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Processo n.º 860/2022
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data : 15 de Junho de 2023

Assuntos:
     
- Decisão de não proceder à recepção provisória da obra pública nem reclamação em tempo contra esta decisão e consequências daí decorrentes

SUMÁRIO:

I – O artigo 192.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 3 de Novembro estipula que, “se a obra não estiver em condições de ser recebida, no todo ou em parte, por virtude das deficiências encontradas e que resultem de infracção às obrigações contratuais ou legais do empreiteiro, o dono da obra especifica essas deficiências no auto, exara neste declaração de não recepção e as respectivas razões, e notifica o empreiteiro para que este proceda às notificações ou reparações necessárias, dentro de prazo que fixa para o efeito”, podendo o dono da obra, nos termos expressamente previstos no n.º 2 do mesmo artigo, “fazer a recepção provisória da parte dos trabalhos que estiver em condições de ser recebida”, contra o conteúdo do auto e da notificação pode o empreiteiro reclamar no próprio auto ou nos 10 dias subsequentes, devendo o dono da obra pronunciar-se sobre essa reclamação no prazo de 30 dias. É o que resulta do disposto na norma do n.º 3 do artigo 192.º do citado Decreto-Lei.
II – A este propósito, defende-se o entendimento segundo o qual, “havendo esta possibilidade de reclamação, a exercer no prazo de 10 dias, destinada a possibilitar ao empreiteiro manifestar a sua discordância com o teor do auto de recepção provisória, tem de entender-se que, se ele não reclamar, perderá o direito de discutir o aí consignado, o que é corolário natural da falta de prática de um acto dentro de um prazo peremptório,” pelo que tem de se ter por assente que o empreiteiro concordou com o seu conteúdo, designadamente quanto à existência das deficiências referidas, sua desarmonia com as condições estipuladas no contrato e necessidade da sua correcção (seguimos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.10.2004, processo n.º 46402, com versão integral disponível em dgsi.pt, interpretando norma legal coincidente com a do nosso artigo 192.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 74/99/M).
III – Pelo que, a falta de apresentação de reclamação por parte do empreiteiro preclude a possibilidade de, em sede de recurso contencioso, nomeadamente do acto que aplique multa contratual por atraso na conclusão da obra mercê da verificação das deficiências que conduziram à sua não recepção, suscitar questões que tinha o ónus de suscitar em sede de reclamação, em especial, a existência das deficiências e a desarmonia da execução da empreitada com aquilo que foi contratualmente acordado, e cuja verificação, para todos os efeitos se deve considerar assente.

O Relator,

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Fong Man Chong




Processo n.º 860/2022
(Autos de recurso contencioso)

Data : 15 de Junho de 2023

Recorrentes : - Consórcio composto por Companhia de Construção e Engenharia A, Lda. (A建築工程有限公司) e
- Sociedade de Construção e Engenharia – Grupo de Construção de B (Macau), Limitada (B集團(澳門)有限公司)

Entidade Recorrida : - Secretário para os Transportes e Obras Públicas

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
O Consórcio, composto por Companhia de Construção e Engenharia A, Lda. (A建築工程有限公司) e Sociedade de Construção e Engenharia – Grupo de Construção de B (Macau), Limitada (B集團(澳門)有限公司), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 24/10/2022, veio, em 25/11/2022, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 36, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. Por decisão do Ex.mo Senhor Secretário para os Transportes e Obras públicas de 24 de Outubro de 2022, exarada na Proposta nº 940/DME/2022 foi decidido aplicar a multa de MOP$2.289.286,80.
B. Decisão que não merece a aquiescência do, ora, Recorrente.
C. Estipula o artigo 8.º do CPA que, no exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.
D. Princípio da boa-fé que encerra dois subprincípios - a saber, o princípio da tutela da confiança e o princípio da primazia da materialidade subjacente, os quais encontram acolhimento no artigo 8º, n.º 2 do CPA.
E. Veja-se, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, datado de 21/09/2011 (Processo n.º 0753/11): "No âmbito da actividade administrativa são pressupostos da tutela de confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou.".
F. Mais refere o Acórdão supracitado que "Visa o [princípio da tutela da confiança] salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem ( ... )."
G. Dúvidas não restam que a actuação do Consórcio sempre se pautou pelo respeito dos princípios da boa-fé e da cooperação, ínsitos nos Arts. 8.º e 9.º do CPA, respectivamente.
H. Efectivamente, o Consórcio sempre prestou atempadamente à DSSOPT todas as informações e esclarecimento necessários para que a DSSOPT pudesse aferir do bom andamento do projecto, de todos os passos tomados e materiais utilizados, e ainda para que pudesse confirmar ou rejeitar eventuais alterações ao projecto.
I. No entanto, a actuação da DSSOPT não se pautou pelos mesmos princípios;
J. Fez crer ao Consórcio que a alteração que apresentou desde 11 de Agosto de 2020 - a saber, a instalação de quadros de distribuição com o grau de protecção IP55 em substituição do grau IP66, como estaria inicialmente previsto - seria aceite, desde que a CEM não tivesse objecções a colocar.
K. Assim, a proposta n.º RHM-SUB-SD-001G do plano de iluminação do Consórcio foi aprovada pelo Consultor, pelo Projectista, em 23 de Janeiro de 2021, e aprovada pela DSSOPT em 9 de Fevereiro de 2021,
L. Posteriormente, e por carta de 27 de Maio de 2021 a CEM exprimiu claramente a concordância técnica quanto ao projecto de iluminação.
M. Toda a documentação foi, por diversas vezes, desde 11 de Agosto de 2020 a 27 de Maio de 2021, apresentada e confirmada pela DSSOPT, CEM, Consultor e Projectista da obra, tendo o Consórcio desenvolvido todo o seu trabalho com base em tais parâmetros.
N. No entanto, a DSSOPT, em 28 de Maio de 2021, declarou não aceitar a alteração do grau de protecção dos quadros de distribuição para IP55, requerendo que o mesmo fosse IP66, o que forçou o Consórcio a tratar de encomendar, a curto prazo, o equipamento necessário para entregar a obra no prazo estipulado.
O. Temos, pois, que existiu, in casu violação do princípio da boa-fé, na vertente do princípio da tutela de confiança, por parte da DSSOPT enquanto dona da obra, na medida em que todo o comportamento da DSSOPT gerou no Consórcio uma situação de confiança - a saber, que a alteração para o grau de protecção IP55, que era do pleno conhecimento daquela Direcção, tinha sido aprovada em conformidade com os requisitos da CEM, por um lado,
P. E, por outro, que o Consórcio prosseguiu a obra e os preparativos daí decorrentes com base em tal comportamento, vendo a sua confiança frustrada com a recusa súbita e inesperada da DSSOPT em aceitar a alteração do grau de protecção IP55 para os quadros de distribuição, quando antes havia instilado no Consórcio total confiança que tal não sucederia.
Q. Novamente, sublinhe-se que, caso a DSSOPT tivesse contraposto, em tempo, a exigência do grau de protecção IP66 para os quadros de distribuição (e não apenas em 28 de Maio de 2021), o Consórcio teria procedido atempadamente à alteração dos materiais antes da data fixada para a recepção provisória da obra,
R. E teria procedido, também, à entrega da obra, na data limite, em 9 de Junho de 2021.
S. Assim, resulta evidente que o atraso na entrega da obra se deu única e exclusivamente devido à súbita e tardia mudança de posição da DSSOPT quanto aos elementos supra indicados, pelo que, salvo o devido respeito, tal demora apenas poderá ser assacada à DSSOPT, nunca ao Consórcio.
T. Não sendo tal atraso da responsabilidade do Consórcio, cessa igualmente a responsabilidade deste por atraso na execução do contrato, na medida em que tal incumprimento resulta de facto que lhe não é imputável, nos termos do artigo 169º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro (“DL 74/99/M”).
Sem conceder quanto ao que antecede,
U. A obra poderia ter sido recebida provisoriamente, quanto à parte de construção, em 9 de Junho de 2021, nos termos do artigo 193.º, n.º 1 do DL 74/99/M, e em conformidade com o relatório do Consultor da obra.
V. Estipula o n.º 1 do supra referido artigo que “1. Quando se verifica, pela vistoria realizada, que a obra está, no todo ou em parte, em condições de ser recebida, isso mesmo é declarado no auto, e considera-se efectuada a recepção provisória em toda a extensão da obra que não seja objecto de deficiência apontada nos termos do artigo anterior e começa a contar-se desde então, para os trabalhos recebidos, o prazo de garantia fixado no contrato."
W. De facto, o relatório do Consultor da obra, de 9 de Junho de 2021, recomenda que a mesma seja entregue provisoriamente, uma vez que não existia qualquer fundamento que obstasse à recepção provisória da obra (no original, “就上述內容敝司認為土建部份已具備竣工條件,建議有條件臨時接收”).
X. No entanto, a DSSOPT apontou então várias alterações que deveriam ser levadas a cabo - entre as quais a mudança dos materiais dos quadros de distribuição para o grau de protecção IP66 - recusando assim a entrega da obra até que tais deficiências fossem resolvidas.
Y. No entanto, à luz do relatório do Consultor da obra, seria possível à DSSOPT, enquanto dona da obra, proceder à recepção provisória parcial da obra já em 9 de Junho de 2021, nos termos dos artigos 192º, n.º 2 e 193º, n.º 1 do DL 74/99/M, aceitando a parte dos trabalhos que estivesse em condições de ser recebida - a saber, a parte de construção - e apontando a parte da obra cujas deficiências merecessem as modificações ou reparações necessárias.
Z. Para além do supracitado artigo 193º, n.º 1 do DL 74/99/M, determina o artigo 192º, n.º 2 do mesmo diploma legal que: "Pode o dono da obra fazer a recepção provisória da parte dos trabalhos que estiver em condições de ser recebida.".
AA. Aliás, a esta conclusão obrigaria o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 5.º do CPA, que exige uma decisão, por parte da DSSOPT, que apenas afectasse a posição do Consórcio, enquanto empreiteiro, em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
BB. O que não acontece com a multa aplicada.
CC. Sem prejuízo de tudo quanto foi indicado supra quanto à exigência inesperada e intempestiva do grau de protecção IP66 para os quadros de distribuição, por parte da DSSOPT, o Consórcio tratou de proceder celeremente às restantes alterações exigidas pela dona da obra, tendo completado as mesmas em 23 de Junho de 2021.
DD. Assim, a recepção provisória parcial da obra poderia ter-se verificado também em 23 de Junho de 2021, uma vez que, com excepção do grau de protecção IP66 para os quadros de distribuição, todas as alterações requeridas pela DSSOPT relativamente à parte de construção da obra já tinham sido então levadas a cabo.
EE. Ainda, caso se considere que existiu um eventual atraso na entrega da parte das obras de construção, porquanto a recepção provisória desta parte apenas poderia ter lugar em 23 de Junho de 2021, em vez do prazo de 9 de Junho de 2021 inicialmente previsto (o que não se concede atento o relatório do consultor), tal situação implicaria um atraso de 10 (dez) dias úteis.
FF. Consequentemente, e sem conceder, este deverá ser o prazo máximo para qualquer análise quanto ao período de incumprimento dos prazos contratuais para a recepção provisória da parte das obras de construção.
GG. Já quanto à recepção provisória da obra quanto ao sistema de iluminação, conforme foi indicado supra, o Consórcio, informou a DSSOPT por carta de 24 de Junho de 2021, com a referência número LF-RHM-170, que a DSSOPT e o Consultor poderiam visitar a obra em 7 de Julho de 2021 para que se procedesse à recepção provisória da mesma (cfr. documento n.º 27 já junto).
HH. Cabendo à DSSOPT, a partir de 7 de Julho de 2021, coordenar o fornecimento de electricidade permanente, por parte da CEM, à obra em causa, salvo o devido respeito por opinião diversa, cessaria nessa data a responsabilidade do Consórcio por qualquer atraso quanto à recepção do sistema de iluminação.
II. Pelo exposto, e sem conceder quanto ao supra exposto em sede de violação da tutela da confiança por parte da DSSOPT, seria possível a esta Direcção proceder à recepção provisória da parte dos sistemas de iluminação em 7 de Julho de 2021, nos termos dos artigos 192º, n.º 2 e 193º, n.º 1 do DL 74/99/M.
JJ. Assim, e novamente sem conceder quanto ao que antecede, também aqui o prazo máximo para qualquer cálculo do período de incumprimento dos prazos contratuais para a recepção provisória da parte das obras de iluminação apenas poderá ter como referência o período de 9 de Junho de 2021 a 7 de Julho de 2021, o que implica um atraso de 22 (vinte e dois) dias úteis.
KK. Relativamente à aplicação de multas por violação dos prazos contratuais, estipula o artigo 174º, n.º 3 do DL 74/99/M que "3. Nos casos de recepção provisória de parte da empreitada, as multas a que se refere o n.º 1 são aplicadas com base no valor dos trabalhos ainda não recebidos.".
LL. Ora, não existe qualquer responsabilidade do Consórcio no atraso da recepção provisória da parte de construção da obra a partir de 9 de Junho de 2021 - ou, sem conceder, a partir de 23 de Junho de 2021.
MM. Destarte, a verificar-se a necessidade de aplicação de alguma multa - o que não se concede - a mesma apenas poderia dizer respeito à parte da obra que não se encontrava em condições de ser entregue à data da recepção provisória.
NN. Ou seja, estando a parte de construção da obra pronta para a sua recepção provisória em 9 de Junho de 2021 (cfr. relatório do Consultor da obra da mesma data), a eventual existência de multa por atraso apenas poderia ser calculada com base no valor dos trabalhos ainda não recebidos, nos termos do supracitado artigo 174º, n.º 3 do DL 74/99/M.
OO. Ora, a multa aplicada foi calculada com base no valor total de adjudicação - a saber, uma percentagem apurada sobre o valor de MOP$38.801.471,18.
PP. Tendo em conta que no doc. 27 refere que apenas 4,64% da obra não estava concluída o Ex.mo Senhor Secretário nunca poderia aplicar uma multa calculada sobre o valor total da obra.
QQ. Assim, a decisão viola, assim, o artigo 174.º, n.º 3 do DL 74/99/M, bem como o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 5º, n.º 2 do CPA, atendendo à factualidade supra exposta.
RR. Os valores parciais encontram-se claramente discriminados na Tabela dos Custos Totais de Obras de Construção, nos quais o montante contratualizado para obras de construção - e, especificamente, o montante para as obras de construção relativas a "superfície decorativa de construção" é de MOP 14.339.290,00 (catorze milhões trezentas e trinta e nove mil duzentas e noventa Patacas),
SS. Por outro lado, e em conformidade com a mesma Tabela, o montante contratualizado para obras de iluminação é de MOP 1.800.000,00 (um milhão e oitocentas mil Patacas)
TT. Pelo exposto, sem conceder quanto ao que antecede, os eventuais atrasos na recepção provisória apenas poderiam ser calculados com base nos montantes supra indicados.
UU. O despacho recorrido violou os Arts. 169.º n.º 1, 174.º, n.º 3, 192.º, n.º 2 e 193.º, n.º 1 do DL 74/99/M e Art. 5.º n.º 2 e 8.º do C.P.A.
*
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 242 a 247, tendo formulado as seguintes conclusões:
1 - O objecto do recurso de anulação do acto administrativo é o acto praticado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 24 de Outubro de 2022, exarado na Proposta n.º 940/DME/2022, de 21 de Março de 2022, que aplicou a multa de MOP$2 289 287,00 ao Recorrente, por atraso de 59 dias de trabalho na conclusão obra, ou seja, atraso de 10 de Junho de 2021 até ao dia 18 de Agosto de 2021, data de conclusão da obra a que afere o auto de recepção provisória homologado, exarado no dia 20 de Agosto de 2021.
2 - O Recorrente alega que o acto recorrido violou os artigos 169.°, n.º 1, 174.°, n.º 3, 192.°, n.º 2 e 193.°, n.º 1 do DL n.º 74/99/M e os artigos 5.°, n.º 2 e 8.° do Código do Procedimento Administrativo.
3 - Na presente lide contenciosa, o Recorrente vem discutir questões relativas à execução do contrato - suposto atraso na aprovação do sistema de iluminação - que em seu entender não lhe são imputáveis que, contudo, não constituem o fundamento do acto recorrido.
4 - O recurso contencioso é de mera declaração de legalidade e visa a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica, com efeito, no caso o acto recorrido, de conteúdo vinculado, não enferma de qualquer ilegalidade, pois,
5 - Em 18 de Junho de 2019, a RAEM e o ora Recorrente assinaram o contrato para execução da "Obra de reparação das Portas do Entendimento", doravante designado por "Empreitada", pelo preço de MOP$38 801 471,18 e prazo de 515 dias de trabalho, contados da data de consignação no dia 26 de Junho de 2019, até ao dia 18 de Março de 2021. O prazo de execução da obra foi prorrogado até ao dia 9 de Junho de 2021.
6 - No dia 8 de Junho de 2021, o Recorrente comunicou pela primeira vez a conclusão da obra para efeito de vistoria e recepção provisória, feito a vistoria no dia 9 de Junho de 2021, concluiu-se que a obra não estava em condições de ser recebida.
7 - Em cumprimento do preceituado no n.º 1 do artigo 192.° do DL n.º 74/99/M, foi exarado declaração de não recepção da obra no auto que foi assinado pelos representantes do dono da obra, fiscalização e empreiteiro, sendo por este último sem quaisquer reservas.
8 - No dia 22 de Junho de 2021, o Recorrente solicitou nova vistoria da obra para efeito de recepção, sendo que realizado a vistoria no dia 23 de Junho de 2021, concluiu que, apesar de parte dos trabalhos da obra estarem concluídos, a mesma não estava em condições de ser recebida.
9 - O auto datado de 23 de Junho de 2021 foi assinado pelos presentes na vistoria, inclusivamente, pelo Recorrente que não apresentou qualquer reclamação sobre o conteúdo do mesmo.
10 - No dia 23 de Junho de 2021, o Recorrente solicitou nova vistoria da obra, desta vez, para o dia 7 de Julho de 2021 que foi efectuada e da qual concluiu-se mais uma vez que a obra não estava em condições de ser recebida.
11 - Em nenhum momento, o Recorrente não se opôs à não recepção da obra pelo dono da obra, nem tão-pouco solicitou a recepção dos trabalhos que alega no presente recurso estarem, desde o dia 23 de Junho de 2021, em condições de serem recebidos.
12 - Na sequência da assinatura dos autos aqui mencionados, o Recorrente também não apresentou, nos 10 dias subsequentes a assinatura dos respectivos autos, qualquer reclamação por escrito, reputando-se todo o conteúdo dos autos assinados aceites pelo Recorrente.
13 - A obra apenas foi recebida no dia 20 de Agosto de 2021, na sequência da comunicação da conclusão dos trabalhos efectuada pelo Recorrente no dia 18 de Agosto de 2021.
14 - O Recorrente invoca que o acto recorrido violou a lei, mormente, normativos legais previstos no DL n.º 74/99/M e CPA, com efeito, toda a defesa para sustentar a alegada, mas não verificada violação de lei, resulta de factos aceites pelo mesmo sem qualquer reserva.
15 - O acto recorrido, objecto da presente lide contenciosa não padece de qualquer invalidade pois, limita-se a cumprir o estipulado no n.° 1 do artigo 174.° do DL n.º 74/99/M que manda aplicar a multa face ao atraso verificado na conclusão da obra e que, perante a ausência de recepção provisória de parte da obra, computa o valor da multa diária com base no valor da adjudicação.
16 - Dos autos exarados e homologados na sequência das vistorias realizadas a obra, assinados sem qualquer reserva pelo Recorrente, conclui-se para um período de atraso na conclusão da obra, entre a data prevista para a sua conclusão - 9 de Junho de 2021 e data de conclusão da obra - 18 de Agosto de 2021, de 59 dias de trabalho e, pela não verificação de recepção provisória de parte da obra, donde resulta, claramente, não ter o acto recorrido violado os artigos 174.°, n.º 3, 192.°, n.º 2 e 193.°, n.º 1 do DL n.º 74/99/M.
17 - A aplicação da multa por atraso na conclusão obra no procedimento administrativo em questão, face à situação descrita, apresenta-se como a única possibilidade de conduta da Administração.
18 - Verificado a situação de atraso na conclusão não resta a Administração outra actuação que não a aplicação da multa pelo preceito legal já referido.
19 - In casu, estamos na presença de um acto administrativo vinculado, praticado no exercício de poderes vinculados e em estrita obediência a uma imposição legal.
20 - O acto administrativo vinculado é suportado numa norma que não deixa margem para opção, portanto, a actuação da Administração restringe-se a uma única solução diante de determinada situação de facto, que se encontra previamente delineada na norma, sem qualquer margem de apreciação subjectiva.
21 - É, por isso, executado em conformidade com as delimitações previamente delineadas pela norma jurídica, cujo objecto foi prévia e objectivamente tipificado, de maneira a permitir um único comportamento possível em face de uma situação.
22 - A prática do acto recorrido - de aplicação de multa por atraso na conclusão obra pelo Recorrente - observou a imposição legal prevista no n.° 1 do artigo 174.° do DL 74/99/M, de 8 de Novembro, que não permite qualquer margem de discricionariedade.
23 - Sobre a obra de iluminação prevista no contrato, prevê o item D da lista de quantidade da obra o seguinte: “... deve em qualquer caso, mesmo que não esteja mencionado abaixo, realizar todos os trabalhos de acordo com os desenho e especificações técnicas e normas. Todos os materiais a adoptar devem satisfazer a sua função de projecto, serem novos e entregues à aprovação pelo Dono da Obra ou seu representante ... ", sendo que relativamente aos requisitos de função o ponto D1. “(2) Deve usar o luz de LED, não inferior a IP66, com vida não inferior a 55000 horas, equipado com certificação CE. (4) O grau de protecção dos equipamentos de alimentação e comando não deve ser inferior ao IP66 e os equipamentos devem satisfazer às características de uso externo."
24 - No procedimento não houve qualquer decisão do dono da obra no sentido da alteração do grau de protecção dos quadros de distribuição de IP66 previsto no Contrato (lista de quantidades de obra - Item D) para IP55.
25 - Os pareceres emitidos pela CEM incidiram apenas sobre o projecto do sistema de iluminação (drawings) na parte relativa à transmissão e distribuição de energia e não, sobre os materiais e equipamentos a instalar na obra que, conforme a lista de quantidades de obras parte integrante do contrato deveriam cumprir o grau de protecção IP66.
26 - A alteração do grau de protecção dos materiais de distribuição a instalar na obra exigidos no contrato de empreitada deve ser previamente aprovada pelo dono da obra no âmbito do procedimento de aprovação dos materiais/equipamentos, seguindo os termos previstos nos artigos 143.° e seguintes do DL n.º 74/99/M, sobre os materiais a incorporar na obra.
27 - A entidade responsável pela fiscalização da obra, através do parecer n.º FEC201901-L0057, de 25 de Novembro de 2019, que recaiu sobre a Ficha para aprovação de documentos n.º RHN-SUB-SD-001, alertou o Recorrente para o cumprimento dos requisitos sobre o grau de protecção dos materiais e equipamentos (quadros de distribuição) previstos no contrato assinado, todavia, sem qualquer êxito.
28 - Os factos alegados pelo Recorrente nos presentes autos, no sentido da não aplicação da multa, não consubstanciam caso de força maior ou de outras situações que não lhe possam ser imputáveis, nem o acto recorrido violou o artigo n.º 1 do artigo 169.° do DL n.º 74/99/M, nem mesmo os artigos 5.°, n.º 2 e 8.° do Código do Procedimento Administrativo tal como quer fazer crer, mas mal, o Recorrente.
29 - A matéria alegada pelo Recorrente para sustentar a violação de lei pelo acto recorrido está descontextualizada da realidade dos factos relacionados com a obra, que foram aceites pelo Recorrente e que, serviram de base à decisão ora objecto do presente recurso, traduzindo toda a defesa em mero juízo de valor sem qualquer base legal.
30 - Na prática do acto recorrido, a entidade Recorrida observou os princípios e a lei em vigor, mormente, deu cumprimento aos termos do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro não enfermando o acto recorrido de qualquer ilegalidade ou vício, nomeadamente, de violação de lei, que possa determinar a sua anulação.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 280 a 283, pugnando pelo improvimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
    - Foi elaborada a respectiva proposta (que foi aprovada pela Entidade competente) para aplicar multa ao Consórcio que contém os factos relevantes para a decisão da causa:

事由:工程編號20/2019–融和門維修工程
- 因承攬人違反合同中規定的期限科處罰款之最終決定(I)

根據經10月11日第57/99/M號法令核准之《行政程序法典》第六十八條之規定,現通知 貴聯營體有關運輸工務司司長於2022年10月24日在本局第940/DME/2022號建議書所作之批示:

“Concordo
24/10/2022
(Assinatura)”

建議書內容如下:

“1. 原工程資料:(附件1)
建議書編號
批示實體/日期
承建人
金額
(澳門元$)
工期
(工作天)
合同簽署日期
委託日期
竣工日期
103/DEPDCR/2019
行政長官
06/03/2019
A建築工程有限公司/B集團(澳門)有限公司合作經營
38,801,471.18
515
18/06/2019
26/06/2019
18/03/2021(註)
註:已透過編號017/DEPDCR/2020、242/DEPDCR/2020及075/DEPDCR/2021號建議書(附件1)批准延長工程完工日期至09/06/2021

2. 按已批核的增減工程及延長工期匯總表(附件1),經核准之竣工日期為2022年6月9日,施工期合共為582工作天。
3. 根據運輸工務司司長於2021年11月19日透過建議書編號328/DEPDCR/2021之批示,批准因“A建築工程有限公司/B集團(澳門)有限公司合作經營”涉嫌違反合同所定期限完成之工作,向承攬人科處罰款之決定意向,為此,於2021年11月24日透過公函編號2347/DEPDCR/2021通知承攬人於期限內提交書面辯護。(附件2)
4. 承攬人於2021年12月6日透過信函向當時的土地工務運輸局提交回覆(附件3),其認為土建部份於2021年6月9當天已準備妥當可以進行臨時接收,若有延誤的罰款,應根據第74/99/M號法令第一百七十四條第三款的規定,罰款僅可以未接收之工作價款為基數去計算,即照明工程的合同金額澳門元1,800,000.00。此外,並表示曾於2019年11月至2021年1月期間透過“文件審批表”編號RHM-SUB-SD-001,RHM-SUB-SD-001B至RHM-SUB-SD-001G提交照明系統施工圖,當中有提及有關室外電箱之防水保護指數不低於IP54,並於2021年1月30日獲批准;
5. 監察公司於2021年12月17日透過信函編號FEC201902-L0297對承攬人之信函提供意見(附件4),表示承攬人於2019年12月7日透過“材料審批表”編號EM-003提交配電箱的材料審批,而材料由於不滿足IP66之要求而不獲批准。此外,表示曾於2019年11月25日在回覆承攬人“文件審批表”編號RHM-SUB-SD-001中其中一項意見為要求承攬人按招標案卷工程數量表第D項照明工程之要求,供電設備及控制設備不應低於IP66,故承攬人應知悉室外電箱之防水保護指數不低於IP66之要求。
6. 前土地運輸工務局曾於2021年5月28日透過公函編號0974/DEPDCR/2021通知承攬人必須立即拆除及更換不符合標書要求及不符合已獲批准使用的材料,如未能如期於2021年6月9日竣工,將按照合同及第74/99/M號法令跟進及展開科處罰款的程序(附件6)。承攬人同日透過信函編號LF-RHM-100回覆,當中表示同意更換不符合防水要求的配電箱,改為IP66配電箱,並無提出任何反對意見。(附件7)
7. 於2021年6月9日合同期限屆滿日,由於電力系統未完成,影響相關功能及導致不能交予市政署開於予公眾使用,故工程不具備臨時接收的條件,監察實體於當日就有關事宜繕立筆錄(附件8),並由各方代表簽署。
8. 直至2021年7月2日承攬人透過材料審批表編號EM-003G提交配電箱的材料審批,並於2021年7月6日獲批准。
9. 2021年8月18日,承攬人透過信函編號LF-RHM-104B通過工程已完成,要求進行臨時接收,為此,在進行檢驗後,於2021年8月20日完成臨時接收程序(附件9)。
10. 綜上所述,本局有如下分析:
10.1. 鑑於工程的供電及照明系統未完成,影響相關功能及導致不能開放予公眾使用,故整項工程於合同所定之峻工日2021年6月9日不具備臨時接收條件,整項工程被視為未完成,根據第74/99/M號法令第一百七十四條第一款規定:「一、如承攬人在合同所定且按行政或法定方式延期之期間內未完成工程,除承攬規則另定數額更大之罰款外,須對其按日科處以下罰款,直至施工完畢或單方解除合同為止:a)在合同所定期間之首個十分之一期間內,罰款為判給價金之1‰;b)在隨後之每個十分之一期間內,罰款增加0.5‰,最高額至5‰。」因此,承攬人所述之理據並不成立。
10.2. 根據上述法令第一百七十四條第一款及合同第九條款的規定,承攬人在合同所定且按行政或法定方式延期之期間內未完成工程,須被科處罰款,自2021年6月10日起計至2021年8月18日為止,工程延遲完工59工作天,按照延遲天數及相關工作價金計算,罰款應為澳門元2,289,286.80,計算方式如下:
相當於合同所定期間之首個十分之一(59工作天)的期間內,罰款為判給價金的1‰,即罰款金額為澳門元2,289,286.80(=澳門元38,801,471.18 x 1‰ x 59)。
11. 基於以上分析,現呈 上級考慮:
根據第74/99/M號第一百七十四條及合同第九條款的規定,自2021年6月10日起計至2021年8月18日,因承攬人已延遲完成工程共59工作天,因此向承攬人科處澳門元2,289,286.80之罰款,取整至澳門元2,289,287.00(根據7月27日第57/87/M號法令規定,公共收入之款項之小數化成整數,即加至一澳門元)。相關罰款將在提供的確定擔保中扣除。
呈交上級考慮。”
根據經10月11日第57/99/M號法令核准的《行政程序法典》第一百四十九條之規定,自本通知書起計15日內,貴聯營體可就運輸工務司司長的決定提出聲明異議,亦可根據12月13日第110/99/M號法令核准的《行政訴訟法典》第二十五條所規定的期間內,向中級法院提出司法上訴。
專此函達,並頌
時祺!
公共建設局,於二零二二年十月二十六日。

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(…)
1.
Companhia de Construção e Engenharia A, Lda. e Sociedade de Construção e Engenharia – Grupo de Construção de B, Limitada, sociedades comerciais melhor identificadas nos autos, veio interpor recurso contencioso do acto administrativo praticado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas que decidiu aplicar-lhes a multa de MOP$2.289.287,00 patacas por atraso de 59 dias de trabalho na conclusão da obra de reparação das Portas do Entendimento.
A Entidade Recorrida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do recurso contencioso.
As partes apresentaram alegações facultativas.

2.
(i)
(i.1)
Em nosso modesto entendimento, o presente recurso contencioso não pode proceder. Sucintamente, pelo seguinte.
Está em causa, como já se disse, a impugnação do acto praticado pela Entidade Recorrida que aplicou à Recorrente uma multa por atraso na conclusão de uma obra, com fundamento na norma do n.º 1 do artigo 174.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, de acordo com a qual, no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas, como é aquele que está em causa nos presentes autos, o dono da obra aplicará uma multa diária ao empreiteiro que não concluir a obra no prazo contratualmente estabelecido, acrescido das prorrogações administrativas ou legais.
Por isso, no caso, o ponto está, desde logo, em saber se no dia acordado para a conclusão da obra esta estava ou não concluída. Em caso afirmativo, justifica-se, de pleno, a aplicação da multa; já não assim, como é evidente, se, momento próprio, os trabalhos se mostrarem concluídos
Vejamos.
(i.2)
Em resultado da última prorrogação do prazo para a respectiva execução, a data da conclusão da obra adjudicada às Recorrentes foi fixada no dia 9 de Junho de 2021.
Os autos documentam que, na sequência da comunicação das Recorrentes relativamente à conclusão da obra, a dona da obra procedeu, nesse dia, à respectiva vistoria tendo em vista a sua recepção provisória, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 191.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M.
A recepção provisória, como se sabe, é um acto formal, de conteúdo positivo e unilateral que traduz o reconhecimento por parte do dono da obra de que o empreiteiro cumpriu a sua obrigação contratual (veja-se, neste sentido, JORGE ANDRADE DA SILVA, Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado, 8.ª edição, Coimbra, 2019, pp. 838-839).
Acontece que, na sequência da vistoria realizada no dia 9 de Junho de 2021, a Administração concluiu que a obra não estava em condições de ser recebida e, em consequência, foi lavrado um auto de não recepção da obra, o qual foi assinado pelos representantes das partes presentes na diligência, incluindo, o representante da Recorrente.
No seguimento dessa não recepção, as Recorrentes foram procedendo aos trabalhos necessários e, após diversas vistorias, a obra veio a ser recebida provisoriamente no dia 20 de Agosto de 2021.
Resulta da factualidade descrita, portanto, que, de acordo com aquele que foi o entendimento da dona da obra, ocorreu um atraso por parte das Recorrentes na conclusão dos trabalhos, em virtude de estas não terem cumprido pontualmente, isto é, sem deficiências, a sua prestação contratual. Esse atraso foi verificado em sucessivas vistorias cujos resultados ficaram consignados em autos de não recepção que não mereceram qualquer reclamação por parte das Recorrentes.
Detenhamo-nos neste último ponto dada, a nosso humilde ver, a sua importância crítica para a decisão do presente litígio.
(ii)
Decorre do n.º 1 do artigo 192.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M que, «se a obra não estiver em condições de ser recebida, no todo ou em parte, por virtude das deficiências encontradas e que resultem de infracção às obrigações contratuais ou legais do empreiteiro, o dono da obra especifica essas deficiências no auto, exara neste declaração de não recepção e as respectivas razões, e notifica o empreiteiro para que este proceda às notificações ou reparações necessárias, dentro de prazo que fixa para o efeito», podendo o dono da obra, nos termos expressamente previstos no n.º 2 do mesmo artigo, «fazer a recepção provisória da parte dos trabalhos que estiver em condições de ser recebida».
Contra o conteúdo do auto e da notificação pode o empreiteiro reclamar no próprio auto ou nos 10 dias subsequentes, devendo o dono da obra pronunciar-se sobre essa reclamação no prazo de 30 dias. É o que resulta do disposto na norma do n.º 3 do artigo 192.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M.
Qual a consequência da falta de reclamação por parte do empreiteiro?
A este propósito, parece-nos correcto o entendimento segundo o qual, «havendo esta possibilidade de reclamação, a exercer no prazo de 10 dias, destinada a possibilitar ao empreiteiro manifestar a sua discordância com o teor do auto de recepção provisória, tem de entender-se que, se ele não reclamar, perderá o direito de discutir o aí consignado, o que é corolário natural da falta de prática de um acto dentro de um prazo peremptório», pelo que tem de se ter por assente que o empreiteiro concordou com o seu conteúdo, designadamente quanto à existência das deficiências referidas, sua desarmonia com as condições estipuladas no contrato e necessidade da sua correcção (seguimos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.10.2004, processo n.º 46402, com versão integral disponível em dgsi.pt, interpretando norma legal coincidente com a do nosso artigo 192.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 74/99/M).
Significa isto, portanto, que a falta de apresentação de reclamação por parte do empreiteiro preclude a possibilidade de, em sede de recurso contencioso, nomeadamente do acto que aplique multa contratual por atraso na conclusão da obra mercê da verificação das deficiências que conduziram à sua não recepção, suscitar questões que tinha o ónus de suscitar em sede de reclamação, em especial, como dissemos, a existência das deficiências e a desarmonia da execução da empreitada com aquilo que foi contratualmente acordado, e cuja verificação, para todos os efeitos se deve considerar assente.
Mais. Se bem vemos, tendo o empreiteiro aceite a não recepção total da obra, ou, o que é o mesmo, que esta não estava em condições de ser objecto de recepção provisória parcial, fica também excluída a possibilidade de suscitar essa questão em sede contenciosa.
(iii)
No caso, se interpretamos correctamente a douta petição inicial, a Recorrente faz assentar a sua pretensão impugnatória na alegação de que a execução da obra correspondeu ao que foi contratualmente acordado, ainda que já no decurso da execução da obra, pelo que a mesma, contrariamente ao que foi invocado pela Administração, não tinha qualquer deficiência e estava, ao invés, em condições de ser recebida (veja-se, exemplarmente, o artigo 95.º da petição inicial), não se justificando, por isso, os autos de não recepção nem, consequentemente, a aplicação de qualquer multa pois que não houve qualquer atraso pelo qual as Recorrentes possam ser responsabilizadas (veja-se, exemplarmente, o artigo 87.º da petição inicial).
A verdade, porém, é que, como vimos, as Recorrentes, quando foram confrontadas com os autos de não recepção da obra, lavrados no pressuposto de esta não estava em condições de ser recebida por os trabalhos de execução não terem sido pontualmente executados, não deduziram qualquer reclamação, pelo que, de acordo com o entendimento antes exposto, é de considerar precludida ou extinta, a possibilidade de, nesta sede processual, invocarem tais fundamentos.
Do mesmo modo que, com todo o respeito, resulta deslocado e sem fundamento a invocação neste contexto processual da violação do princípio da confiança por parte da Administração, quando é certo estar em causa a sindicância judicial de uma actuação legalmente vinculada no quadro da indiscutível verificação dos respectivos pressupostos.
Na verdade, tendo a Administração constatado, da forma procedimentalmente adequada, isto é, através das vistorias que a lei prevê, que a obra não foi concluída no prazo legalmente fixado e tendo consignado através dos respectivos autos o resultado de tais vistorias no sentido de que a obra não estava em condições de ser recebida, por apresentar deficiências ou desconformidades na comparação com o que ficou convencionalmente entre as partes, outra alternativa lhe não restava senão a de aplicar a multa a que se refere o n.º 1 do artigo 174.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, nos termos aí previstos.
De resto, ainda que assim não fosse e sem conceder, sempre diremos que as Recorrentes não lograram demonstrar o pressuposto factual em que fazem assentar toda a sua construção impugnatória para, debalde, aliás, lograrem a anulação do acto recorrido com fundamento numa alegada, mas não verificada violação do princípio da confiança ou da boa-fé. É que, em nosso modesto, mas entendimento, não ficou provado, contrariamente ao que foi alegado na douta petição inicial, que a Administração, na qualidade de dona da obra, alguma vez tenha autorizado a alteração, relativamente ao que foi contratualmente fixado, dos requisitos a que deviam sujeitar-se os materiais eléctricos a colocar na obra e que, depois, tenha como que «voltado atrás» nessa indemonstrada autorização.

3.
Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o presente recurso contencioso.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita, da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente.
Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC, é de manter a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I – O artigo 192.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 3 de Novembro estipula que, “se a obra não estiver em condições de ser recebida, no todo ou em parte, por virtude das deficiências encontradas e que resultem de infracção às obrigações contratuais ou legais do empreiteiro, o dono da obra especifica essas deficiências no auto, exara neste declaração de não recepção e as respectivas razões, e notifica o empreiteiro para que este proceda às notificações ou reparações necessárias, dentro de prazo que fixa para o efeito”, podendo o dono da obra, nos termos expressamente previstos no n.º 2 do mesmo artigo, “fazer a recepção provisória da parte dos trabalhos que estiver em condições de ser recebida”, contra o conteúdo do auto e da notificação pode o empreiteiro reclamar no próprio auto ou nos 10 dias subsequentes, devendo o dono da obra pronunciar-se sobre essa reclamação no prazo de 30 dias. É o que resulta do disposto na norma do n.º 3 do artigo 192.º do citado Decreto-Lei.
II – A este propósito, defende-se o entendimento segundo o qual, “havendo esta possibilidade de reclamação, a exercer no prazo de 10 dias, destinada a possibilitar ao empreiteiro manifestar a sua discordância com o teor do auto de recepção provisória, tem de entender-se que, se ele não reclamar, perderá o direito de discutir o aí consignado, o que é corolário natural da falta de prática de um acto dentro de um prazo peremptório,” pelo que tem de se ter por assente que o empreiteiro concordou com o seu conteúdo, designadamente quanto à existência das deficiências referidas, sua desarmonia com as condições estipuladas no contrato e necessidade da sua correcção (seguimos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.10.2004, processo n.º 46402, com versão integral disponível em dgsi.pt, interpretando norma legal coincidente com a do nosso artigo 192.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 74/99/M).
    III – Pelo que, a falta de apresentação de reclamação por parte do empreiteiro preclude a possibilidade de, em sede de recurso contencioso, nomeadamente do acto que aplique multa contratual por atraso na conclusão da obra mercê da verificação das deficiências que conduziram à sua não recepção, suscitar questões que tinha o ónus de suscitar em sede de reclamação, em especial, a existência das deficiências e a desarmonia da execução da empreitada com aquilo que foi contratualmente acordado, e cuja verificação, para todos os efeitos se deve considerar assente.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas pelo Recorrente (Consórcio) que se fixam em 6 UCs.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 15 de Junho de 2023.

Fong Man Chong
(Relator)

Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fui presente
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador)
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