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Processo nº 760/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 15 de Junho de 2023

ASSUNTO:
- Cheques
- Pacto de preenchimento
- Título executivo
- Acordo de pagamento
- Condição

SUMÁRIO:
- A violação do pacto de preenchimento terá de ser avaliada em função do que é que foi acordado e do que é se incumpriu de acordo com o disposto no artº 372º do C.Civ. relativamente à assinatura de documentos em branco, deixando de fazer prova quanto às declarações que não estejam em consonância com o pacto de preenchimento;
- Se o pacto de preenchimento era de que o cheque só fosse pago em determinada data e é apresentado a pagamento em data anterior, então ele não deixa de existir mas o sacado tem o direito de opor ao sacador no domínio das relações imediatas que o pagamento só é devido na data acordada;
- Não se confunde com o regime da relação cartular a possibilidade do cheque poder ser também um título executivo independentemente da sua capacidade para ser ou não título de crédito;
- No domínio das relações directas entre credor e devedor, tendo o embargante invocado a existência de uma obrigação não formal, os cheques dados à execução, enquanto quirógrafo valem como título executivo bastante para no caso em apreço o exequente exigir o cumprimento da obrigação pecuniária que representam;
- Beneficiando o exequente, ora embargado do disposto no nº 1 do artº 452º do C.Civ. caberia ao executado, ora embargante ter demonstrado que era inexistente ou não era devida qualquer obrigação relativamente aos quirógrafos que servem de título executivo;
- Estando o pagamento dos títulos executivos sujeito à verificação de condição em data incerta e demonstrando o embargante/executado que esta não se verificou, impõe-se concluir que é inexigível a obrigação exequenda.




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Rui Pereira Ribeiro



















Processo nº 760/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Junho de 2023
Recorrente: Companhia de A Limitada
Recorrida: B Engenharia – Sociedade Unipessoal Limitada
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

B Engenharia – Sociedade Unipessoal Limitada, com os demais sinais dos autos,
veio deduzir embargos à execução contra si instaurada pela Exequente
Companhia de A Limitada, também, com os demais sinais dos autos.
Alega em síntese a Embargante que a Embargada não tem título executivo para intentar acção executiva pedindo que:
1. Proceder os embargos da executada e fixar em MOP990.000,00 o valor da causa, ao abrigo do artº 256º nº 1 do CPC;
2. Proceder os embargos da executada a rejeitar integralmente pela falta do título executivo o pedido de execução da exequente.

Proferida decisão foram os embargos julgados procedentes e julgada extinta a execução.

Não se conformando com a decisão veio a Embargada e Exequente interpor recurso da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem como objecto a sentença de 1 de Março de 2022 do Tribunal a quo (adiante designada por “sentença recorrida”), que deu provimento aos embargos da embargante (adiante designada por “recorrida”) e, em consequência, extinguiu o processo de execução intentada pela exequente/embargada (ou seja a recorrente).
2. Salvo o devido respeito, a recorrente não se conforma com a sentença recorrida e, portanto, vem interpor recurso.
3. A recorrente entende que a sentença recorrida incorre nos seguintes problemas: a) contradição no juízo; b) insuficiência dos factos provados para a decisão; c) omissão de pronúncia sobre as questões relevantes.
A) Contradição no juízo
4. Consta das fls. 179 a 183 do processo dos embargos a sentença recorrida, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos jurídicos.
5. A sentença recorrida invocou umas justificações dum acórdão do TUI para provar que os dois cheques em causa podem ser tidos como título executivo, mas apoiou que a embargante (recorrida) pode deduzir excepção com fundamento em que a recorrente violou o pacto de preenchimento.
6. Em seguida, após feita uma análise, a sentença recorrida reconheceu que a recorrente violou o pacto de preenchimento relativamente aos dois cheques, que, pois, não podiam ser tidos como título executivo.
7. A recorrente entende que há contradição notória no juízo da sentença recorrida, uma vez que, por um lado, reconheceu que os dois cheques em causa podem ser tidos como título executivo e, por outro lado, assinalou que não podem ser tidos como título executivo!
8. A recorrente entende que, a sentença recorrida obviamente confundiu a existência ou não de título executivo com a viabilidade de execução de título executivo.
9. No caso, a recorrente instaurou o processo de execução contra a recorrida exactamente com base no preenchimento do requisito formal de título executivo pelos dois cheques, se a recorrente intentasse acção declarativa contra a recorrida com fundamento nos dois cheques em apreço, determinar-se-ia possivelmente o indeferimento preliminar pela falta do interesse processual, ao abrigo do art.º 73.º n.º 3 alínea a) do CPC.
10. Havendo título executivo para a instauração do processo de execução, se a executada pretender opor-se à execução, incumbe-lhe deduzir embargos e provar dessa forma a inexistência do direito de crédito do exequente ou a inviabilidade de execução do respectivo título executivo.
11. Na sentença recorrida, o motivo mais relevante para a determinação do decaimento da recorrente consiste na violação do pacto de preenchimento, por isso, é desnecessário continuar a conhecer se a obra foi completada até à data de instauração do processo.
12. Mas a recorrente entende que, desde que os dois cheques satisfazem o requisito formal de título executivo, podem ser tidos como aquilo para intentar acção, enquanto que o direito de crédito fundamental inerente a estes, sendo embargado pela recorrida, incumbe ao Tribunal apreciar os factos alegados pela recorrente e a recorrida respectivamente na petição inicial do processo de execução, embargos à execução e réplica aos embargos, de forma a julgar se o direito de crédito realmente existe e se o seu cumprimento é exigível.
13. Isto é, está em questão a viabilidade de execução dos títulos executivos, em relação material à existência ou não duma dívida a estes inerente cujo cumprimento é exigível, mas não a inexistência de título executivo, sustentada pela sentença recorrida.
14. No juízo da sentença recorrida, evidentemente fez qualificação jurídica incorrecta sobre a respectiva questão e prestou afirmações contraditórias, o que constitui a situação de “os fundamentos estarem em oposição com a decisão”, prevista pelo art.º 571.º n.º 1 alínea c) do CPC, pelo que, a sentença é nula.
B) Insuficiência dos factos provados para a decisão
15. No caso, de acordo com o ponto 5 dos factos provados, “Em 22 de Novembro de 2019, a embargante emitiu dois cheques à embargada”, de acordo com o ponto 7 dos factos provados, “Em 27 de Novembro de 2019, as partes celebraram o acordo subsidiário (cujo teor se dá por reproduzido)”, e conforme os art.º 1.º e 2.º do acordo subsidiário, as partes acordaram em quais situações a recorrente tem direito a apresentar por ela própria os cheques a pagamento.
16. A partir do ponto 5 dos factos provados verifica-se que a recorrida emitiu em 22 de Novembro de 2019 os dois cheques em apreço à recorrente, então, a aposição daquele dia nos dois cheques como a data de emissão é meramente preenchimento conforme a situação real, porque a sentença recorrida chegou à conclusão da violação do pacto de preenchimento?
17. A recorrente entende que, não há qualquer violação do pacto de preenchimento, mas sim está em crise se há violação do acordo com a recorrida sobre as situações de pagamento dos cheques, a respectiva data exposta é irrelevante.
18. Ao abrigo do art.º 1239.º do Código Comercial, independentemente da data de emissão dos dois cheques, quando a recorrente apresentou ao banco os cheques a pagamento, o banco devia realizar o pagamento no dia da apresentação, mesmo sendo anterior à data de emissão constante dos cheques.
19. Ou seja, quando a recorrida emitiu à recorrente os cheques, devia saber perfeitamente que a recorrente teria direito a ir ao banco apresentar imediatamente os cheques a pagamento, sem necessidade de pensar no acordo entre as partes, de resto, o acordo subsidiário foi celebrado depois da data de emissão dos cheques.
20. Deste modo, é necessário averiguar se a obra estava completada para determinar expressamente se a dívida em causa é justificada e se o seu cumprimento é exigível.
21. No entanto, a sentença recorrida indicou que é desnecessário analisar se a recorrente completou a obra em 12 de Novembro de 2020 e em 17 de Novembro de 2020, ou até hoje, isto é, não haverá qualquer facto concreto para reconhecer que a recorrente violou o acordo entre as partes ao apresentar os cheques a pagamento.
22. Pelo que, a recorrente entende que os factos provados na sentença recorrida não são suficientes para proferir a decisão do Tribunal a quo, nem para apoiar o ganho de causa por parte da recorrida, uma vez que não foi julgada e conhecida a questão substancial de forma qualquer.
23. O foco do julgamento deve consistir em violação ou não por parte da recorrente do acordo subsidiário celebrado com a recorrida, a qual conduz à inviabilidade de execução dos títulos executivos em apreço, mas não violação do pacto de preenchimento, sustentada pela sentença recorrida, da qual emerge a inexistência de título executivo.
C) Omissão de pronúncia sobre a questão relevante
24. A recorrente entende que a sentença recorrida formou um juízo errado, ignorou totalmente a questão substancial e, em consequência, proferiu uma decisão incorrecta.
25. O mais importante em causa é a relação material, ou seja, a questão de existência ou não da dívida e exigibilidade do seu cumprimento.
26. Quanto à primeira, acredita-se que dos factos provados se pode confirmar que entre a recorrente e a recorrida existe realmente uma relação obrigacional.
27. No tocante à segunda, a exigibilidade do cumprimento da dívida depende totalmente da conclusão ou não da obra; no entanto, a sentença recorrida determinou o decaimento da recorrente com fundamento em ela não ter título executivo.
28. É certo que, agora não há facto concreto, entre os provados, para demonstrar se a obra estava completada à data de emissão dos dois cheques, proporcionando à recorrente demandar o cumprimento do pagamento da obra.
29. Mas isso não exclui a possibilidade de verificar pela recorrente na instauração do processo de execução que a obra foi completada no período posterior ou pelo menos antes de instauração do processo de execução, facultando-lhe assim exigir o cumprimento da dívida.
30. Na petição inicial e réplica aos embargos, a recorrente já descreveu explicitamente a adjudicação da obra, a sua conclusão, a celebração do acordo subsidiário entre elas e o pagamento dos cheques, também alegou imensos factos instrumentais para provar que a obra já foi completada e a recorrente tem direito a obter a respectiva quantia.
31. Mas a sentença recorrida não analisou e conheceu os factos alegados pela recorrente, até considerou desnecessário julgar se a obra foi completada. Sem dúvida, isso é uma decisão errada e viola a disposição do art.º 433.º do CPC – “A instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.”
32. A sentença recorrida completamente não se pronunciou sobre se a recorrida deve efectuar a prestação e se a recorrente podia exigir o cumprimento da prestação ao instaurar o processo de execução.
33. É certo que, a sentença recorrida reconheceu que o processo de execução foi instaurado com base na existência de título executivo, portanto, deveria recair sobre a recorrida o ónus da prova da inviabilidade de execução dos títulos executivos, só a verificação por parte da recorrida da não conclusão da obra poderia dispensá-la da sua devida obrigação de pagamento.
34. Contudo, de acordo com os pontos 14 e 15 dos factos provados, a recorrida limitou-se a dizer que a obra ainda não estava completada até Setembro de 2019, a mora grave da obra, a falha da respectiva configuração e a insatisfacção das exigências do dono conduziram à sua recusa de aceitar a obra, etc.
35. Porém, esses factos não podem esclarecer se agora a obra está completada, se a recorrente já cumpriu devidamente as suas obrigações, ou se a insatisfacção dos critérios é imputável à recorrente ou é provocada por ela.
36. Isto é, não sabendo se a obra estava completada até o dia de instauração do processo de execução e se havia qualquer erro imputável à recorrente que lhe impossibilitou exigir o pagamento da obra, pode-se dar provimento aos embargos da recorrida?
37. A resposta é não, uma vez que a recorrida não cumpriu o seu devido ónus da prova da inexigibilidade do cumprimento da dívida.
38. Mesmo se o Tribunal superior não concorde nessa opinião, deve concordar com a recorrente no sentido da omissão de pronúncia sobre os respectivos factos por parte do Tribunal a quo, fazendo com que os factos provados sejam insuficientes para a decisão em crise.
39. Na réplica aos embargos, a recorrente já descreveu explicitamente quando completou a respectiva obra, como acompanhou falhas/reparações, a situação de conflito entre a recorrida e o dono (ou o vendedor de terceiro do dono), a entrega do código, as causas de desconto do dinheiro da recorrida, a aquisição dos equipamentos pela recorrente sob autorização do empreiteiro geral nomeada pelo dono e quando terminou o prazo de garantia, etc., tudo facilitaria ao Tribunal a quo julgar e apurar a relação jurídica material impugnada em causa, mas o Tribunal a quo não levou as respectivas questões ao factum probandum no despacho saneador para apurar a realidade.
40. Sustentando que a recorrente violou o pacto de preenchimento e, portanto, era desnecessário conhecer se a obra estava completada, o Tribunal a quo não considerou de forma qualquer, ao proferir a sentença, as alegações e documentos comprovativos entregues na réplica aos embargos pela recorrente, nomeadamente o teor dumas cartas.
41. “A necessidade de ampliação da matéria de facto verifica-se quando há insuficiência de factos provados para a decisão, o que ocorre quando o tribunal de primeira instância não investigou os factos essenciais, de entre os constantes do art.º 5.º, designadamente, quando não levou à base instrutória os factos necessários (tenha ou não havido reclamação, e qualquer que tivesse sido a decisão quanto a esta) e quando, na audiência de julgamento, o presidente do tribunal não providenciou pela ampliação da base instrutória, nos termos do art.º 553.º n.º 2 alínea f).” – Viriato Manuel Pinheiro de Lima, «Manual de Direito Processual Civil», 2ª Edição, traduzido por Ip Son Sang e Lou Ieng Ha, pág. 434 (sub. nosso).
42. Todavia, não basta investigar somente os factos essenciais, visto que os factos instrumentais são indispensáveis para os investigar e compreender, pelo que, o tribunal tem que investigar também todos os factos instrumentais relacionados; isso é manifestado pelo art.º 5.º n.º 2 do CPC.
43. Isto é, sempre que sejam úteis para compreender e analisar os factos essenciais, o tribunal deve conhecê-los. Ou seja, além da questão da possibilidade de pagamento dos dois cheques, já suscitada no caso, é necessário apreciar os fundamentos da recorrente e da recorrida sobre a conclusão ou não da obra, as causas e as responsabilidades das partes.
44. Os factos instrumentais no caso são exactamente os supracitados e alegados na réplica aos embargos, desempenham uma função relevante para conhecer se a obra em questão estava completada, também facultam julgar se a recorrente podia exigir à recorrida com os dois títulos executivos o respectivo pagamento no momento de instaurar o processo de execução.
45. Contudo, o Tribunal a quo não ponderou esses factos relevantes ao proferir o despacho saneador, nem providenciou na audiência de julgamento pela ampliação da base instrutória, nos termos do art.º 553.º do CPC.
46. E mais, em 23 de Fevereiro de 2022, no processo principal de execução, a Companhia de Engenharia e Construção C Lda., empreiteiro geral do projecto, apresentou ao Tribunal uma resposta (constante da fls. 188 do processo de execução), na qual afirmou expressamente que a obra da energia eléctrica de tensão baixa em apreço foi completada, até entregou uma certidão de conclusão da obra, assinada por esta própria e a sociedade D International Limited, dono do projecto, e emitida em 21 de Novembro de 2019, para provar a conclusão da obra da energia eléctrica de tensão baixa em apreço. Porém, o Tribunal a quo totalmente não levou em conta o teor dos respectivos documentos, nem os conheceu e apreciou na sentença recorrida, mas sim proferiu a decisão de 1 de Março de 2022.
47. Isso constitui a situação de “o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento”, prevista pelo art.º 57.º n.º 1 alínea d) do CPC, o que conduz à nulidade da sentença recorrida.
48. Não se excluindo a possibilidade de o Tribunal de recurso directamente dar esses factos provados e proferir uma decisão diversa ao abrigo do art.º 629.º n.º 1 alínea b) do CPC, pede-se que seja ampliada a base instrutória e anulada a decisão a quo, ao abrigo do art.º 629.º n.º 4 do CPC.
49. Pelo que, mesmo não apoiando alterar imediatamente decisão da matéria de facto, em face da omissão grave, que conduziu à sentença errada, o Tribunal de recurso deve anular a sentença a quo, ampliar a base instrutória e ordenar o reenvio ao TJB para novo julgamento, ao abrigo do art.º 629.º n.º 4 do CPC.
50. Os factos a acrescentar devem abranger os supracitados e alegados na réplica aos embargos (nomeadamente se a conclusão da obra da energia eléctrica de tensão baixa em apreço foi confirmada pelo dono e o empreiteiro geral) e os outros que o Tribunal entende relevantes para uma boa decisão.
51. Pelo exposto, a sentença recorrida viola o art.º 433.º do CPC e constitui as situações previstas pelo art.º 571.º n.º 1 alínea c) e d) do CPC, o Tribunal superior deve anular a sentença recorrida, ampliar a base instrutória e ordenar o reenvio ao TJB para novo julgamento.

Contra-alegando veio a Embargante e Executada, ora Recorrida, apresentar as seguintes conclusões:
1. A recorrente não se conforma com a sentença de 1 de Março de 2022 do 2º Juízo Cível do TJB sobre os embargos à execução, a qual deu provimento à excepção da recorrida no sentido da inexistência de título executivo e declarou extinto o processo de execução.
2. Não se conformando, a recorrente interpôs o presente recurso, argumentando que a sentença é nula pela contradição no juízo; padece do vício da insuficiência dos factos provados para a decisão; e pede ampliação da base instrutória.
3. Conforme o ponto 7 dos factos provados da sentença recorrida, verifica-se que as partes celebraram o acordo subsidiário em 27 de Novembro de 2019 (adiante designado por “pacto de preenchimento”) (cujo teor se dá por reproduzido).
4. No referido acordo subsidiário estipulam-se as condições de preenchimento e pagamento dos dois cheques em causa, acordadas pelas partes.
5. A recorrente argumentou repetidamente nos articulados do recurso que a sentença recorrida não conheceu se a obra foi completada, portanto, incorreu na omissão de pronúncia, assim, era necessário ampliar a base instrutória.
6. Entretanto, na audiência de julgamento, as testemunhas prestaram depoimentos sobre os factos da base instrutória um por um, e evidentemente, não foi deduzida qualquer reclamação sobre esses factos da base instrutória; outrossim, na audiência de julgamento, as testemunhas realmente não foram inquiridas sobre a conclusão ou não da obra? A recorrente renunciaria à oportunidade de fazer tal pergunta?
7. A recorrente está obviamente a impugnar a apreciação da prova pelo Juiz e a formação da sua convicção. A sentença recorrida não incorre em qualquer omissão de pronúncia, nomeadamente sobre a conclusão ou não da obra.
8. Foi após realizada a audiência de julgamento que a sentença recorrida conseguiu concluir que, a recorrente violou o acordo subsidiário celebrado em 27 de Novembro de 2019 pelas partes, incluindo o contrato da obra e o acordo, bem como violou o pacto de preenchimento, pelo que não tinha direito a exercer o direito sobre os cheques e, deste modo, não havia título executivo.
9. De acordo com os art.º 1.º e 2.º do acordo subsidiário, no tocante quer ao pagamento da obra (cheque 1: MOP$330.000,00) quer à quantia da caução (cheque 2: MOP$660.000,00), a exequente não reuniu as condições para apresentar a pagamento os dois cheques em causa.
10. Após realizada a audiência de julgamento, verifica-se que a recorrente não completou a sua obra, a recorrida e o dono nunca aceitaram a obra da recorrente, nem esta obteve o certificado de conformidade de qualquer parte. Por isso, não estando conforme a qualquer situação prevista pelo acordo supracitado, a recorrente não tinha direito a apresentar a pagamento por ela própria os dois cheques em apreço.
11. De facto, a recorrida já assinalou que, em Abril de 2018, a recorrente entrou no estaleiro e iniciou a execução da obra, em Setembro de 2019, já passando o prazo da obra, ainda não foi completada, todavia, a recorrente forçou a executada, por ameaça de deixar de trabalhar, a assinar os dois cheques e o acordo subsidiário.
12. Mas a recorrente ainda ausentava-se do trabalho e reparação, resultando na mora grave da obra, a recorrida foi expulsada pelo dono, porém, negociava sempre com o dono o pagamento remanescente, mas o dono indicou que a não conclusão da obra e a falha da respectiva configuração lhe impossibilitavam receber o pagamento final. Tudo isso decorreu do incumprimento contratual da obra por parte da recorrente na qualidade de subadjudicatária.
13. Na altura, a recorrente, como subadjudicatária, não executava trabalhos segundo as exigências do dono, fazendo com que a obra não atingisse os respectivos critérios e o dono recusasse aceitar a obra.
14. De resto, se a recorrente não tivesse qualquer problema na execução da obra, seria ilógico que se abandonasse da obra sem obter do dono certificado de aceitação, ou certificado de conformidade, ou qualquer certificado.
15. E mais, a recorrente já contactava escondidamente, por várias vezes, sem informar a recorrida, com o dono por correio electrónico, também entregava uns códigos do sistema da obra, então, porque não solicitou directamente ao dono lhe emitir o certificado de conformidade? Imensos documentos de correio electrónico entregues pela recorrente (enviados da recorrente a “F Group”) são provas das comunicações entre a recorrente e o dono.
16. De facto, foi exactamente tal conduta de entregar directamente ao dono uns códigos do sistema da obra sem informar a recorrida que privou desta as fichas de negociação para demandar o pagamento do dono.
17. A recorrente também pretendeu aproveitar a notificação de pagamento, a entrega dos códigos do sistema e a licença de utilização do edifício emitida pela DSSOPT ao dono para nos induzir em erro de que a obra foi completada.
18. Além disso, mesmo que a custa estimada da obra seja aproximada ao preço contratual, de que forma se relaciona directamente ao cumprimento ou não pela recorrente totalmente segundo as exigências?
19. A pura comparação dos valores da obra não pode provar o cumprimento contratual pleno, por exemplo, a configuração foi feita com sucesso ou não?
20. A licença de utilização do edifício emitida pela DSSOPT ao dono representa a segurança fundamental na utilização do edifício, mas tem relação directa com a obra da recorrente?
21. No acórdão n.º 113/2004 de 17 de Junho de 2004, o TSI explica da forma seguinte o contrato de empreitada, a aceitação da obra e a licença de utilização do edifício:
1. O tribunal pode oficiosamente declarar extinta a execução nos termos previstos no art.º 703.º do Código de Processo Civil de Macau (CPC), segundo o qual ainda que não tenham sido deduzidos embargos, pode o juiz, até ao despacho que ordene a realização da venda ou das outras diligências destinadas ao pagamento, declarar extinta a execução por fundamentos que não tenha apreciado e que podiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento inicial da execução.
2. O contrato de empreitada para construção de um edifício sob regime de propriedade horizontal não pode ser tido como um documento particular que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias a cargo da dona da obra e, como tal, com valor de título executivo nos termos contemplados no art.º 677.º, alínea c), do CPC, se não estiver cabalmente demonstrada, pela empreiteira pretendente de execução, a efectiva aceitação da obra pela sua dona.
3. É que do instituto jurídico da empreitada, decorre natural e logicamente que a parte dona da obra só fica constituída na obrigação de pagar o preço quando a execução da obra for feita pela parte empreiteira em conformidade com o convencionado e nomeadamente sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela.
4. E a licença de utilização do edifício entretanto construído emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes de Macau, por si só, não equivale à aceitação da obra pela dona da obra.
22. Outrossim, ponderando o teor dos n.º 1 a 7 do art.º 1.º e n.º 1 a 6.º do art.º 2.º do acordo subsidiário, a recorrente não provou o facto da conclusão da obra, mas foi apresentar os cheques a pagamento por ela própria, o que constitui violação grave do pacto de preenchimento.
23. No caso, o respectivo acordo subsidiário foi assinado pela executada em 27 de Novembro de 2019 perante a Advogada XXX no Escritório de Advogados OCT.
24. Contudo, a exequente já foi apresentar a pagamento os cheques 1 e 2 em 25 de Novembro de 2019.
25. Desde que já apresentou os cheques a pagamento, porque ainda solicitou à recorrida assinar o acordo subsidiário?
26. Isto é, foi sem informar a recorrida e com violação do acordo que a recorrente apresentou a pagamento os dois cheques, que têm a natureza de garantia.
27. O cheque 2, no valor equivalente à quantia da caução, segundo o acordo subsidiário, só pode ser apresentado a pagamento pelo menos 1 ano após a conclusão da obra, a título de garantia (sic.).
28. Entretanto, em 25 de Novembro de 2019, a recorrente já foi apresentar a pagamento o cheque 2 (valor da caução: MOP$660.000,00), apenas 7 dias após o dia de assinatura do acordo pela recorrente (18 de Novembro de 2019), qual é a sua lógica?
29. A conduta da recorrente não só violou gravemente o contrato da obra celebrado entre as partes, mas também as disposições do acordo subsidiário.
30. Não importando porque celebraram o acordo subsidiário, a recorrente violou-o constantemente e apresentou por várias vezes os dois cheques a pagamento de forma infundamentada, não se sabe o que a recorrente sofreu, mas tal conduta pode criar uma imagem de ofendida?
31. Na petição inicial, a recorrente afirmou que agora o pacto de preenchimento não é importante, mas sim o facto da conclusão ou não da obra.
32. A recorrida absolutamente não consegue compreender esse fundamento da recorrente, as partes devem cumprir de forma respeitosa o pacto de preenchimento, se a recorrente pode determinar unilateralmente quando importa o pacto de preenchimento e quando não, constituem-se a volta de cima para baixo e o abuso do direito.
33. Além disso, a recorrente argumentou que, ao abrigo do art.º 1239.º do Código Comercial, uma vez passados, tinha direito a ir imediatamente ao banco apresentar a pagamento os dois cheques em causa.
34. Entretanto, no presente processo de execução, segundo a petição inicial da recorrente e o pacto de preenchimento nos factos provados, a recorrente evidentemente não tinha direito a ir imediatamente ao banco apresentar a pagamento os dois cheques em causa.
35. Conforme o acordo subsidiário nos factos provados, a função de pagamento à vista dos dois cheques estava restringida, ou seja, não eram pagáveis à vontade da recorrente, mas sim quando estivessem reunidas as condições acordadas.
36. Como documento particular, os cheques próprios referidos não importam constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias. Pelo que, no requerimento de execução, a exequente tem que apresentar e provar a respectiva relação jurídica fundamental, para verificar a existência de obrigações pecuniárias, sob pena de rejeição do requerimento. (vide o acórdão do recurso em processo civil e laboral n.º 338/2016 do TSI)
37. Qual é o erro quando a sentença recorrida sustentou que pela violação do acordo subsidiário celebrado em 27 de Novembro de 2019 e do pacto de preenchimento a recorrente não podia exercer o direito sobre os dois cheques em causa e não tinha título executivo?
38. Ao abrigo do art.º 335.º do Código Civil e art.º 450.º n.º 1 do CPC, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova, os documentos destinados a fazer prova devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Mas a recorrente não juntou qualquer registo da conclusão da obra ou certificado de aceitação (certificado de conformidade) emitido pela recorrida, sem qualquer prova da conclusão da obra e conforme o acordo subsidiário celebrado em 27 de Novembro de 2019, a recorrente não reúne as condições para demandar à recorrida o respectivo pagamento.
39. Analisado o teor do parágrafo de “E mais, ……”, os documentos nele enumerados pela recorrente, como a resposta do empreiteiro geral sobre a conclusão da obra e a certidão de conclusão da obra assinada pela sociedade D International Limited, dono do projecto, nunca foram apresentados antes da decisão da matéria de facto nos embargos à execução, após revistos os autos, todos esses documentos estão guardados no processo principal de execução e não se viram antes da decisão da matéria de facto nos embargos à execução, deste modo, que erro é que tem a sentença recorrida?
40. Além disso, entre os documentos enumerados pela recorrente, não há qualquer certificado de conformidade ou de aceitação emitido por qualquer parte, ela limitou-se a tentar induzir-nos em erro, com os outros documentos, de que a obra estava completada, mas não disse nada sobre a emissão ou não do certificado de conformidade à sua obra!
41. Os dois referidos documentos, emitidos por dois sujeitos diferentes, não manifestam que a obra em causa foi completada pela recorrente, por isso, a conclusão final da obra não tem relação directa com a recorrente.
42. No acórdão do recurso em processo civil e laboral n.º 338/2016, o TSI indica que:
- Se o respectivo documento visa provar um determinado facto, deve ser apresentado antes do encerramento da discussão da matéria de facto, uma vez que, ao abrigo do art.º 556.º n.º 1 do CPC, encerrada a discussão da matéria de facto, o tribunal colectivo reúne para decidir.
- Como documento particular, o cheque próprio não importa constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.
- Pelo que, no requerimento de execução, a exequente tem que apresentar e provar a respectiva relação jurídica fundamental, para verificar a existência de obrigações pecuniárias, sob pena de rejeição do requerimento.
43. A sentença recorrida sobre os embargos à execução foi proferida em 1 de Março de 2022, enquanto que a decisão da matéria de facto foi proferida em 26 de Janeiro de 2022.
44. Até 26 de Janeiro de 2022, a recorrente não apresentou qualquer um dos dois documentos referidos emitidos pelo empreiteiro geral ou pelo dono.
45. Pelo que, os dois documentos são invocados só até agora, sem realizar qualquer questionamento e discussão, então, que erro é que tem a sentença recorrida?
46. Importa notar que, os dois documentos, que a sentença recorrida não apreciou e considerou, estão guardados no processo principal de execução, no entanto, o presente recurso tem como objecto a sentença sobre os embargos à execução, a recorrente confundiu os dois processos? E gostava de usar documentos processuais apesar da separação de processos? Se tal for permitido, não deixa de ser um ataque inesperado para a recorrida e a sentença recorrida!
47. Outrossim, na fls. 181 do documento referido (sic.), as perguntas da recorrente se referem ao “pagamento da obra”, todavia, conforme o despacho da fls. 196 dos autos, solicitam à recorrida esclarecer ao Tribunal dentro de 10 dias o paradeiro do “pagamento remanescente” já recebido.
48. A Companhia de Engenharia e Construção C Lda. prestou uma resposta breve às perguntas da recorrente. Além disso, no tocante ao respectivo pagamento da obra, a recorrida já pagou a recorrente integralmente, em prestações, durante o prazo de execução, segundo as exigências desta, senão, o valor requerido no processo de execução seria igual ao valor do recurso actual?
49. De acordo com os documentos juntados pela recorrente própria ao processo de embargos à execução, o preço global da obra é de MOP$5.900.000,00, entretanto, a Companhia de Engenharia e Construção C Lda. respondeu que o pagamento da obra é de MOP$5.047.000,00, obviamente, a diferença decorre do desconto da quantia pelo dono.
50. As 3 perguntas da recorrente referem-se ao pagamento da obra global, não deixa de ser fácil levar a interpretar erradamente que a recorrida recebeu no fim o pagamento no valor de mais de cinco milhões patacas, bem como o seu paradeiro, de facto, ela já pagou a recorrente integralmente, em prestações, durante o prazo de execução, segundo as exigências desta.
51. Outrossim, mesmo sendo completada a obra, todos os instrumentos e grades da recorrente foram deixados no estaleiro, a recorrente só poderia abandonar-se quando a exequente obtivesse a autorização da recorrida e lhe entregasse o estaleiro, entretanto, na altura, a recorrente abandonou-se sem notificação, o dono exigiu à recorrida arrumar o estaleiro. De facto, a recorrida nunca recebeu da recorrente qualquer notificação da conclusão da obra, nem houve qualquer certificado de aceitação pelo qual as partes acordem a entrega e recepção do estaleiro.
52. A recorrente pretendeu aproveitar a licença de utilização emitida pela DSSOPT ao dono para causar confusão e sustentar fraudulentamente que completou a sua obra.
53. No fim, se o Tribunal entender necessário, como apoia a recorrente (a recorrida absolutamente não concorda), reapreciar se agora a obra está completada, a recorrida gostava de perguntar como a conclusão actual da obra tem a ver com a recorrente? Mesmo que a obra está completada, foi necessariamente concluída pela recorrente? A conclusão da obra pela recorrente e o estado actual da obra completada são totalmente duas coisas distintas, na altura, o dono estava insatisfeito com a obra, já expulsou a recorrida e empregou o terceiro para executar os trabalhos remanescentes, que sentido faz o pedido da recorrente de reapreciar se o dono e o empreiteiro geral confirmaram a conclusão da obra em causa? Mesmo se verificando a conclusão, de que forma se relaciona à recorrente? O estado actual da obra completada significa que foi concluída pela recorrente?
54. A essência não consiste na conclusão ou não da obra, mas sim a aceitação ou não pelo dono! A recorrente afirmou que a completou, mas o dono não a aceitou nem emitiu certificado de conformidade, percebe?
55. De acordo com os factos provados e respostas aos quesitos, o Tribunal a quo não reuniu condições de forma qualquer para proferir uma sentença favorável à recorrente.
56. De facto, está a duvidar a convicção livre formada pelo Tribunal a quo ao proferir a sentença.
57. O princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita que o Tribunal de recurso censure a relevância e credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
58. Se a recorrente impugne a decisão de facto, cabe-lhe especificar os enumerados no art.º 599.º do CPC, sob pena de rejeição do recurso.
59. A recorrente não especificou quais são os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, violando assim o art.º 599.º do CPC, sobre o ónus do recorrente que impugne a decisão de facto
60. Nem indicou quais são os concretos meios probatórios, constantes do registo do processo, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
61. Tampouco indicou as passagens da gravação em que se funda.
62. Pelo incumprimento da norma referida, o presente recurso deve ser rejeitado ao abrigo do art.º 599.º n.º 1 e 2 do CPC.
63. Pelo exposto, o presente recurso deve ser rejeitado pela improcedência e violação das disposições legais de recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre assim apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos Factos

Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
1. Tendo como título executivo os dois documentos constantes das fls. 38 e 39 dos autos do processo principal (cujo teor se dá por reproduzido), a embargada/exequente intentou acção executiva contra a embargante/executada;
2. A embargante é adjudicatária da obra de fornecimento e instalação do sistema da energia eléctrica de tensão baixa do projecto de desenvolvimento comercial e habitacional sito em Rua da ...... n.º ...-... e Rua dos ...... n.º ...-...;
3. Em 10 de Outubro de 2018, a embargante subadjudicou a referida obra à embargada, celebraram estas no mesmo dia o contrato n.º RE2017014 (cujo teor se dá por reproduzido);
4. Em 22 de Outubro de 2019, celebraram o contrato n.º RE2019014-REV A (cujo teor se dá por reproduzido) para substituir o contrato n.º RE2017014.
5. Em 22 de Novembro de 2019, a embargante emitiu dois cheques à embargada.
6. Em 25 de Novembro de 2019, a embargada foi apresentar a pagamento os dois cheques acima mencionados, emitidos pela embargante, mas não conseguiu levantar dinheiro pela insuficiência do depósito.
7. Em 27 de Novembro de 2019, as partes celebraram o acordo subsidiário (cujo teor se dá por reproduzido).
8. A embargada foi ao banco, sucessivamente por 3 vezes, apresentar a pagamento o cheque 1, mas foi devolvido respectivamente em 25 de Novembro de 2019, 12 de Novembro de 2020 e 17 de Novembro de 2020.
9. Um cheque do Sucursal de Macau do Banco da China n.º O****839 (adiante designado por “cheque 1”), no valor de MOP$330.000,00, destinava-se a pagar o preço da obra realizada.
10. Um cheque do Sucursal de Macau do Banco da China n.º O****840 (adiante designado por “cheque 2”), no valor de MOP$660.000,00, destinava-se a reembolsar a caução prestada, mencionada no ponto 8 do contrato n.º RE-2019014-REV A.
11. Em 5 de Maio de 2020, a embargada entregou por correio electrónico à embargante o relatório de teste do utilizador.
12. Em 23 de Setembro de 2020, a embargada entregou à embargante o código do sistema da obra.
13. Em Setembro de 2019, já foi concedida à obra a licença de utilização.
14. A embargante declarou que, em Abril de 2018, a executada entrou no estaleiro e iniciou a execução da obra, após passado o prazo da obra em Setembro de 2019, a obra ainda não foi completada, a embargante assinou os dois cheques em causa e o acordo subsidiário. No fim, a embargante foi expulsada pelo dono do Edifício, mas tem sempre verificado com este o pagamento final, o dono do Edifício afirmou que a obra não foi concluída, portanto, era necessário deduzir o pagamento.
15. Quando a embargante solicitava ao dono do Edfício o pagamento final da obra, indicou este que, a mora grave da obra e a falha da respectiva configuração lhe impossibilitavam receber o pagamento final.
16. A obra não satisfez as exigências do dono do Edifício, portanto, não concordou em aceitar a obra.
*
Não podemos deixar de fazer aqui uma referência quanto aquilo que nos parece ser uma forma menos clara de elencar a matéria de facto e de fundamentar a convicção do tribunal.
Na alínea G dos factos assentes a fls. 144v deu-se como provado que “Em 27 de Novembro de 2019, as partes celebraram o acordo subsidiário (cujo teor se dá por reproduzido).
Para além da referência a documento 5, não se indica, contudo, onde se encontra o referido acordo, nomeadamente em que página nem de que processo dado que já há dois, a execução e os embargos.
Documento 5 não sabemos se da p.i. se da contestação dos embargos uma vez que ambas as peças têm mais de 5 documentos, mas certo é que não é nenhum deles.
Só na página 4 da sentença a fls. 180v. se refere que o acordo se encontra a fls. 32 a 37 do processo principal.
Ora, dando-se por reproduzido um documento, salvo melhor opinião, manda a boa prática que se remeta expressa e claramente para o local onde esse documento se encontra, nomeadamente a que folhas e de que processo especialmente se não estiver junto ao processo onde ele é dado por reproduzido, o que mais é reforçado se acaso estiver em causa o documento com base no qual toda a decisão assenta, observação esta que entendemos deixar feita em benefício da futura clareza e transparência das decisões judiciais.
*
Apesar de o fazer de uma forma pouco precisa, mas a Embargada/Recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto no sentido de não estar demonstrado que a obra não foi concluída como se diz nos números 14 e 15 dos factos apurados.
O único elemento que em concreto se invoca é um documento que teria sido junto aos autos e datado de 21.11.2019 e de onde resultaria estar a obra concluída.
Ora o acordo complementar foi assinado em 27.11.2019 e pressupunha que a obra estava em curso, pelo que com base num documento anterior nada se pode concluir.
Para além disso, nada de concreto se invoca quanto aos meios de prova que possa alterar a conclusão que consta da matéria de facto, pelo que, face ao disposto no artº 599º do CPC só pode improceder o recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto.

2. Do Direito
   
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Está em questão se os dois documentos constantes das fls. 38 e 39 dos autos do processo principal constituem títulos executivos.
Conforme os pontos 2 a 4 dos factos provados, a embargante é adjudicatária da obra de fornecimento e instalação do sistema da energia eléctrica de tensão baixa do projecto de desenvolvimento comercial e habitacional sito em Macau. Em 10 de Outubro de 2018, a embargante subadjudicou a referida obra à embargada, celebraram estas no mesmo dia o contrato n.º RE2017014, em seguida, em 22 de Outubro de 2019, celebraram o contrato n.º RE2019014-REV A (cujo teor se dá por reproduzido) para substituir o contrato n.º RE2017014.
Sem dúvida, os dois títulos executivos foram emitidos pela embargante/executada.
Conforme os pontos 9 a 10 dos factos provados, os dois cheques referidos destinavam-se a pagar o preço da obra e reembolsar a caução prestada pela embargada/exequente.
E mais, conforme o acordo subsidiário (constante das fls. 32 a 37 do processo principal) descrito no ponto 7 dos factos provados, nos 1º e 2º artigos são dispostas as condições de pagamento e preenchimento dos 2 cheques em causa, sem dúvida, no momento da sua emissão, não estavam completamente preenchidos, as partes acordaram as condições de pagamento e preenchimento.
No tocante à questão de o cheque, nomeadamente não completamente preenchido (cheque em branco), poder ou não constituir título executivo, o TUI sustenta no acórdão n.º 51/2011 que:
“O cheque é um título de crédito, que contém o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, dele devendo contar a assinatura de quem passa o cheque (o sacador), o nome de quem deve pagar (o sacado, um banco), a indicação do lugar do pagamento e da data e do lugar onde o cheque é passado (artigo 1212.º do Código Comercial).
O cheque representa uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro, onde existem fundos providenciados por quem emite o título.
A própria lei prevê que um cheque possa ser passado incompleto e completado posteriormente (artigo 1224.º do Código Comercial).
A questão também não é estranha ao Direito Civil (artigo 372.º do Código Civil).
Não se entende, por conseguinte, o alcance do Acórdão recorrido ao afirmar que um cheque cujos dados relativos ao nome do beneficiário, ao montante e à data foram preenchidos pelo exequente/embargado depois de entregue a este, não constitui título executivo nos termos do artigo 677.º, alínea c) do Código de Processo Civil, por não constituir uma obrigação pecuniária.
É que, por um lado, nada obsta ao seu preenchimento posterior e não há dúvidas que, após preenchido, constitui uma obrigação pecuniária, visto que dele consta uma ordem assinada pelo sacador (o devedor) ao banco para pagar uma quantia determinada a favor de determinada pessoa, o beneficiário (credor).
E o embargante não provou a extinção da relação subjacente, como lhe competia.
Trata-se, por tanto, de um título executivo.

Como se disse, o cheque é um título de crédito. Significa isto que é “o documento necessário para exercitar o direito literal e autónomo nele mencionado”.1
Nos títulos de crédito o documento é um requisito necessário para a existência do direito nele mencionado: o documento tem uma função constitutiva, sendo que esta “não se restringe ao momento inicial da vida do direito, mas reveste carácter permanente: o documento é imprescindível também para o exercício e a transferência do direito. Por isso se deveria dizer, segundo certa teoria, que é a titularidade do documento que decide da titularidade do direito nele mencionado; que o documento é o principal, sendo o direito seu acessório”2
O cheque, como título de crédito, tem determinadas características:
- A incorporação da obrigação no título. Resulta do que dissemos anteriormente.
- A literalidade da obrigação. O conteúdo, extensão e modalidades da obrigação cartular são os que a declaração objectivamente defina e revele.
- A abstracção da obrigação. O negócio cambiário é independente da sua causa.
- A autonomia do direito do portador.
Na obrigação cambiária há que distinguir as relações imediatas das relações mediatas.
Nas relações imediatas, ou seja, nas relações entre o subscritor e o sujeito cambiário imediato, sujeitos estes que são também os sujeitos da relação subjacente, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta.
Nestas relações, a obrigação cambiária está sujeita às excepções que se fundamentem nas relações pessoais dos sujeitos. É essa a interpretação que tem sido dada ao artigo 1233.º do Código Comercial e a disposição idêntica da Lei Uniforme Sobre o Cheque que aquele reproduz (artigo 22.º)
Já nas relações mediatas, ou seja, entre os sujeitos que não são parte na relação subjacente, não podem ser opostas ao portador excepções pessoais, a menos que o portador do cheque ao adquiri-lo tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor (artigo 1233.º do Código Comercial).

“O pacto de preenchimento é uma convenção obrigacional e informal. Tem como conteúdo a obrigação de preencher a letra (ou o cheque) de acordo com o critério estipulado entre as partes”.3
A violação do pacto de preenchimento pode ser oposta sempre no domínio das relações imediatas. No domínio das relações mediatas, já não pode ser oposto, a menos que o portador tenha adquirido o cheque de má fé, ou adquirindo-o tenha cometido uma falta grave (artigo 1224.º do Código Comercial).
No caso dos autos estamos no domínio das relações imediatas, visto que o cheque não entrou ainda em circulação.”
Embora no processo invocado esteja em questão a quem recai o ónus da prova, é completamente aplicável ao presente processo a sua interpretação sobre o cheque em branco, o pacto de preenchimento e os art.º 1224.º e 1233.º do Código Comercial.
Daqui chegamos à seguinte conclusão, os dois cheques em causa podem ser tidos como títulos executivos, mas a executada pode ter como excepção a violação do pacto de preenchimento por parte da exequente.
Ora bem, como acima disse, nos art.º 1.º e 2.º do acordo subsidiário constante das fls. 32 a 37 do processo principal prevê-se o pacto de preenchimento dos dois cheques em apreço.
O art.º 1.º do acordo subsidiário dispõe que, quanto ao cheque 1 (n.º O****839, no valor de MOP$330.000,00), após a conclusão da obra, a embargante deve promover o pagamento do dono e pagar a embargada dentro de 30 dias contados a partir de recepção do pagamento do dono, se a embargante não remeter à embargada a notificação escrita de aceitação da obra dentro de 10 dias contados da conclusão da obra segundo a disposição referida, a embargada pode apresentar o cheque a pagamento; ou, após a conclusão da obra, se a embargante não agir nem solicitar ao dono a realização de pagamento, a embargada pode apresentar o cheque a pagamento; ou, após a conclusão da obra, se a embargante já tiver solicitado ao dono a efectuação de pagamento mas o dono ainda não pagar, a embargada pode apresentar o cheque a pagamento; no fim, se a embargante não prestar à embargada as informações da respectiva situação, a embargada também pode apresentar o cheque a pagamento.
Simplesmente, o pagamento do cheque baseia-se na conclusão da obra.
Nesse aspecto, as partes têm interpretações diferentes: a embargante entende que a obra ainda não está completada com fundamento em que a qualidade da obra executada pela embargada não satisfaz as exigências do dono, ao contrário, a embargada entende que a obra já foi concluída em 5 de Maio de 2020, ela já entregou o relatório de teste do utilizador, ou pelo menos, em 23 de Setembro de 2020, altura em que entregou o código geral do sistema à embargante, a obra considera-se concluída.
Após realizada a audiência de julgamento, verifica-se apenas que a embargada entregou o relatório de teste do utilizador em 5 de Maio de 2020 e o código geral do sistema em 23 de Setembro de 2020.
Todavia, em 25 de Novembro de 2019, a embargada já preencheu por ela própria a data no cheque e foi solicitar o pagamento, à data a obra ainda não estava concluída de forma qualquer. A embargada indicou que “em Setembro de 2019 já foi concedida à obra a licença de utilização”, entretanto, essa licença foi emitida pela DSSOPT após a inspecção e aceitação da obra de construção de todo o Edifício, não tendo a ver, porém, com a obra da energia eléctrica de tensão baixa no interior do Edifício, acordada pelas partes, por isso, não tem relação directa com o presente processo.
Com base nisso, quanto ao cheque 1, a embargada violou o pacto de preenchimento.
Por essa razão, desde 25 de Novembro de 2019, o cheque 1 deixou de ser título executivo, portanto, não é necessário analisar se a obra da energia eléctrica de tensão baixa estava concluída em 12 de Novembro de 2020 e 17 de Novembro de 2020, ou até hoje.
No tocante ao cheque 2 (n.º O****840, no valor de MOP$660.000,00), parece-nos que a situação se mostra semelhante, segundo o art.º 2.º do acordo subsidiário, o cheque destina-se a reembolsar a caução à embargada após o prazo de garantia, o pacto de preenchimento consta dos n.º 2 a 6, conforme os factos provados, em 25 de Novembro de 2019, a embargada já preencheu por ela própria a data no cheque e foi solicitar o pagamento, violou assim o pacto de preenchimento sem dúvida.
Pelo que, quanto aos dois cheques, a embargada violou o pacto de preenchimento, por isso, não tem título executivo.
Cabe assinalar que, estão em causa embargos à execução, com o fim de, a requerimento da embargante, julgar se a exequente tem título executivo para continuar o processo, de certo modo, é uma exigência formal, não é conhecível aqui com fundamento na economia processual se, sem título executivo, a embargada realmente tem um direito de crédito (relação fundamental) em relação à embargante por motivo da obra da energia eléctrica de tensão baixa em apreço, a embargada deve pretender o seu direito através duma acção declarativa.
*
Mostra-se desnecessário julgar se não deve contar os juros de mora à taxa de 6% e os outros fundamentos da embargante.».

Depois de aderir à Jurisprudência do citado Acórdão do TUI quanto à possibilidade de cheques não completamente preenchidos poderem ser considerados títulos executivos, o cerne da decisão recorrida assenta no seguinte segmento que voltamos a reproduzir agora limitado à parte que interessa:
«Todavia, em 25 de Novembro de 2019, a embargada já preencheu por ela própria a data no cheque e foi solicitar o pagamento, à data a obra ainda não estava concluída de forma qualquer.
(…)
Com base nisso, quanto ao cheque 1, a embargada violou o pacto de preenchimento.
Por essa razão, desde 25 de Novembro de 2019, o cheque 1 deixou de ser título executivo, portanto, não é necessário analisar se a obra da energia eléctrica de tensão baixa estava concluída em 12 de Novembro de 2020 e 17 de Novembro de 2020, ou até hoje.
No tocante ao cheque 2 (n.º O****840, no valor de MOP$660.000,00), parece-nos que a situação se mostra semelhante, segundo o art.º 2.º do acordo subsidiário, o cheque destina-se a reembolsar a caução à embargada após o prazo de garantia, o pacto de preenchimento consta dos n.º 2 a 6, conforme os factos provados, em 25 de Novembro de 2019, a embargada já preencheu por ela própria a data no cheque e foi solicitar o pagamento, violou assim o pacto de preenchimento sem dúvida.
Pelo que, quanto aos dois cheques, a embargada violou o pacto de preenchimento, por isso, não tem título executivo.».

Vejamos o que consta dos factos.
Os cheques em causa e dados à execução foram emitidos e datados em 22.11.2019 (ponto 5 dos factos arrolados na sentença).
Em 25 de Novembro a embargada e exequente foi apresentar os cheques a pagamento o qual não conseguiu obter por falta de provisão na conta (ponto 6 dos factos arrolados na sentença).
Em 27 de Novembro de 2019, as partes celebraram o acordo complementar (ponto 7 dos factos arrolados na sentença).
Ou seja, aquele que se designa como “pacto de preenchimento” dos cheques (é o acordo complementar a que alude o facto nº 7) foi assinado pelas partes já depois dos cheques terem sido apresentados a pagamento e serem devolvidos por falta de provisão.
Para que melhor se perceba do que se trata e uma vez que nos factos assentes apenas se dá o dito acordo por reproduzido – facto 7 da sentença recorrida – transcreve-se parte do Acordo Complementar de 27.11.2019:
“ACORDO COMPLEMENTAR
B Engenharia – Sociedade Unipessoal Limitada, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 1****(SO), com sede em Macau, na Rua do ......, n.º ..., ...º andar ..., representada pelo seu gerente-geral G, titular do BIRM n.º 50*****(0) (adiante designado por primeiro outorgante);
Companhia de A Limitada, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 3****(SO), com sede em Macau, na Rua de ......, n.º ..., Edf. ......, sobreloja, representada pelo procurador H, titular do BIRM n.º 5******(6) (adiante designado por segundo outorgante);
Considerando que:
1. Foi adjudicada ao primeiro outorgante a obra de desenvolvimento para comércio e habitação do empreendimento sito na Rua da ......, n.º ...-... e na Rua dos ......, n.º ...-... – fornecimento e instalação do sistema de baixa tensão.
2. Depois, o primeiro outorgante subadjudicou a referida obra ao segundo outorgante, e no dia 10 de Outubro de 2018, as duas partes celebraram o Contrato de Obra n.º RE2017014.
3. Posteriormente, no dia 22 de Outubro de 2019, as duas partes celebraram o Contrato de Obra n.º RE2019014-REV A para substituir o Contrato n.º RE2017014 datado de 10 de Outubro de 2018.
4. Para o efeito, o prazo da obra é de 400 dias, conforme a cláusula 4ª do supracitado Contrato n.º RE2019014-REV A.
5. Porém, parte das obras constantes da cláusula 2ª do Contrato n.º RE2019014-VER A só podiam ser instaladas e executadas depois da vistoria efectuada pela DSSOPT, pelo que já ultrapassou o prazo da obra estipulado no Contrato n.º RE2019014-REV A.
6. O primeiro outorgante declara que tem conhecimento e concorda que a ultrapassagem do prazo da obra não é imputável à omissão e/ou culpa do segundo outorgante, e este não praticou qualquer conduta violadora do Contrato n.º RE2019014-REV A.
7. Para garantir os interesses das duas partes, ou seja, o segundo outorgante continuar a executar os restantes trabalhos e o primeiro outorgante efectuar oportunamente o pagamento ao segundo outorgante, o primeiro outorgante, atendendo aos problemas encontrados na sua operação e administração, consente em passar cheque ao segundo outorgante aquando da celebração do presente acordo, para o pagamento do remanescente do valor da obra.
As duas partes, de boa fé e em boa amizade, celebram o presente acordo complementar, e acordam estipular as seguintes cláusulas:”

Da parte citada resulta que entre embargante e embargada, tendo em vista a obra a que se reportam os autos, havia sido celebrado um primeiro contrato em 10.10.2018 o qual veio a ser substituído por outro em 22.10.2019 o qual por sua vez vem a ser complementado por este Acordo redigido e datado em 18.11.2019 mas que só vem a ser assinado em 27.11.2019, ou seja, já depois dos cheques terem sido apresentados a pagamento, pelo que, já não pode tratar-se de pacto de preenchimento algum, porque os cheques já haviam sido entregues ao exequente/embargada e apresentados por este a pagamento.
O pacto de preenchimento quando existe só faz sentido ser celebrado sendo prévio ou simultâneo com a entrega dos cheques.
Sendo os cheques pagáveis à vista, o que significa serem pagos independentemente da data neles aposta, um pacto de preenchimento quanto à data a neles preencher, celebrado 5 dias após a serem entregues e emitidos e depois de terem sido apresentados a pagamento - como resulta da factualidade apurada -, não tem eficácia nenhuma quanto a esse período anterior à celebração do pacto.
Diríamos antes, que considerando a data que foi aposta no acordo como tendo sido aquela em que foi redigido – 18.11.2019 - e a data em que foi assinado, até terá havido alguma intenção de celebração do acordo, mas não foi assinado, o que significa que não foi celebrado antes dos cheques serem entregues. Estes – os cheques – por sua vez foram entregues para pagamento sem que o acordo fosse celebrado, foram apresentados a pagamento, não foram pagos por falta de provisão.
O acordo vem a ser celebrado depois com vista a acordar que o pagamento seja feito posteriormente, o que não é um pacto de preenchimento mas um acordo de pagamento dos valores que estavam em dívida – o que também se reconhece no acordo complementar – e que haviam de ser pagos futuramente segundo as condições ali enunciadas e que adiante analisaremos.
O que implica que se impunha concluir que antes dos cheques serem apresentados a pagamento não havia pacto de preenchimento algum.
Logo, tudo o que se passou antes do acordo ser assinado em 27.11.2019, pelo que, não podia violar acordo algum porque ele não existia.

Mas ainda que houvesse pacto de preenchimento, a violação deste, no que concerne à data da apresentação a pagamento, nunca teria por consequência que os cheques deixavam de ser título executivo, sem prejuízo das consequências que daí pudessem resultar quanto ao momento em que era exigível a dívida e devido o pagamento.

Destarte, nunca se poderia concluir pela inexistência de título executivo com fundamento em ter sido violado o pacto de preenchimento.

O que o Acórdão do TUI citado na decisão recorrida trata é a questão do cheque poder ser um título executivo e da possibilidade de invocar a violação do pacto de preenchimento no domínio das relações imediatas. Mas em momento algum dali resulta que da violação do pacto de preenchimento resulta “tout court” não poder ser título executivo, até porque, na citada decisão se conclui por não ter sido provado nem o negócio subjacente, nem o pacto de preenchimento.

Adiantaríamos que a violação do pacto de preenchimento terá de ser avaliada em função do que é que foi acordado e do que é se incumpriu de acordo com o disposto no artº 372º do C.Civ. relativamente à assinatura de documentos em branco, deixando de fazer prova quanto às declarações que não estejam em consonância com o pacto de preenchimento.
Por exemplo, se o pacto de preenchimento era de que o cheque só fosse pago em determinado data e é apresentado a pagamento em data anterior, então ele não deixa de existir mas o sacado tem o direito de opor ao sacador no domínio das relações imediatas que o pagamento só é devido na data acordada.
Quanto aos efeitos da violação do pacto de preenchimento veja-se também artº 1224º do C.Com., cujos efeitos para além das relações imediatas só podem ser opostas ao portador que haja cometido falta grave na sua aquisição ou de má-fé.

Os títulos de crédito comumente conhecidos são as letras, livranças e cheques que se desenvolvem naquilo que a doutrina designa como relação cartular com especificidades próprias e de que não cabe aqui cuidar.

Outra questão, que não se confunde com o regime da relação cartular, isto é, do título de crédito, é o cheque poder ser também um título executivo independentemente da sua capacidade para ser ou não título de crédito, quiçá, porque se tenha verificado a prescrição como título de crédito – situação que é invocada nos autos -.

A este respeito já escrevemos noutra decisão o seguinte4:
«A execução a que estes autos respeitam baseia-se em três cheques emitidos pelo executado a favor do exequente, os quais apresentados a pagamento foram recusados por falta de provisão, sendo certo que, como títulos de crédito já se encontram prescritos.
Em sede de requerimento executivo alega o exequente que tais cheques se reportam a empréstimos feitos pelo exequente ao executado para fazer face a diversos contratos de fornecimentos de bens.
Por banda do executado/embargante é invocada uma outra relação subjacente a qual consistiria em serem os cheques em causa para pagamento do fornecimento de mercadorias, fornecimento esse que não veio a ocorrer, tendo sido resolvido o contrato entre exequente e executado embora os cheques nunca hajam sido devolvidos.
Contudo, da prova produzida não se prova seja a causa invocada pelo exequente/embargado, seja a invocada pelo executado/embargante.

A questão que se coloca consiste, assim, em saber se o título de crédito prescrito e do qual não conste a causa da obrigação pode ser aceite como título executivo.
A resposta àquela questão pressupõe a análise de outras duas que por facilidade de exposição distinguimos:
1. Se o cheque traduz a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária;
2. Da necessidade de alegação da causa da obrigação e respectivo ónus da prova.
Mas (antes)5 de iniciarmos a análise daquelas mostra-se pertinente transcrever o que sobre a matéria em questão ensina Lebre de Freitas em “A Acção Executiva, depois da reforma”, 4ª Ed., pág. 59 e 61/62:
«Alguma jurisprudência (minoritária) entrou, após a revisão do Código, a negar exequibilidade ao cheque, com o argumento de que ele mais não constitui do que uma ordem de pagamento, nele não se constituindo nem se reconhecendo qualquer obrigação (48-A); é esquecer que o seu preenchimento à ordem ou a entrega ao portador tem implícita a constituição ou o reconhecimento duma dívida, a satisfazer através da cobrança dum direito de crédito (cedido), contra a instituição bancária (48-B). -- (48-B) É exigível o seu total preenchimento, incluindo a datação, para que possa valer como tal (REMÉDIO MARQUES, Curso cit., p. 70 (177)), sem prejuízo de, na falta dos requisitos indispensáveis para constituir um título de crédito, valer como reconhecimento de dívida (infra, 3.5.5). O STJ tem decidido, após como antes da revisão de 1995-1996, ser imprescindível a apresentação do cheque a pagamento no prazo de 8 dias do art. 29 da Lei Uniforme Relativa ao Cheque, sem a qual não pode funcionar, enquanto tal, como título executivo (assim, por exemplo, nos acs. do STJ de 14-6-83, BMJ, 1983, p. 328 (MAGALHÃES BAIÃO), de 4-5-99, BMJ, 487, p. 240, e CJ/STJ, 1999, II, p. 82 (GARCIA MARQUES), de 29-2-2000, CJ/STJ, 2000, I, p. 124 (SILVA PAIXÃO), e de 16-10-01, CJ/STJ, 2001, III, p. 29 (RIBEIRO COELHO); no entanto, como também decidiu o STJ nos acs. de 30-1-01, CJ/STJ, 2001, I, p. 85 (GARCIA MARQUES), e de 29-1-02, CJ/STJ, 2002, I, p. 64 (AZEVEDO RAMOS), não apresentado o cheque dentro desse prazo, pode o credor, no requerimento executivo, invocar a relação fundamental (esta parece ser também a orientação do ac. do STJ de 18-1-01, CJ/STJ, 2001, I, p. 71, relatado por SOUSA DINIZ, embora não seja claro se exije a indicação da causa na petição executiva ou se limita a entender, como os acórdãos em primeiro lugar aqui referidos - é particularmente incisivo, quanto a essa questão, o de 16-10-01 -, que o cheque não pode funcionar como quirógrafo por não conter, ele próprio, a menção da causa da obrigação subjacente). Ver a referência a outros acórdãos, sobre este ponto e sobre outros documentos particulares recognitivos, em REMÉDIO MARQUES, idem, ps. 72-73. Ver também, em defesa da exequibilidade do cheque (tal como da letra ou da livrança) prescrito sem necessidade de invocação da causa, desde que o título não tenha saído da esfera das relações imediatas, ABRANTES GERALDES, Títulos executivos cit., ps. 60-65, bem como o ac. do TRL de 27-6-02, CJ, 2002, III, p. 121 (AMÉRICO MARCELINO). Não subscrevo esta última opinião: a promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida constituem presunção legais, que, como tal, invertem o ónus da prova, mas não dispensam o ónus da alegação (LEBRE DE FREITAS, A acção declarativa cit., 14.3.1 e 14 (26) e locais aí citados).
(…)
Prescrita a obrigação cartular constante de uma letra, livrança ou cheque, poderá o título de crédito continuar a valer como título executivo, desta vez enquanto escrito particular consubstanciando a obrigação subjacente?
Assim tem sido entendido, embora com vozes discordantes.
Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, não se justifica nunca o estabelecimento de qualquer distinção entre o título prescrito e outro documento particular, enquanto ambos se reportem à relação jurídica subjacente.
Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como quanto a qualquer outro documento particular nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou não dum negócio jurídico formal. No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não constitui título executivo (arts. 221-1 CC e 223-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento de dívida (art. 458-1 CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva e poder ser impugnada pelo executado; mas, se o exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento executivo, não será possível fazê-lo na pendência do processo, após a verificação da prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (art. 272), por tal implicar alteração da causa de pedir.».
Vejamos então:

1. Se o cheque traduz a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária.
Dispõe a alínea c) do artº 677º do CPC que, à execução apenas pode servir de base: «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artº 689º6, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto;7».
Na senda do que ensina Lebre de Freitas tem vindo o TUI e o STJ de Portugal a entender que o cheque quando completamente preenchido8 – quanto ao nome do beneficiário, montante, data e assinatura do sacador -, ainda que prescrita a relação cambiária satisfaz os requisitos da alínea c) do artº 677º, podendo, enquanto documento quirógrafo, servir como título executivo no domínio das relações imediatas, isto é, relações directas entre beneficiário/credor e sacador/devedor.
Neste sentido se decidiu (no seguimento de outros) no Acórdão do STJ de Portugal, no Acórdão de 27.05.2014, Procº780/13.3TBEPS.G1.S1 consultado em www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreve: «I - No caso vertente, ocorre a prescrição da obrigação cambiária inerente aos cheques. II - Face ao regime legal em vigor, nada impede que um título cambiário que não possa valer como título executivo (no caso por a obrigação cambiária se mostrar prescrita), possa ter validade como documento particular assinado pelo devedor e, como tal, possa ser considerado título executivo, nos termos do art. 46.º, al. c), do CPC (documento quirógrafo). III - O cheque, como documento quirógrafo, só poderá servir como título executivo nas relações imediatas, ou seja, no domínio das relações directas entre devedor/credor. Só nestas circunstâncias existe um reconhecimento directo de obrigações pecuniárias pelo devedor a favor do credor.»
Ainda de este arresto consta que: «O exequente aceita que a obrigação cambiária inerente aos cheques poderá estar prescrita (vide requerimento executivo). E, na verdade, a prescrição da obrigação cambiária parece-nos isenta de controvérsia. Com efeito, os cheques, embora tenham sido apresentados a pagamento no prazo legal (art. 29º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque - L.U.C.), a presente acção executiva foi interposta muito depois de seis meses, contados do termo do prazo de apresentação dos cheques (art. 52º da L.U.C.).
A questão que se coloca será a de saber se, embora os cheques em causa não possam (já) valer como títulos executivos cambiários, não poderão ser considerados como documentos particulares assinados pelo devedor (documentos quirógrafos), para os efeitos do art. 46º al. c) do C.P.Civil e, nestas circunstâncias, serem considerados títulos executivos e servir de base a uma execução.
Estabelece esta disposição que:
“ À execução apenas podem servir de base:

c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa móveis ou de prestação de facto” (redacção introduzida pelo Dec-Lei 38/2003 de 8/3).
Redacção semelhante, com uma insignificante diferença de pormenor[1], foi introduzida pela reforma de processo civil de 1995 (Dec-Lei 329A/95 de 12/12). Anteriormente a esta alteração, a mesma disposição referia que “À execução apenas podem servir de base as letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis”.
Cotejando as disposições, concluímos que existiu por parte do legislador de 1995 a vontade de alargar o âmbito dos títulos executivos. De resto este mesmo objectivo é reconhecido no preâmbulo do Dec-Lei 329A/95 ao referir-se “que se optou pela ampliação significativa do elenco de títulos executivos, conferindo-se força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinável em face do título, da obrigação de entrega de quaisquer coisas móveis ou de prestação de facto determinado”.
Em virtude deste espírito do legislador, nada vemos que impeça que um título cambiário que não possa valer como título executivo (no caso por a obrigação cambiária se mostrar prescrita), possa ter validade como documento particular assinado pelo devedor e, como tal, possa ser considerado título executivo nos termos do art. 46º al. c) do C.P.Civil (documento quirógrafo). Essencial é que seja assinado pelo devedor, importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias e o montante seja determinado ou possa ser determinável, por simples cálculo aritmético. Este entendimento, aliás, tem sido consensual na jurisprudência mais recente deste STJ (vide entre outros o recente Acórdão deste STJ de 20-2-2014 – www.dgsi.pt/jstj.nsf e a jurisprudência que aí se indica[2]).».
Em sentido idêntico parece orientar-se a Jurisprudência do TUI no Acórdão de 15.04.2015, Procº nº 49/2014 ao sufragar a posição defendida por Lebre de Freitas e pela Jurisprudência do STJ de Portugal, contudo, há que admitir que a situação ali “sub Judice” é distinta daquela que hoje nos ocupa, pois naqueles autos ficou provado, como o TUI reconhece, a origem da obrigação subjacente, situação que nos nossos autos (estes) não ocorre.
Destarte, e sem necessidade de outras considerações sobre a matéria, salvo melhor opinião, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de aceitar que no âmbito das relações directas – beneficiário/sacador – o cheque quando completamente preenchido, ainda que prescrita a relação cambiária, é um quirógrafo que traduz a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária.

2. Da necessidade de alegação da causa da obrigação e respectivo ónus da prova.
A outra questão que se coloca a respeito desta matéria e pode gerar alguma confusão tem a ver com o facto dos títulos de crédito serem o único negócio jurídico cuja causa não necessita de ser invocada sob pena de nulidade – cf. artº 273º do C.Civ. -.
Na esteira do ensinamento de Lebre de Freitas já antes citado tem-se vindo a entender que, quando do título não conste a causa da obrigação, há que distinguir se a obrigação subjacente aos mesmos é formal9 ou não.
No caso das obrigações formais o título de crédito prescrito nunca poderá constituir titulo executivo, uma vez que, tal como refere no Acórdão citado infra «título executivo será, pois, o documento ou a obrigação documentada, cuja realização o exequente pretende».
Nesse sentido se decidiu no Acórdão do STJ de Portugal de 20.02.2014, Processo nº 22577/09.5YYLSB-A-1.S1, ali se dizendo: «Usando, no entanto, entender-se, na esteira de jurisprudência e doutrina que julgamos consensual e praticamente pacífica, e que perfilhamos, que, embora privado o cheque da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação cartular, poderá o credor dele se servir como quirógrafo da obrigação perante si contraída por aquele que no título figura como sacador, desde que, no requerimento executivo, alegue a relação causal que motivou a correspondente emissão.
Com efeito, apesar de estar prescrito o direito de accionar o responsável pelo pagamento do cheque, nos termos do art. 52.º da LUC, este documento mantém, a despeito disso, a natureza de título executivo desde que se encontre assinado pelo devedor e contenha o reconhecimento de uma obrigação pecuniária. À pretensão abstracta ínsita no cheque sucede a pretensão causal, devidamente alegada pelo exequente com a junção do cheque documento cujo direito de acção tenha prescrito.
Bem se podendo entender que o título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na acção, não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não.
Podendo também dizer-se que a causa de pedir é um elemento essencial de identificação da pretensão processual ao passo que o título executivo é um instrumento probatório especial da obrigação exequenda.
Sendo a causa facto (as mais das vezes complexo nos seus efeitos) que serve de fonte à pretensão processual.
O título executivo será, pois, o documento ou a obrigação documentada, cuja realização o exequente pretende.
E, como o cheque, título de crédito em causa, não menciona a causa da obrigação cambiária assumida pelo obrigado, estando, como tal, prescrito, haverá que saber qual a causa da sua subscrição, ou seja, a designada relação subjacente ou causal.
Importando, ainda, saber se a mesma resulta ou não de algum negócio jurídico formal.
E, se tal ocorrer, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento fundamental do mesmo, já o documento não poderá constituir título executivo.
Assim se devendo ressalvar o caso da obrigação a que se reporta o título emergir de um negócio jurídico formal, sendo a sua causa um elemento essencial deste.
Pois, neste caso, entendemos também nós, que, se o título executivo não garantir a validade formal do negócio jurídico subjacente, como sucederá com a nulidade do mesmo, procederá a oposição à execução com tal fundamento, devendo, assim, esta ser julgada extinta (art. 816.º).
Sucedendo que, se houver invalidade formal do negócio jurídico, tal afectará não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo.
Atingindo a nulidade formal, não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do título.
E, não se diga que o art. 289.º, nº 1 do CC prescreve que a declaração de nulidade do negócio, que pode até ter lugar oficiosamente pelo Tribunal (art. 286.º, parte final do mesmo diploma legal), manda restituir tudo o que tiver sido prestado.
Não produzindo o negócio nulo, ab initio, os efeitos a que tendia por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo.
Operando a nulidade de que encontra ferido ipso jure, sem necessidade de se intentar uma acção para ser emitida uma declaração nesse sentido.
Sendo, ainda certo, sempre se dirá, que, quando a lei exija documento autêntico, autenticado ou particular e esta exigência não seja respeitada, o acto só pode ser provado por um outro documento que não seja de solenidade formal inferior (art. 364.º do CC, quanto aos efeitos da falta de forma no regime de prova).
Pois, e falávamos no citado art. 289.º, como antes dito, a invalidade do negócio afecta a eficácia do documento como título executivo.
E sem título executivo não há lugar a execução.
Podendo ler-se, a propósito, no aludido acórdão deste STJ de 10/7/2008: “O título executivo é autónomo, no sentido de que a sua inexequibilidade é independente da inexequibilidade da pretensão. Aquela deriva da falta de preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica: esta baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar. Simplesmente, a autonomia a que se aludiu não é total; e, assim, se, por exemplo, o título executivo não garantir a validade formal do negócio jurídico subjacente e a nulidade deste for de conhecimento oficioso, procede a oposição à execução com esse fundamento, devendo a execução ser julgada extinta (art. 816.º do CPC)”.
Devendo a obrigação de restituição, por nulidade do negócio, se caso disso for, seja, se a parte voluntariamente não a acatar, ficar-se para o processo declarativo, com todas as garantias que este, com os seus articulados, dará no conhecimento do negócio efectivamente celebrado entre as partes e dos seus alegados ou verificados vícios.
Pelo que, repete-se, o cheque prescrito, dado como título executivo, pode valer como quirógrafo a implicar o reconhecimento da obrigação causal subjacente, pelo exequente alegada no seu requerimento executivo, desde que não sujeito a específicas formalidades legais, ou seja, desde que não haja requisitos de forma a observar como condição de validade do negócio.
Ora, provado vem das instâncias que o documento dado à execução resulta de um empréstimo no valor de € 70 000,00, actualmente reduzido a € 35 000,00 por pagamento da quantia restante, feito pelo exequente à executada, em 2.12.2004.
Sendo tal mútuo a verdadeira causa de pedir da obrigação executada.
Nos termos do disposto no art. 1143.º do CC, na redacção à data de tal negócio vigente, tal contrato só seria válido se celebrado por escritura pública.
Pelo que, não tendo sido observada tal forma, é o mesmo nulo.
Valendo, assim, quanto ao título executivo em apreço as considerações atrás mencionadas.».
No caso dos negócios jurídicos não formais – tal como o subjacente a estes autos, segundo a alegação do exequente -, também seguindo os ensinamentos de Lebre de Freitas, tem-se vindo a entender que embora a causa da obrigação tenha de ser alegada no requerimento executivo enquanto causa de pedir, o ónus da prova, contudo, cabe àquele contra quem a alegação é feita face ao disposto no artº 452º do C.Civ..
Ou seja, valendo o título de crédito prescrito como quirógrafo que traduz a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária, isto é, “uma declaração negocial onde se reconhece uma dívida, sem indicação da respectiva causa10”, presume-se a existência da obrigação até prova em contrário, cabendo, neste caso, ao executado demonstrar que não há reconhecimento algum de dívida ou que é inexistente a causa da obrigação11.
No mesmo sentido veja-se também (ainda) Lebre de Freitas em “A Acção Declarativa Comum à luz do código revisto”, pág. 183/184, entendendo-se a referência ali feita ao artº 458º nº 1 do C.Civ. Português, como sendo ao correspondente artº 452º nº 1 do C.Civ. de Macau:
«Mas esta coincidência do âmbito do ónus da prova com o do ónus da alegação cessa quando a lei ou as partes determinam a inversão do primeiro. Tal pode acontecer em consequência de:
-- Presunção legal (art. 344-1 CC). Consiste na ilação que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349 CC). Este não tem de ser provado, bastando que o seja o facto (exterior à previsão normativa em que se integra o facto presumido) que serve de base à ilação. Embora toda a prova indirecta se baseie em presunções, isto é, em ilações tiradas dum facto para outro até se chegar ao facto principal, o que inclusivamente acontece quando a lei impõe que de um meio de prova (o documento, a confissão, a admissão) se retire a prova de determinados factos, o preceito abrange tão-só os casos em que a presunção legal constitui um meio de prova autónomo (presunção stricto sensu), que são os directamente visados pelo art. 349 CC. Podem ver-se exemplos de presunção stricto sensu nos arts. 68-3 CC (presunção da morte de pessoa desaparecida em circunstâncias que não permitam duvidar do falecimento), 312 CC (presunção do cumprimento pelo decurso do prazo da prescrição presuntiva), 458-1 CC (presunção da causa da obrigação invocada pelo credor com base em promessa de cumprimento ou reconhecimento de dívida), 830-2 CC (presunção de convenção contrária à execução específica quando haja sinal ou cláusula penal) e 7 CRPr (presunção da titularidade do direito real no titular de inscrição registral). A presunção legal apela sempre a regras da experiência que, atendido o elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o facto que constitui base da presunção e o facto presumido, permitem dar este por assente quando o primeiro é provado.».
Destarte, beneficiando o exequente, ora embargado do disposto no nº 1 do artº 452º do C.Civ. caberia ao executado, ora embargante ter demonstrado que era inexistente ou não era devida qualquer obrigação relativamente aos quirógrafos que servem de título executivo, o que não logrou provar.
No mesmo sentido vejam-se Acórdãos do STJ Português de 27.05.2014, Procº 780/13.3TBEPS.G1.S1 citado supra e Acórdão de 19.01.2004 Processo 03ª3881 - embora nestes casos se conclua em sentido diverso mas porque não estamos no domínio das relações directas entre credor e devedor -, todos consultados em www.dgsi.pt.

Pelo que, se impõe concluir que no domínio das relações directas entre credor e devedor, tendo o embargante invocado a existência de uma obrigação não formal e não se tendo provado o contrário, os cheques dados à execução, enquanto quirógrafo valem como título executivo bastante para no caso em apreço o exequente exigir o cumprimento da obrigação pecuniária que representam.».

Aqui chegados, no caso em apreço tal como naqueles autos, não estando em causa um negócio formal nada obsta que os cheques entregues pelo devedor ao credor possam ser considerados títulos executivos.

No requerimento executivo o exequente aqui embargada invoca a sucessão de contratos já antes referida, que os cheques foram emitidos para garantir o pagamento, a intenção de celebrar o acordo complementar que não foi assinado, a apresentação dos cheques a pagamento que foi recusado por falta de provisão da conta bancária, a celebração posterior do acordo complementar com a assinatura do mesmo, que a obra foi concluída no dia 05.05.2020 e de que a executada nada mais disse nem pagou.
No caso em apreço, os títulos executivos são os dois quirógrafos assinados pelo devedor aqui chamados de cheques e o acordo complementar celebrado entre exequente e executada quanto ao vencimento da dívida.
A relação subjacente foi o contrato de subempreitada que também foi invocado.
Note-se que ficou dito que não sendo admissíveis obrigações sem causa – fundamento aliás do instituto do enriquecimento sem causa – para que os cheques possam servir como título executivo exige-se que no requerimento executivo se invoque a relação subjacente. Foi isso que se fez nestes autos.

A questão que subjaz e que cabe resolver é se quando foi requerida a execução já é devido o pagamento das dívidas que eles – os cheques títulos executivos – reconhecem ser devida, em face do acordo celebrado entre as partes.

Quanto ao momento do cumprimento do indicado acordo consta que:
“Cláusula 1ª
1. Segundo o supracitado ponto 7, o primeiro outorgante concorda em passar e entregar ao segundo outorgante um cheque do Banco da China, Sucursal de Macau, com o n.º O****839 e no valor de MOP$330.000,00, para o pagamento da obra referida no ponto 1 acima referido.
2. No prazo de 10 dias a contar da conclusão da obra – ou seja da notificação escrita da aceitação da obra, o primeiro outorgante obriga-se a instar o dono da obra a pagar o remanescente do valor da obra, e efectuar o pagamento ao segundo outorgante no prazo de 30 dias a contar da recepção dessa quantia;
3. Se o primeiro outorgante, em violação do estipulado no número anterior, não forneça ao segundo outorgante a notificação escrita da aceitação da obra no prazo de 10 dias a contar da conclusão da obra, pode o segundo outorgante apresentar a pagamento o cheque indicado no n.º 1 depois de ter decorrido o respectivo prazo.
4. Após a conclusão da obra, caso se verifique a omissão do primeiro outorgante, isto é, o primeiro outorgante não exigir do dono da obra o pagamento, tem o segundo outorgante direito de apresentar a pagamento o cheque indicado no n.º 1 no prazo de 30 dias após a conclusão da obra;
5. Se o dono da obra, instado pelo primeiro outorgante, ainda não pague o preço da obra no prazo de 60 dias após a conclusão da obra, tem o segundo outorgante direito de apresentar a pagamento o cheque indicado no n.º 1.
6. Para verificar se o primeiro outorgante cumpre os seus deveres em conformidade com a presente cláusula, é obrigado o primeiro outorgante a fornecer ao segundo outorgante as eventuais informações consoante o caso, senão, tem o segundo outorgante direito de apresentar a pagamento o cheque indicado no n.º 1, conforme o estipulado no n.º 3 acima referido.
7. O primeiro outorgante consente que o segundo outorgante preencha, por si, a data no respectivo cheque antes da sua apresentação a pagamento.
Cláusula 2ª
1. Quanto à caução prestada pelo segundo outorgante conforme a cláusula 8ª do Contrato de Obra n.º RE2019014-REV A, vem o primeiro outorgante, na data da celebração do presente acordo, passar e entregar ao segundo outorgante um cheque do Banco da China, Sucursal de Macau, com o n.º O****840 e no valor de MOP$660.000,00.
2. Sem prejuízo do número anterior, e depois de ter decorrido o prazo de garantia de 1 ano, deve o primeiro outorgante efectuar o respectivo pagamento ao segundo outorgante no prazo de 10 dias após a recepção do valor pago pelo dono da obra, senão, pode o segundo outorgante apresentar a pagamento o supracitado cheque.
3. Tendo decorrido o prazo de garantia, caso se verifique a omissão do primeiro outorgante, isto é, não exigir do dono da obra o pagamento, tem o segundo outorgante direito de apresentar a pagamento o cheque indicado no n.º 1 no prazo de 30 dias após o termo do prazo de garantia;
4. Se o dono da obra, instado pelo primeiro outorgante, ainda não pague o preço da obra no prazo de 60 dias após o termo do prazo de garantia, tem o segundo outorgante direito de apresentar a pagamento o cheque indicado no n.º 1.
5. Para verificar se o primeiro outorgante cumpre os seus deveres em conformidade com a presente cláusula, é obrigado o primeiro outorgante a fornecer ao segundo outorgante as eventuais informações consoante o caso, senão, tem o segundo outorgante direito de apresentar a pagamento o cheque indicado no n.º 1, conforme o estipulado no n.º 3 acima referido.
6. O primeiro outorgante consente que o segundo outorgante preencha, por si, a data no respectivo cheque antes da sua apresentação a pagamento.”

De ambos os nº 6 das duas cláusulas resulta que se o primeiro outorgante não fornecer ao segundo outorgante as informações consoante o caso para se saber se é ou não exigível o pagamento, o segundo outorgante, aqui exequente e embargado pode apresentar os cheques a pagamento sejam, um deles 10 dias após a conclusão da obra, seja o outro 10 dias depois de decorrido um ano sobre a conclusão da obra.
Logo caberia demonstrar nestes autos que a obra não havia sido concluída em 05.05.2020, ou as demais condições referidas no acordo que poderiam obstar a que fosse já exigido o pagamento dos valores referidos nos cheques/título executivo.

No que concerne ao ónus da prova já se referiu e consta das várias citações supra:
«Não subscrevo esta última opinião: a promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida constituem presunção legais, que, como tal, invertem o ónus da prova, mas não dispensam o ónus da alegação (LEBRE DE FREITAS, A acção declarativa cit., 14.3.1 e 14 (26) e locais aí citados).
(…)
No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento de dívida (art. 458-1 CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva e poder ser impugnada pelo executado.
(…)
No caso dos negócios jurídicos não formais – tal como o subjacente a estes autos, segundo a alegação do exequente -, também seguindo os ensinamentos de Lebre de Freitas, tem-se vindo a entender que embora a causa da obrigação tenha de ser alegada no requerimento executivo enquanto causa de pedir, o ónus da prova, contudo, cabe àquele contra quem a alegação é feita face ao disposto no artº 452º do C.Civ..
Ou seja, valendo o título de crédito prescrito como quirógrafo que traduz a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária, isto é, “uma declaração negocial onde se reconhece uma divida, sem indicação da respectiva causa12”, presume-se a existência da obrigação até prova em contrário, cabendo, neste caso, ao executado demonstrar que não há reconhecimento algum de divida ou que é inexistente a causa da obrigação13.
No mesmo sentido veja-se também (ainda) Lebre de Freitas em “A Acção Declarativa Comum à luz do código revisto”, pág. 183/184, entendendo-se a referência ali feita ao artº 458º nº 1 do C.Civ. Português, como sendo ao correspondente artº 452º nº 1 do C.Civ. de Macau.».

O ónus da prova de que o alegado pelo exequente no requerimento inicial de execução não corresponde à verdade cabe ao executado em sede de embargos, seja quanto à inexistência da obrigação subjacente, seja quanto ao pacto de preenchimento, seja quanto à verificação das condições para que seja exigível o pagamento da dívida.
Neste sentido se conclui no Acórdão do TUI de 16.11.2011 proferido no processo nº 51/2011, citado na decisão recorrida, onde se diz:
«Interpretando a norma, afirma MÁRIO DE BRITO14 que “A regra é que, assinado um documento em branco, ele vem a ser preenchido de harmonia com a vontade do subscritor, sendo, portanto, de presumir que o seu conteúdo representa a vontade deste.
Mas tal presunção pode ser ilidida pela prova de que houve abuso no preenchimento, isto é, que se inseriram nele declarações divergentes do ajustado com o signatário. Em tal caso, da autenticidade da assinatura não deriva a veracidade do conteúdo do documento. Isso mesmo se diz no presente artigo...”.
Por conseguinte, o que tem que ser provado é o abuso no preenchimento, isto é a violação do pacto e não o contrário, de que não houve tal violação.
No que toca especificamente ao ónus da prova da violação do pacto de preenchimento, na acção executiva, que o mesmo cabe ao embargante/executado é mais ou menos pacífico, como se disse. Só a sua fundamentação é controvertida.
Para uns, porque se trata de facto constitutivo da oposição deduzida contra a execução, nos termos do artigo 335.º, n.º 1, do Código Civil. É o caso de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA15, que diz: “Nos embargos de executado, a distribuição do ónus da prova observa as regras gerais sobre a matéria, pelo que cabe ao executado embargante a prova dos fundamentos alegados (art. 342º, n.º 1, CC16), dado que estes são factos constitutivos da oposição deduzida. Por exemplo: é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador ou a seu mando, que recai o ónus da prova da existência do acordo de preenchimento e da sua inobservância”.
Para outros, e como se afigura mais correcto, porque se trata de facto extintivo do direito do exequente, de acordo com o disposto no artigo 335.º, n.º 2, do Código Civil.
É a tese de LEBRE DE FREITAS17, quando defende: “O equívoco transparece claramente em TEIXEIRA DE SOUSA, ao exemplificar a sua posição com um caso nítido de excepção (o de documento particular emitido em branco e preenchido com violação do pacto de preenchimento: art. 378 CC18): não é por os fundamentos da oposição serem «factos constitutivos da oposição deduzida», mas sim por via da norma de direito civil aplicável (na oposição à execução como em outra qualquer acção declarativa, seja quem for que tome a posição de autor ou de réu), que o ónus da prova do conteúdo do pacto de preenchimento cabe ao executado oponente”.
Em conclusão, cabia ao embargante/executado, tanto a prova da existência de um negócio subjacente, como a prova da existência do pacto de preenchimento do cheque e da sua violação.
Nada se tendo provado, os embargos teriam de improceder.».

No caso em apreço os únicos factos que se apuraram e que poderiam estar relacionados com a conclusão da obra foram os seguintes:
«11. Em 5 de Maio de 2020, a embargada entregou por correio electrónico à embargante o relatório de teste do utilizador.
12. Em 23 de Setembro de 2020, a embargada entregou à embargante o código do sistema da obra.
13. Em Setembro de 2019, já foi concedida à obra a licença de utilização.
14. A embargante declarou que, em Abril de 2018, a executada entrou no estaleiro e iniciou a execução da obra, após passado o prazo da obra em Setembro de 2019, a obra ainda não foi completada, a embargante assinou os dois cheques em causa e o acordo subsidiário. No fim, a embargante foi expulsada pelo dono do Edifício, mas tem sempre verificado com este o pagamento final, o dono do Edifício afirmou que a obra não foi concluída, portanto, era necessário deduzir o pagamento.
15. Quando a embargante solicitava ao dono do Edfício o pagamento final da obra, indicou este que, a mora grave da obra e a falha da respectiva configuração lhe impossibilitavam receber o pagamento final.
16. A obra não satisfez as exigências do dono do Edifício, portanto, não concordou em aceitar a obra.».
Será que daqui se pode concluir que a obra que a exequente e aqui embargada havia de realizar não se concluiu?
Os factos 11, 12 e 13 reportam-se à entrega pela exequente à embargante de elementos que por si só nada permitem concluir.
O ter sido concedida licença de utilização à obra não nos permite concluir nada até porque tal facto acontece antes do acordo complementar e do último contrato celebrado entre exequente e executada – vejam-se datas no acordo complementar -.
A primeira parte do facto 14 diz que a obra ainda não estava completa em Setembro de 2019. Em parte do facto 15 fala-se de mora grave por banda da empreiteira aqui executada.
A respeito de prazos diz-se no nº 6 da parte introdutória do acordo que “O primeiro outorgante declara que tem conhecimento e concorda que a ultrapassagem do prazo da obra não é imputável à omissão e/ou culpa do segundo outorgante, e este não praticou qualquer conduta violadora do Contrato n.º RE2019014-REV A”.
Portanto no que concerne a atrasos não podem os mesmos ser imputados à exequente à míngua da prova de outros factos.
Resta a prova de que a embargante foi expulsa pelo dono do edifício e que este afirmou que a obra não foi concluída e era necessário deduzir o pagamento, que havia falha na configuração da obra que impossibilitavam receber o pagamento final e que a obra não satisfez as exigências do dono do edifício e este não aceitou a obra.
Ora, deste elenco consta a prova de que a obra não foi concluída, pelo que, dizendo-se no Acordo Complementar que foi adjudicado à executada a obra de fornecimento e instalação do sistema de baixa tensão e que foi essa obra que foi subempreitada à exequente, nada mais se dizendo nem constando dos autos, quando se fala da obra não concluída pela executada só podemos concluir tratar-se da parte que subempreitou à exequente.
Assim sendo, logrou a embargante/executada demonstrar que a embargada/exequente não concluiu a obra.
Nos termos do Acordo Complementar o pagamento dos cheques aqui título executivo apenas poderia ser exigido nas condições referidas após a conclusão da obra.
Não estando demonstrado que concluiu a obra não pode a exequente exigir o pagamento.
Sendo inexigível a obrigação exequenda nos termos da al. e) do artº 697º do CPC impõe-se julgar os embargos procedentes, embora por fundamento diverso do constante da decisão recorrida.

III. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso julgando os embargos procedentes e extinta a execução.

Custas a cargo da Embargada/Recorrente.

Registe e Notifique.

RAEM, 15 de Junho de 2023

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 VIVANTE, citado por A. FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, 1975, Vol. III, p. 4.
2 A. FERRER CORREIA, Lições..., Vol. III, p. 5, que se seguirá, de perto.
3 PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial, Títulos de Crédito, Lisboa, AAFDL, reimpressão de 1997, p. 63.
4 Veja-se sentença proferida em 16.12.2015 no processo que correu termos no TJB sob o nº CV1-14-0021-CEO-A
5 Acrescentado agora uma vez que por lapso não constava do original
6 Entenda-se por simples cálculo aritmético por ser o que resulta do Artº 689º do CPC «1. Se a obrigação for ilíquida e a liquidação depender de simples cálculo aritmético, cabe ao exequente, no requerimento inicial da execução, fixar o quantitativo a pagar. 2. Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a liquidação dos juros é feita a final pela secretaria, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele. 3. Não estando determinado o dia a partir do qual devem ser contados os juros, é esse dia, a requerimento prévio do credor, fixado por despacho em harmonia com o título executivo, depois de ouvidas as partes.».
7 Preceito de conteúdo idêntico à alínea c) do artº 46º do CPC Português pese embora a redacção seja ligeiramente diferente.
8 Neste sentido veja-se Acórdão do TSI de 12.05.2011, Processo nº 89/2009, pese embora, no caso ali apreciado se tenha provado que o cheque quando entregue não estava completamente preenchido, o que segundo a Jurisprudência consagrada no citado Acórdão impede que o cheque ali dado à execução pudesse servir de título executivo por não satisfazer os requisitos da alínea c) do artº 677 do CPC.
9 Entenda-se formal no sentido da sua validade estar sujeita a forma legalmente prescrita sob pena de nulidade – artº 212º do C.Civ. -.
10 Veja-se nº 1 do artº 452º do C.Civ.
11 Inexistência da causa da obrigação para fazer funcionar a nulidade decorrente do nº 1 do artº 273º do C.Civ.
12 Veja-se nº 1 do artº 452º do C.Civ.
13 Inexistência da causa da obrigação para fazer funcionar a nulidade decorrente do nº 1 do artº 273º do C.Civ.
14 MÁRIO DE BRITO, Código Civil Anotado, edição do autor, 1967, Vol. I, p. 515.
15MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 177.
16 Refere-se ao Código Civil de 1966.
17 LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva Depois da Reforma, Coimbra Editora, 2004, 4.ª edição, p. 183 e 184, nota (31).
18 Refere-se ao Código Civil de 1966.
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760/2022 CÍVEL 1