al. c) do citado preceito e donde emerge a desnecessidade formal da indicação do réu ou réus, mas tão só o acto recorrido e seu autor.” Salvo o devido respeito, a recorrente não conformou a sua p.i. de acordo com o artigo 42º do CPAC, a recorrente conformou apenas com o despacho de fls. 3057-3061 dos autos no desentranhamento da nova petição, aperfeiçoada de fls. 2932-3030 dos autos, porque de facto a recorrente não foi convidada pelo Exmo. Senhor Juiz do TJB, de acordo com o artigo 397º do CPCM, assim, a recorrente, ficou a aguardar o convite do Senhor Juiz de acordo com o mesmo artigo 397º do CPCM, porque na nova Instância, no TJB , a p.i, tem que ser aperfeiçoada de acordo com os requisitos legais do artigo 389º do CPCM (por convite do Senhor Juiz ou seja com autorização do Senhor Juiz) porque a p.i. de fls. 2 e seguintes dos autos foi elaborada de acordo com os requisitos legais do CPAC.
24. Assim, a recorrente ficou a aguardar o convite do Exmo. Senhor Juiz do TJB, de acordo com o disposto no artigo 397º do CPCM, mas tal não aconteceu e pela decisão judicial de fls. 3080-3086 dos autos, o Exmo. Senhor Juiz do TJB decidiu rejeitar a Petição Inicial da recorrente de fls. 2 e seguintes dos autos e declarou a nulidade de todo o processado e, em consequência, absolveu a Assembleia Geral da C e a C da Instância.
25. Escreveu o Exmo. Senhor Juiz do TJB de que foi dado apenas um prazo de 20 dias para as Rés contestarem quando o artigo 403º no.1 do CPC impõe um prazo de 30 dias, cfr fls. 3032 dos autos. O Exmo. Senhor Juiz escreveu ainda que não se pode, todavia, aproveitar os actos já praticados se do facto resultar diminuição de garantia do réu, cfr fls. 3083 dos autos.
26. Mas, na verdade, a Assembleia Geral da C não apresentou contestação no Tribunal Administrativo porque não constituiu mandatário judicial, no TJB não deu resposta aos despachos do Exmo. Senhor Juiz e também não participou no recurso ordinário no. 313/2021 do TSI, demonstrando assim claramente que optou por não responder aos tribunais.
27. O Exmo. Senhor Juiz do Tribunal Administrativo deu um prazo de 30 dias para a Ré, C, nos termos do artigo 403º do CPCM.
28. Está provado que a Assembleia Geral da C, adiante Assembleia Geral da C, é órgão soberano da Irmandade da C nos termos do artigo 34º do Compromisso da C, é órgão de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, por força do artigo 13º da Lei no. 11/96/M de 12 de Agosto, a Assembleia Geral da C, tem competência para alterar os estatutos e extinguir a Irmandade da C, nos termos do artigo 34º do Compromisso da C e nos termos do disposto no artigo 159º, no. 2 do Código Civil de Macau, nestes termos, a Assembleia Geral tem capacidade judiciária nos termos do disposto no artigo 43º do CPCM.
29. As Pessoas colectivas, a competência da Assembleia Geral e o regime das deliberações inválidas está regulamentado nos termos dos artigos 140º e seguintes do Código Civil de Macau. A recorrente pediu a declaração de nulidade ou anulabilidade da deliberação da Assembleia Geral Extraordinária da C de 19 de Junho de 2020 e, cumulativamente, pediu a condenação da C a uma indemnização por danos morais e patrimoniais e tem interesse processual, porque esta mesma deliberação da Assembleia Geral confirmou a deliberação de 29 de Maio de 2019 da Mesa Directora da C que é uma deliberação inexistente e nula, cfr a P.I da recorrente, de fls. 2 e seguintes dos autos e está provado que a deliberação de 19 de Junho de 2020 da Assembleia Geral Extraordinária da C, é anulável porque violou o artigo 28º do Compromisso da C e violou o artigo 161º do C.C. porque a convocação da Assembleia Geral é feita por meio de carta registada, enviada com a antecedência mínima de 8 dias, ou mediante protocolo efectuado com a mesma antecedência, a Assembleia Geral Extraordinária de 19 de Junho de 2020 foi convocada por carta simples, tendo sido omitida uma formalidade essencial para a convocação da referida Assembleia Geral Extraordinária e que gera anulabilidade da mesma, nos termos do disposto no artigo 165.º do Código Civil de Macau.
30. Está provado que à Irmandade da C ou C, adiante CL (pedido de indemnização cumulado) foi concedido um prazo de 30 dias para contestar nos termos do disposto no artigo 403º do CPC, cfr fls. 321 dos autos, não houve assim, diminuição de garantia à Ré, C.
31. A Ré, C, juntou várias provas documentais na sua contestação, incluindo o relatório final e conclusões das averiguações, elaborado pelos advogados contratados ilegalmente por um seu Mesário, actas da Mesa Directora da C e Acta da Assembleia Geral Extraordinária de 19 de Junho de 2020, todas estas provas são válidas.
32. Na Petição Inicial da Recorrente de fls. 2 e seguintes dos autos, estão identificadas a entidade recorrida, Assembleia Geral da C e a C, no pedido de indemnização cumulado, de acordo com os requisitos legais do CPAC, as quais foram devidamente citadas pelo Tribunal Administrativo.
33. Escreveu o Exmo. Senhor Juiz do TJB, de fls. 3081, 3º parágrafo dos autos, que a C, adiante C, na peça inicial está absolutamente omissa, mas, salvo o devido respeito, esta afirmação do Senhor Juiz não corresponde à verdade dos factos. Em verdade não está omissa, na peça inicial, a identificação da C na condenação do pagamento da indeminização.
34. A C, no pedido de indemnização cumulado, está claramente identificada na P.I. e o Exmo. Senhor Juiz do TA citou a Ré, C, concedendo-lhe um prazo de 30 dias nos termos do disposto no artigo 403º do CPCM, para apresentar contestação, cfr fls. 321 dos autos, não houve, portanto, diminuição de garantia da 2ª Ré, C.
35. Quando a tramitação processual prevista na lei não se adeque às especificidades da causa, como por exemplo, a P.I de fls. 2 e seguintes dos autos que foi elaborada de acordo com os requisitos legais do CPAC, deve ser adaptada de acordo com os requisitos legais do artigo 389º do CPC, assim, salvo o devido respeito, o Exmo. Senhor Juiz do TJB , nos termos do disposto no artigo 397º do CPC, em despacho de aperfeiçoamento, deveria ter convidado a Recorrente a corrigir ou completar a petição inicial, o que não aconteceu.
36. Na verdade, a P.I, de fls. 2 e seguintes dos autos, aproveitável e, salvo o devido respeito, não deve ser rejeitada, ª rejeição da P.I. viola os artigos 6º, nos. 2 e 3, 7º, 8º, 33º no 1, 397º e 427º, todos do CPC, e viola o princípio da economia processual.
37. Pelo exposto, está provado que na peça inicial, a C está claramente identificada no pedido da condenação do pagamento de indemnização, cfr fls.63 a 70 e fls. 321 dos autos. A Petição Inicial de fls. 2 e seguintes dos autos é válida, salvo o devido respeito, devendo o Exmo. Senhor Juiz do TJB ter emitido despacho de aperfeiçoamento de acordo com o disposto no artigo 397º do CPC, para adequar os requisitos legais da petição inicial de acordo com o disposto no artigo 389º do CPC.
38. Salvo o devido respeito, rejeitar a Petição Inicial da recorrente, declarar a nulidade de todo o processado e absolver a Assembleia Geral da C e a C da instância, significa que a recorrente tem de reiniciar a processo, apresentando nova acção declarativa no TJB, com prejuízos de caducidades e prescrições, viola os artigos 33º no. 1, 145º, no. 1 e 397º do CPCM, violando o princípio da economia processual e, materialmente, constituindo uma verdadeira denegação de justiça e violação do direito de acesso aos tribunais por parte da ora Recorrente que - sem que nenhuma omissão ou conduta reprovável lhe seja imputável – vê-se impossibilitada de recorrer aos tribunais da RAEM para fazer valer os seus legítimos direitos e interesses.
39. Veja-se que, tal como aflorado acima, a decisão recorrida tem por consequência que, por um lado, o princípio de remessa dos autos de um tribunal para o outro (in casu, do tribunal administrativo para o tribunal cível) passe a ser letra morta sempre que a lei contenha requisitos e critérios diferentes para as respectivas peças processuais (pois que, no entender do tribunal a quo nestas situações a decisão do tribunal para onde se remete o processo é, sempre e em qualquer caso, de indeferimento por não verificação de requisitos meramente formais das peças) e, por outro lado, que os cidadãos que se encontrem na situação prevista no artigo 33.º do CPC fiquem, em termos de facto, precludidos de recorrer aos tribunais e ver a sua demanda objecto de decisão de fundo por questões meramente formais, sobre os quais não podiam ter actuado - sob pena de o tribunal que tiveram por competente poder entender que a sua peça era inepta ou, pelo menos, desadequada ao tribunal e processo a que se dirige - e sobre os quais a lei impõem um dever de correcção por parte dos tribunais.
40. Com o devido respeito pelo douto tribunal a quo, que é muito, os termos e os fundamentos do mesmo não se conformam nem com os princípios do Código Processo Civil em vigor nem com a Lei Básica.
41. Os artigos 6.º, n.ºs 2 e 3, 7.º, 8.º, 33º no. 1, 397.º, e 427.º, do CPC, impõem aos tribunais o dever de efectuar um convite ao aperfeiçoamento sempre que tal seja possível - como era o presente caso (veja-se que tivesse a petição inicial sido apresentada directamente no TJB com os mesmos alegados “vícios” poderia o TJB convidar a Recorrente para aperfeiçoar ou poderia a mesma no prazo fixado apresentar nova petição inicial, suprimento os vícios e aproveitando os prazos legais).
42. O artigo 36.º da Lei Básica consagra o direito de acesso aos tribunais e ao Direito, assegurando ao cidadão uma decisão de mérito sobre as suas demandas. Acontece que, no caso sub judice, por mero efeito de divergências legais entre os requisitos formais da petição inicial no processo administrativo e processo civel, a ora recorrente fica precludida de obter uma decisão de mérito sobre a causa, vendo igualmente precludida o direito de intentar nova acção...
43. Nos termos e fundamentos que foram explanados, a Petição Inicial, de fls. 2 e seguintes dos autos é válida. Nos termos do disposto no artigo 397º do CPCM, o Exmo. Senhor Juiz do TJB deveria ter convidado a recorrente para corrigir ou completar a P.I. para adequar os requisitos legais da P.I., de acordo com o disposto no artigo 389º do CPCM.
44. A P.I., de fls. 2 e seguintes dos autos, é aproveitável e, salvo o devido respeito, não deve ser rejeitada, assim a decisão recorrida viola os artigos 6.º, n.ºs 2 e 3, 7.º, 8.º, 33º no. 1, 397.º e 427.º, todos do CPC, e viola o princípio da economia processual.
*
A Ré C respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 3129 a 3142 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“…
Do erro na forma do processo.
O presente processo teve o seu início como recurso contencioso administrativo, dirigido à Jurisdição Administrativa, visando-se com ele colocar em crise uma deliberação da B, igualmente se cumulando um pedido indemnizatório por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais dirigido à C.
Da peça inicial não consta a identificação de qualquer ré, apenas a enunciação de que se trata de um recurso contencioso de nulidade (ou seja, recurso contencioso administrativo) visando a declaração e nulidade de uma deliberação da B.
Mas se não consta a identificação formal de qualquer ré, apenas se fazendo referência que se trata de recurso contencioso de nulidade visando a declaração de nulidade de uma deliberação de certa entidade, B, já quanto à entidade cuja condenação se deseja no pagamento de indemnização, a C, é a peça inicial absolutamente omissa.
Como sabemos, pelas vicissitudes reflectidas nos autos, os presentes autos, formalmente conformados como recurso contencioso administrativo, dirigido à Jurisdição Administrativa, aportou nesta jurisdição civil e só podem prosseguir se tramitados como acção declarativa comum ordinária e na medida que a lei processual o permita.
Sendo a forma de processo escolhida outra que não aquele que terão os autos de seguir, é precípua a conclusão que estamos perante erro na forma do processo ainda que por razões de natureza superveniente: a declaração de incompetência material da jurisdição administrativa.
Este vício foi, de resto, sob a epígrafe «Do (consequente) erro na forma de processo, da insusceptibilidade de aproveitamento do processado anterior e da consequência de absolvição da instância», invocado pela C na sua douta contestação, já na perspectiva do vencimento da excepção da incompetência material antes invocada e com vista a provocar desde logo a sua absolvição da instância, assim obviando a remessa dos autos nos termos do artº33ºnº1 do CPC para esta jurisdição.
Estamos efectivamente perante patologia que decorre do erro de escolha da forma processual adequada dentre a macro estrutura processual e com consequências dramáticas para a pretensão da A. por termos como insusceptível o aproveitamento do processado anterior, concretamente e por ser isso decisivo, a própria p.i..
Disso se terá apercebido inteligentemente a A., vindo ao processo, sem autorização, apresentar nova p.i. com a conformação de uma peça inicial típica da ac.decl.com. na procura de remediar o que creio ter antolhado, não obstante tendo como consequência o despacho de desentranhamento de fls.3059.
Posto isto, e tendo presente que a forma de processo escolhida pela autora deve ser adequada à pretensão que deduz, cumpre-nos concluir pela existência de uma situação de erro na forma de processo.
O erro na forma de processo constitui nulidade principal, de conhecimento oficioso (de resto, no caso também invocada), que importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. Não se pode, todavia, aproveitar os actos já praticados se do facto resultar diminuição de garantias do réu.
Já referimos em nota anterior (2) que o prazo para contestar na forma processual actual é mais dilatada que aquele que se concedeu na forma processual inicialmente escolhida, nomeadamente em relação à nulidade/anulação da deliberação.
Dizemos agora também que no processo comum declarativo ordinário é facultado às partes, para o que releva aos sujeitos passivos da relação jurídico processual, a possibilidade de produção de muitos mais articulados que no processo contencioso administrativo.
Nesta forma de recurso contencioso administrativo, com relevo para o pedido de anulação/anulação da deliberação predito, está a acção limitada a duas peças: p.i. e contestação, como não está prevista a possibilidade de uma contra reacção através da reconvenção, mecanismo possível no quadro da acção declarativa comum ordinária.
Acresce igualmente que do ponto de vista da reacção para as instâncias superiores, como resulta do processo, existe alguma limitação no processo contencioso administrativo.
Tudo isto, pois, para afirmar, porque é patente a redução das garantias dos sujeitos passivos da relação processual, que apenas nos resta focar na questão de saber se a própria p.i. é aproveitável.
De facto parece-nos cristalino e incontornável que, face ao disposto no artº145ºnº2 do CPC e o supra referido, da p.i. em diante nada é aproveitável, nessa medida sendo inválidos (anulados) os actos processuais produzidos pelas partes (anulados), nomeadamente pelos sujeitos processuais passivos.
E a p.i., fica ela incólume, assim se viabilizando a renovação do contraditório e ulterior tramitação na presente acção?
Creio que não.
A A. conformou a sua p.i. de acordo com o artº42 do Código do Processo Administrativo Contencioso, relevando nomeadamente a al.c) do citado preceito e donde emerge a desnecessidade formal da indicação do réu ou réus mas tão só o acto recorrido e seu autor.
Já a demanda, no quadro da acção declarativa comum ordinária, deve iniciar-se com a p.i. conformada nos termos do artº389ºnº1 do CPC, relevando para o caso o que consta da al.c) do citado nº: a identificação das partes.
Referimos atrás que o frontispício da peça inicial é omisso quanto à identificação dos sujeitos passivos da relação processual, sequer se mencionando a C por o «acto atacado» não ser da sua autoria e não obstante o pedido de condenação em indemnização que lhe é dirigido.
Iniciasse-se agora a acção e, em face desta ausência de identificação dos sujeitos passivos da relação jurídico processual, a secção central teria necessariamente de rejeitar a p.i. por não corresponder esta peça a «papel» susceptível de distribuição.
Assim sendo, e no que ao caso sub judice concerne, temos por incontornável a conclusão de que não é possível aproveitar sequer a petição inicial.
Pelo exposto, vista a invalidade de todas as peças processuais produzidas pelas partes, estamos perante a nulidade a que alude o artº145º e 152ºnº2 do CPC, nulidade de todo o processo que tem como consequência a absolvição da instância daqueles a quem se dirigem os pedidos.
A nulidade de todo o processo constituiu uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu da instância.
Pelo exposto, declaro a nulidade de todo o processado e, em consequência, absolvo a B e C da instância.
Custas pela Autora.
Notifique e registe.
…”.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a posição do Tribunal a quo.
Dispõe o nº 2 do artº 6º do CPCM que “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, sempre que essa falta seja susceptível de suprimento, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, se estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los”.
Esta norma foi estabelecida com vista a privilegiar a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma (vide Nota Explificativa apresentada pelo Coordenador da Comissão de Revisão do Código de Processo Civil de Macau, pág. VII).
Nesta conformidade, o Tribunal a quo, perante uma petição inicial feita inicialmente para o recurso contencioso administrativo, não sendo portanto adequada para a forma de processo de acção declarativa, deve convidar a parte activa para o seu aperfeiçoamento, em vez de proferir logo uma decisão de rejeição liminar ou a declaração da nulidade do processado.
Pelo exposto e sem necessidade de demais delongas, o presente recurso não deixará de se julgar provido.
*
III – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e ordenando consequentemente a remessa dos autos para o Tribunal a quo para proferir a nova decisão em conformidade com o supra decidido.
*
Custas a final pela parte vencida.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 08 de Junho de 2023.
Ho Wai Neng
(Relator)
Tong Hio Fong
(1º Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2º Juiz-Adjunto)
1
308/2023