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Processo nº 513/2022
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 8 de Junho de 2023

ASSUNTO:
- Obras ilegais
- Ordem de demolição
- Propriedade das obras

SUMÁRIO:
- Havendo a obra que ter sido licenciada e não o tendo sido encontra-se na situação prevista no artº 52º do DL 79/85/M, sendo legal a ordem de demolição;
- O responsável pela realização da demolição é o proprietário do imóvel independentemente de se saber se as obras foram por si realizadas ou por anteriores proprietários uma vez que pela titularidade do direito é o dono das mesmas.


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Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 513/2022
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 8 de Junho de 2023
Recorrentes: A e B
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A e B, com os demais sinais dos autos,
  vêm interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 24.05.2022 que indeferiu o recurso hierárquico interposto por A e B, formulando as seguintes conclusões:
1) O objecto deste recurso contencioso: Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (adiante designado por “decisão recorrida”), exarado, em 24/05/2022, na informação nº 2059/53/DJU/20222, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos recorrentes em 09/03/2022 (Doc. 1).
2) O Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu a decisão recorrida com os seguintes fundamentos (Doc. 1):
a) Fizeram um buraco na laje de betão na fracção autónoma “O” (adiante designada por “fracção OR/C”) sita na Praça das XX nºs XX, Edf. XX, rés-do-chão, e construíram uma escada de betão para acesso ao parque de estacionamento na cave;
b) Construíram paredes de tijolos no parque de estacionamento do Edf. XX sito na Estrada dos XX nºs XX e instalaram portão metal e portão rolante para cercar os lugares de estacionamento nºs 6-10, 23-39 e 40-47.
3) Salvo o devido respeito pela decisão do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, os recorrentes contenciosos discordam dos fundamentos em que se baseou a decisão recorrida, entendendo que tal decisão enferma dos vícios de erro na aplicação do direito e de violação de lei.
I. Violação do direito (artº 21º, nº 1, al. d) do CPAC)
A. Obras na fracção OR/C
4) A decisão recorrida apontou que os recorrentes fizeram buraco na laje de betão existente entre a fracção OR/C e o parque de estacionamento na cave e construíram uma escada de betão para acesso ao parque de estacionamento, com finalidade de ligar a fracção OR/C ao espaço cercado no parque de estacionamento, o que se trata de alteração da estrutura do edifício (Doc. 1).
5) De acordo com os dados na Conservatória do Registo Predial, a fracção OR/C destina-se à finalidade comercial e tem uma área útil de 56,76 m2.
6) A decisão recorrida referiu que as obras ilegais têm a ver com uma abertura feita na laje de betão na fracção OR/C e a construção de uma escada para acesso ao parque de estacionamento a fim de fazer uma ligação entre a fracção OR/C e o parque de estacionamento.
7) Mas a laje de betão é apenas usada dentro da fracção OR/C e destina-se a dividir a fracção, não envolvendo a construção de escada de betão para acesso ao parque de estacionamento na cave, nem alterando a área da fracção OR/C. Actualmente, a fracção OR/C ainda é usada para finalidade comercial. (sic)
8) A escada de betão também foi construída dentro da fracção OR/C, o que se tratar de obras de modificação no interior da fracção, não envolvendo a área pública ou estrutura do edifício. O presente caso enquadra-se na situação prevista no artº 3º, nº 3, al. a), subal. i) do Regulamento Geral da Construção Urbana.
9) Portanto, as obras não se enquadram na situação prevista no artº 3º, nº 1 do Regulamento Geral da Construção Urbana, apenas precisam de ser comunicadas ao Director da DSSOPT, não carecendo de emissão de licença.
10) Aparentemente, os recorrentes contenciosos não fizeram as obras indicadas no artº 3º, nº 1 do Regulamento Geral da Construção Urbana.
B. Sujeito da violação
11) Após adquirido a fracção OR/C (não incluindo todos os lugares de estacionamentos indicados pela decisão recorrida), os recorrentes contenciosos nunca fizeram qualquer obra para alterar o projecto original ou fizeram abertura na fracção em causa para ligar a fracção ao parque de estacionamento na cave.
12) Os recorrentes compraram a fracção OR/C (não incluindo todos os lugares de estacionamentos indicados pela decisão recorrida) para investimento. Após a sua aquisição, a fracção autónoma foi alugada à C Companhia Limitada até agora.
13) Os recorrentes não sabiam da existência das obras ilegais em questão. Eles não são os proprietários das alegadas construções ilegais/obras, nem sabem quem é o proprietário delas, estas não têm nada a ver com eles.
14) Referiu a decisão recorrida que embora as obras ilegais em causa não fossem construídas pelos recorrentes contenciosos, eles, como os proprietários da fracção OR/C, têm o dever de observar a lei em vigor e garantem que a sua propriedade esteja em estado legal, por isso, os recorrentes contenciosos devem responsabilizar-se pela a demolição das obras ilegais e pela reposição da fracção autónoma nas condições em que se encontrava antes da violação da lei (Doc. 1).
15) Conforme as disposições dos artºs 52º, 53º e 56º do Regulamento Geral da Construção Urbana, até o ponto 24 da informação nº 2059/53/DJU/2022 citada pela decisão recorrida referiu que deve ordenar ao dono da obra que demula as obras ilegais (Doc. 1).
16) Os recorrentes contenciosos apesar de serem os proprietários da fracção em questão, as referidas construções ilegais não foram feitas por eles. Eles não sabiam da existência de tais obras ilegais, nem são os donos das construções ilegais/obras, não sendo, ao menos, os donos das construções ilegais/obras existentes na fracção OR/C.
17) Os recorrentes contenciosos não podem demolir as obras ilegais indicadas pela decisão recorrida, porquanto, as obras ilegais na fracção OR/C não pertencem a eles. Demolir as obras que não lhes pertencem pode levar os recorrentes a cometer o crime de dano previsto no artº 206º do CP.
18) Quanto à ordem do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de repor a fracção de acordo com o projecto original, como já foi dito anteriormente, os recorrentes contenciosos não são os donos das construções ilegais/obras em causa, pelo que não podem proceder à reposição da situação anterior da fracção ou à demolição das construções que pertencem a outrem.
19) Face ao exposto, as construções ilegais indicadas pela decisão recorrida não se enquadram nas obras previstas no artº 3º, nº 1 do “Regulamento Geral da Construção Urbana” que carecem de emissão de licença e, nos termos do mesmo Regulamento, só se pode ordenar que o dono da obra demula as construções ilegais. Deste modo, a decisão recorrida deve ser anulada por violadora dos artºs 3º/nº 1, 52º, 53º e 56º do “Regulamento Geral da Construção Urbana”.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas contestar, apresentando as seguintes conclusões:
1. O objecto do presente recurso é o despacho do STOP de 24 de Maio de 2022, notificado aos Recorrentes pelo oficio n.º4846/23/DJU/2022, no dia de 1 de Junho, que indeferiu o recurso hierárquico por eles interposto em 9 de Março de 2022, mantendo a decisão do director substituto DSSOPT de 26 de Janeiro de 2022, exarado na proposta n.º 00781/DURDEP/2022, de 21 de Janeiro de 2022, que ordenou a demolição das obras ilegais realizadas na fracção O/RC e no parque de estacionamento em cave do Edifício XX, em Macau, e a reposição dos locais afectados, nos termos do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M (RGCU), de 21 de Agosto;
2. As obras ilegais realizadas consistem na construção de uma parede divisória no meio da fracção OR/C, numa abertura na laje de betão entre esta fracção autónoma e o parque de estacionamento (i. e. o pavimento da fracção e o tecto do parque de estacionamento), bem como a construção de uma escada em betão para dar acesso ao espaço correspondente aos lugares 23 a 39 do parque de estacionamento em cave, o qual foi vedado com a construção de paredes de alvenaria e tijolo ao lado dos lugares 23, 24 e 39 e colocação de portão metálico e portão de enrolar metálico, formando a ligação da dita fracção autónoma OR/C ao espaço fechado do estacionamento;
3. Entendem os Recorrentes que as obras efectuadas apenas estão sujeitas a comunicação ao director da DSSCU, por se enquadrarem na situação prevista na subalínea i) da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do RGCU, porque o pavimento da fracção OR/C foi tão-só utilizado para a sua divisão, a respectiva área não foi alterada e a mesma continua a ser utilizada para fins comerciais;
4. Todavia, considera a Entidade Recorrida que não lhes assiste razão, desde logo porque as obras ilegais realizadas na fracção OR/C não se traduzem numa simples modificação no seu interior, na medida em que implicaram o prolongamento da fracção sobre um espaço integrante das partes comuns do prédio, que foi vedado, absorvendo-o funcionalmente e que só a ela serve, o que consubstancia uma obra de ampliação;
5. Por outro lado, a abertura (demolição) executada na laje de betão entre a fracção OR/C e o parque fechado de estacionamento em cave, bem como a instalação da escada de betão de ligação desses espaços, constituem alteração à estrutura do edifício;
6. Assim, contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, as obras em causa encontram-se abrangidas pelo n.º 1 do artigo 3.º do RGCU e não podiam ter sido efectuadas sem aprovação de projecto e emissão da correspondente licença pela DSSCU;
7. Mesmo que as obras ilegais tenham sido concluídas há muito tempo, não tinha a então DSSOPT qualquer outra hipótese que não fosse ordenar aos Recorrentes a sua demolição e a reposição do local afectado, conforme determina os artigo 52.º do RGCU.
8. Até porque os Recorrentes não submeteram qualquer projecto de legalização das obras;
9. A possibilidade de legalização das obras ilegais que foi avaliada pela Entidade Recorrida na proposta n.º 03916/DURDEP/2021, de 23 de Abril, carece do consentimento prévio dos condóminos de acordo com o estipulado no artigo 1324.º do Código Civil, alterado pelo artigo 70.º da Lei n.º 14/2017, e no disposto nas alíneas 2) e 3) do n.º 1 do artigo 14.º da mesma lei e acarreta a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, porquanto tais obras contendem com elementos estruturais do edifício (laje de betão) e alteram a finalidade de um espaço que integra uma parte comum e .que foi incorporado fracção OR/C, por forma a ampliar a respectiva área bruta de utilização;
10. A falta do consentimento dos condóminos obsta ao conhecimento do pedido de legalização que, reitera-se, não foi submetido, uma vez que os Recorrentes não possuem, por si só, legitimidade para legalizar tais obras;
11. Os Recorrentes afirmam que não adquiriram os lugares de estacionamento e não efectuaram qualquer obra para modificar o projecto inicial ou ligar a fracção OR/C ao parque de estacionamento subterrâneo;
12. Nestas circunstâncias, entendem os Recorrentes que não são os proprietários das construções ilegais em causa e, portanto, não possuem a qualidade de dono da obra, razão pela qual a ordem de demolição não lhes poderá ser dirigida, de acordo com os artigos 52.º, 53.º e 56.º do RGCU;
13. Mesmo assim só os Recorrentes se encontram em posição de demolir a obra de modificação e ampliação ilegal porque, enquanto proprietários da fracção autónoma OR/C, só eles têm o domínio do imóvel a que aquela obrigação se encontra ligada;
14. Com efeito, as construções efectuadas no interior da fracção não permanecem na titularidade do anterior proprietário que, com a alienação, perdeu a legitimidade de nela intervir e, por outro lado, as obras realizadas fora do perímetro da fracção, ou seja, nos 17 lugares de estacionamento, não ingressam no condomínio;
15. Por isso, cabe aos Recorrentes, na qualidade de comproprietários da fracção autónoma OR/C, repor a conformidade entre a construção e o projecto de obra, harmonizando a fracção com o seu estatuto jurídico-administrativo;
16. Suportando-se ainda no argumento de que não são proprietários das ditas obras ilegais, defendem os Recorrentes que a sua demolição os faria incorrer na prática do crime de dano previsto e punido no artigo 206.º do Código Penal; Também aqui eles não têm razão, porquanto
17. Ao realizar a demolição das obras ilegais acima identificadas, os Recorrentes mais não estão do que a cumprir uma ordem legítima emitida pela Administração por força do disposto no RGCU (cfr. alínea c) do n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal);
18. Na verdade, após verificar a existência de obras ilegais e ter ponderado a possibilidade da sua legalização cujo projecto não foi apresentado pelos Recorrentes, a Administração estava vinculada a ordenar a respectiva demolição;
19. Outrossim, os Recorrentes devem devolver a fracção OR/C bem como os lugares de estacionamento ao seu estado inicial, de acordo com o projecto de construção, sendo que estes últimos constituem espaço comum do qual indevidamente se apropriaram em proveito daquela fracção autónoma;
20. O relatório de fiscalização do Corpo de Bombeiros n.º 1477/DVI/DPI/2019, de 1 de Julho alerta para que as obras ilegais efectuadas impedem o funcionamento pleno do sistema de segurança contra incêndios, razões porque se torna urgente a reposição da legalidade urbanística violada.
21. Devem improceder, pelo exposto, os vícios assacados ao acto recorrido.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, ambas o fizeram, reiterando as posições antes assumidas.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  «1.
  A e B, melhor identificados nos autos, vieram interpor recurso contencioso do acto administrativo praticado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Director da Direcção dos Serviços de solos, Obras Públicas e Transportes que ordenou a demolição das obras ilegais realizadas na fracção «O» do rés-do-chão e no parque de estacionamento na cave do Edifício XX, em Macau e a reposição dos locais afectados, nos termos do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do recurso contencioso.
  Recorrentes contenciosos e Entidade Recorrida apresentaram, no momento processual próprio, alegações facultativas em que mantiveram por inteiro as posições que haviam assumido nos respectivos articulados.
  2.
  (i)
  Começam os Recorrentes por alegar que o acto administrativo recorrido sofre do vício de violação de lei, uma vez que, segundo dizem, contrariamente ao sustentado pela Administração, as obras que levaram a efeito não estavam sujeitas a licenciamento, não cabendo, portanto, na previsão do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU) constante do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto (nota: não é aplicável ao caso o no RGCU constante da Lei n.º 14/2021. Por isso, sempre que, doravante, usarmos o acrónimo RGCU temos em vista aquele que consta do referido diploma legal do ano de 1985).
  Parece-nos que têm razão. Pelo seguinte.
  Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RGCU, «a execução de obras ou trabalhos referidos no n.º 1 do artigo 2.º não pode ser efectuada sem aprovação do projecto e emissão de licença correspondente pela DSSOPT».
  Por sua vez, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RGCU, consideram-se obras de construção civil para efeitos de aplicação desse diploma «a execução de novas edificações, bem assim como os trabalhos de reconstrução, restauro, reparação, modificação, ou ampliação em edificações existentes, a demolição de construções e ainda quaisquer trabalhos que determinem alteração da topografia do solo e execução de infra-estruturas quando estas não caibam na competência das Câmaras Municipais».
  No entanto, nem todas as obras de construção civil estão sujeitas a aprovação de projecto e emissão de licença. Na verdade, decorre da subalínea (i) da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do referido RGCU não carecerem de aprovação de projecto nem de emissão de licença, mas de mera comunicação prévia, as obras de modificação, conservação e reparação levadas a efeito no interior de fracções autónomas com uma área bruta de utilização igual ou inferior a 120 m², que não se destinem à finalidade habitacional, desde que não impliquem a alteração da finalidade e da área das fracções ou da estrutura do edifício, nem afectem o funcionamento normal do sistema de prevenção contra incêndios eventualmente existente nas fracções.
  (ii)
  No caso em apreço, não é controvertido que a fracção autónoma foi objecto de obras de modificação e que a mesma se não destina a finalidade habitacional e tem uma área bruta inferior a 120 m². De acordo com os pontos 12 e 13 da informação n.º 2059753/DJU/2022, de 23 de Maio de 2022, que constitui, por adesão, a fundamentação do acto administrativo impugnado nos presentes autos, a Administração considerou que «(…) as obras realizadas na fracção OR/C incluem a demolição de laje em betão entre essa fracção e o parque de estacionamento e a instalação de escadas em betão para aceder ao parque de estacionamento em cave, que implicam uma alteração da estrutura do edifício, portanto, as referidas obras não se enquadram no disposto na subalínea (i) alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do referido RGCU. Neste caso, trata-se de uma obra que nos termos resultantes do disposto no n.º 1 do artigo 2.º conjugado com o disposto no artigo 3.º do RGCU, está sujeita a licenciamento. E estando a violar o disposto no n.º 1 do artigo 3.º, as obras em causa devem, por isso, ser consideradas ilegais».
  Decorre, portanto, da fundamentação do acto recorrido que acabámos de transcrever que, segundo a Administração, as obras levadas a efeito na fracção autónoma implicaram uma alteração da estrutura do edifício e, por essa razão, seriam insusceptíveis de enquadramento na previsão legal da subalínea (i) da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do referido RGCU.
  Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar um tal entendimento.
  Com efeito, o legislador dá-nos uma indicação segura sobre os elementos dos edifícios que constituem a respectiva estrutura. Fá-lo a propósito da especificação do que sejam as partes comuns do condomínio constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 1324.º do Código Civil e de acordo com essa norma, constituem a estrutura do edifício, entre outras, as seguintes partes: alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e fachadas, ou sejam, os elementos cuja função é, essencialmente, assegurar a estabilidade e a segurança do próprio edifício durante a respectiva construção e utilização.
  Deste modo, não nos parece que, como todo o respeito por entendimento diverso, que a demolição de laje em betão entre a fracção autónoma OR/C e o parque de estacionamento e a instalação de escadas em betão para aceder ao parque de estacionamento em cave, tenham implicado uma alteração em elementos constitutivos da estrutura do edifício.
  A questão, note-se, não é a de saber se as obras de modificação são ou não legais, sobretudo em face das normas que regulam o instituto da propriedade horizontal e os direitos e deveres dos condóminos. O que aqui se controverte é tão-só a questão de saber se tais obras estavam ou não sujeitas a licenciamento em razão de implicarem uma alteração na estrutura do edifício no qual se situação a fracção autónoma objecto das mesmas e sobre este ponto, como vimos, a resposta a tal questão não pode, em nosso modesto entendimento, deixar de ser, pelas razões que apontámos, negativa.
  Como assim, fica a faltar, segundo cremos, o pressuposto para a ordenada demolição das obras efectuadas face ao disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 52.º do RGCU que os Recorrentes agora impugnaram.
  Podemos, pois, concluir que a Administração, na decisão que consubstancia o acto administrativo recorrido, procedeu a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica que considerou aplicável e efectivamente aplicou, nomeadamente a da subalínea (i) da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do referido RGCU, o que constitui vício de violação de lei implicante da anulabilidade do acto.
  (iii)
  Devendo ser provido, com este fundamento, o presente recurso contencioso, fica prejudicada a apreciação da segunda questão suscitada pelos Recorrentes.
  Sempre diremos, em todo o caso, a respeito da mesma, que não têm razão. Na verdade, independentemente de não terem sido os Recorrentes a executar as obras em causa, seria a eles, enquanto actuais comproprietários da fracção autónoma, que incumbiria a obrigação de, acaso se verificasse a ilegalidade apontada pela Administração, proceder à demolição das obras ilegais e à reposição da situação anterior nos termos que lhes foi ordenado (já neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 20.03.2003, processo 1136). Daí que, a nosso ver, não sofra o acto agora impugnado do segundo dos vícios que lhe foram assacados pelos Recorrentes.
  3.
  Pelo exposto, deve ser julgado procedente o presente recurso com a consequente anulação do acto administrativo recorrido.
  É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

a) Pelo Director Substituto da DSSOPT, em 26.01.2022 foram os Recorrentes notificados para no prazo de 15 dias proceder por sua iniciativa à demolição das obras que se indicavam e reposição dos locais afectados nos termos do artº 52º do RGCU, ou no prazo de 8 dias apresentar pedido de legalização de obras nos termos do artº 53º do mesmo diploma;
b) As obras indicadas são:
i. Na fracção OR/C demolição da laje em betão e instalação de escadas em betão para acesso ao parque de estacionamento;
ii. Fechamento dos lugares nº 6 a 10, 23 a 39 e 40 a 47 do parque de estacionamento para veículos do edifício com paredes em alvenaria de tijolo, portão metálico e portão de enrolar metálico.
c) Interposto recurso hierárquico pelos Recorrentes do indicado despacho, veio o mesmo por Despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 24.05.2022 a ser indeferido com base nos fundamentos constantes da informação nº 2059/53/DJU/2022 cujo teor aqui se dá por reproduzido e que consta o seguinte:
1. Em cumprimento do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 11 de Abril de 2022, exarado na proposta n.º 39/03246/DUR/2022, de 1 de Abril, o Departamento de Urbanização (DUR), através da CSI n.º 00538/DUR/2022, de 13 de Abril, solicitou a este departamento a ajuda na análise dos recursos hierárquicos necessários mencionados em epígrafe.
Enquadramento
2. De acordo com os autos de notícia contidos no processo, o DUR verificou a execução das seguintes obras ilegais na fracção autónoma O do rés-do-chão (designada por OR/C no registo da Conservatória do Registo Predial) e no parque de estacionamento em cave do Edifício XX, violando o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M (Regulamento Geral da Construção Urbana - RGCU), de 21 de Agosto, alterado pela Lei n.º 6/99/M, de 17 de Dezembro e pelo Regulamento Administrativo n.º 24/2009:
a) Na fracção autónoma OR/C: Demolição de laje em betão e instalação de escadasem betão para acesso ao parque de estacionamento;
b) No parque de estacionamento: Fechamento dos lugares n.ºs 6 a 10, 23 a 39 e 40 a 47 do parque de estacionamento para veículos do edifício com paredes em alvenaria de tijolo, portão metálico e portão de enrolar metálico.
3. Nestas circunstâncias, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através do edital publicado nos jornais em 15 de Fevereiro de 2019, notificou os interessados desconhecidos e, através dos oficios de 26 de Novembro de 2019, notificou os proprietários (A e cônjuge B, D e cônjuge E) e a arrendatária (Companhia C Limitada) da fracção OR/C, para se pronunciarem por escrito sobre o assunto.
4. Em 10 de Dezembro de 2019, a advogada Dra. F, na qualidade de mandatária dos interessados referidos, apresentou as respostas à audiência prévia. Depois de auscultar o parecer deste departamento, o DUR acrescentou a matéria de facto sobre a infracção e procedeu novamente à realização da audiência previa dos interessados, mas não recebeu mais nenhuma resposta.
5. Assim, o caso foi analisado pelo DUR na proposta n.º 00781/DURDEP/2022, de 21 de Janeiro e, por despacho do director substituto da DSSOPT de 26 de Janeiro de 2022, foram ordenados aos referidos interessados que procedessem, por sua iniciativa, no prazo de 15 dias contados a partir da data de recepção da notificação, à demolição das obras acima indicadas e à reposição dos locais afectados, nos termos do disposto no artigo 52.º do RGCU, ou no prazo de 8 dias contados a partir da data de recepção da notificação, à apresentação do pedido de legalização de obras, nos termos do disposto no artigo 53.º do mesmo norma.
6. Em 22 de Fevereiro de 2022, os interessados foram notificados do despacho mencionado no ponto anterior, através dos ofícios n.ºs 01569/DURDEP/2022, 01571/DURDEP/2022 e 01573/DURDEP/2022, de 28 de Janeiro.
7. Todavia, inconformados com a decisão, em 9 de Março de 2022, vêm os proprietários A e B, D e E e a arrendatária “Companhia C Limitada”, todos representados pela advogada Dra, F, apresentar no Gabinete do STOP três recursos hierárquicos necessários, com os números de registo da DSSOPT 33367/2022, 33374/2022 e 33376/2022, respectivamente.
Análise
8. De acordo com os artigos 145.º e 147.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), os recursos hierárquicos foram interpostos ao órgão competente, em tempo oportuno e os recorrentes são partes legítimas.
I. Relativamente aos dois recursos hierárquicos interpostos pelos proprietários A e cônjuge B, D e cônjuge E
9. Uma vez que os argumentos do recurso hierárquico interposto por A e B e o interposto por De E são idênticos, fazemos uma análise conjunta.
10. Nos pontos 4 a 12 dos recursos hierárquicos, os recorrentes defendem que as obras alegadamente ilegais são apenas obras de modificação no interior da fracção OR/C e foram concluídas há muito tempo, sem alteração da área e da finalidade da fracção nem instalação de escadas em betão para acesso ao parque de estacionamento, pois, em seu critério, são obras previstas na subalínea i) da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do RGCU, não incorrendo na violação do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma.
11. Nos termos da subalínea i) da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do RGCU, a realização das obras de modificação, conservação e reparação no interior das fracções autónomas com uma área bruta de utilização igualou inferior a 120 m2, que não se destinem à finalidade habitacional, não carecem da aprovação de projecto e emissão de licença, desde que não impliquem a alteração da finalidade e da área das fracções ou da estrutura do edifício, nem afectem o funcionamento normal do sistema de prevenção contra incêndios eventualmente existente nas fracções.
12. No entanto, de acordo com o auto de noticia datado de 3 de Julho de 2019 e conforme os factos indicados nas propostas nºs 00781/DURDEP/2022 e 39/03246/DUR/2022, as obras realizadas na fracção OR/C incluem a demolição de laje em betão entre essa fracção e o parque de estacionamento e a instalação de escadas em betão pata aceder ao parque de estacionamento, formando a ligação da fracção OR/C ao espaço fechado do parque de estacionamento em cave, o que implicam uma alteração da estrutura do edifício, portanto, as referidas obras não se enquadram no disposto da subalínea i) da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do RGCU.
13. Neste caso, trata-se de uma obra que nos termos resultantes do disposto no n.º 1 do artigo 2.º conjugado com o disposto no artigo 3.º do RGCU, está sujeita a licenciamento. E estando a violar o disposto no n.º 1 do artigo 3.º, as obras em causa devem, por isso, ser consideradas ilegais.
14. Assim, por força dos artigos 52.º e 53.º do mesmo diploma, as obras executadas sem a licença que dela careçam, mesmo que tenham sido concluídas, podem ser mandadas demolir se forem consideradas insusceptíveis de legalização.
15. A possibilidade de legalização das obras ilegais foi avaliada na proposta n.º 03916/DURDEP/2021, de 23 de Abril, entretanto, uma vez que a realização dessas obras interfere com a utilização das partes comuns do edificio (o parque de estacionamento), impõe-se uma prévia autorização dos condóminos, prestada através de deliberação tomada em assembleia geral do condomínio, de acordo com o estipulado no artigo 1324.º do Código Civil, alterado pelo artigo 70.º da Lei n.º 14/2017, e nos termos do disposto no 1.º 1 do artigo 14.º da mesma lei. Mas não foi recebido qualquer pedido de legalização de obras.
16. Por outro lado, os recorrentes alegam ainda, nos pontos 13 a 20 dos recursos hierárquicos, que não foram efectuadas obras que alteraram os projectos desde a aquisição da fracção OR/C e dos lugares de estacionamento, que desconheciam a existência dessas obras e que não eram os donos de obra, por isso, consideram que não devem ser responsáveis pela demolição dessas obras e reposição dos locais afectados, bem como pelo pagamento de multa.
17. Na verdade, como se demostrou na nossa informação n.º 71/DJU/2020, de 6 de Agosto, ainda que os recorrentes tenham adquirido o imóvel no exacto estado em que se encontra actualmente, isso não os isenta do dever de repor a legalidade urbanística violada, pois só estes estão em posição de acatar, cumprir, a obrigação de demolir a obra de modificação e ampliação ilegal, imposta pela Administração, uma vez que, enquanto proprietários da fracção autónoma, só eles têm o domínio da mesma (da coisa, do imóvel) a que aquela obrigação se encontra ligada, Cabe, portanto, aos adquirentes repor a conformidade entre a construção (a coisa) e o projecto de obra, por forma a harmonizar a fracção autónoma com o seu estatuto jurídico-administrativo,
18. Por conseguinte, mesmo que as obras ilegais tenham sido executadas por proprietário anterior, como os recorrentes são os donos e legítimos proprietários da sobredita fracção, tendo obrigação de dar cumprimento à legislação em vigor, salvaguardando o estado legal da sua propriedade, pelo que devem assumir a responsabilidade da demolição das respectivas obras ilegais e reposição do estado anterior à violação da lei.
19. Quanto à aplicação ou não de multa a que se refere o artigo 65.º do RGCU, é de esclarecer que esta não constitui objecto dos presentes recursos, porquanto a proposta n.º 00781/DURDEP/2022 apenas transcreveu o n.º 1 do artigo 65.º do RGCU e o despacho do director substituto de 26 de Janeiro de 2022 apenas ordenou a demolição das referidas obras ilegais, mas não tomou qualquer decisão relativa à aplicação da multa.
20. Pelo exposto, atendendo a que os factos e os argumentos apresentados pelos recorrentes não são suceptíveis de alterar a decisão, consideramos que os dois recursos hierárquicos devem ser indeferidos, mantendo-se a ordem da demolição das obras ilegais aos proprietários A e B, D e E, proferidapelo director substituto da DSSOPT de 26 de Janeiro de 2022, por falta de fundamento suficiente que determine a sua revogação ou alteração.
II. Relativamente ao recurso hierárquico interposto pela arrendatária “Companhia C Limitada”
21. Nos pontos 4 a 12 do presente recurso hierárquico, a recorrente sustenta a mesma argumentação de que as obras realizadas na fracção OR/C são obras de modificação previstas na subalínea i) da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do RGCU e que não foi violado o n.º 1 do mesmo artigo.
22. A este respeito, mantemos e citamos os pontos 11 a 15 da análise acima.
23. Outrossim, nos pontos 13 a 21 do recurso hierárquico, a recorrente também alega que não foram efectuadas obras que alteraram os projectos desde o arrendamento da fracção OR/C, desconhecia a existência dessas obras ilegais e que não era a proprietária ou a dona de obra, por isso, considera que não deve ser responsável pela demolição dessas obras e reposição dos locais afectados, bem como pelo pagamento de multa.
24. Ora, a ordem de demolição das obras ilegais é uma das medidas de tutela da legalidade urbanística, que deve ser dirigida contra o infractor, entendendo-se este como o dono da obra (cfr, artigos 52.º e 56.º do RGCU).
25. Assim, a arrendatária, ora recorrente, não pode ser a destinatária da ordem de demolição das referidas obras ilegais imposta pela Administração, por não ser a proprietária da fracção em causa e não haver indício de que as obras foram executadas ou mandadas executar pela arrendatária.
26. Mas tendo dito isso, de acordo com a alínea e) do artigo 983.º do Código Civil, o arrendatário é obrigado a tolerar reparações urgentes e quaisquer obras ordenadas pelas autoridades públicas, como é o caso da demolição de obras ilegais. Neste contexto, a recorrente deve cooperar com o proprietário e a Administração, não podendo recusar ou impedir a execução da ordem de demolição das obras ilegais, sob pena de o director desta Direcção dos Serviços poder ordenar o despejo à recorrente nos termos do artigo 55.º do RGCU.
27. Deste modo, é nosso entendimento de que o presente recurso hierárquico deve ser deferido, uma vez que ao abrigo do disposto no artigo 124.º do CPA, é anulável a decisão do director substituto de 26 de Janeiro de 2022 que ordenou à recorrente “Companhia C Limitada” a demolição das sobreditas obras ilegais.
Conclusão
28. Face ao exposto, consideramos que os dois recursos hierárquicos interpostos por A e B e por D e E devem ser indeferidos, mantendo-se a ordem de demolição das obras ilegais aos referidos recorrentes, proferida pelo director substituto da DSSOPT de 26 de Janeiro de 2022.
29. Quanto ao recurso hierárquico interposto pela “Companhia C Limitada”, por todas as razões apresentadas, propõe-se o deferimento do recurso e, consequentemente, o director desta Direcção dos Serviços deve revogar a parte do despacho do director substituto de 26 de Janeiro de 2022 que ordenou à recorrente a demolição das obras ilegais, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º, artigo 130.º e n.º 2 do artigo 159.º, todos do CPA.
30. Se for este o entendimento superior, deve esta Direcção dos Serviços por força das competências delegadas pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 184/2019. publicada no Boletim Oficial da RAEM, Número Extraordinário, I Série, de 20 de Dezembro, remeter o processo ao Gabinete do STOP para os devidos efeitos.
À consideração superior.
d) O prédio a que se reportam os autos é composto por Cave, Rés-do-chão e 11 andares – certidão do registo predial a fls. 347 e seguintes do PA apenso -;
e) A fracção OR/C destina-se a comércio e fica situada ao nível do Rés-do-Chão;
f) Na Conservatória do Registo Predial está inscrita a favor dos Recorrentes a aquisição da fracção OR/C do prédio descrito sob o nº 2XX12 a folhas XX do Livro XX – certidão do registo predial a fls. 347 e seguintes do PA apenso -;

  b) Do Direito
  
  Vêm os Recorrentes invocar nas suas alegações de recurso que a abertura feita na base de betão e a construção das escadas aconteceu apenas dentro da fracção OR/C, que a laje de betão serve apenas para dividir a fracção autónoma e que as obras em causa não se enquadram na subalínea i) da alínea a) do nº 3 do artº 3º do Regulamento Geral da Construção Urbana.
  Como resulta da certidão do registo predial o prédio em causa é constituído por cave, rés-do-chão e 11 andares.
  Quando na alínea b) do nº 1 do artº 1324º do C.Civ. se diz que são comuns “os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras, fachadas e todas as partes que constituam a estrutura dos edifícios” é manifesto que as lages – ou como também se usa dizer as placas – entre pisos ou de cobertura são uma parte da estrutura do edifício sob pena de não poder ser construído em altura e com vários pisos, da mesma forma que os pilares e as colunas e as vigas, etc..
  Logo a lage que divide a cave do ré-do-chão, assim como todas as lages que dividem um piso do outro e a que cobre o edifício são uma parte comum do prédio e fazem inquestionavelmente parte da estrutura do mesmo sob pena dos pisos construídos não existirem e ficarmos com uma construção em altura, oca no seu interior, que poderia ter a altura equivalente aos 14 pisos que a compõem (cave + piso zero + 11 andares superiores) mas que nunca teria os 14 pisos por nada haver a separá-los.
  Mas, ainda que a fracção tenha dois pisos e a lage dividisse os dois pisos da fracção, não deixava de ser um elemento da estrutura do edifício, da mesma forma que os pilares, colunas e vigas que fazem o parte da estrutura da construção e estão dentro das fracções autónomas. Pelo que, não é o estar dentro ou fora da fracção, mas a função que desempenham na estrutura construída que caracterizam.
  No caso em apreço o que sucedeu foi que na fracção dos Recorrentes partiu-se a lage que a dividia da cave.
  Logo, partiu-se um dos elementos da estrutura do edifício, e esse elemento da estrutura do edifício não está dentro da fracção, está para além da fracção autónoma precisamente por ser aquilo que a delimita do piso inferior.
  Da mesma forma a escada construída e que vai do chão da fracção para o piso inferior destinado a estacionamentos e que já não faz parte da fracção autónoma em causa, não foi construída dentro da fracção, mas sim, a partir do chão desta para o exterior da fracção ligando-a a um outro espaço antes destinado a estacionamento.
  As paredes dos parques de estacionamento em causa delimitam-nos do espaço em redor, pelo que também não há como sustentar terem sido obras feitas no interior destes, sendo certo que os parques de estacionamento no caso são apenas demarcados no chão.
  O Decreto-Lei nº 79/85/M de 21 de Agosto na subalínea i) da alínea a) do nº 3 do artº 3º reza o seguinte:
Artigo 3.º
(Licenciamento e fiscalização)
  1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a execução de obras ou trabalhos referidos no n.º 1 do artigo 2.º não pode ser efectuada sem aprovação do projecto e emissão de licença correspondente pela DSSOPT.
  2. Não carece de aprovação de projecto e emissão de licença a execução de obras de modificação, conservação e reparação apenas no interior de uma fracção autónoma habitacional, desde que tais obras não impliquem a alteração da finalidade e da área da fracção ou da estrutura do edifício nem modifiquem os vãos de portas de entrada ou saída, paredes exteriores, vãos de janelas nas paredes exteriores ou rede de abastecimento de água ou de drenagem de águas da fracção, ficando, todavia, essas obras sujeitas a todas as normas legais que lhes sejam aplicáveis.
  3. Sem prejuízo do disposto no n.º 6, podem ser comunicadas de acordo com o disposto no número seguinte e ter início depois da restituição do impresso devidamente carimbado a que se refere o n.º 5, não carecendo de aprovação de projecto e emissão de licença, ficando, todavia, sujeitas a todas as normas legais que lhes sejam aplicáveis:
  a) As seguintes obras a realizar em fracções autónomas com uma área bruta de utilização igual ou inferior a 120 m², que não se destinem à finalidade habitacional, desde que não impliquem a alteração da finalidade e da área das fracções ou da estrutura do edifício, nem afectem o funcionamento normal do sistema de prevenção contra incêndios eventualmente existente nas fracções:
  i) As obras de modificação, conservação e reparação apenas no interior das fracções;
  (…)
  Ora, tendo as obras em causa sido realizadas fora da fracção em causa dúvidas não há que não cabem na disposição legal invocada pelos Recorrentes.
  Reza o artº 52º do mesmo diploma legal que:
Artigo 52.º
(Suspensão, embargo e demolição de obras)
  1. As obras executadas sem a licença de que careçam e as referidas no artigo 3.º que se realizem em violação do disposto no mesmo artigo, bem como as que forem executadas em desacordo com o projecto aprovado ou em violação das normas ou disposições regulamentares aplicáveis, são embargadas, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no presente diploma e demais legislação em vigor.
  2. Verificando a fiscalização da D.S.S.O.P.T. a execução de obras nas condições previstas no número anterior, ordenará a imediata suspensão dos trabalhos pelo prazo de 48 horas, ao dono da obra ou seu mandatário e, no caso de estes se não encontrarem no local, ao respectivo encarregado técnico responsável.
  3. O fiscal levantará de imediato auto de notícia caso as obras estejam a ser executadas sem licença, ou, nos restantes casos mencionados no n.º 1, registará os factos na folha de fiscalização.
  4. O fiscal elaborará ainda, a necessária participação, com circunstanciada descrição dos factos.
  5. O Director da D.S.S.O.P.T., mediante despacho devidamente fundamentado a notificar ao faltoso, poderá confirmar a suspensão dos trabalhos ordenada pela fiscalização, determinando em consequência o embargo da obra e respectiva demolição caso assim seja considerado.
  6. Quando se encontre concluída a execução de quaisquer obras de construção sem que para as mesmas tenha sido obtida a licença, a respectiva demolição será, quando se entender justificável, ordenada pelo Governador.
  7. Da decisão referida no número anterior cabe recurso nos termos gerais, com efeito suspensivo.
  De acordo com o que consta da fundamentação subjacente ao acto impugnado e face a tudo quanto já se disse supra a obra realizada havia de ter sido licenciada, pelo que, não o tendo sido encontra-se na situação prevista no artº 52º citado, sendo legal a ordem de demolição.
  
  Mais alegam os Recorrentes não serem os autores das obras em causa e que as mesmas não lhes pertencem.
  Ora, não está em causa quem fez ou mandou fazer as obras em causa.
  O objecto da ordem de demolição é a existência de construções e demolições feitas numa determinada fracção autónoma sem que estejam licenciadas.
  Essa fracção autónoma como resulta dos autos e se deu por provado pertence aos Recorrentes, logo, todas as obras nelas existentes pertencem ao respectivo proprietário, pelo que, a ele cabe proceder à respectiva demolição.
  No mesmo sentido veja-se Acórdão deste Tribunal de 20.03.2003 proferido no processo 1136:
  «Vêm A e B interpor recurso contencioso do despacho do então Secretário Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de 30/9/98 que negou provimento ao recurso hierárquico do despacho do Sub-Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que determinou a demolição de obra executada no terraço do 1ºA do edifício XX, na Taipa, assacando-lhe vício de violação de lei, por manifesta discrepância entre o conteúdo e o objecto do acto e desconformidade absoluta entre este e as normas jurídicas que o mesmo deveria respeitar.
  Mas, a nosso ver, sem qualquer razão. Processo TSI 1136 Pág. 20/25
  A obra a que supra se alude reporta-se a um compartimento construído em alvenaria de tijolo com cobertura de zinco, sem licença emitida pelos serviços de obras públicas, sito em fracção de que os recorrentes são proprietários.
  Estes, começam por alegar que a dita obra foi executada pelos anteriores proprietários antes da aquisição a seu favor, razão por que, em seu critério, a reacção da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes foi manifestamente extemporânea.
  O artº 3º do Dec Lei 79/85/M [...] (R.G.C.U.) sujeita a licenciamento as obras de modificação ou ampliação de edifícios, sendo que, de acordo com o preceituado [...] do mesmo diploma legal, as obras executadas carecendo de licenca, ou que foram executadas em desacordo com o projecto aprovado, podem ser mandadas demolir, se forem consideradas insusceptíveis de legalização.
  Ora, a exigência do licenciamento reporta-se ao estatuto jurídico-administrativo da coisa construída ou alterada e a esse estatuto está sempre subordinado o titular dessa coisa.
  Tendo-se verificado a alienação da fraccão em apreço, o anterior proprietário (presumível autor da obra) perdeu a titularidade da mesma e, consequentemente, a legitimidade para nela intervir, ficando os novos adquirentes vinculados ao cumprimento da ordem emanada da Administração – obrigação de demolir – independentemente de qualquer referência contratual, já que tal vinculação resulta directa e imediatamente da aplicação do referido estatuto à situação actual da fracção em apreço.».
  
  Destarte, impõe-se negar provimento ao recurso.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargos dos Recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 8 UC´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 8 de Junho de 2023

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)



513/2022 REC CONT 66