Processo nº 31/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 15 de Junho de 2023
ASSUNTO:
- Impedimento das testemunhas para depor
- Impugnação da matéria de facto
- Consignação em depósito
- Depósito de valor inferior ao devido
SUMÁRIO:
- De acordo com o disposto no artº 518º do CPC não podendo a pessoa em causa depor no processo como parte não há impedimento à míngua de outro argumento para que o faça como testemunha;
- Os Advogados não estão impedidos de depor como testemunhas desde que não revelem matéria protegida pelo segredo profissional;
- Não se demonstrando o erro de julgamento do tribunal recorrido nada justifica a alteração da matéria de facto;
- Demonstrando-se o fundamento para ser requerida a consignação em depósito improcede a impugnação do mesmo;
- Demonstrando-se que o valor depositado é inferior ao devido deve o devedor ser condenado no pagamento do remanescente em falta.
____________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 31/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Junho de 2023
Recorrente: A (Recurso Final e Recursos Interlocutórios)
Recorrida: B (Recurso Final e Recursos Interlocutórios)
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B, Ré nos autos principais, com os demais sinais dos autos,
em 19 de Dezembro de 2019 alegando que A, Autora na acção principal se recusava a receber a quantia na qual a Ré havia sido condenada a pagar-lhe pediu a emissão de guias para depositar à ordem dos autos o capital e juros devidos.
Autorizada a passagem da guia para depósito e depositada a quantia, veio a Autora nos autos principais deduzir oposição alegando que a quantia em dívida continuava a vencer juros de mora até que a Autora recebesse a referida quantia e exigindo ainda o pagamento de outras quantias.
Foi proferida sentença onde se decidiu que:
1. A requerente tem direito a fazer o depósito discutido na presente causa e, embora o depósito seja válido, o seu valor é insuficiente;
2. Pelo exposto, é condenada a requerente a pagar à requerida um adicional de HKD4.421,42.
No decurso do processo já haviam sido interpostos dois recursos interlocutórios também pela Autora nos autos principais e aqui Requerida.
RECURSO INTERLOCUTÓRIO I:
Proferido despacho a fls. 144/145 em que foi autorizada a audição da testemunha C, veio a Requerida nestes autos e Autora nos autos principais interpor recurso do mesmo apresentando as seguintes conclusões:
1) Na audiência de discussão e julgamento de 8 de Abril de 2022, o Mm.º Juiz Presidente do Tribunal Colectivo do TJB proferiu em 8 de Abril de 2022 o despacho que julgou improcedente a impugnação deduzida pela requerida contra C a depor como testemunha nos termos do disposto nos art.º 537.º e art.º 538.º do Código de Processo Civil e, admitiu C a depor como testemunha.
2) Em 5 de Maio de 2022, foi emitida à requerida a cópia da Acta de Audiência de Discussão e Julgamento. (vide fls. 144 a 145v., fls. 147, fls. 182 e fls. 183)
3) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a requerida entende que o despacho recorrido padece de erro na interpretação e aplicação do artigo 518.º do Código de Processo Civil.
4) Nos autos principais, a Autora (ora requerida) intentou a acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a 1.ª Ré B e o 2.º Réu C, pedindo a condenação dos dois Réus no pagamento de indemnização à Autora.
5) Pelo exposto, C é igual a B, sendo ambos réus, ou seja, a parte da causa.
6) O TJB não tinha dado provimento à acção intentada pela Autora (ora requerida); a Autora recorreu para o TSI e o recurso foi julgado parcialmente procedente; e, a Autora, a 1.ª Ré B e o 2.º Réu C também recorreram para o TUI.
7) C é uma parte, ou seja, o 2.º Réu. Tanto na decisão do TSI como na decisão do TUI, só a 1.ª Ré, B, foi condenada a pagar à Autora a dívida, mas, o que não alterou a qualidade de C como 2.º Réu.
8) Por outro lado, C apresentou um requerimento para a presente causa em 20 de Março de 2020, alegando que ele, na qualidade do réu da causa, pediu o cancelamento do registo da hipoteca judicial dos seus três bens imóveis e juntou os documentos de fls. 1165 a 1171 dos autos, por causa de ter pago (não foi efectivamente pago) à autora (ora requerida). (vide o requerimento constante de fls. 1164 dos autos principais e os documentos constantes de fls. 1165 a 1171 dos mesmos)
9) No preenchimento deste requerimento, C identificou-se como réu (vide fls. 1164 dos autos principais) e escreveu: “uma vez que já pagou à Autora, vem por este meio requerer a V. Exa. o cancelamento do registo da hipoteca judicial dos três bens imóveis referidos no anexo.” (vide o requerimento de fls. 1164 dos autos principais e os documentos de fls. 1165 e 1171 dos mesmos)
10) Relativamente ao requerimento apresentado por C, o Mm.º Juiz proferiu despacho a ordenar a notificação da contraparte, ou seja, a Autora/ Requerida. (vide fls. 1172 dos autos principais)
11) A Autora/ Requerida, após ter recebido a notificação acima referida, apresentou tempestivamente uma resposta em 14 de Abril de 2020. Esta resposta constitui um dos articulados do presente incidente.
12) Como referiu o Mm.º Juiz do TSI no acórdão do presente processo n.º 1171/2020 de 22 de Abril de 2021: “A Autora, notificada do pedido da distrate de hipoteca judicial, apresentou uma resposta, alegando que ela não se recusou a receber o valor devido a pagar pela Ré, e indicando que o valor depositado não era suficiente para pagar integralmente a dívida fixada pelo acórdão do TUI; e, opôs-se à validade desta consignação em depósito e ao distrate de hipoteca judicial dos bens imóveis da Ré.” (vide fls. 2 do acórdão n.º 1171/2020, constante de fls. 102 v. dos autos do presente incidente)
13) Daí pode-se ver que, na resposta dada pela requerida em 14 de Abril de 2020, não só alegou que ela própria não se recusou a receber o valor devido a pagar pela Ré, mas também indicou que o valor depositado não era suficiente para pagar integralmente a dívida fixada pelo acórdão do TUI e, em consequência, opôs-se à validade do depósito. Mais, a requerida ainda disse que, antes de receber a quantia do crédito, opôs-se ao pedido do cancelamento do registo da hipoteca judicial dos bens imóveis comuns de C e B, formulado por C, bem como a requerida alegou que tinha direito a recuperar as taxas do registo de hipoteca judicial.
14) De facto, C é um dos Réus no processo principal, razão pela qual, quando o mesmo tinha apresentado o requerimento de fls. 1164 e juntou os documentos de fls. 1165 a 1171, o Mm.º Juiz proferiu um despacho a ordenar a notificação destes à parte contrária, ou seja, a Autora/ Requerida. O conteúdo deste despacho é “Fls. 1164: Notifique a parte contrária.” (vide fls. 1172 dos autos principais)
15) Além disso, no despacho saneador e no despacho de selecção de matéria de facto do presente incidente, a matéria de a requerida pretender recuperar as taxas do registo, após o pedido do cancelamento do registo de hipoteca judicial dos três bens imóveis formulado por C em 20 de Março de 2020, já foi arrolada no quesito 4.º, como um dos quesitos. (vide fls. 81 dos autos do presente incidente)
16) Pelo exposto, salvo o devido respeito, o requerimento e os documentos anexos, apresentados por C em 20 de Março de 2020, também constituem o objecto do presente incidente, mesmo que o Mm.º Juiz não ordenasse a produção de certidão dos requerimento e documentos, respectivamente, de fls. 1164 e 1165 a 1171 dos autos principais para juntar ao presente incidente.
17) Reitera-se que, como referiu o Mm.º Juiz do TSI no acórdão do presente processo n.º 1171/2020 de 22 de Abril de 2021: “A Autora, notificada do pedido da distrate de hipoteca judicial, apresentou uma resposta, alegando que ela não se recusou a receber o valor devido a pagar pela Ré, e indicando que o valor depositado não era suficiente para pagar integralmente a dívida fixada pelo acórdão do TUI; e, opôs-se à validade desta consignação em depósito e ao distrate de hipoteca judicial dos bens imóveis da Ré.” (vide fls. 2 do acórdão n.º 1171/2020, constante de fls. 102 v. dos autos do presente incidente)
18) Portanto, o presente incidente não só deve conhecer da questão de pressuposto e validade do deposito, mas também deve proferir decisão sobre as questões de saber se defere o pedido do cancelamento do registo de hipoteca judicial dos três imóveis formulado em 20 de Março de 2020 por C a fls. 1164 dos autos, e se a requerida tem direito a recuperar as taxas do registo de hipoteca judicial.
19) Pelo exposto, há duas questões a serem tratadas no presente incidente, incluindo o conhecimento do pressuposto e validade do depósito, e o conhecimento da questão a saber se e em que condições o registo de hipoteca judicial dos três imoveis de C pode ser cancelado e a quem devem incumbir as taxas de registo. Face a tal, a Autora / Requerida requereu manifestamente as mesmas nos articulados por si apresentados em 14 de Abril de 2020, e as quais foram arroladas pelo Mm.º Juiz no quesito 4.º do despacho de selecção da matéria de facto. (vide fls. 81v. do presente incidente)
20) De facto, C é também um dos requerentes do presente incidente.
21) Como se referiu, nos ofícios recebido pela requerente relativamente ao presente incidente, mostra-se que C é um dos requerentes. (vide fls.82, fls.94, fls.98, fls.135, fls.142, fls.149, fls.198 e fls.206 do presente incidente)
22) Além disso, nos ofícios recebidos pela requerida, mostra-se também que C é um dos requerentes. (vide fls.83, fls.95, fls.99, fls. 120, fls.136, fls.143, fls.150, fls.199 e fls.207 do presente incidente)
23) No presente incidente, nos despachos proferidos pelo Mm.º Juiz Titular (autos) do Tribunal a quo (a alínea I) dos factos assentes e o quesito 5.º, dos despacho saneador e despacho de selecção da matéria de facto, respectivamente), foi usado o 2.º requerente para descrever C, salvo o devido respeito, mesmo que o Mm.º Juiz Titular (autos) tivesse posteriormente apagado a expressão “2.º requerente”, o que não alterou o facto de C também ser uma das partes. (vide fls. 121 a 122 do presente incidente)
24) Pelo acima exposto, não foi alterado o facto de C ser também uma das partes.
25) A parte não pode depor como testemunha.
26) Por outro lado, C e B são cônjuges, e os elementos dos autos demonstram que o regime de bens destes dois é o da comunhão de adquiridos. (vide fls. 29 dos autos do presente incidente e a busca constante de fls. 1165 a 1171 dos autos principais)
27) Mais, durante a prestação do depoimento de C, os seus termos e conteúdo foram suficientes para demonstrar que ele tem interesses próprios no presente incidente.
28) C disse: “…este caso tem me incomodado por mais dez anos, …tenho agora 60 anos de idade, é possível que tal caso não seja concluído até que eu tenha 70 anos de idade…”
29) Isto mostra que o próprio C também considerou que a causa tinha a ver com ele, pelo que o conhecimento do presente incidente está relacionado com os interesses próprios de C.
30) Daí pode-se saber que, quer do ponto de vista pessoal de C, quer do ponto de vista objectivo, demonstra-se também que o conhecimento do presente incidente está relacionado com os interesses próprios para C.
31) Nestes termos, o despacho recorrido julgou improcedente a impugnação deduzida pela requerida e admitiu C a depor como testemunha. Salvo o devido respeito, a requerida entende que o despacho recorrido padece de erro na interpretação e aplicação do art.º 518.º do Código de Processo Civil.
32) Salvo o devido respeito, a requerida entende que a correcta interpretação e aplicação da disposição da lei acima referida é: C é uma das partes, pelo que C não pode depor como testemunha.
33) Nestes termos, o presente recurso deve ser julgado procedente.
Notificada da admissão do recurso a parte contrária não contra-alegou.
RECURSO INTERLOCUTÓRIO II:
Proferido despacho a fls. 219 a 222 em que foi decidido ouvir a testemunha Drª D e sobre se determinada pergunta que lhe foi formulada violava o segredo profissional, veio a Requerida nestes autos e Autora nos autos principais interpor recurso do mesmo apresentando as seguintes conclusões:
1. Em 4 de Abril de 2022, a Dra. D disse ao tribunal a quo que a Associação de Advogados de Macau indeferiu a dispensa do dever de segredo profissional imposto à advogada, pelo que não podia depor. (vide fls. 140)
2. Na sessão de audiência de discussão e julgamento de 8 de Abril de 2022, através do seu mandatário judicial, a parte da requerente disse expressamente prescindir da audição da testemunha, Dra. D. Naquele dia (ou seja, 8 de Abril), o Mm.º Juiz do tribunal a quo proferiu in loco uma decisão que autorizou a Requerente a prescindir da audição da testemunha, Dra. D.
3. Mais, naquela altura, o Mm.º Juiz do tribunal a quo não decidiu que a testemunha, Dra. D, deveria ser oficiosamente ouvida.
4. Por isso, naquela altura (ou seja, 8 de Abril de 2022), a Dra. D esteve presente na galeria pública da sala de audiência para assistir a toda a sessão da audiência, pelo que teve conhecimento das alegações de C e das alegações finais prestadas pelos mandatários judiciais das duas partes sobre a matéria de facto.
5. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, foi ouvido o depoimento de C (face a tal, a requerida já interpôs o recurso, pela razão essencial de que C era a parte e não podia depor como testemunha. Este recurso foi admitido pelo tribunal, com subida deferida).
6. A audiência de discussão e julgamento de 8 de Abril de 2022 foi concluída e todas as testemunhas do rol de testemunha já depuseram naquele dia, não havendo ninguém que não prestasse depoimento. Os mandatários judiciais das duas partes também prestaram as alegações finais sobre a matéria de facto e o Mm.º Juiz do Tribunal a quo também designou o próximo dia 29 de Abril de 2022 para a leitura da decisão da matéria de facto.
7. Mas, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo proferiu um despacho em 28 de Abril de 2022, alegando que “após uma análise prudente das provas existentes na causa, este tribunal entende que ainda se parece haver os não suficientemente esclarecidos…” o Mm.º Juiz do Tribunal a quo cancelou a leitura da decisão sobre a matéria de facto designada no dia 29 de Abril de 2022 e decidiu a audição dos Dr. E e Dra. D como testemunha, pelo que exigiu as partes para se pronunciar no prazo de 5 dias.
8. Através da apresentação do original no dia 4 de Maio de 2022, a requerida pronunciou-se conforme a exigência do Mm.º Juiz do Tribunal a quo, alegando essencialmente: “no despacho acima referido, o Mm.º Juiz não indicou que os não suficientemente esclarecidos estavam respeitantes a qual quesito ou aos quais quesitos. Mais, a dúvida sobre a realidade de um facto deve ser tratada conforme o disposto no art.º 437.º do Código de Processo Civil1”. Incumbe à parte da requerente o ónus da prova nos termos da lei e, cabe-lhe provar que se encontram preenchidos os pressupostos exigidos para a consignação em depósito e que o montante depositado é suficiente. Além disso, in causa, quanto a saber se a requerente tinha a vontade de pagar à requerida e o valor é suficiente, o meio da prova que é suficiente para provar esta matéria deve ser que a requerente possa apresentar uma cópia do registo da emissão que solicitou a qualquer um banco a emissão (ou seja, “compra”) de uma livrança como instrumento de pagamento, da qual deve constar a data e o valor da sua emissão. (vide fls. 186 a 189)
9. É bem conhecido que a prova testemunhal é um meio de prova mais precário. O depoimento da testemunha é subjectivo e é difícil verificar a sua autenticidade. A prova documental é objectiva.
10. Por outro lado, de acordo com o sistema inquisitorial (inquisitorial system), o tribunal tem direito à produção de prova e pode ordenar oficiosamente a realização de diligência probatória. Mas, o litígio entre as duas partes na presente causa não envolve qualquer interesse público. Portanto, no caso vertente, o princípio do sistema adversarial (adversary system) prevalece e deve ser plenamente experimentado.
11. Além disso, na presente causa, quanto a saber plenamente se existe a eventual vontade da 1.ª requerente quanto ao pagamento à requerida, se existe a eventual recusa da requerida em receber e se o montante é suficiente, o meio da prova deve ser que a 1.ª requerente apresentará ao tribunal uma cópia do registo da emissão que solicitou a qualquer um banco a emissão (ou seja, “compra”) de uma livrança (da qual deve constar a data e o valor da “emissão de livrança”), cujo tomador do título é a requerida, mas, a requerente nunca a apresentou.
12. Salvo o devido respeito, o tribunal a quo não admitiu tal prova documental formulada pela requerente para ordenar tomar qualquer diligência, e a parte da requerente também não entregou o (eventual) registo da emissão de livrança. (vide fls. 192)
13. Por outro lado, através de fls. 173 e 174 dos autos do presente incidente, pode-se saber que a Associação de Advogados de Macau já deu à Dra. D uma resposta que não deferiu o seu pedido da dispensa do dever do segredo profissional.
14. Além disso, após ter recebido o despacho do Tribunal a quo que designou o dia 20 de Maio de 2022 para a audição dos Dr. E e Dra. D como testemunha, a requerida requereu em 11 de Maio de 2022 ao Tribunal a quo uma elaboração prévia de questões a ser levantadas pelo tribunal, para que o Dr. E e a Dra. D entregasse-las à Associação de Advogados de Macau para obter uma instrução de saber se tais questões concretas envolvem o segredo profissional. (vide fls. 204)
15. Face a tal requerimento, o Tribunal a quo proferiu em 12 de Maio de 2022 despacho: “…o tribunal ainda não tomou uma decisão sobre o tratamento concreto de que uma eventual parte alegasse que as questões levantadas pelo tribunal envolvem o segredo profissional, bem como afirma que não notificou as partes das questões a ser levantadas até à data designada para a diligência da audiência (ou seja, o dia 20 de Maio de 2022). Assim sendo, é difícil compreender o entendimento da requerida que, na presente fase, o tribunal deva notificar imediatamente as partes das questões a serem levantadas, para se pronunciar e obter uma instrução da Associação de Advogados de Macau. Com base nisso, é indeferido o requerimento formulado pela requerida a fls. 204 dos autos.” (vide fls. 205)
16. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, a requerida apresentou um requerimento por escrito, pedindo que o Tribunal a quo, notificasse, por via escrita, as duas testemunhas, Dr. E e Dra. D, das questões concretas a serem levantadas pelo tribunal, para que os dois advogados testemunhais entregasse-las à Associação de Advogados de Macau para julgar se a resposta a tais questões violará o dever de segredo profissional do advogado e emitirá uma instrução aos dois advogados.
17. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo só admitiu a junção de tal requerimento aos autos, mas, parecia não tomar uma decisão sobre o pedido formulado em tal requerimento, e começou a perguntar às duas testemunhas, Dr. E e Dra. D. (vide fls. 1 da acta da audiência de 20 de Maio de 2022, constante de fls. 219 dos autos do presente incidente)
18. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, a Dra. D disse que esteve presente na galeria pública para assistir a toda a sessão da audiência de discussão e julgamento de 8 de Abril de 20222 e, tinha ouvido o depoimento da testemunha C e as alegações prestadas pelos advogados das duas partes (ou seja, as alegações finais sobre a matéria de facto). (vide fls. 2 da Acta de Audiência de 20 de Maio de 2022, constante de fls. 219 dos autos do presente incidente)
19. Pelo exposto, salvo o devido respeito, uma vez que a Dra. D teve conhecimento das alegações de C e das alegações finais dos mandatários judiciais das duas partes relativamente à matéria de facto. Mais, a Associação de Advogados de Macau já deu resposta à Dra. D, dizendo que foi indeferido o seu pedido da dispensa do dever do segredo profissional, pelo que a mesma não podia prestar alegações como testemunha na causa, caso contrário, o que constituiria a prática de um acto que a lei não admita e a irregularidade cometida que possa influir na investigação e no exame da causa, previstas no art.º 147.º do Código de Processo Civil, então, trata-se de nulidade do acto. (vide fls. 173 e 174 dos autos do presente incidente)
20. Além disso, em 8 de Abril de 2022, quando a requerente prescindiu da audição da testemunha, Dra. D, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo só proferiu a decisão de deferimento, e naquela altura, não decidiu ouvir oficiosamente a testemunha, Dra. D.
21. De facto, uma vez que a lei processual dispõe que as testemunhas que ainda não depuseram devem ser colocadas numa mesma sala para aguardar o depoimento, o pensamento legislativo visa evitar que uma testemunha, após ter ouvido os depoimentos de outras testemunhas, deponha sobre os factos da mesma causa.
22. Mais, as perguntas a serem levantadas às testemunhas e as alegações das testemunhas giram à volta dos quesitos da Base Instrutória, mas, relativamente a tais quesitos, já foi ouvido o depoimento de C na última audiência de julgamento (ou seja, a audiência de julgamento de 8 de Abril de 2022), e naquele momento, a Dra. D esteve presente na galeria pública da sala de audiência para assistir a toda a sessão da audiência, pelo que teve conhecimento das alegações de C e das alegações finais prestadas pelos mandatários judiciais das duas partes sobre a matéria de facto. Por isso, a Dra. D não pode depor como testemunha sobre os quesitos da Base Instrutória da presente causa.
23. Além disso, o que também envolve o dever de segredo profissional da advogada, Dra. D.
24. Importa salientar que, o acórdão n.º 58/2017 proferido pelo TUI já transitou em julgado em 11 de Fevereiro de 2020. (vide fls. 1160 dos autos principais)
25. A testemunha, Dra. D, disse que tinha telefonado para o Escritório do Dr. E, respectivamente, em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020.3
26. As datas acima referidas são obviamente anteriores do que a data em que o Acórdão do TUI n.º 58/2017 transitou em julgado. Nos termos do disposto nos art.º 5.º, n.º 4, alíneas a) e d) e art.º 26.º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados aprovado pelo Despacho n.º 121/GM/92 de 31 de Dezembro, constitui-se o âmbito do segredo profissional dos advogados.
27. No art.º 5.º, n.º 2 e, n.º 4, alíneas a) e d) do Código Deontológico dos Advogados dispõe-se que: 2. A obrigação de segredo profissional não está limitada no tempo…4. Nomeadamente o advogado é obrigado a segredo profissional no que respeita: a)…ou conhecidos no exercício da profissão;…d) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lho tenham dado conhecimento durante negociações para acordo amigável e que sejam relativos à pendência.
28. No art.º 26º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados dispõe-se que: o advogado não deve invocar publicamente, em especial perante tribunais, quaisquer negociações transaccionais malogradas, quer verbais, quer escritas, em que tenha intervindo como advogado.
29. No art.º 7º, n.º 1 do Código Deontológico dos Advogados dispõe-se que: Cessa a obrigação de segredo profissional em tudo quanto seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização da Associação dos Advogados.
30. Em primeiro lugar, as situações da presente causa não se enquadram nas situações quanto seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes. Além disso, quer a parte da causa, quer o advogado próprio, também não têm competência para decidir se a resposta às perguntas concretas viola o dever de segredo do advogado no exercício da profissão.
31. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, quanto às perguntas do Tribunal a quo, a testemunha, Dr. E, disse que, devido ao dever de sigilo profissional do advogado, precisava de obter previamente uma instrução da Associação dos Advogados.4
32. Uma vez que a Dra. D afirmou que tinha primeiramente obtido o consentimento das partes, B e C, informou ao tribunal que ela tinha contactado o mandatário judicial da parte contrária. Salvo o devido respeito, apenas a Dra. D alegou ter obtido o consentimento das partes B e C, mas, de facto, não há qualquer prova constante dos autos principais e dos autos do presente incidente para comprová-lo.
33. Além disso, a autora/ requerida, como parte contrária, e o seu advogado (ou seja, o mandatário judicial) não deram consentimento para a Dra. D informar o tribunal que os advogados das duas partes tinham contactado ou não.
34. Não se deve esquecer que, na prestação do depoimento, a Dra. D disse que tinha ligado e conversado com sucesso com o Dr. E em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020, respectivamente. Obviamente, isto não pertence a que a Dra. D informou ao tribunal o que aconteceu entre ela, B e C, mas sim revelou ao tribunal que ela tinha contactado com o mandatário judicial da parte contrária (ou seja, Dr. E).
35. Face a tal, a parte contrária, A, e o seu mandatário judicial (ou seja, Dr. E) nunca deram consentimento para a Dra. D divulgar ao tribunal se os advogados das duas partes tinham contactado.
36. Nos dois acórdãos do TSI de Macau (ou seja, o acórdão n.º 156/20165 e o acórdão n.º 616/20076), invocados pelo despacho da matéria de facto proferido em 27 de Maio de 2022 pelo Tribunal a quo no presente incidente, referiu-se que “o advogado só pode divulgar quando for necessário o consentimento de ambas as partes (ao invés de apenas o consentimento de uma das partes).”
37. Mais, nos termos do disposto no art.º 7.º, n.º 1 do Código Deontológico dos Advogados, a parte representada pelo advogado não tem competência para dispensar o dever de segredo profissional do advogado. Esta competência cabe à Associação dos Advogados de Macau ou ao tribunal superior competente.
38. Em 4 de Maio de 2022, a parte da requerente, por via escrita, disse ao Tribunal a quo:…face a informação já existente nos autos que à Dra. D (ou seja, D律師) foi indeferido o pedido desta de levantamento do sigilo profissional afim de ser testemunha nos autos, aos quesitos 1º e 2º, entende ser importante juntar como documento 1 cópia da decisão da Associação de Advogados de Macau. (vide fls. 173)
39. Na 1.ª página da carta de resposta dada pela Associação dos Advogados de Macau à Dra. D que foi apresentada no mesmo dia (ou seja, 4 de Maio de 2022) pela parte da requerente ao Tribunal a quo, referiu-se: “Após análise e discussão do parecer elaborado pelo Dr. Paulo Magalhães Carochas relativamente ao pedido de dispensa do dever de segredo profissional da Dra. D ( ou seja, D律師) foi deliberado concordar com as conclusões do aludido parecer e indeferir a dispensa requerida...” (vide fls. 174)
40. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, o Mm.º Juiz perguntou à Dra. D se tinha contactado com a parte contrária? Quando e com quem contactou? O Mm.º Juiz deu a palavra aos mandatários judiciais das partes para se pronunciar.
41. Face a tal, a requerida já indicou expressamente que, ela entendeu a questão acima referida envolver o quesito 2.º da Base Instrutória. Mais, Associação dos Advogados de Macau já decidiu indeferir a dispensa do dever de sigilo profissional da Dra. D e não deferir a Dra. D a responder os quesitos 1º e 2.º da Base Instrutória. Assim sendo, naquela altura, a requerida já apontou que, se a Dra. D respondesse à pergunta acima referida, violaria o dever do sigilo profissional e levaria à nulidade.
42. Quanto a tal, a requerida já deduziu de imediato uma arguição quanto a esta irregularidade nos termos do disposto no art.º 147.º do Código de Processo Civil, com fundamento em que tinha praticado um acto que a lei não admita e possa influir na investigação e exame da causa, alegando a nulidade do acto.
43. Por outro lado, na audiência de julgamento, a requerida pediu ao Tribunal a ordenar à parte da requerente a apresentação do registo do pedido de emissão de livrança, e o mandatário judicial da requerida referiu que “relativamente às provas, quanto ao saber se a requerente tinha vontade de pagar à requerida, mantemos a posição de que é solicitada a apresentação do registo do pedido de emissão de alguma senha ou livrança, a fim de comprovar se a requerente tinha vontade de pagar, ao invés de relatar esta questão através do depoimento da parte (ou testemunha). Quando a parte tem vontade real de pagar, a medida mais fácil e directa é a preparação de senha.” (vide Translator 2 >Recorded on 20-May-2022 at 14:56:49 de cerca de 47:10 a 48:00)
44. Salvo o devido respeito, face a este pedido da produção da prova requerida pela requerida, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo não tomou uma decisão, nem ordenou tomar as diligencias relevantes, mas, designou o dia 27 de Maio de 2022 para a leitura da matéria de facto.
45. Pelo exposto, finda a audiência de discussão e julgamento do presente incidente em 8 de Abril de 2022 (os mandatários judiciais das duas partes já prestaram as alegações finais da matéria de facto da presente causa), numa situação de que só não se julgou suficientemente esclarecido, mas, não apontou que este não esclarecido estava respeitante ao qual quesito ou aos quais quesitos da Base Instrutória, o Tribunal a quo requereu, por sua iniciativa, ouvir a testemunha, Dra. D, de quem a parte da requerente tinha expressamente dito prescindir e o que foi admitido pelo Tribunal a quo. Além disso, através da diligência de instrução à Dra. D, o Tribunal a quo não indicou como poderia julgar suficientemente esclarecido e, nem apontou qual quesito ou quais quesitos da Base Instrutória queria(m) ser averiguado(s) pelo Tribunal a quo.
46. Mais, a Associação dos Advogados já decidiu indeferir a dispensa do dever do segredo profissional da Dra. D, nomeadamente não deferiu a prestação do depoimento sobre os quesitos 1.º e 2.º da Base Instrutória da presente causa.
47. O Tribunal a quo ainda decidiu ouvir o depoimento da Dra. D. Salvo o devido respeito, o despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente o art.º 7.º, n.º 1 do Código Deontológico dos Advogados aprovado pelo Despacho n.º 121/GM/92 de 31 de Dezembro, bem como violou o art.º 6.º, n.º 2 do mesmo Código.
48. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo deveria trata-lo em conformidade com o art.º 437.º do Código de Processo Civil, ou seja, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. No presente incidente, cabe à parte da requerente o ónus da prova nos termos da lei, devendo a mesma provar que se encontram preenchidos os pressupostos da consignação em depósito e o valor depositado é suficiente.
49. Mais, quanto a saber se a parte da requerente tinha vontade de pagar à requerida e o montante é suficiente, o meio da prova que é suficiente para provar esta matéria deve ser que: a 1.ª requerente apresentará ao tribunal uma cópia do registo da emissão que solicitou a qualquer um banco a emissão (ou seja, “compra”) de uma livrança (da qual deve constar a data e o valor da “emissão de livrança”), cujo tomador do título é a requerida. Objectivamente, trata-se de uma diligência probatória mais objectiva, directa e eficaz.
50. No entanto, o Tribunal a quo não admitiu esta diligencia probatória, mas, decidiu ouvir a testemunha (Dra. D), de quem a parte da requerente tinha expressamente dito prescindir. Mais, a parte da requerente nunca apresentou qualquer cópia do registo do “pedido de emissão” da livrança. Então, devia ser tratado conforme a disposição legal de “dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”, mas, de facto, não o fez, pelo que deveriam ser considerados os quesitos 1.º, 2.º, 3.º da Base Instrutória como não provados, ao invés de ouvir o depoimento da Dra. D. Salvo o devido respeito, o despacho recorrido viola o art.º 437.º do Código de Processo Civil.
51. Por outro lado, de acordo com o sistema inquisitorial (inquisitorial system), o tribunal tem direito à produção de prova e pode ordenar oficiosamente a realização de diligência probatória. Mas, o litígio entre as duas partes na presente causa não envolve qualquer interesse público. Por isso, in casu, o princípio do sistema adversarial (adversary system) prevalece e deve ser plenamente experimentado.
52. Mais, como acima referiu, quanto a saber se a parte da requerente tinha vontade de pagar à requerida e o montante é suficiente, o meio da prova que é suficiente para provar esta matéria deve ser que: a 1.ª requerente apresentará ao tribunal uma cópia do registo da emissão que solicitou a qualquer um banco a emissão (ou seja, “compra”) de uma livrança (da qual deve constar a data e o valor da “emissão de livrança”), cujo tomador do título é a requerida.
53. Por isso, quanto à produção da prova, deveria ser tomada a diligência probatória relativamente à prova documental acima referida, tratando-se de diligência probatória mais eficaz e objectiva.
54. Salvo o devido respeito, o despacho recorrido decidiu ouvir a testemunha (ou seja, a Dra. D) de quem a parte da requerente já disse expressamente e definitivamente a prescindir, o que violou o princípio do sistema adversarial (adversary system) e constituiu um vício de violação da lei.
55. No presente incidente, salvo o devido respeito, uma vez que foi praticado um acto que a lei não admita e possa influir na investigação e exame da causa, nos termos do disposto no art.º 147.º do Código de Processo Civil, tal acto é nulo.
56. Pelo exposto, salvo o devido respeito, o despacho recorrido julgou improcedente a arguição da nulidade deduzida pela requerida, o que não só interpretou e aplicou erradamente os art.º 5.º, n.º 2 e n.º 4, alíneas a) e d), art.º 7.º, n.º 1 e art.º 26.º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados aprovado pelo Despacho n.º 121/GM/92 de 31 de Dezembro, mas também violou o art.º 6.º, n.º 2 do mesmo Código, o art.º 437.º do Código de Processo Civil e o princípio do sistema adversarial (adversary system).
RECURSO DA DECISÃO FINAL:
Não se conformando com a decisão final proferida neste apenso de Consignação em Depósito veio a Autora nos autos principais e aqui Requerida apresentar as seguintes conclusões e pedidos:
(…)
B. Impugnação da matéria de facto fixada em 27 de Maio de 2022 pelo Tribunal a quo:
bI. Face aos dois recursos interlocutórios que não permitem a ponderação dos depoimentos de C e da advogada D
1. No presente incidente, antes da prolação da decisão recorrida do TJB, a Requerida recorreu (interlocutoriamente) de dois despachos proferidos pelo TJB em 8 de Abril e 20 de Maio de 2022, respectivamente.
2. Em caso de provimento dos dois recursos (interlocutórios) em apreço, por serem desatendíveis os depoimentos de C e da advogada D, no caso apenas se podia ponderar o depoimento da testemunha que restava, F7, e os elementos constantes dos autos, devendo ser convolada a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
3. Nos termos do disposto no art.º 335º do Código Civil, aos Requerentes cabe o ónus da alegação e da prova, cabendo-lhes alegar e demonstrar a procedência dos pressupostos exigidos pela consignação em depósito e a suficiência do montante depositado. O preceito legal supracitado prevê que cabe aos Requerentes o ónus da prova, a par disso, não há prova objectiva que demonstre a existência da prestação para cumprimento de obrigação feita pela 1ª Requerente à Requerida e a recusa, por parte da Requerida, da recepção da prestação em causa, pelo que, nos termos do disposto no art.º 437º do Código de Processo Civil, resolve-se contra a parte (ora 1ª Requerente) a quem os factos aproveitam, ou seja, os factos devem ser considerados como “não provados”, sendo considerados como “não provados” os quesitos 1º e 2º da base instrutória.
*
4. Mesmo que os dois recursos interlocutórios (recursos interlocutórios relativos à impossibilidade de atendimento aos depoimentos de C e da advogada D) fossem julgados procedentes pelo TSI, impedindo o atendimento aos depoimentos de C e da advogada D, não se saberia se haveria ou não recurso interposto pelos Requerentes para o TUI.
5. Nos termos do Código de Processo Civil, a matéria de facto não é não conhecida pelo TUI e é fixada na segunda instância, pelo que vem a Requerida solicitar aos Venerandos Juízes do TSI que, no presente recurso, conheçam também do recurso relativo à matéria de facto.
*
b.II. Violação do princípio dispositivo das partes e do princípio da autonomia privada, previstos nos artigos 549º, n.º 4, e 5º do Código de Processo Civil
6. Independentemente do provimento ou não dos dois recursos (interlocutórios) do caso, de antemão, os quesitos 1º (não aceita receber a quantia…?) e 2º (se recusava a receber…?) da base instrutória são matérias concludentes e de direito, expressões essas não podem ser empregadas nos termos da lei. A existência dessas conclusões – “não aceita receber a quantia” e “se recusava a receber” – só pode ser apurada através da alegação (e demonstração) de factos concretos, ou seja, devem os Requerentes alegar os factos concretos: referir a data da prática do acto e o acto concreto praticado pela 1ª Requerente que mostra que ela pretendia quitar integralmente a dívida; e referir o acto concreto praticado pela Requerida que mostra que ela se recusava a receber a eventual quantia paga, voluntária e integralmente, pela devedora.
7. Nos termos do art.º 549º, n.º 4 do Código de Processo Civil, têm-se por não escrito os quesitos 1º e 2º da base instrutória, devido à natureza conclusiva destes, sendo, portanto, desatendíveis na decisão.
8. Todavia, a decisão recorrida fundamenta-se factualmente nos quesitos 1º e 2º da base instrutória, salvo o devido respeito, verifica-se a violação do art.º 549º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
9. Além do mais, a 1ª Ré do processo principal, B, nunca “intentou” no Tribunal o incidente relativo à consignação em depósito e apenas requereu ao TUI que lhe emitisse a guia de depósito e notificasse a Autora do depósito efectuado. Aliás, nos termos da lei processual, o TUI só intervém, como Tribunal ad quem, na resolução do pleito processual de natureza civil, pelo que todos os litígios de natureza civil devem ser colocados no TJB para a sua resolução.
10. Deste modo, o TUI nunca deferiu o pedido de notificação da Autora do depósito feito pela 1ª Ré, B, sendo esta uma decisão legal e razoável. Considera-se legal o deferimento do pedido de emissão da guia de depósito, uma vez que o depósito feito pela parte assegura, afinal, o futuro pagamento das custas nos Tribunais8.
11. A 1ª Ré do processo principal, B, nunca “intentou” no TJB o incidente relativo à consignação em depósito. Pelo contrário, em 20 de Março de 2020, o 2º Réu do processo principal, C, pediu o levantamento das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis9.
12. Depois do 2º Réu, C, ter apresentado o pedido de levantamento das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis, o Mm.º Juiz do TJB proferiu, oportunamente, o despacho10 que ordenou a notificação da parte contrária (ora Autora/Requerida) do aludido pedido, cujo conteúdo se segue: “Fls. 1164: Notifique a parte contrária.”.
13. Como defendem os Venerandos Juízes do TSI no acórdão proferido, em 22 de Abril de 2021, no presente processo incidental n.º 1171/2020, que transitou em julgado em 10 de Maio de 2021: “Tendo sido notificada do pedido de levantamento das hipotecas judiciais, a Autora formulou a resposta, alegando que ela não se recusou a receber o montante que devia ser pago pelos Réus, e que o montante depositado não era suficiente para pagar integralmente a dívida determinada pelo acórdão proferido pelo TUI, bem como se opondo à validade da consignação em depósito em questão e ao levantamento das hipotecas judiciais constituídas sobre os bens imóveis dos Réus.”11
14. Na verdade, a 1ª Ré, B, nunca intentou o incidente relativo à consignação em depósito. A par disso, a 1ª Ré/1ª Requerente, B, nunca alegou os factos concretos, ou seja, não referiu a data concreta da prática do acto e o acto concreto praticado por B que mostrou que ela pretendia quitar integralmente a dívida, nem referiu o acto concreto praticado pela Autora que mostrou que ela se recusava a receber a eventual quantia paga, voluntária e integralmente, pela 1ª Requerente (devedora).
15. Ademais, em 8 de Abril e 20 de Maio de 2022, foram realizadas duas audiências de discussão e julgamento; nos depoimentos prestados pelas alegadas testemunhas, C e advogada D, nunca se mencionaram os factos concretos, ou seja, não se referiram a data concreta da prática do acto e o acto concreto praticado pela 1ª Ré, B, que mostrou que ela pretendia quitar integralmente a dívida, nem se referiu o acto concreto praticado pela Autora que mostrou que ela se recusava a receber a eventual quantia paga, voluntária e integralmente, pela devedora.
16. Nas duas audiências de discussão e julgamento, o Tribunal a quo nunca ordenou a ampliação da base instrutória da causa, nem obedeceu ao princípio dispositivo consagrado no art.º 5º do Código de Processo Civil, não tendo dado à Requerida a possibilidade de sobre os factos se pronunciar ou lhe tendo sido facultado o exercício do contraditório.
17. Pelo exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incluiu, por iniciativa própria, na base instrutória deste incidente a matéria de facto referida nos quesitos 1º e 2º, bem como, após a audiência de discussão e julgamento, no despacho de fixação da matéria de facto proferido em 27 de Maio de 2022, o Tribunal a quo procedeu, por iniciativa própria/oficiosamente, à ampliação do conteúdo do quesito 1º, mas não deu à Requerida a possibilidade de sobre a situação se pronunciar ou lhe facultou o exercício do contraditório, pelo que a decisão recorrida violou os artigos 5º12 e 553º, n.º 2, al. f)13 do Código de Processo Civil, bem como desrespeitou o princípio dispositivo e o princípio da autonomia privada, previstos nos artigos 549º, n.º 4, e 5º do supracitado Código.
18. Nos termos do disposto no art.º 335º do Código Civil, aos Requerentes cabe o ónus da alegação e da prova, cabendo-lhes alegar e demonstrar a procedência dos pressupostos exigidos pela consignação em depósito e a suficiência do montante depositado. Assim sendo, nos termos do disposto no art.º 437º do Código de Processo Civil, devem os Requerentes assumir o correspondente efeito cominatório processual, por não terem alegado a data concreta da prática do acto e o acto concreto praticado pelos mesmos que mostrou que eles pretendiam quitar integralmente a dívida, nem o acto concreto praticado pela Requerida que mostrou que ela se recusava a receber a eventual quantia paga, voluntária e integralmente, pela devedora.
19. Deste modo, têm-se por não escrito e não provado os quesitos 1º e 2º da base instrutória, sendo desatendíveis na decisão.
*
b.III. O depoimento de C não pode servir de fundamento da convicção, por ser “depoimento indirecto”
20. Com efeito, presume-se que embora, findo o julgamento, o TSI negue provimento ao recurso (interlocutório) interposto pela Requerida contra o despacho, de 8 de Abril de 2022, do TJB, ainda não se pode atender ao “depoimento indirecto” de C.
21. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, C depôs que ele nunca tinha contactado a Requerida e o mandatário judicial desta, bem como ele e sua esposa, B, não tinham contacto com a Requerida, mas sim, ele tinha solicitado a sua mandatária judicial que contactasse com o mandatário judicial da Requerida; e, acrescentou ainda C que as coisas que ele sabia tinham sido ouvidas da sua mandatária judicial. C, ao responder às questões colocadas pelo seu mandatário judicial, Dr. G, disse:
O Dr. G perguntou: Vocês pediram à advogada que contactasse a parte contrária. Quem foi a parte contrária? Foi o advogado da parte contrária?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Devia ser o advogado da parte contrária, porque o assunto foi tratado pela nossa advogada, não conhecemos o advogado da parte contrária e só pudemos falar com a nossa advogada, pedindo-lhe que contactasse com o advogado da parte contrária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 11:35 a 12:30)
O Dr. G perguntou: As coisas que você sabia tinham sido ouvidas da sua advogada? Só houve contactos entre os advogados?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Sim, certamente, a nossa advogada entrou em contacto com o advogado da parte contrária e não através do tribunal.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 13:45 a 14:05)
22. C disse claramente que nunca tinha contactado a Requerida e o mandatário judicial desta, e que todas as coisas que ele sabia tinham sido ouvidas da sua mandatária judicial. Daí se vislumbra que o depoimento de C é, evidentemente, “depoimento indirecto”.
23. Por conseguinte, mesmo que o conteúdo do depoimento de C não seja falso, e apenas se demonstre a parte do “conteúdo dito a C pelo seu mandatário judicial”, não se apura a ocorrência dos factos ditos a C pelo seu mandatário judicial.
24. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou o princípio da imediação da prova legalmente exigido, bem como infringiu, evidentemente, as regras da experiência, por ter admitido e ponderado o “depoimento indirecto” de C, para dar como “provados” os quesitos 1º e 2º da base instrutória.
25. Assim, por não haver qualquer testemunha que demonstre a ocorrência dos factos transmitidos a C pelo seu advogado, devem os quesitos 1º e 2º da base instrutória ser dados como “não provados”.
*
b.IV. A admissão do depoimento de D implica a violação do art.º 6º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados
26. Ademais, presume-se que embora, findo o julgamento, o TSI negue provimento ao recurso (interlocutório) interposto pela Requerida contra o despacho, de 20 de Maio de 2022, do TJB, isto não afecta a nulidade substantiva da prova (depoimento da advogada D).
27. De acordo com a advogada D, ela, com o consentimento das partes, B e C, comunicou ao Tribunal que tinha contactado o mandatário judicial da parte contrária, salvo o devido respeito, de facto, não existe nenhuma prova nos autos do caso e nos autos do incidente que demonstre que a advogada D obteve o consentimento das partes, B e C sendo este um acontecimento invocado propriamente pela mesma advogada.
28. Além do mais, não se deve olvidar que a advogada D depôs que, em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020, conseguiu contactar telefonicamente com o advogado E, evidentemente, não se trata aqui da comunicação ao Tribunal do acontecimento ocorrido entre a própria advogada D e as partes, B e C, mas sim, da revelação ao Tribunal da existência de contacto entre a aludida advogada e o mandatário judicial da parte contrária (advogado E). Face a isto, a parte contrária, A, e o mandatário judicial desta (advogado E) nunca manifestaram o seu consentimento com a revelação, pela advogada D ao Tribunal, da existência de contacto entre os advogados de ambas as partes.
29. No despacho proferido, em 27 de Maio de 2022, pelo Tribunal a quo no presente processo incidental, relativo à matéria de facto, estão mencionados dois acórdãos do TSI (acórdão proferido no processo n.º 156/201614 e acórdão proferido no processo n.º 616/200715) que defendem que só há lugar à revelação de informação por advogado quando se verifique o consentimento de ambas as partes (e não de uma das partes).
30. Nos termos do art.º 7º, n.º 1 do Código Deontológico dos Advogados, a dispensa do dever de segredo profissional de advogado compete exclusivamente à Associação dos Advogados de Macau e ao tribunal superior competente, e não à parte patrocinada por advogado e ao TJB.
31. Em 4 de Maio de 2022, os Requerentes comunicaram, por escrito, ao Tribunal a quo: …face a informação já existente nos autos que à Dra. D (advogada D) foi indeferido o pedido desta de levantamento do sigilo profissional afim de ser testemunha nos autos, aos quesitos 1º e 2º, entende ser importante juntar como documento 1 cópia da decisão da Associação de Advogados de Macau. (vide fls. 173)
32. Segundo a página 1 da carta de resposta da Associação de Advogados de Macau dirigida à advogada D, que foi apresentada pelos Requerentes ao Tribunal a quo na data supracitada (4 de Maio de 2022): …Após análise e discussão do parecer elaborado pelo Dr. Paulo Magalhães Carochas relativamente ao pedido de dispensa do dever de segredo profissional da Dra. D (advogada D) foi deliberado concordar com as conclusões do aludido parecer e indeferir a dispensa requerida…(vide fls. 174)
33. A testemunha, advogada D, depôs no Tribunal a quo que, em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020, telefonou para o escritório do advogado E.16 Como é evidente, a data supracitada é anterior à de trânsito em julgado do acórdão proferido pelo TUI no processo principal n.º 58/2017.
34. Nos termos das alíneas a) e d) do n.º 4 do art.º 5º17 do Código Deontológico dos Advogados, aprovado pelo Despacho n.º 121/GM/92, de 31 de Dezembro, e do n.º 2 do art.º 26º18 do mesmo diploma, constitui-se o âmbito do segredo profissional de advogado (sic).
35. O art.º 7º, n.º 1 do Código Deontológico dos Advogados preceitua: Cessa a obrigação de segredo profissional em tudo quanto seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização da Associação dos Advogados.
36. Antes de tudo, neste caso não se trata da situação em que seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes. Além disso, tanto às partes como aos próprios advogados do caso não compete decidir sobre se existe ou não a violação do dever de segredo de advogado no exercício da profissão, aquando da resposta às questões concretas.
37. Se se entender que o conteúdo das alegações (i.e., em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020, ela telefonou para o escritório do advogado E) feitas pela testemunha, advogada D, não está envolvido nos quesitos 1º e 2º da base instrutória, então, em que quesito da base instrutória está envolvido o conteúdo das alegações feitas pela testemunha, advogada D?! Com efeito, na base instrutória só existem seis quesitos; no entendimento do Tribunal a quo, o quesito 3º envolve-se em matérias concludentes e de direito, o quesito 4º envolve-se essencialmente em factos que podem ser provados pelas provas documentais constantes dos autos, e os quesitos 5º e 6º são factos invocados pela Requerida, que, enfim, foram dados como “não provados” pelo Tribunal a quo.
38. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, o mandatário judicial da Requerida apontou claramente e entendeu que as questões acima expostas estavam envolvidas nos quesitos 1º e 2º da base instrutória. A par disso, a Associação dos Advogados de Macau decidiu indeferir o pedido de dispensa do dever de segredo profissional da advogada D e não autorizou que a sobredita advogada respondesse aos quesitos 1º e 2º da base instrutória.
39. O art.º 6º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados institui: São nulas todas as provas obtidas através de declarações feitas pelo advogado com violação do segredo profissional.
40. Isto é uma nulidade da prova, sendo nulidade substantiva. Deste modo, nos termos da lei, é desatendível o depoimento da advogada D.
41. Da fundamentação do despacho proferido, em 27 de Maio de 2022, pelo Tribunal a quo, relativo à matéria de facto, se vislumbra que o Tribunal a quo atendeu ao depoimento da testemunha, advogada D, na fixação da matéria de facto dos quesitos 1º e 2º19, salvo o devido respeito, verifica-se a violação manifesta do art.º 6º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados.
42. Assim sendo, os quesitos 1º e 2º da base instrutória devem ser dados como “não provados”, sendo desatendíveis na decisão.
*
b.V. Violação manifesta das regras da experiência na fixação da matéria de facto:
43. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, o advogado dos Requerentes, Dr. G, inquiriu a testemunha C e, por seu turno, esta respondeu o seguinte:
A) O Dr. G perguntou: O que é que a sua esposa decidiu fazer?
➢ A testemunha C respondeu:
Por ser alta a quantia determinada judicialmente, decidimos conversar com a advogada para saber se poderíamos pedir à parte contrária que aceitasse o pagamento em prestações, e, por seu turno, a advogada disse-nos que iria transmitir o nosso pedido à parte contrária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 10:00 a 10:35)
B) O Dr. G perguntou: Qual era a ideia da sua esposa? Ela pretendia pagar os juros ou tinha outra ideia?
➢ A testemunha C respondeu:
Obviamente, não pretendíamos pagar os juros, porque os juros legais eram altos e não tínhamos capacidade de sustentar esses juros. Pois, se fosse possível o pagamento em prestações, não precisaríamos pedir empréstimo a outras pessoas, caso contrário, precisaríamos pedir empréstimo a outras pessoas, porque a advogada nos respondeu que o prazo de pagamento da dívida era curto e teríamos de pagar os juros se o prazo fosse expirado. Não pretendíamos pagar os juros, por isso, pedimos à advogada que negociasse com a parte contrária20.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 10:35 a 11:35)
C) O Dr. G perguntou: Vocês pediram à advogada que contactasse a parte contrária. Quem foi a parte contrária? Foi o advogado da parte contrária?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Devia ser o advogado da parte contrária, porque o assunto foi tratado pela nossa advogada, não conhecemos o advogado da parte contrária e só pudemos falar com a nossa advogada, pedindo-lhe que contactasse com o advogado da parte contrária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 11:35 a 12:00)
D) O Dr. G perguntou: E depois? Qual era a resposta dada pela parte contrária à sua esposa?
➢ A testemunha, C, respondeu:
O escritório da advogada respondeu-nos, dizendo que a parte contrária não concordava com o pedido.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 12:30 a 12:40)
E) O Dr. G perguntou: O dinheiro foi depositado no Tribunal? Quando foi feito o depósito? Foi antes da contagem de juros?
➢ A testemunha, C, respondeu:
A advogada disse-nos que havia um prazo que devíamos cumprir. Pois, a advogada ajudou-nos observar o prazo, bem como nos comunicou que o Tribunal tinha emitido uma guia para nós e poderíamos depositar o dinheiro no Tribunal caso tivéssemos dinheiro suficiente. Depois de termos efectuado o depósito, entregámos o respectivo recibo à advogada para ser apresentado ao Tribunal, pedindo ao Tribunal que notificasse a parte contrária do assunto.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 15:45 a 16:35)
F) O Dr. G perguntou: E depois (depois do depósito do dinheiro)? Alguém duvidou do montante? Sabia o que tinha feito a parte contrária?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Pouco depois, a advogada comunicou-nos que havia novamente carta para nós, dizendo que a parte contrária recorreu da decisão por não se conformar com ela e com a quantia determinada.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 16:35 a 17:30)
44. Ademais, conforme o conteúdo das seguintes respostas dadas por C às questões colocadas pelo advogado Chang e pelo Mm.º Juiz do TJB, averigua-se que B não preparou a ordem de caixa ou qualquer outra ordem de pagamento, como forma de pagamento, para pagar a quantia à Requerida:
A) O Dr. Chang perguntou: Você disse que vocês pretendiam negociar com a parte contrária através da vossa advogada? Quanto é que vocês pretendiam pagar?
➢ A testemunha, C, respondeu:
De acordo com a quantia determinada pelo TUI.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 17:30 a 17:55)
B) O Dr. Chang perguntou: Quanto pretendiam pagar em concreto?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Pouco mais de HKD300.000,00 + pouco mais de HKD2.000.000,00. Não sei se já contaram ou não com os juros. Pronto, a quantia escrita na decisão foi bastante alta, por isso, pedimos à advogada que solicitasse à parte contrária para aceitar o pagamento em prestações.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 17:55 a 18:10)
C) O Dr. Chang perguntou: Você disse que a sua advogada lhe dizia que a quantia devia ser paga num determinado prazo, sob pena de contagem de juros? Qual foi o prazo? (…) Qual foi o prazo dito pela sua advogada para o pagamento da quantia? Caso não fosse paga a quantia, seria iniciada a contagem de juros?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Não me lembro se o prazo foi de 10 ou 14 dias, ou cerca de 15 dias.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 19:35 a 19:45)
D) O Dr. Chang perguntou: Você não sabia que, segundo a decisão do Tribunal, a contagem de juros foi iniciada imediatamente, não havendo espaço de tempo para aguardar?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Não sabia, nunca frequentei o curso de direito.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 19:45 a 20:00)
E) O Dr. Chang perguntou: Você disse que vocês pretendiam pagar a quantia. Qual foi a forma de pagamento que pretendiam usar?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Julgo que, em Macau, as pessoas não costumam levar consigo alguns milhões de patacas em dinheiro para fazerem pagamento?
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:00 a 20:30)
F) O Dr. Chang perguntou: Sim senhor, então, vocês prepararam a ordem de caixa?
➢ A testemunha, C, respondeu:
A ordem de caixa não pode ser adquirida imediatamente. Há pouco, eu disse que tínhamos de arranjar dinheiro em primeiro lugar e, depois, só podíamos adquirir uma ordem de caixa quando houvesse dinheiro na nossa conta bancária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:30 a 20:45)
G) O Dr. Chang perguntou: Quer dizer que vocês não tiveram dinheiro preparado no momento em que a vossa advogada se encontrava a negociar com a parte contrária?
➢ A testemunha, C, respondeu:
…Senhor Juiz, é preciso responder aqui essa pergunta… isto é a minha privacidade...
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:45 a 21:30)
H) O Mm.º Juiz perguntou: O advogado queria saber se, na altura, você já tinha a quantia preparada ou não?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Mm.º Juiz, se eu tivesse essa quantia preparada, não precisava pedir a aceitação do pagamento em prestações?
Já disse que não pretendíamos criar mais encargos, ou seja, iria pagar integralmente a dívida se tivesse capacidade ou dinheiro!
Mas, caso fosse possível, poderia pagar a dívida em prestações se não tivesse dinheiro suficiente?
Se não fosse possível o pagamento em prestações, iriamos arranjar dinheiro.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 21:30 a 22:00)
I) O Mm.º Juiz perguntou: Será que você queria dizer que vocês precisavam tempo para arranjar dinheiro e, na altura, não tinham tanto dinheiro preparado, por isso, pretendiam efectuar o pagamento em prestações?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Certo, isto é muito normal!
Recebi o acórdão em menos de um mês, ou pouco mais de dez dias. Como foi possível arranjar o dinheiro suficiente neste curto período de tempo?
Indispensavelmente, precisava pedir empréstimo a outras pessoas e este processo levava tempo!
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 22:25 a 22:50)
45. Conforme as regras da lógica e da experiência, objectivamente, segundo o depoimento supracitado de C, após a prolação do acórdão pelo TUI, em 29 de Novembro de 2019, no processo n.º 58/2017, C e seu cônjuge, B, entenderam que a taxa legal era demasiado alta, não tinham capacidade de a sustentar e não pretendiam pagar os juros, pelo que pediram à sua mandatária judicial que apresentasse o pedido de pagamento em prestações (sem juros) ao mandatário judicial da Requerida. Depois de terem sido comunicados pela sua advogada a discordância da Requerida com o pedido de pagamento da dívida em prestações sem juros, C e seu cônjuge, B, foram arranjar dinheiro para procederem ao depósito deste no Tribunal e, a seguir, pediram ao Tribunal que notificasse a Autora/Requerida do assunto, em vez de efectuar o pagamento da dívida à Requerida.
46. O depoimento da testemunha, C, é “depoimento indirecto”. Aliás, daí se vislumbra que a Requerida nunca se recusou a receber a quantia da dívida determinada judicialmente, com fundamento na inconformidade com a decisão; que a Requerida nunca manifestou perante os Requerentes a sua discordância com a decisão; e que C e seu cônjuge, B, só foram comunicados pela sua advogada a arguição de nulidade da Requerida, após a efectuação do depósito em causa.
47. Além disso, não existe nenhum facto objectivo (nem prova testemunhal nem prova documental) neste caso que demonstre que a Requerida, por considerar que a decisão do TUI padecia da omissão de pronúncia, deduziu a arguição de nulidade, recusando-se a receber qualquer quantia. Pelo contrário, conforme o depoimento de C (i.e., pontos 43 (nomeadamente alíneas B) e D)) e 44 (nomeadamente F), H) e I)) acima expostos), ele e seu cônjuge, B, através da sua advogada, pediram à Requerida que aceitasse o pagamento da dívida em prestações sem juros, mas a Requerida não concordou com o pedido, pelo que B foi arranjar dinheiro para proceder ao depósito deste no Tribunal em vez de efectuar o pagamento da dívida à Requerida e, a seguir, pediu ao Tribunal que notificasse a Autora/Requerida do assunto.
48. Com base no depoimento de C, apenas se demonstra que C e seu cônjuge, B, pediram à sua mandatária judicial que comunicasse ao mandatário judicial da Requerida o desejo deles, ou seja, o pedido de pagamento da dívida em prestações sem juros, e que todas as coisas que C sabia tinham sido ouvidas da sua mandatária judicial, sendo “depoimento indirecto”, o que não demonstra a existência do contacto feito entre a mandatária judicial dos Requerentes e o mandatário judicial da Requerida face ao assunto em causa, a data da realização do contacto e o conteúdo do contacto, tampouco demonstra a transmissão do pedido dos Requerentes à Requerida através dos mandatários judiciais das partes.
49. Do despacho de fixação da matéria de facto proferido em 27 de Maio de 2022 pelo Tribunal a quo se vislumbra que o Tribunal a quo deu como “provados” os quesitos da base instrutória, mormente os quesitos 1º e 2º, essencialmente com base nos depoimentos das testemunhas, advogada D e C. Todavia, de acordo com o depoimento de C (vide o conteúdo da gravação áudio reproduzido nos pontos 43 (nomeadamente alíneas B), D), E) e F)) e 44 (nomeadamente E), F), H) e I)) da conclusão das presentes alegações do recurso), a 1ª Requerente, B, (sic) tinha pedido à sua advogada que solicitasse à Requerida (através do seu advogado) para aceitar o pagamento da dívida em prestações sem juros, bem como tinha sido comunicada pela sua advogada a discordância da Requerida com o aludido pedido, e que a 1ª Requerente, B, nunca preparou a ordem de caixa, cuja “beneficiária” era Requerida, para pagar a respectiva dívida.
50. Objectivamente, muito provável, devido à insatisfação com a Requerida que não aceitou o pedido de pagamento da dívida em prestações sem juros, a 1ª Requerente, B, alegou fraudulentamente, perante o TUI, que a Requerida não tinha aceitado o pagamento da quantia, pedindo ao Tribunal que lhe emitisse a guia de depósito, bem como nunca combinou, por meio das negociações feitas entre os advogados, com a Requerida sobre o local (em qual dos escritórios dos advogados) para a realização da entrega e recepção da ordem de caixa (de que constava a quantia da dívida a pagar), visto que a 1ª Requerente, B, nunca “emitiu a ordem de caixa”.
51. Como é evidente, das respostas dadas por C, na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, às questões colocadas pelo seu mandatário judicial, Dr. G, pelo advogado Chang e pelo Mm.º Juiz do TJB, se encontram, por regras da lógica e da experiência, os seguintes factos relativamente mais objectivos e razoáveis:
A) Desde a recepção do acórdão proferido, em 29 de Novembro de 2019, pelo TUI, relativo ao processo principal, até à data desconhecida (provavelmente até ao dia 30 de Dezembro de 2019), B e C não tinham dinheiro suficiente para pagarem integralmente a dívida, bem como consideravam que a taxa legal era demasiado alta e não pretendiam pagar os juros, pelo que pediram à Requerida que aceitasse o pagamento da dívida em prestações sem juros;
B) B e C foram comunicados pela sua advogada a recusa, por parte da Requerida, do pedido de pagamento da dívida em prestações sem juros, e, a seguir, B foi arranjar dinheiro;
C) Depois de ter arranjado o dinheiro suficiente, B (em 30 de Dezembro de 2019) procedeu ao depósito do dinheiro, mas não notificou a Requerida do assunto;
D) B nunca preparou a ordem de caixa ou qualquer outra ordem de pagamento, como forma de pagamento, para pagar a quantia à Requerida;
E) Os Requerentes e a sua mandatária judicial nunca, por qualquer forma (nem por meio telefónico), notificaram a Requerida ou o mandatário judicial desta da existência ou não do pagamento voluntário da dívida e da data exacta da efectuação do pagamento;
F) A Requerida nunca manifestou perante os Requerentes a sua discordância com a decisão judicial ou o seu entendimento sobre a incorrecção do montante em causa, e, em consequência, recusou-se a receber a quantia da dívida; e
G) Os Requerentes só foram comunicados pela sua advogada a arguição de nulidade deduzida pela Requerida, após B ter efectuado o depósito da quantia.
52. Evidentemente, C nunca depôs (nem demonstrou) que a Requerida, em momento qualquer (antes e depois do depósito efectuado em 30 de Dezembro de 2019), se tivesse recusado a receber a quantia da dívida determinada pelo TUI no acórdão proferido em 29 de Novembro de 2019, pelo que o quesito 1º da base instrutória deve ser dado como “não provado”. C nunca depôs (nem demonstrou) que a Requerida, através do seu mandatário judicial, tivesse dito que se recusava a receber a quantia da dívida por entender que podia receber mais, pelo que o quesito 2º da base instrutória deve, igualmente, ser dado como “não provado”.
53. A par disso, na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, a testemunha, advogada D, apenas depôs que, em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020, ela tinha telefonado para o escritório do advogado E, mas não revelou o conteúdo da conversa entre ela e o referido advogado, nem disse se tinha comunicado ou não o pedido dos seus clientes, B e C, ao advogado E.
54. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, a testemunha, advogada D, deu as seguintes respostas ao Mm.º Juiz Presidente21:
O Mm.º Juiz perguntou: Depois da recepção do acórdão do TUI, você chegou a contactar alguém da parte contrária?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Cheguei a contactar o advogado E
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 26:15 a 27:30)
O Mm.º Juiz perguntou: Quando?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Em 11 de Dezembro de 2019, ao fim da tarde, no meu escritório, telefonei para o escritório dele.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 27:30 a 27:40)
O Mm.º Juiz perguntou: Só teve um contacto com ele quanto a este assunto? Obviamente, queria dizer quanto a este processo?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Só o contactei uma vez quanto a este assunto.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 27:45 a 28:00)
O Mm.º Juiz perguntou: Não teve mais contacto com ele, após o depósito?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Não o contactei mais. Ele enviou-me uma mensagem através de WhatsApp em 7 de Fevereiro de 2020
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 28:00 a 28:30)
O Mm.º Juiz perguntou: Você respondeu à mensagem dele?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Er… telefonei para ele quando cheguei ao escritório. Só estas duas conversas.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 28:30 a 28:45)
55. Isto é, na audiência, a advogada D não falou sobre o pedido de pagamento da dívida em prestações formulado por C e sua esposa B, alegado por C. Por conseguinte, objectivamente, não se deve ser dado como provado o seguinte “depoimento indirecto” prestado por C na audiência: a mandatária judicial de C comunicou ao mandatário judicial da Requerida o pedido de pagamento da dívida em prestações formulado por C e pela sua esposa.
56. Ademais, se se entender que o conteúdo alegado pela testemunha, advogada D (em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020, ela telefonou para o escritório do advogado E), aborda os quesitos 1º e 2º da base instrutória, como foi mencionado nos pontos 31 e 32 da conclusão das presentes alegações do recurso, segundo a carta de resposta da Associação de Advogados de Macau dirigida à advogada D, que foi apresentada pelos Requerentes ao Tribunal a quo em 4 de Maio de 2022 (constante de fls. 173 e ss. dos autos do incidente), a Associação de Advogados de Macau decidiu indeferir o pedido de dispensa do dever de segredo profissional da advogada D e não autorizou que a sobredita advogada respondesse aos quesitos 1º e 2º da base instrutória.
57. Ora, isto é uma nulidade substantiva da prova, pelo que, na fixação da matéria de facto dos quesitos 1º e 2º, o Tribunal a quo não podia atender ao conteúdo alegado pela advogada D, ou seja, o depoimento da advogada D não produziu nenhum efeito na formação da convicção pelo Tribunal a quo face aos quesitos 1º e 2º.
58. Além disso, como foi referido no ponto 54 da conclusão das presentes alegações do recurso, na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, ao responder às questões colocadas pelo Mm.º Juiz, a testemunha, advogada D, nunca disse (nem demonstrou) que a Requerida se tivesse recusado a receber a quantia da dívida determinada pelo TUI no acórdão de 29 de Novembro de 2019. Igualmente, a advogada D não disse (nem demonstrou) que a Requerida, através do seu mandatário judicial, tivesse dito que se recusava a receber a quantia da dívida por entender que podia receber mais.
59. Pelo exposto, salvo o devido respeito, verifica-se a violação manifesta das regras da experiência no despacho de fixação da matéria de facto proferido pelo Tribunal a quo em 27 de Maio de 2022, mormente na parte em que se entendeu credível e verídico o depoimento de C, mas se deu como provado o facto de que a 1ª Requerente, B, e C possuíam a respectiva capacidade económica, uma vez que, de acordo com o depoimento de C (vide o conteúdo da gravação áudio reproduzido nos pontos 43 (nomeadamente alíneas B), D), E) e F)) e 44 (nomeadamente E), F), H) e I)) da conclusão das presentes alegações do recurso), ele e sua esposa, B, não tinham dinheiro suficiente para adquirirem o instrumento de pagamento junto do banco, tal como a ordem de caixa, a fim de pagar a dívida à Requerida, ao contrário, eles tinham de arranjar dinheiro para o efeito, porém, posteriormente, eles depositaram directamente o dinheiro obtido no Tribunal em vez de pagar a dívida à Requerida, e, a seguir, pediram ao Tribunal que notificasse a Autora/Requerida do assunto.
60. Objectivamente, a 1ª Requerente, B, efectuou o depósito da quantia em 30 de Dezembro de 2019, o que é insuficiente para demonstrar a existência da “forte causa indutora que a levou a efectuar brevemente o pagamento da dívida à Requerida”, tampouco demonstrar que esta “tivesse emitido a ordem de caixa” à credora para efeitos de quitação da dívida, mas fosse recusada a sua recepção. A Requerida não sabia nada sobre quando é que a 1ª Requerente, B, e C conseguiram obter dinheiro suficiente ou passaram a ter capacidade económica. De facto, no caso não há qualquer prova que demonstre que a 1ª Requerente comunicou à Requerida que tinha obtido dinheiro suficiente, nem qualquer prova que demonstre que a 1ª Requerente preparou (exibiu à Requerida) o cheque ou a ordem de caixa, cuja “beneficiária” era Requerida, para pagar a respectiva dívida.
61. Aliás, conforme a palavra da advogada D citada na página 5 da carta de resposta22 da Associação de Advogados de Macau dirigida à advogada D, que foi apresentada pelos Requerentes ao Tribunal a quo em 4 de Maio de 2022, a advogada D só telefonou uma vez para o advogado E no dia 13 de Dezembro de 2019, e não telefonou, sucessivamente, duas vezes para o referido advogado nos dias 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020. À luz do conteúdo da palavra da advogada D citado na página 5 da aludida carta de resposta, a advogada D comunicou ao mandatário judicial da Requerida, advogado E, a “ideia” do pedido de pagamento em prestações dos seus clientes (Requerentes), e perguntou-lhe sobre a possibilidade do pagamento em prestações: Em 13 de Dezembro de 2019: Leiguei para o Dr. E, advogado (escritório), e o diálogo original é: Dr. Óla! Relativamente ao caso (cliente da sua parte é A) que já foi julgado, o Dr. G pediu-me para perguntar: “A nossa cliente quer pagar em prestações, será possível?” O Dr. E, advogado respondeu: “Embora o tribunal tenha decidido o pagamento da totalidade da quantia, não concordamos com as taxas de juros e de registo fixadas pelo tribunal, ainda vou dizer à “U” (ou seja, A) que vocês tinham telefonado.” “Na minha opinião, o teor correspondente significa uma outra forma de expressão de recusa de pagamento em prestações. Isto quer dizer, mesmo que a nossa cliente pague a totalidade da quantia e juros ao abrigo da sentença judicial, a contraparte tem ainda uma taxa de registo que pretende exigir o pagamento da cliente da nossa parte (…)” (constante do ponto 31 da página 5 da carta de resposta em apreço, vide fls. 178 dos autos do incidente).
62. A Associação de Advogados de Macau não concordou com a opinião da advogada D, entendendo (pontos 33 a 34 da carta de resposta): 33. Por outro (um) lado, salvo o devido respeito por opinião contrária, não nos parece resultar claro que, nessa alegada conversa, o Dr. E tenha rejeitado receber quaisquer montantes, não se tendo sequer pronunciado, de forma taxativa ou implícita, acerca da proposta feita pela ora Requerente no sentido de efectuar o pagamento em prestações, parecendo limitar-se a dizer que irá contactar a sua cliente. 34. Por outro lado, é de realçar que não é relatado qualquer outra conversação entre os mandatários entre o dia 13 de Dezembro de 2019 (1ª conversa) e o dia 19 de Dezembro de 2019, altura em que o Dr. G Carvalho requer ao TUI a passagem de guias… (vide fls. 179 dos autos do incidente).
63. Conforme o citado na carta de resposta da Associação de Advogados de Macau, em 9 de Março de 202223, a advogada D pediu à Associação de Advogados de Macau a dispensa do dever de segredo profissional de advogado, bem como revelou unilateralmente à Associação de Advogados de Macau que, em 13 de Dezembro de 2019, tinha telefonado para o advogado E, comunicando-lhe o pedido de pagamento em prestações formulado pela sua cliente (devia referir-se a B), e perguntando-lhe sobre a viabilidade do pedido. Além disso, a advogada D relatou unilateralmente à Associação de Advogados de Macau que o advogado E não concordava com as taxas de juros e de registo fixadas pelo tribunal, e iria o mesmo dizer à sua cliente que a advogada D tinha telefonado.
64. Evidentemente, a taxa de juros em causa é uma taxa legal (9,75%) fixada pelo TUI com a observância da lei, sendo plenamente legal e correcta. Objectivamente, não era possível que a Autora não concordasse com a aludida taxa de juros, aliás, era também impossível que o advogado E tivesse dito à advogada D que a Autora não concordava com a taxa de juros em apreço.
65. No que concerne à “discordância com a taxa de registo fixada pelo TUI”, de antemão, o TUI não fixou a taxa de registo, pelo que era impossível que a Autora discordasse com um conteúdo inexistente no acórdão do TUI; a par disso, na altura em que o 2º Requerente, C, apresentou, em 20 de Março de 2020, o pedido de levantamento das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis dele, a Requerida deduziu, pela primeira vez (em 14 de Abril de 202024), o pedido de recuperação da taxa de registo das hipotecas judiciais em causa e, antes, nunca tinha solicitado aos Requerentes a recuperação da taxa de registo.
66. Além do mais, objectivamente, não era possível que a Requerida se recusasse a receber a quantia da dívida (milhões de patacas) determinada pelo TUI, por não ter recuperado a taxa de registo (milhares de patacas). No articulado apresentado em 14 de Abril de 2020, a Requerida, pela primeira vez, alegou que teria direito à recuperação da taxa de registo (milhares de patacas) que tinha pagado se fossem cancelados os registos das hipotecas judiciais.
67. Vale aqui reafirmar que a supracitada tese da Associação dos Advogados de Macau (salvo o devido respeito por opinião contrária, não nos parece resultar claro que, nessa alegada conversa, o Dr. E tenha rejeitado receber quaisquer montantes, não se tendo sequer pronunciado, de forma taxativa ou implícita, acerca da proposta feita pela ora Requerente no sentido de efectuar o pagamento em prestações, parecendo limitar-se a dizer que irá contactar a sua cliente.) é mais lógica. Isto é, “disse o advogado E que iria comunicar à sua cliente que a advogada D tinha telefonado” não pode ser interpretado como a “recusa da recepção da quantia da dívida”.
68. Dado que a advogada D interpretou erradamente a palavra do advogado E como a “recusa da recepção da quantia da dívida”, não se exclui a possibilidade da comunicação, pela advogada D, dessa interpretação aos seus clientes (dois Requerentes, B e C), além disso, o depoimento prestado por C na audiência de discussão e julgamento é oriundo das coisas ouvidas da advogada D, sendo “depoimento indirecto”.
69. A advogada D relatou à Associação dos Advogados de Macau que apenas tinha contactado o advogado E no dia 13 de Dezembro de 2019, porém, na audiência de discussão e julgamento, esta depôs perante o Tribunal a quo que tinha contactado duas vezes o advogado E, sucessivamente, em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020. Daí se vislumbra a divergência entre as palavras da advogada D, sendo inacreditável o depoimento desta.
70. A par disso, na audiência, a advogada D apenas disse que tinha contactado o advogado E em 11 de Dezembro de 2019 e 7 de Fevereiro de 2020, e não falou sobre o conteúdo das conversas entre eles. Mais, embora, conforme o conteúdo do relato feito pela advogada D à Associação dos Advogados de Macau – isto não significa que a Requerida considere que esse conteúdo é verdadeiro –, a advogada D tenha dito que tinha telefonado ao advogado E em 13 de Dezembro de 2019, na altura, a advogada D não disse ao advogado E que a sua cliente, B, pretendesse efectuar o pagamento da totalidade da quantia, mas sim lhe apresentou o pedido de pagamento em prestações.25
71. Em suma, conforme o depoimento de C, os Requerentes pediram efectuar o pagamento da quantia em prestações, mas nunca disseram à Requerida ou ao mandatário judicial desta se haveria ou não o pagamento voluntário da totalidade da dívida e quando seria efectuado esse pagamento, além disso, B nunca preparou a ordem de caixa ou outra ordem de pagamento, como instrumento de pagamento, para pagar a dívida à Autora/Requerida.
72. A par disso, a advogada D, ao apresentar o pedido de dispensa do dever de segredo profissional de advogado à Associação dos Advogados de Macau, apenas falou sobre o pedido de pagamento em prestações dos Requerentes e nunca comunicou à Requerida ou ao mandatário judicial desta se B iria ou não efectuar o pagamento voluntário da totalidade da dívida e quando seria efectuado esse pagamento.
73. Assim sendo, apesar do Tribunal a quo ter acreditado no depoimento de C (que revela expressamente: ele e seu cônjuge, B, por não terem capacidade económica suficiente e por não pretenderem pagar os juros, através da sua mandatária judicial, pediram à Requerida que aceitasse o pagamento da quantia em prestações sem juros pela 1ª Requerente, B, mas, por seu turno, tal pedido não foi aceite pela Requerida), do depoimento se vislumbra que o que a Requerida não aceitou é o pagamento da quantia em prestações sem juros pela 1ª Requerente, e não o pagamento, por uma única vez, a quantia da dívida pela 1ª Requerente, em conformidade com o acórdão proferido, em 29 de Novembro de 2019, pelo TUI.
74. Pelo exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou manifestamente as regras da experiência, por ter dado como “provados” os quesitos 1º e 2º da base instrutória.
75. À luz do ponto 1 da conclusão do acórdão proferido, 2 de Abril de 2020, pelo TSI no processo n.º 92/2019, nos termos do art.º 39º da Lei de bases da organização judiciária, e do art.º 629º do Código de Processo Civil, o TSI, como Tribunal ad quem, quando julgue em segundo grau de jurisdição os recursos em processo civil, é competente para conhecer da matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal de primeira instância. Se dos autos constarem os elementos de prova em que se fundamenta a fixação da matéria de facto feita pelo tribunal de primeira instância, e forem procedentes sob certas condições, após o conhecimento dos elementos de prova, pode o TSI, baseando-se no erro cometido pelo tribunal de primeira instância na apreciação da matéria de facto, revogar a parte da fixação da matéria de facto feita com erro pelo tribunal de primeira instância e, em consequência, modificar a decisão de facto26.
76. Neste incidente, o Tribunal a quo sempre indeferiu o pedido deduzido pela Requerida e ordenou à 1ª Requerente, B, que apresentasse o registo de emissão da eventual ordem de caixa ou das demais ordens de pagamento (a fim de demonstrar se a 1ª Requerente pretendia ou não pagar a quantia à Requerida), para além disso, dos autos constam todos os elementos de prova em que se fundamenta a fixação da matéria de facto.
77. Pelos elementos de prova existentes e pelos elementos audiovisuais da audiência de discussão e julgamento, mormente pelo conteúdo das respostas dadas pela testemunha, C, na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, que foi redigido nos pontos 43 e 44 da conclusão das presentes alegações do recurso (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, não sendo repetido), podem os Venerandos Juízes do TSI modificar a decisão de facto do incidente. Nesta conformidade, requer-se aos Venerandos Juízes do TSI que procedam à modificação da decisão de facto do incidente, dando como “não provados” os quesitos 1º e 2º da base instrutória.
78. Se o douto TSI entender que é improcedente o fundamento em apreço – o que é indesejável pela Requerida, mas para efeito da cautela do processo –, a Requerida necessita exprimir o seguinte: de acordo com os documentos constantes dos autos (provas documentais) e os depoimentos de C e da advogada D (vide os elementos audiovisuais da audiência de discussão e julgamento reproduzidos nos pontos 43, 44 e 54 da conclusão das presentes alegações do recurso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, não sendo repetido), mormente o que foi dito por C na audiência: ele e sua esposa, B, por não terem capacidade económica suficiente e por não pretenderem pagar os juros, pediram à Requerida que aceitasse o pagamento da quantia em prestações sem juros por B, mas não foi aceite o pedido; não tinham dinheiro suficiente para adquirirem ordem de pagamento junto do banco, como instrumento de pagamento, com vista ao pagamento da dívida; quando a sua esposa foi comunicada pela sua advogada a discordância da Requerida com o pedido de pagamento da dívida em prestações sem juros, ela foi arranjar dinheiro e procedeu ao depósito deste no Tribunal em 30 de Dezembro de 2019, e, a seguir, pediu ao Tribunal que notificasse a Autora/Requerida do assunto, mas os Requerentes nunca comunicaram à Requerida quando e se, posteriormente, B conseguiu ou não arranjar dinheiro suficiente, a par disso, B não preparou (nem exibiu à Requerida) o cheque ou a ordem de caixa, cuja “beneficiária” era Requerida, tampouco pagou a dívida à Requerida.
79. Deste modo, salvo o devido respeito, verifica-se a violação manifesta das regras da experiência no despacho de fixação da matéria de facto proferido pelo Tribunal a quo em 27 de Maio de 2022, mormente na parte em que se entendeu credível e verídico o depoimento de C, mas se deu como provado o facto de que a 1ª Requerente, B , e C possuíam a respectiva capacidade económica, uma vez que, de acordo com o depoimento de C, ele e sua esposa, B, não tinham dinheiro suficiente para adquirirem o instrumento de pagamento junto do banco, tal como a ordem de caixa, a fim de pagar a dívida à Requerida, ao contrário, eles tinham de arranjar dinheiro para o efeito, pelo que, através da sua advogada, pediram à Requerida (igualmente através do advogado dela) que aceitasse o pagamento da quantia em prestações.
80. Como é evidente, a Requerida tem razão, embora se entenda que o pagamento em prestações foi rejeitado/recusado pela mesma. Como acima mencionado, neste incidente, o Tribunal a quo sempre indeferiu o pedido deduzido pela Requerida e ordenou à 1ª Requerente, B, que apresentasse o registo de emissão da eventual ordem de caixa ou das demais ordens de pagamento (a fim de demonstrar se a 1ª Requerente, B, pretendia ou não pagar a quantia à Requerida), para além disso, dos autos constam todos os elementos de prova em que se fundamenta a fixação da matéria de facto.
81. Pelos elementos de prova existentes e pelos elementos audiovisuais da audiência de discussão e julgamento, mormente pelo conteúdo das respostas dadas pela testemunha, C, na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, que foi redigido nos pontos 43 (nomeadamente alíneas B), D) e E)) e 44 (nomeadamente alíneas F), H) e I)) da conclusão das presentes alegações do recurso (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, não sendo repetido), podem os Venerandos Juízes do TSI dar como integralmente “não provados” os quesitos 1º e 2º da base instrutória do incidente, ou ainda que parcialmente provados os seguintes conteúdos:
➢ Quesito 1º: Provado que a Requerida não aceitou o pedido de pagamento da dívida em prestações sem juros formulado pela 1ª Requerente, B.
➢ Quesito 2º: Provado que a Requerida fez, através do seu advogado, a comunicação de não aceitação do pedido de pagamento da dívida em prestações sem juros formulado pela 1ª Requerente, B.
82. No que concerne ao quesito 5º da base instrutória, ou seja, os Requerentes e a sua mandatária judicial nunca, por qualquer forma (nem por meio telefónico), notificaram a Requerida ou o mandatário judicial desta da existência ou não do pagamento voluntário da dívida e da data exacta da efectuação do pagamento. Como acima mencionado, com base no que foi dito por C na audiência, mormente: por não ter capacidade económica suficiente, ele pediu à Requerida que aceitasse o pagamento da quantia em prestações sem juros pela sua esposa, mas não foi aceite o pedido; não tinha dinheiro suficiente para adquirir ordem de pagamento junto do banco, como instrumento de pagamento, com vista ao pagamento da dívida; quando os Requerentes foram comunicados pela sua advogada a discordância da Requerida com o pedido de pagamento da dívida em prestações, eles foram arranjar dinheiro e procederam, directamente, ao depósito deste no Tribunal em 30 de Dezembro de 2019, entre outros assuntos (vide os pontos 43 (nomeadamente alíneas B), D) e E)) e 44 (nomeadamente alíneas F), H) e I)) acima expostos), verifica-se que deve ser provado o quesito 5º da base instrutória, devendo, portanto, ser considerado como “provado” o sobredito quesito. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou manifestamente as regras da experiência, por ter dado como “não provado” o quesito 5º da base instrutória.
83. No que concerne aos quesitos 4º e 6º da base instrutória, o 2º Réu/2º Requerente, C, apresentou um pedido em 20 de Março de 2020, constante de fls. 1164 dos autos principais, que solicitou, na qualidade de Réu no caso, por razão de ter efectuado o pagamento da quantia à Autora (mas não foi efectuado na realidade), o levantamento das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis dele, juntando os documentos de fls. 1165 a 1171 dos autos em anexo. Posteriormente, o Mm.º Juiz do TJB proferiu despacho em fls. 1172 dos autos principais, com o seguinte conteúdo: “Fls. 1164: Notifique a parte contrária.”.
84. Por conseguinte, em 14 de Abril de 2020, a Autora/Requerida apresentou a resposta de fls. 1176 a 1240 dos autos principais, ou seja, fls. 8 a 72 dos autos do incidente. Daí se vislumbra que a Autora/Requerida apontou que a 1ª Ré, B, nunca lhe tinha pagado a quantia devida, e também não tinha sido comunicada o depósito da quantia efectuado pela 1ª Ré, B, manifestando a sua oposição ao cancelamento das hipotecas judiciais antes da recepção da quantia total da dívida (o capital) e dos juros contados até integral e efectiva recepção da quantia da dívida, bem como pedindo, pela primeira vez, a recuperação da respectiva taxa de registo das hipotecas judiciais.
85. Ao ser notificada do cumprimento de obrigação invocado pelo 2º Requerente, C, no final de Março de 2020, à Requerida foi autorizado, pela Conservatória do Registo Predial, o registo definitivo27 das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis da 1ª Ré, B, pelo que a Requerida, através do seu advogado, contactou a advogada dos Requerentes, mas não lhe foi comunicado o assunto, consequentemente, ela procedeu à consulta do processo no TJB e descobriu que a 1ª Requerente, B, tinha alegado fraudulentamente, perante o Tribunal, sem qualquer notificação, que a Requerida se tinha recusado a receber a quantia da dívida, pedindo ao Tribunal que lhe emitisse a guia de depósito.
86. Pelo exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou manifestamente as regras da experiência, por ter dado como provado o conteúdo provado do quesito 4º da base instrutória e como “não provado” o quesito 6º da base instrutória. Segundo as regras da experiência, as situações objectivas reveladas nas provas documentais são suficientes para demonstrarem que o quesito 6º da base instrutória deve ser dado como “provado” e o conteúdo provado do quesito 4º deve ser: “Provado que após o 2º Requerente/2º Réu ter pedido o levantamento das hipotecas judiciais vem a Requerida, além de outros, dizer que quer ser ressarcida das despesas do registo das hipotecas judiciais.”, conforme o quesito 4º do despacho saneador e de selecção da matéria de facto proferido pelo Tribunal a quo nos presentes autos do incidente.
*
b.VI. Violação das regras da experiência, do art.º 335º do Código Civil e do art.º 437º do Código de Processo Civil na fixação da matéria de facto
87. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, a testemunha, F, respondeu essencialmente:
O Dr. Chang perguntou: O que é que a Sr.ª Chong lhe disse sobre a recepção da indemnização?
➢ A testemunha, F, respondeu:
Ela disse que não tinha recebido o dinheiro. Depois, eu perguntei-lhe por que razão ainda não tinha recebido o dinheiro, uma vez que a sentença já tinha sido proferida há algum tempo? Ela disse que não tinha recebido o dinheiro e a parte contrária não lhe tinha dado o dinheiro.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 10.33.12 aproximadamente 07:35 a 07:55)
O Dr. Chang perguntou: A parte contrária não pagou a quantia à Sr.ª Chong, ou a Sr.ª Chong recusou-se a receber a quantia?
➢ A testemunha, F, respondeu:
Era impossível que a Sr.ª Chong não quisesse receber o dinheiro. Claro que a Sr.ª Chong pretendia receber a quantia, porque o caso já passou há mais de dez anos e o TUI lhe tinha dado razão. O problema é saber se a parte contrária tinha ou não efectuado o pagamento da quantia em conformidade com a sentença.
Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 10.33.12 aproximadamente 07:35 a 08:15)
O Dr. Chang perguntou: O problema é saber se a parte contrária tinha ou não efectuado o pagamento da quantia em conformidade com a sentença? Pelo seu conhecimento, a Sr.ª Chong tinha ou não comunicado, através do advogado dela, à parte contrária a recusa da recepção da quantia?
➢ A testemunha, F, respondeu:
Não. Ela pretendia receber, com maior brevidade possível, a quantia, portanto, como era possível que ela tivesse pedido ao seu advogado para dizer que não ia receber a quantia.
Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 10.33.12 aproximadamente 08:15 a 08:30)
O Dr. Chang perguntou: Posteriormente, a parte contrária depositou a quantia no Tribunal. Na sua opinião, o que é que a parte contrária devia fazer, se pretendesse pagar a respectiva quantia?
➢ A testemunha, F, respondeu:
Se pretendesse pagar a quantia, ela devia….
O Mm.º Juiz disse: Nesta parte trata-se da opinião pessoal da testemunha ou dum facto? O que é que você (Dr. Chang) pretende perguntar?
O Dr. Chang disse: Qual é a forma de pagamento, geralmente, usada na entrega e recepção de dinheiro.
O Mm.º Juiz disse: A testemunha não está cá no Tribunal para dar opinião.
Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 10.33.12 aproximadamente 08:30 a 09:10)
O Dr. Chang perguntou: Pelo seu conhecimento, quando é que a Sr.ª Chong teve conhecimento da existência da quantia depositada?
➢ A testemunha, F, respondeu:
Devia ser no final de Março de 2020. Ela disse-me que só no momento da consulta do processo é que tinha tomado conhecimento do depósito da quantia no Tribunal feito pela parte contrária.
Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 10.33.12 aproximadamente 09:10 a 09:50)
88. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, a testemunha, C, deu as seguintes respostas às questões colocadas pelos mandatários judiciais das partes e pelo Mm.º Juiz:
O Dr. G perguntou: O que é que a sua esposa decidiu fazer?
➢ A testemunha C respondeu:
Por ser alta a quantia determinada judicialmente, decidimos conversar com a advogada para saber se poderíamos pedir à parte contrária que aceitasse o pagamento em prestações, e, por seu turno, a advogada disse-nos que iria transmitir o nosso pedido à parte contrária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 10:00 a 10:35)
O Dr. G perguntou: Qual era a ideia da sua esposa? Ela pretendia pagar os juros ou tinha outra ideia?
➢ A testemunha C respondeu:
Obviamente, não pretendíamos pagar os juros, porque os juros legais eram altos e não tínhamos capacidade de sustentar esses juros. Pois, se fosse possível o pagamento em prestações, não precisaríamos pedir empréstimo a outras pessoas. A advogada respondeu-nos que o prazo de pagamento da dívida era curto e teríamos de pagar os juros se o prazo fosse expirado. Não pretendíamos pagar os juros, por isso, pedimos à advogada que negociasse com a parte contrária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 10:35 a 11:35)
O Dr. Chang perguntou: Você disse que vocês pretendiam pagar a quantia. Qual foi a forma de pagamento que pretendiam usar?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Julgo que, em Macau, as pessoas não costumam levar consigo alguns milhões de patacas em dinheiro para fazerem pagamento?
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:15 a 20:30)
O Dr. Chang perguntou: Sim senhor, então, vocês prepararam a ordem de caixa?
➢ A testemunha, C, respondeu:
A ordem de caixa não pode ser adquirida imediatamente. Há pouco, eu disse que tínhamos de arranjar dinheiro em primeiro lugar e, depois, só podíamos adquirir uma ordem de caixa quando houvesse dinheiro na nossa conta bancária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:30 a 20:45)
O Dr. Chang perguntou: Quer dizer que vocês não tiveram dinheiro preparado no momento em que a vossa advogada se encontrava a negociar com a parte contrária?
➢ A testemunha, C, respondeu:
…Senhor Juiz, é preciso responder aqui essa pergunta… isto é a minha privacidade...
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:45 a 21:30)
O Mm.º Juiz perguntou: Na altura, você já tinha a quantia preparada ou não?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Mm.º Juiz, se eu tivesse essa quantia preparada, não precisava pedir a aceitação do pagamento em prestações?
Já disse que não pretendíamos criar mais encargos, ou seja, iria pagar integralmente a dívida se tivesse capacidade ou dinheiro!
Mas, caso fosse possível, poderia pagar a dívida em prestações se não tivesse dinheiro suficiente?
Se não fosse possível o pagamento em prestações, iriamos arranjar dinheiro.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 21:30 a 21:55)
O Mm.º Juiz perguntou: Será que você queria dizer que vocês precisavam tempo para arranjar dinheiro e, na altura, não tinham tanto dinheiro preparado, por isso, pretendiam efectuar o pagamento em prestações?
➢ A testemunha, C (C), respondeu:
Certo, isto é muito normal!
Recebi o acórdão em menos de um mês, ou pouco mais de dez dias. Como foi possível arranjar o dinheiro suficiente neste curto período de tempo?
Indispensavelmente, precisava pedir empréstimo a outras pessoas e este processo levava tempo!
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 22:25 a 22:50)
89. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 20 de Maio de 2022, a testemunha, advogada D, deu as seguintes respostas ao Mm.º Juiz28:
O Mm.º Juiz perguntou: Depois da recepção do acórdão do TUI, você chegou a contactar alguém da parte contrária?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Cheguei a contactar o advogado E.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 26:15 a 27:30)
O Mm.º Juiz perguntou: Quando?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Em 11 de Dezembro de 2019, ao fim da tarde, no meu escritório, telefonei para o escritório dele.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 27:30 a 27:40)
O Mm.º Juiz perguntou: Só teve um contacto com ele quanto a este assunto? Obviamente, queria dizer quanto a este processo?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Só o contactei uma vez quanto a este assunto.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 27:45 a 28:00)
O Mm.º Juiz perguntou: Não teve mais contacto com ele, após o depósito?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Não o contactei mais. Ele enviou-me uma mensagem através de WhatsApp em 7 de Fevereiro de 2020.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 28:00 a 28:30)
O Mm.º Juiz perguntou: Você respondeu à mensagem dele?
➢ A testemunha, advogada D, respondeu:
Er… telefonei para ele quando cheguei ao escritório. Só estas duas conversas.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 20-Mai-2022 at 14.56.49 aproximadamente 28:30 a 28:45)
90. Ademais, embora a Requerida tenha deduzido a arguição de nulidade do acórdão proferido pelo TUI, sendo este, plenamente, o uso legal do direito processual, ela nunca, com base nisto, se recusou a receber a quantia da dívida determinada pelo acórdão proferido, em 29 de Novembro de 2019, pelo TUI, nem disse aos Requerentes que só recebesse a respectiva quantia quando houvesse o resultado da arguição de nulidade. Mais, na audiência, C, F e a advogada D não disseram que a Requerida tivesse invocado que se recusava a receber a quantia por entender que podia receber mais, ou só receberia a quantia quando houvesse o resultado da arguição de nulidade. Assim sendo, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou as regras da experiência, por ter fixado a referida matéria de facto completamente infundada.
91. Na verdade, os depoimentos de C e da advogada D mostram as seguintes circunstâncias objectivas: os Requerentes pediram à Requerida que aceitasse o pagamento efectuado por B em prestações sem juros, mas não foi aceite o aludido pedido; a 1ª Requerente, B, nunca preparou a ordem de caixa ou qualquer outra ordem de pagamento, como instrumento de pagamento, para pagar a quantia à Requerida; e, a 1ª Requerente, B, nunca disse à Requerida se haveria ou não o pagamento da totalidade da dívida e quando seria efectuado esse pagamento, pelo que a Requerida nunca se recusou a receber a quantia da dívida.
92. Nos termos do disposto no art.º 763º do Código Civil, o devedor deve efectuar a prestação pecuniária no domicílio do credor, porém a devedora, B, nunca se deslocou ao domicílio da credora ou do mandatário desta para pagar a dívida.
93. Como acima referido, a devedora, B, estava parada na “ideia” de pedir à Requerida para aceitar o pagamento em prestações sem juros, e não preparou a ordem de caixa ou outros instrumentos de pagamento (outras ordens de pagamento), nem remeteu, por ela própria ou pela sua mandatária, a respectiva ordem de pagamento ao domicílio da credora ou ao escritório do mandatário judicial da credora para ser entregue à credora (ora Requerida).
94. Daí se vislumbra que não se verifica “a prestação feita pela devedora, B, a favor da credora (ora Requerida)”, pelo que, por lógica, não existe “a não aceitação/recusa, pela credora (ora Requerida), da prestação feita a favor dela”. Em suma, os Requerentes nunca fizeram “prestação”, e, por lógica, era impossível que a Requerida não aceitasse/se recusasse uma “prestação” inexistente.
95. Pelo exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou manifestamente as regras da experiência, por ter dado como “provados” os quesitos 1º e 2º da base instrutória e como “não provados” os quesitos 5º e 6º.
96. Segundo as regras da experiência, os quesitos 1º e 2º da base instrutória devem ser considerados como “não provados”, e os quesitos 5º e 6º devem ser considerados como “provados”.
97. Nos termos do disposto no art.º 335º do Código Civil, aos Requerentes cabe o ónus da alegação e da prova da procedência dos pressupostos exigidos pela “consignação em depósito” e da suficiência do montante depositado, assim, caso os Venerandos Juízes do TSI ainda mantiverem dúvida sobre a verdade, depois de terem apreciado as provas objectivas no caso, mormente não há prova objectiva no caso que demonstre a existência da prestação para cumprimento de obrigação feita, no domicílio da credora, pela 1ª Requerente à credora (ora Requerida) e a recusa, por parte da Requerida, da recepção da prestação em causa, pelo que, nos termos do disposto no art.º 437º do Código de Processo Civil, resolve-se contra a parte (ora 1ª Requerente) a quem os factos aproveitam, ou seja, os quesitos 1º e 2º da base instrutória devem ser considerados como “não provados”, e os quesitos 5º e 6º devem ser considerados como “provados”.
98. Pelos elementos constantes dos autos29, o conteúdo provado do quesito 4º deve ser: “Provado que após o 2º Requerente/2º Réu ter pedido o levantamento das hipotecas judiciais vem a Requerida, além de outros, dizer que quer ser ressarcida das despesas do registo das hipotecas judiciais.”, conforme o quesito 4º do despacho saneador e de selecção da matéria de facto proferido pelo Tribunal a quo nos presentes autos do incidente.
*
b.VII. Violação do art.º 430º do Código de Processo Civil, do art.º 335º do Código Civil e do art.º 437º do Código de Processo Civil na selecção e fixação da matéria de facto
99. Em 28 de Junho de 2022, a Requerida deduziu uma reclamação fundamentada contra o despacho saneador e de selecção da matéria de facto do presente incidente, manifestando a discordância com o Mm.º Juiz do TJB que enumerou os factos de alínea A) a alínea I) na lista dos factos provados. No entendimento da Requerida, tais factos não revelavam a verdade do caso, sobretudo, de acordo com a alínea D), o relator do TUI deferiu o pedido de consignação em depósito em apreço, ordenando a emissão da guia de depósito, e conforme a alínea I), o TJB notificou a Autora do depósito efectuado pela 1ª Ré, todos esses factos eram notoriamente incompatíveis com os factos revelados pelos elementos constantes dos autos, uma vez que o TUI apenas autorizou a emissão da guia de depósito, cujo montante era igual ao do requerido pela 1ª Ré, e nunca deferiu o pedido de consignação em depósito, nem autorizou o pedido de “notificar a Autora do depósito” formulado pela 1ª Ré, a par disso, o TJB também não notificou a Autora do depósito efectuado pela 1ª Ré, mas sim, apenas notificou a Autora do pedido de levantamento das hipotecas judiciais formulado pelo 2º Réu, C (vide fls. 1172 dos autos principais).
100. Além do mais, no presente processo do incidente, o TSI apontou claramente no acórdão proferido, em 22 de Abril de 2021, no processo n.º 1171/2020 que já transitou em julgado: …Juiz titular do TUI deferiu a emissão da guia de depósito de montante invocado pelos Réus… Os Réus apresentaram ao Tribunal dois requerimentos constantes de fls. 1252 a 1254 dos autos, pedindo ao Tribunal que considerasse como integralmente paga a quantia determinada pela decisão de última instância que devia ser paga pelos mesmos, sem qualquer montante em dívida.30
101. Daí se vislumbra que o montante de HKD3.173.767,65 não foi calculado pelo Tribunal, mas sim, foi apresentado/invocado unilateralmente pela 1ª Ré (ora 1ª Requerente)31, a par disso, a 1ª Ré referiu que tal montante abrangia o valor total do capital da dívida e dos respectivos juros que ela devia pagar até à data do seu depósito. Mais, a 1ª Ré indicou novamente no articulado “aclaração” apresentado em 1 de Junho de 2020 sob exigência do despacho do Mm.º Juiz32: “…A quantia HKD3.173.767,65 está correcta e os juros foram calculados até à data do seu depósito… a dívida e juros estipulados pela decisão judicial já está integralmente paga.” Vê-se que a 1ª Ré salientou que a quantia depositada HKD3.173.767,65 era o valor total do capital da dívida e dos respectivos juros que ela devia pagar. Contudo, na verdade, a quantia em apreço não é suficiente, o que pode demonstrar que a 1ª Ré não obedeceu à decisão do TUI no cumprimento da obrigação de pagamento integral do capital da dívida e dos respectivos juros.
102. Pelo acima exposto, salvo o devido respeito, a decisão recorrida violou os artigos 430º, n.º 1, e 549º, n.º 4, todos do Código de Processo Civil, bem como as circunstâncias objectivas do caso mencionadas no acórdão do processo n.º 1171/2020 proferido, em 22 de Abril de 2021, pelo TSI no presente processo do incidente.
103. Com efeito, as decisões proferidas pelos tribunais superiores no caso concreto são vinculantes para os tribunais inferiores, portanto, os tribunais inferiores são obrigados a obedecer-lhes. Deste modo, deve atender-se às circunstâncias objectivas do caso mencionadas na parte “I. Relatório” do acórdão proferido, em 22 de Abril de 2021, pelo TSI no processo n.º 1171/2020 que já transitou em julgado (ou seja, conteúdo da parte “A. Relatório” das presentes alegações do recurso que aqui se dá por integralmente reproduzido), por quais são substituídos os conteúdos das alíneas A) a I) dos factos que foram considerados como provados pela decisão recorrida.
104. Ademais, na reclamação do despacho de selecção da matéria de facto deduzida em 28 de Junho de 2022, a Requerida pediu a adesão da seguinte matéria de facto no conhecimento do presente incidente33:
a. A Ré (ora 1ª Requerente) não negociou com a Autora (ora Requerida) sobre a forma de pagamento (por cheque ou por transferência de conta bancária ou por ordem de caixa)?
b. A 1ª Requerente e sua mandatária judicial não enviaram à Requerida ou ao escritório do mandatário judicial desta o cheque ou a ordem de caixa destinada ao pagamento da quantia?
c. A 1ª Requerente não efectuou, dolosa e propositadamente, o pagamento da quantia à Requerida ou ao mandatário desta; os dois Requerentes não notificaram, dolosa e propositadamente, a Requerida ou o mandatário desta da existência ou não do pagamento voluntário da quantia pela 1ª Requerente e da data exacta da efectuação do pagamento? Nem notificaram a Requerida da recepção da quantia?
d. Tanto depois da recepção do acórdão proferido, em 29 de Novembro de 2019, pelo TUI, como depois do trânsito em julgado do acórdão ocorrido em 11 de Fevereiro de 2020, os Requerentes e sua mandatária judicial não notificaram, por forma qualquer, a Requerida da existência ou não do pagamento voluntário da quantia pela 1ª Requerente e da data exacta da efectuação do pagamento, nem do depósito da quantia de HKD3.173.767,65 efectuado em 30 de Dezembro de 2019?
e. A pretexto da assacada “não aceitação/recusa, pela Requerida, do pagamento feito pela 1ª Requerente”, a 1ª Requerente pediu a emissão da guia de depósito no montante de HKD3.173.767,65?
f. A 1ª Requerente pediu a emissão da guia de depósito no montante de HKD3.173.767,65, sendo este um valor apresentado unilateralmente pela 1ª Requerente, isto é, ela não revelou como foram calculados os juros de mora, nem mostrou a fórmula do cálculo dos mesmos juros?
g. A 1ª Requerente não efectuou, dolosa e propositadamente, o pagamento da quantia à Requerida ou ao mandatário desta, e, em 30 de Dezembro de 2019, procedeu ao depósito de (uma parte da) quantia, sem ter notificado a Requerida do assunto. Aliás, após o depósito, os Requerentes e sua mandatária judicial nunca notificaram a Requerida ou o mandatário judicial desta do assunto?
h. A quantia HKD3.173.767,65 apresentada unilateralmente pela 1ª Requerente e depositada pela mesma em 30 de Dezembro de 2019 é inferior à quantia da dívida determinada, em 29 de Novembro de 2019, pelo TUI, que deveria ser paga pela aludida Requerente à Requerida até à data do seu depósito (incluindo o capital da dívida e os juros de mora à taxa legal)?.
105. Na verdade, na resposta apresentada oportunamente em 14 de Abril de 2020, a Autora (ora Requerida) enumerou uma série de factos que relatou, sobretudo, a falta de contacto dos Réus com a Autora para falar sobre a data do pagamento da dívida, e a falta de negociação com a Autora sobre a forma de pagamento da dívida, factos esses revelaram idoneamente que os Réus nunca tinham dito à Autora que iriam pagar voluntariamente a dívida, e que a Autora nunca/não podia ter manifestado, por ela própria ou pelo seu mandatário judicial, perante os Réus, a recusa da recepção da quantia da dívida. A par disso, a Autora tem direito a receber o capital da dívida e os respectivos juros determinados pelo TUI e não a quantia apresentada unilateralmente pelos Réus.
106. Daí se vislumbra que os factos de alínea a) a alínea g) do ponto 104 da conclusão das presentes alegações do recurso são relevantes para o conhecimento do presente incidente, pelo que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou o art.º 430º do Código de Processo Civil, por não ter introduzido os aludidos factos na base instrutória. Assim, requer-se ao TSI que seja aderida a matéria de facto em apreço ao conhecer do recurso.
107. Pelos elementos constantes dos autos, a 1ª Ré (ora 1ª Requerente, B), no articulado, apenas revelou a “não aceitação/recusa, pela Autora, do pagamento feito pelos Réus”34, porém nunca indicou a data e o local da ocorrência dos factos, nem as circunstâncias concretas dos factos.
108. Mesmo o depoimento prestado por C na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022 também não referiu sobre a data e o local da ocorrência da “não aceitação/recusa, pela Autora, do pagamento feito pelos Réus”, nem as circunstâncias concretas desse acontecimento.
109. A par disso, por lógica, os pressupostos da “não aceitação/recusa, pela Autora, do pagamento feito pelos Réus” são evidentemente: os Réus deviam exibir e entregar à Autora o cheque, a ordem de caixa ou outras ordens de pagamento, se pretendessem efectuar o pagamento da quantia à Autora.
110. Como é sabido, o “cumprimento de obrigação” não é um “pensamento” ou uma “fala”, mas sim um acto e uma operação activos e efectivos que devem ser obrigatoriamente praticados! De facto, no processo principal, já em 23 de Março e 1 de Abril de 2010, datas em que foram celebrados o contrato provisório de compra e venda e o contrato-promessa entre a Autora e a 1ª Ré, a Autora adquiriu junto do banco em Macau duas ordens de caixa, nos montantes de HKD100.000,00 e HKD288.000,00, respectivamente, cuja “beneficiária” era 1ª Ré, B, bem como entregou à 1ª Ré as sobreditas ordens de caixa para pagar o sinal de “compra de imóvel”35. A seguir, em 6 de Julho de 2010, data marcada para a celebração do contrato prometido, a Autora preparou duas ordens de caixa36, nos montantes de HKD269.998,00 e HKD1.064.000,00, respectivamente, cuja “beneficiária” era 1ª Ré, B, sendo este um acto activo e efectivo praticado pela Autora (na qualidade de devedora) no cumprimento de obrigação.
111. Diz um provérbio chinês que: “Mais vale a acção do que a palavra”. Na realidade, se os Requerentes pretendessem pagar a dívida, deviam “emitir a ordem de caixa” e entregá-la à Requerida ou ao mandatário desta.
112. In casu, não há prova que demonstre que a devedora, B, disse à Autora ou ao mandatário judicial desta que pretendia pagar integralmente a dívida em conformidade com a decisão judicial (de acordo com o depoimento de C37, a devedora pediu que o pagamento fosse efectuado em prestações sem juros; a devedora não preparou a ordem de caixa ou outras ordens de pagamento, como instrumento de pagamento; C disse que só podia adquirir a ordem de caixa quando tivesse dinheiro; e, a devedora pediu a efectuação do pagamento em prestações sem juros, por não ter dinheiro suficiente38).
113. Por conseguinte, como é evidente, a 1ª Ré, B, nunca pagou a quantia à Autora, pelo que, obviamente, não se verifica a “recusa/não aceitação por parte da Autora”. Ora, faz-se saber por que razão, no articulado, a 1ª Ré apenas revelou a “não aceitação/recusa, pela Autora, do pagamento feito pelos Réus”39, porém nunca indicou a data e o local da ocorrência da “não aceitação/recusa, pela Autora, do pagamento feito pelos Réus”, nem as circunstâncias concretas desse acontecimento. Porque, nunca existe a “não aceitação/recusa, pela Autora, do pagamento feito pelos Réus”, obviamente, a 1ª Ré/1ª Requerente, B, não era capaz de indicar a data, a hora, o local e as circunstâncias concretas do assacado acontecimento.
114. Pelos elementos constantes dos autos, em Fevereiro de 2020, a Autora/Requerida apresentou ao TUI o pedido de emissão da certidão do acórdão transitado em julgado que foi deferido40, em seguida, ela apresentou a sobredita certidão à Conservatória do Registo Predial41, pedindo o registo definitivo das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis dos Réus42.
115. Nos termos do preceito legal, há lugar à conversão de hipoteca judicial em penhora mediante o processo sumário de execução, desde que seja convertido em definitivo o registo provisório de hipoteca judicial. Tudo preparado. A 1ª Ré ainda não cumpriu a obrigação, nem disse à Autora quando iria cumprir. Portanto, por princípio da boa fé, no fim de Março de 2020, a Autora, através do seu mandatário judicial, instou à 1ª Ré, B (através da mandatária judicial desta), a cumprir a obrigação (caso contrário, a Autora iria intentar acção executiva e pedir a conversão das hipotecas judiciais em penhoras).
116. Na altura, a 1ª Ré, B (através da sua mandatária judicial), apenas disse que tinha depositado a quantia no Tribunal, mas se recusou a dizer os detalhes. Concomitantemente, a Autora foi notificada do pedido de levantamento das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis em apreço formulado pelo 2º Réu, C. Assim sendo, a Autora só podia pedir informações aos funcionários do TJB no fim de Março de 2020 e apenas tomou conhecimento do depósito da quantia de HKD3.173.767,65 efectuado, em 30 de Dezembro de 2019, pela 1ª Ré naquele momento.
117. Por lógica, qual o motivo que leva a Autora/Requerida a não receber a quantia da dívida, e apresentar o pedido de realização do registo definitivo das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis dos Réus, se a 1ª Ré/1ª Requerente, B, pretendesse pagar a dívida (o total do capital e dos juros)?! Na verdade, justamente por 1ª Ré, B, nunca ter efectuado o pagamento da dívida à Autora, nem a ter notificado da existência ou não da vontade do pagamento da dívida e da data exacta da efectuação do pagamento, a Autora pediu ao TUI a emissão da certidão do acórdão transitado em julgado e apresentou-a à Conservatória do Registo Predial, pedindo a realização do registo definitivo das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis da 1ª Ré.
118. Pelos factos objectivos acima expostos, demonstra-se que: a 1ª Ré/1ª Requerente (ou sua mandatária judicial) nunca disse à Autora/Requerida (ou o seu mandatário judicial) se pretendia ou não pagar a dívida e quando seria efectuado o pagamento, e, por seu turno, a Autora/Requerida nunca se recusou a receber a quantia da dívida.
119. No caso sub judice, a 1ª Requerente, B, devia (por ela própria ou pela sua mandatária judicial) entregar a ordem de caixa ou outras ordens de pagamento com montante suficiente para quitação da dívida à credora (ora Requerida) ou ao mandatário judicial desta para ser entregue à mesma, com vista a satisfazer os requisitos previstos nos artigos 753º, n.º 1, e 763º do Código Civil.
120. Todavia, os Requerentes nunca disseram à Requerida ou ao mandatário judicial desta se iriam ou não pagar a quantia total da dívida e quando seria o pagamento, nem prepararam a ordem de caixa ou outras ordens de pagamento, como instrumento de pagamento, para pagar a dívida.
121. Além do mais, pelos elementos constantes dos autos, independentemente de os depoimentos de C e da advogada D terem sido ponderados ou não, averiguam-se as seguintes circunstâncias objectivas: a 1ª Requerente, B, pediu a efectuação do pagamento da dívida em prestações sem juros; ela nunca, por si próprio ou pela sua mandatária judicial, disse à Requerida ou ao mandatário judicial desta se iria ou não pagar voluntariamente a quantia e quando seria o pagamento; e, a 1ª Requerente, B, não preparou o dinheiro ou a ordem de caixa com o montante suficiente, nem notificou a Requerida da recepção da quantia. Mais, antes do depósito da quantia de HKD3.173.767,65 efectuado, em 30 de Dezembro de 2019, pela 1ª Requerente, os Requerentes não disseram à Requerida que iriam efectuar o depósito em causa, e, após o depósito, igualmente, eles não disseram nada à Requerida.
122. Nos termos do disposto no art.º 335º do Código Civil, cabe aos Requerentes o ónus da prova do provimento dos pressupostos da consignação em depósito previstos no n.º 1 do art.º 832º do Código Civil, e da validade do depósito. O preceito legal supracitado prevê que cabe aos Requerentes o ónus da prova, assim, caso os Venerandos Juízes do TSI ainda mantiverem dúvida sobre a verdade, depois de terem apreciado as provas objectivas no caso, mormente não há prova objectiva no caso que demonstre a existência da prestação para cumprimento de obrigação feita pela 1ª Requerente à Requerida e a recusa, por parte da Requerida, da recepção da prestação em causa, pelo que, nos termos do disposto no art.º 437º do Código de Processo Civil, face aos factos de alínea a) a alínea g) do ponto 104 da conclusão das presentes alegações do recurso, resolve-se contra a parte (ora 1ª Requerente) a quem os factos aproveitam, ou seja, os aludidos factos devem ser considerados como “provados”.
123. Pelo exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou o art.º 430º do Código de Processo Civil, o art.º 335º do Código Civil e o art.º 437º do Código de Processo Civil, por não ter atendido aos factos supracitados.
*
C. Do Direito
c.I. Violação do princípio dispositivo das partes
124. Nos termos da lei processual, todos os processos civis e incidentes, incluindo a “consignação em depósito”, devem ser julgados no tribunal de primeira instância, enquanto o TSI e o TUI só conhecem, como Tribunal ad quem, das matérias do recurso.
125. Assim, o TUI autorizou a emissão da guia de depósito do montante invocado unilateralmente pelos Requerentes, mas isto não significa que o TUI tenha conhecido do mérito do pedido em causa, tenha concordado com a verificação da mora da credora, e tenha entendido que a quantia em causa é correcta ou suficiente (para pagar o capital da dívida e os respectivos juros de mora).
126. Na verdade, o depósito de quantia no tribunal é meramente a condição prévia da propositura do incidente relativo a “consignação em depósito”, a par disso, a quantia depositada no tribunal assegura, afinal, o futuro pagamento das custas processuais43. Assim sendo, o pedido de emissão da guia de depósito formulado pela parte para o depósito da quantia na conta do tribunal assegura o futuro pagamento das custas processuais, o que sustenta a decisão do TUI que autorizou a emissão da guia de depósito.
127. Em 19 de Dezembro de 2019, altura em que o processo principal se encontrava pendente no TUI, a Ré, B, pediu ao TUI que lhe emitisse a guia de depósito do montante unilateralmente invocado pela mesma (HKD3.173.767,65), por seu turno, o Mm.º Juiz do TUI autorizou meramente a emissão da guia de depósito e, em consequência, o funcionário de justiça apenas procedeu à emissão da guia de depósito em conformidade com o despacho e não notificou a Autora do assunto.
128. Evidentemente, o aludido pedido da Ré, B, não é uma propositura do incidente relativo a “consignação em depósito”, aliás, o Mm.º Juiz do TUI não verificou nem era obrigado a verificar o preenchimento ou não dos pressupostos da mora da credora exigidos pela “consignação em depóstito” e a suficiência ou não da quantia depositada.
129. Por razão simples e clara, nos termos da lei processual, o TUI só conhece, como Tribunal ad quem, das matérias do recurso, e cabe ao tribunal de primeira instância julgar todos os processos e incidentes em matéria civil, incluindo a “consignação em depósito”, a “notificação extrajudicial” e a “acção executiva”. Deste modo, por 1ª Ré, B não ter proposto o incidente relativo a “consignação em depósito”, o Tribunal não era obrigado a notificar a Autora do depósito da quantia efectuado pela Ré.
130. Se o TUI entendesse que o depósito da quantia de HKD3.173.767,65 efectuado pela 1ª Ré, B, em 30 de Dezembro de 2019, era um cumprimento de obrigação, face ao pedido de emissão da certidão do acórdão para ser entregue à Conservatória do Registo Predial para efeitos de constituição de hipotecas sobre os bens imóveis dos Réus, apresentado ao TUI pela Autora em Fevereiro de 2020, o TUI não devia autorizar (mas realmente autorizou) a emissão da aludida certidão à Autora44.
131. Alem disso, na altura em que a Autora deduziu o pedido em apreço, o TUI não procedeu à notificação, solicitada pela 1ª Ré, da Autora do depósito da quantia. Já que o TUI não conhece, nos termos da lei, do processo de “consignação em depósito” (que não é um recurso e até nunca foi intentado).
132. De acordo com o ponto 4 do articulado apresentado pela 1ª Requerente, B, em 1 de Junho de 2020, …os juros foram calculados até à data do seu depósito…, ou seja, 30 de Dezembro de 2019. (vide ponto 4 de fls. 76 dos autos do incidente)
133. Por outras palavras, invocou a 1ª Requerente que os juros de mora deviam ser calculados até à data do seu depósito, e que ela pretendia pagar os referidos juros, sendo este um direito disponível pela parte, pois, trata-se aqui dum fruto do princípio dispositivo das partes.
134. Nesta conformidade, salvo o devido respeito, a decisão recorrida deve ser anulada devido à violação do princípio dispositivo das partes, uma vez que, de acordo com a decisão recorrida, os juros de mora deviam ser calculados até ao dia 19 de Dezembro de 2019, pelo que a quantia de HKD3.173.767,65 depositada (em 30 de Dezembro de 2019) pela 1ª Requerente, B, ficou com menos HKD4.421,42, condenando B no pagamento da quantia de HKD4.421,42 à Requerida.
135. Mais, abaixo está exposto que a decisão recorrida deve ser integralmente anulada, e que a “consignação em depósito” proposta pela 1ª Requerente, B, não deve ser admitida, não produzindo efeito nenhum perante a Autora/Requerida.
*
c.II. Erro na interpretação e na aplicação dos artigos 752º, 753º, 763º, 802º e 803º do Código Civil
136. Na audiência de discussão e julgamento realizada em 8 de Abril de 2022, C depôs:
O Dr. G perguntou: Qual era a ideia da sua esposa? Ela pretendia pagar os juros ou tinha outra ideia?
➢ A testemunha C respondeu:
Obviamente, não pretendíamos pagar os juros, porque os juros legais eram altos e não tínhamos capacidade de sustentar esses juros. Pois, se fosse possível o pagamento em prestações, não precisaríamos pedir empréstimo a outras pessoas. A advogada respondeu-nos que o prazo de pagamento da dívida era curto e teríamos de pagar os juros se o prazo fosse expirado. Não pretendíamos pagar os juros, por isso, pedimos à advogada que negociasse com a parte contrária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 10:35 a 11:35)
O Dr. Chang perguntou: Você disse que vocês pretendiam pagar a quantia. Qual foi a forma de pagamento que pretendiam usar?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Julgo que, em Macau, as pessoas não costumam levar consigo alguns milhões de patacas em dinheiro para fazerem pagamento.
Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:15 a 20:30)
O Dr. Chang perguntou: Sim senhor, então, vocês prepararam a ordem de caixa?
➢ A testemunha, C, respondeu:
A ordem de caixa não pode ser adquirida imediatamente. Há pouco, eu disse que tínhamos de arranjar dinheiro em primeiro lugar e, depois, só podíamos adquirir uma ordem de caixa quando houvesse dinheiro na nossa conta bancária.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:30 a 20:45)
O Dr. Chang perguntou: Quer dizer que vocês não tiveram dinheiro preparado no momento em que a vossa advogada se encontrava a negociar com a parte contrária?
➢ A testemunha, C, respondeu:
…Senhor Juiz, é preciso responder aqui essa pergunta?… isto é a minha privacidade…
Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 20:45 a 21:30)
O Mm.º Juiz disse: O advogado queria saber se, na altura, você já tinha a quantia preparada ou não?
➢ A testemunha, C, respondeu:
Mm.º Juiz, se eu tivesse essa quantia preparada, não precisava pedir a aceitação do pagamento em prestações? Já disse que não pretendíamos criar mais encargos, ou seja, iria pagar integralmente a dívida se tivesse capacidade ou dinheiro! Mas, caso fosse possível, poderia pagar a dívida em prestações se não tivesse dinheiro suficiente? Se não fosse possível o pagamento em prestações, iriamos arranjar dinheiro.
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 21:30 a 21:55)
O Mm.º Juiz perguntou: Será que você queria dizer que você precisava tempo para arranjar dinheiro e, na altura, não tinha tanto dinheiro preparado, por isso, pretendia efectuar o pagamento em prestações?
➢ A testemunha, C (C), respondeu:
Certo, isto é muito normal! Recebi o acórdão em menos de um mês, ou pouco mais de dez dias. Como foi possível arranjar o dinheiro suficiente neste curto período de tempo? Indispensavelmente, precisava pedir empréstimo a outras pessoas e este processo levava tempo!
(Cfr. Translator 2 >Recorded on 08-Apr-2022 at 09.56.50 aproximadamente 22:25 a 22:50)
137. In casu, do depoimento de C se vislumbra que a 1ª Requerente, B, pediu à Requerida que aceitasse o pagamento da dívida em prestações sem juros. Quanto às provas documentais, como acima referido, no pedido de dispensa do dever de segredo profissional apresentado à Associação de Advogados de Macau, a advogada D relatou: Os Requerentes pediram a efectuação do pagamento da quantia em prestações, mas nunca disseram à Requerida ou ao mandatário judicial desta se iriam ou não pagar voluntariamente a quantia total da dívida e quando seria o pagamento45.
138. Daí se vislumbra que os Requerentes pediram a efectuação do pagamento em prestações, mas nunca disseram à Requerida ou ao mandatário judicial desta se iriam ou não pagar voluntariamente a quantia total da dívida, nem prepararam a ordem de caixa ou outras ordens de pagamento, como instrumento de pagamento, para pagar a dívida.
139. No caso vertente, embora se presuma que o pagamento em prestações foi rejeitado/recusado pela Requerida, como é evidente, esta tem motivo justificado. Porém, pela decisão recorrida proferida em 26 de Julho de 2022 pelo TJB, isto foi considerado como a mora da Requerida, salvo o devido respeito, a decisão recorrida padece do erro na interpretação e na aplicação dos artigos 752º, n.ºs 1 e 2, 753º, n.º 1, 763º, 802º e 803º, n.º 2, todos do Código Civil.
140. Como acima mencionado, mormente como depôs C, na qualidade de testemunha, na audiência de discussão e julgamento, os Requerentes, B e C, pediram a efectuação do pagamento da dívida em prestações sem juros, mas esse pedido não foi aceite pela Requerida. Segundo a parte inicial do n.º 1 do art.º 753º do Código Civil46, a devedora, B, deve pagar integralmente a dívida, ou seja, o pagamento da dívida não pode ser efectuado em prestações, visto que o pagamento em prestações implica necessariamente o pagamento parcial da dívida em cada prestação.
141. A par disso, a 1ª Requerente, B, nunca disse à Requerida ou ao mandatário judicial desta se iria ou não pagar voluntariamente a quantia total da dívida. A 1ª Requerente, B, através da sua advogada, apenas pediu a efectuação do pagamento da dívida em prestações sem juros e não preparou a ordem de caixa ou outras ordens de pagamento para pagar a quantia à Requerida, assim, por lógica, era impossível que a Requerida se recusasse aceitar um acto que era inexistente na realidade – “cumprimento da obrigação (mesmo que seja parcial) pela 1ª Requerente, B”.
142. A “pretensão de pagamento” não se realiza por mera forma verbal, mas sim pelos acto e operação activos e efectivos. Diz um provérbio chinês que: “Mais vale a acção do que a palavra”. Se a pretensão de pagamento fosse verdadeira, devia haver “emissão da ordem de caixa” e entrega da mesma à Requerida ou ao mandatário desta.
143. Daí se vislumbra que a B nunca efectuou a prestação que devia ter feito, ou seja, nunca cumpriu a obrigação, e apenas, através da sua advogada, manifestou perante a Requerida a “ideia” de realizar o pagamento da dívida em prestações sem juros, a par disso, face à sobredita “ideia”, a 1ª Requerente não adoptou nenhum comportamento activo/conduta de pagamento, impossibilitando a prestação de qualquer cooperação necessária por parte da Requerida.
144. Além do mais, embora a Requerida tenha deduzido a arguição de nulidade do acórdão proferido pelo TUI, ela nunca, com base nisto, se recusou a receber a quantia da dívida determinada pelo acórdão proferido, em 29 de Novembro de 2019, pelo TUI, nem disse aos Requerentes que só recebesse a respectiva quantia quando houvesse o resultado da arguição de nulidade. Como acima mencionado, não existe nenhuma prova no caso que demonstre que a Requerida se recusava a receber a quantia da dívida por ter invocado que podia receber mais, ou só receberia a quantia quando houvesse o resultado da arguição de nulidade. De facto, a Requerida tinha deduzido a arguição de nulidade do acórdão proferido pelo TUI, sendo este, plenamente, o uso legal do direito processual. Evidentemente, o uso desse direito processual não mostra que a Requerida “não pretenda prestar cooperação necessária quando a 1ª Requerente/1ª Ré “deseje” pagar a dívida”. Pelo contrário, a 1ª Ré nunca fez qualquer “prestação para cumprimento de obrigação a favor da credora”, e apenas se limitou em pedir a “efectuação do pagamento da dívida em prestações sem juros”.
145. Pelo exposto, a Requerida não agiu de modo como foi assacado pela decisão recorrida – não praticou os actos necessários para a cooperação, em conformidade com os artigos 752º, n.º 2, e 802º do Código Civil. Se a Requerida merecer ser censurada por falta de cooperação com os Requerentes, o único facto que mostra a não cooperação dela é a sua discordância com o pedido de efectuação do pagamento da dívida em prestações sem juros formulado pela 1ª Requerente, B. Com efeito, a Requerida, nos termos da lei (parte inicial do n.º 1 do art.º 753º do Código Civil), tem direito a discordar com o pedido de efectuação do pagamento em prestações formulado pela devedora, B. Cosidera-se legal e razoável a não aceitação/recusa, pela credora, do pagamento da quantia em prestações “desejado”47 pela devedora, sendo este um “motivo justificado”.
146. Mesmo que não se entenda assim, nos termos do disposto no art.º 763º do Código Civil48, o devedor deve efectuar a prestação pecuniária no domicílio do credor, porém a devedora, B, nunca se deslocou ao domicílio da credora ou do mandatário desta para pagar a dívida. Como acima referido, a devedora, B, estava parada na “ideia” de pedir à Requerida para aceitar o pagamento em prestações sem juros, e não preparou a ordem de caixa ou outro instrumento de pagamento (outras ordens de pagamento), nem remeteu, por ela própria ou pela sua mandatária, a respectiva ordem de pagamento ao domicílio da credora ou ao escritório do mandatário judicial da credora para ser entregue à credora (ora Requerida).
147. Daí se vislumbra que não se verifica “a prestação feita pela devedora, B, a favor da credora (ora Requerida)”, pelo que, por lógica, não existe “a não aceitação/recusa, pela credora (ora Requerida), da prestação feita a favor dela”. Em suma, os Requerentes nunca fizeram “prestação”, e, por lógica, era impossível que a Requerida não aceitasse/se recusasse uma “prestação” inexistente.
148. Mais, improcede a situação assacada pela decisão recorrida – “a Requerida não praticou actos cooperativos necessários para aceitar a prestação que lhe pretendia oferecer…”. Como é evidente, legal e razoável, a Requerida não pretende cooperar com a 1ª Requerente, B, que lhe pediu que aceitasse a efectuação do pagamento em prestações (sem juros). A 1ª Requerente, B, depositou no Tribunal (parte da) quantia que devia ser paga à Requerida, por Requerida não ter cooperado com a 1ª Requerente (discordar com o pagamento em prestações), o que não é permitido por lei, não se verificando, de forma nenhuma, os pressupostos da “consignação em depósito”.
149. Mais se reafirma que a devedora, B, nunca observou os artigos 753º, n.º 1, e 763º do Código Civil, no sentido de oferecer a prestação à credora no domicílio da mesma, a fim de cumprir a obrigação pecuniária, isto é tal como a 1ª Requerente, B, nunca ofereceu a prestação à Requerida. A 1ª Requerente violou as normas coactivas previstas nos artigos 752º, n.º 2, 759º e 763º, todos do Código Civil, que exigem a boa fé no cumprimento da obrigação e o cumprimento da obrigação, no domicílio da credora (ora Requerida), a favor da mesma ou do mandatário desta.
150. Na verdade, a “ideia” de pagamento da dívida em prestações invocada unilateralmente pela devedora sem o consentimento da credora não pode, evidentemente, ser considerada como o “oferecimento da prestação” pela devedora à credora. In casu, B (ora devedora) não observou os artigos 753º, n.º 1, e 763º do Código Civil, no sentido de realizar a prestação/cumprir a obrigação, no domicílio da credora (ora Autora/Requerida), a favor da mesma, pelo que a Requerida não agiu como o que está referido no início do art.º 802º do Código Civil – “O credor…, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais”.
151. A par disso, a Requerida também não agiu como o que está referido no final do art.º 802º do Código Civil – “…(O credor) não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação”, uma vez que a Requerida (ora credora), por não ter tomado conhecimento de que B (ora devedora) estava pronta para pagar a dívida (por exemplo: ela tinha preparado a ordem de caixa), não podia praticar nenhum acto necessário para cooperar com B no cumprimento da obrigação.
152. Pelo exposto, no caso não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas no art.º 802º do Código Civil, não havendo a “mora da credora”. Em suma, nunca existe a “prestação oferecida pela devedora, B, à credora”, nem as seguintes circunstâncias: “O credor…não aceita a prestação que lhe é oferecida…ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação”.
153. Mesmo que não se entenda assim, não se deve olvidar que no caso não se verifica a circunstância – “O credor…, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais” – prevista no art.º 802º do Código Civil, já que a devedora, B, desejava efectuar o pagamento em prestações sem juros, contudo, nos termos da parte inicial do n.º 1 do art.º 753º do Código Civil, a devedora deve, nos termos legais, pagar integralmente a dívida e não em prestações, podendo a credora recusar-se a aceitar o pagamento parcial da dívida efectuado pela devedora, sendo este um “motivo justificado”, pelo que não se verifica a mora da credora prevista no art.º 802º do Código Civil. Assim, salvo o devido respeito, a decisão recorrida violou o art.º 803º, n.º 2 do Código supracitado, por ter entendido, nos termos da mesma disposição legal, que a devedora, B, não precisava pagar os juros legais referentes ao período de atraso.
154. Pelo exposto, salvo o devido respeito, a decisão recorrida padece do erro na interpretação e na aplicação dos artigos 752º, n.º 2, 753º, n.º 1, 763º, 802º e 803º, n.º 2, todos do Código Civil, por ter interpretado a “não aceitação/recusa, pela Requerida, do pedido de efectuação do pagamento em prestações formulado pela 1ª Requerente, B” como a não prática dos actos necessários ao cumprimento da obrigação49.
155. Para as aludidas disposições legais, a interpretação correcta é: A 1ª Requerente, B (ora devedora) (ou através da sua mandatária judicial), deve, nos termos legais, entregar a ordem de caixa ou outras ordens de pagamento à credora (ora Requerida) no domicílio da mesma, ou ao mandatário judicial desta no escritório do mesmo, para, enfim, ser entregue à credora; a credora (ora Requerida) pode, nos termos legais, não aceitar/recusar-se o pedido de efectuação do pagamento em prestações sem juros formulado pela devedora, B, verificando-se aqui o “motivo justificado” e não havendo a mora da credora prevista no art.º 802º do Código Civil, pelo que não é aplicável o art.º 803º, n.º 2 do mesmo Código. Deste modo, deve declarar-se que o depósito efectuado pela devedora, B, não produz efeito nenhum perante a Autora/Requerida, condenando-se a 1ª Requerente, B, a pagar à Requerida o captital da dívida e os respectivos juros de mora, à taxa legal, em conformidade com o acórdão do TUI que já transitou em julgado.
*
c.III. Erro na interpretação e violação do art.º 832º, n.º 1 do Código Civil, dos artigos 923º, alíneas a) e b), 924º, n.º 3, e 925º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil
156. Como ensina o Professor Antunes Varela, face ao n.º 1 do art.º 832º do Código Civil50: são duas as situações que legitimam a consignação: uma é a mora do credor; outra, a da impossibilidade de o devedor, sem culpa sua, efectuar a prestação (ou efectuá-la com a necessária segurança) por qualquer outro motivo relativo à pessoa do credor. Esta segunda rubrica compreende, entre outros, os seguintes casos: credor incapaz, mas destituído de representante; credor cujo paradeiro se ignora ou credor ausente, mas sem curador nomeado; cessionário cujo direito é contestado; crédito penhorado; dívida à herança, não se sabendo quais sejam os respectivos herdeiros. Não figura entre os pressupostos da consignação a dúvida sobre a existência da obrigação. E a incerteza sobre a pessoa a quem a prestação pode ser efectuada só legitima o recurso à consignação quando for objectiva e não depender apenas da culpa (negligência ou inépcia) do devedor.51
157. No caso sub judice, como acima referido, a devedora, B, nunca preparou a ordem de caixa ou outros instrumentos de pagamento (ordens de pagamento) para pagar a dívida à Autora/Requerida, nem observou o art.º 763º do Código Civil, no sentido de remeter, por ela própria ou pela sua mandatária, a ordem de pagamento ao domicílio da Autora/Requerida (credora) ou ao escritório do mandatário judicial da credora para ser entregue à credora. Daí se vislumbra que não existe o acto de “cumprimento/realização de prestação” praticado pela devedora, B, tampouco (i.e. não existe) o acto de “não aceitação/recusa da prestação que lhe é oferecida” praticado pela credora.
158. Mais, improcede a situação assacada pela decisão recorrida – “a Requerida não praticou actos cooperativos necessários para aceitar a prestação que lhe pretendia oferecer…”. Na verdade, a devedora, B, nunca observou o art.º 753º, n.º 1 do Código Civil, no sentido de oferecer a prestação à credora, a fim de cumprir a obrigação pecuniária. A “ideia” de pagamento da dívida em prestações invocada unilateralmente pela devedora sem o consentimento da credora não pode, evidentemente, ser considerada como o “oferecimento da prestação” pela devedora à credora.
159. Nos termos da parte inicial do n.º 1 do art.º 753º do Código Civil, a credora (ora Requerida) pode não aceitar/recusar-se o pedido de efectuação do pagamento em prestações formulado pela devedora, B, verificando-se aqui o “motivo justificado” e não havendo a mora da credora prevista no art.º 802º do Código Civil. Mais, no caso não se verifica a impossibilidade da prestação ou a inseguridade na realização da prestação devido a qualquer motivo da credora (ora Requerida).
160. Por outras palavras, no caso não existe a situação prevista no n.º 1 do art.º 832º do Código Civil, ou seja, no caso não se verificam os pressupostos da realização do “depósito”. Assim sendo, salvo o devido respeito, a decisão recorrida do Tribunal a quo interpretou erradamente e violou os artigos 832º, n.º 1, e 837º do Código Civil, bem como interpretou erradamente e aplicou indevidamente os artigos 923º, alíneas a) e b), 924º, n.º 3, e 925º, n.º 3 do Código de Processo Civil, por ter validado o “depósito (parcial) da quantia” efectuado pela 1ª Requerente, B, com base na mora da credora (Requerida) dada como provada pela mesma decisão.
161. Nos termos acima expostos, devem ser aplicados correctamente os artigos 832º e 837º (a contrario sensu) do Código Civil, declarando-se que o depósito da quantia de HKD3.173.767,65 efectuado pela 1ª Requerente em 30 de Dezembro de 2019 é inadmissível e não produz efeito perante a Requerida, nem efeito de exoneração/extinção, no todo ou em parte, da obrigação.
*
c.IV. Violação do acórdão n.º 1171/2020 proferido, em 22 de Abril de 2021, pelo TSI no presente processo incidental, que transitou em julgado em 10 de Maio de 2021
162. Conforme o acórdão n.º 1171/2020 proferido, em 22 de Abril de 2021, pelo TSI no presente processo incidental, que transitou em julgado em 10 de Maio de 2021: “…3. No processo de consignação em depósito, se as partes (tanto a Autora/credora como os Réus/devedores) não impugnarem a existência do crédito e a quantia da dívida for determinada pela decisão de última instância ou for determinável em conformidade com a referida decisão, a consignação em depósito só pode ter como objectivo a aceitação do pagamento integral da dívida efectuado pela devedora, e não a aceitação do pagamento parcial, uma vez que isto não só não atinge o objectivo de extinção da relação de obrigação, assim como infringe o princípio fundamental do Direito processual – interdição da prática de actos inválidos. 4. O que significa o total da obrigação? No caso de obrigação pecuniária, a obrigação abrange obrigatoriamente as despesas que devem ser pagas pelo devedor, os juros ou a indemnização a pagar ao credor em consequência da mora – cfr. o art.º 774º do Código Civil…”
163. Na decisão ora recorrida, entendeu o TJB que os juros de mora deviam ser calculados até 19 de Dezembro de 2019, indicando que a quantia dos juros devia ser HKD357.260,30 + HKD12.928,77 e o capital da dívida devia ser HKD2.808.000,00, portanto, a 1ª Requerente, B, deveria pagar uma quantia total de HKD3.178.189,07, a par disso, a quantia de HKD3.173.767,65 depositada (em 30 de Dezembro de 2019) por B ficou com menos HKD4.421,42.
164. A quantia depositada não era suficiente, mas a decisão recorrida validou o depósito, condenando a Requerente, B, no pagamento do montante de HKD4.421,42 e condenando a Requerida no pagamento de 99,84% das custas, na proporção de 3.173.767,65/3.178.189,07.
165. No aludido acórdão proferido no presente processo incidental, o TSI apontou claramente: “…Geralmente, o devedor deve cumprir a obrigação em conformidade com a forma convencionada entre as partes ou com as normas supletivas legais que preceituam o tempo, o espaço e a forma do cumprimento da obrigação. Todavia, como ensina o Professor Antunes Varela, por vários motivos, tal como a não cooperação do credor que não lhe é imputável, …A consignação em depósito é um processo especial instituído por lei que permite que o devedor, conforme a sua vontade, cumpra a obrigação, ficando liberado do vínculo da cooperação do credor. Se o devedor pretender exercer este direito, no sentido de extinguir a obrigação através do depósito da quantia devida, é obrigado a invocar e apresentar prova para convencer o tribunal a crer que são procedentes os pressupostos factuais da consignação em depósito exigidos pelo n.º 1 do art.º 832º do Código Civil. …Por enquanto, ignoramos os pressupostos factuais da consignação em depósito, ou seja, a existência ou não do facto de recusa, por parte do autor, da recepção do pagamento, o Juiz do Tribunal a quo não devia atender apenas ao capital da dívida e não à correctude da quantia dos juros de mora… a consignação em depósito só pode ter como objectivo a aceitação do pagamento integral da dívida efectuado pela devedora, e não a aceitação do pagamento parcial, uma vez que isto não só não atinge o objectivo de extinção da relação de obrigação…” (negrito e sublinhado nosso)
166. No aludido acórdão proferido no presente processo incidental, o TSI apontou claramente que a consignação em depósito só pode ter como objectivo a aceitação do pagamento integral da dívida efectuado pela devedora, e não a aceitação do pagamento parcial. Ou seja, não se pode declarar válido o depósito parcial da quantia da dívida, pelo contrário, deve declarar-se que o depósito parcial da quantia da dívida não é admissível e não produz efeito nenhum, nem qualquer efeito de extinção da obrigação, nem efeito de extinção parcial da obrigação.
167. Com efeito, as decisões proferidas pelos tribunais superiores no caso concreto são vinculantes para os tribunais inferiores, portanto, os tribunais inferiores são obrigados a obedecer-lhes.
168. Salvo o devido respeito, a decisão ora recorrida do TJB não obedeceu à decisão proferida pelo tribunal superior no caso concreto, sendo ilegal e devendo ser anulada pelo douto TSI e substituída por outra decisão que declare que o depósito da quantia de HKD3.173.767,65 efectuado, em 30 de Dezembro de 2019, pela 1ª Requerente, B, é inadmissível e não produz efeito perante a Requerida, nem de extinção, no todo ou em parte, da obrigação.
*
c.V. Erro na interpretação e violação dos artigos 753º, n.º 1, 774º, 832º e 837º do Código Civil, e dos artigos 1º e 376º do Código de Processo Civil
169. Entendeu a decisão ora recorrida que os juros de mora deviam ser calculados até 19 de Dezembro de 2019, indicando que a quantia dos juros devia ser HKD357.260,30 + HKD12.928,77 e o capital da dívida devia ser HKD2.808.000,00, portanto, a 1ª Requerente, B, deveria pagar uma quantia total de HKD3.178.189,07. Daí se vislumbra que, a decisão recorrida fez o cálculo e indicou que a quantia depositada não era suficiente, ficando com menos HKD4.421,42, mas não declarou que a Requerida pudesse obter a quantia total do depósito (HKD3.173.767,65) efectuado pela 1ª Requerente, B, e apenas condenou a 1ª Requerente, B, a pagar à Requerida a quantia de HKD4.421,42, pelo que, salvo o devido respeito, a decisão ora recorrida interpretou erradamente e violou os artigos 753º, n.º 152, e 774º53 do Código Civil.
170. Nos termos legais, o devedor é obrigado a realizar a prestação integral e, em caso de insuficiência da quantia para a quitação da dívida, deve proceder à imputação nos juros e no (parte do) capital em último lugar. A quantia depositada pela1ª Requerente, B, não era suficiente para pagar o capital da dívida, pelo que, evidentemente, o “depósito” feito pela mesma não reúne os requisitos consagrados nos artigos 753º, n.º 1, 774º e 832º do Código Civil.
171. Nesta conformidade, salvo o devido respeito, a decisão recorrida interpretou erradamente e violou os artigos 753º, n.º 1, 774º, 832º e 837º do Código Civil, por ter “(embora tenha) validado o depósito…”.
172. Como ensina o Professor Antunes Varela (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed.), 189 e 192.), dado que a lei não aceita o cumprimento parcial, o tribunal também não deve reconhecer o mero depósito parcial da quantia da dívida efectuado através da consignação em depósito nem aceitar que o depósito parcial produza efeito de exoneração, no todo ou em parte, da obrigação54.
173. De facto, no acórdão n.º 1171/2020 proferido, em 22 de Abril de 2021, no presente processo incidental, o TSI apontou claramente que, segundo o princípio do acesso aos tribunais vedado pelos artigos 832º e 837º do Código Civil e pelo art.º 1º do Código de Processo Civil, a consignação em depósito só pode ter como objectivo a aceitação do pagamento integral da dívida efectuado pela devedora, e não a aceitação do pagamento parcial, uma vez que isto não só não atinge o objectivo de extinção da relação de obrigação, assim como infringe o princípio fundamental do Direito processual – interdição da prática de actos inválidos.
174. Embora se presuma a verificação dos pressupostos da “consignação em depósito” (entende a Requerida que não se verificam os pressupostos em causa), a devedora é obrigada a depositar a quantia total da dívida, incluindo o capital e os juros de mora calculados até à data do seu depósito. Face a isto, no ponto 4 do articulado apresentado em 1 de Junho de 2020, a 1ª Requerente, B, referiu: “…os juros foram calculados até à data do seu depósito…”, ou seja, até ao dia 30 de Dezembro de 2019. (vide ponto 4 de fls. 76 dos autos do incidente)
175. A quantia da dívida deve ser HKD3.186.439,97 se for calculada até ao dia 30 de Dezembro de 2019. Fórmulas do cálculo:
➢ Os juros que devem ser pagos pela 1ª Requerente sobre o capital HKD388.000,00:
(HKD388.000,00 x 9,75% x 9 anos) + (HKD388.000,00 x 9,75% ÷ 365 dias x 173 dias) = HKD358.400,38
➢ Os juros que devem ser pagos pela 1ª Requerente sobre o capital HKD2.420.000,00:
HKD2.420.000,00 x 9,75% ÷ 365 dias x 31 dias = HKD20.039,59
O valor total dos juros que deve ser pago pela 1ª Requerente até 30 de Dezembro de 2019: 358.400,38 + 20.039,59 = 378.439,97
Vê-se que (2) capitais + soma dos juros = HKD3.186.439,97
176. Todavia, a 1ª Requerente apenas depositou a quantia de HKD3.173.767,65, ficando com menos HKD12.672,32 em relação à parte do capital. Daí se vislumbra que não está correcta a quantia de HKD4.421,42 que foi calculada e indicada pela decisão recorrida como o valor que ficou a menos. Por outras palavras, a 1ª Requerente, B, como devedora, não procedeu ao depósito integral da quantia da dívida, não reunindo os requisitos previstos nos artigos 832º e 837º do Código Civil, pelo que fica sem efeito o depósito.
177. A par disso, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 753º do Código Civil, a devedora deve realizar a prestação integral. Por conseguinte, a Requerida, como credora, tem direito a receber, por uma única vez, a quantia total da dívida, e não em duas vezes separadas, em HKD3.173.767,65 e HKD4.421,42, respectivamente55.
178. Nos termos do disposto no art.º 837º do Código Civil, o Tribunal a quo devia declarar sem efeito o depósito, não produzindo efeito de extinção (no todo ou em parte) da obrigação, bem como não devia, em vários anos posteriores, na data da prolação da decisão (26 de Julho de 2022), deixar de declarar que a Requerida puderia obter a quantia total do depósito (HKD3.173.767,65) efectuado pela 1ª Requerente, B, e apenas condenou a devedora a pagar a quantia (diferença) de HKD4.421,42 calculada até à data do requerimento de passagem de guia (19 de Dezembro de 2019) que ocorreu há muitos anos.
179. Salvo o devido respeito, a decisão recorrida interpretou erradamente e violou os artigos 774º, 832º e 837º do Código Civil, e os artigos 1º e 376º, n.ºs 1 e 256 do Código de Processo Civil, por ter (embora tenha) validado o depósito, condenado a 1ª Requerente, B, apenas no pagamento da quantia de HKD4.421,42, e condenado a Requerida no pagamento de 99,86% das custas, na proporção de 3.173.767,65/3.178.189,07, enquanto a 1ª Requerente no pagamento de 0,14% das custas, na proporção de 4.421,42/3.178.189,07.
180. O cálculo deve ser feito em função da proporção mencionada no n.º 2 do art.º 376º do Código de Processo Civil, trata-se aqui da proporção do decaimento e não da proporção da quantia depositada ou em falta.
181. No presente processo incidental, salvo o devido respeito, na decisão, o Tribunal a quo ignorou completamente o pedido de levantamento das hipotecas judiciais apresentado pelo 2º Requerente, C, com fundamento no cumprimento integral da obrigação; a decisão recorrida apenas se trata da “consignação em depósito”, separadamente, em duas partes (sobre as questões da verificação ou não dos pressupostos do depósito e da suficiência ou não da quantia depositada), onde se validaram (tenham sido validados) os pressupostos do depósito – com que não concorda a Requerida – e, simultaneamente, se apontou a insuficiência da quantia depositada pela 1ª Requerente; não se deve olvidar que, conforme o acórdão proferido pelo TUI no caso que já transitou em julgado, a Requerente (sic) tem direito a receber a quantia de HKD3.173.767,65 depositada pela 1ª Requerente, B, que faz parte da obrigação que deve ser cumprida pela 1ª Ré (ora 1ª Requerente) a favor da Autora (ora Requerida), em conformidade com a decisão do TUI. Portanto, a Requerida não saiu vencida nessa parte do caso.
182. A decisão recorrida declarou que era insuficiente a quantia depositada pela 1ª Requerente, B, pelo que saiu vencida a 1ª Requerente, B, nessa parte do caso. Se se presumir que a 1ª Requerente, B, tem direito a efectuar o depósito, a proporção do decaimento da Requerida não pode ser superior a 50% – sendo esta uma mera hipótese exposta para efeito da cautela do processo e não significa que a Requerida entenda que a 1ª Requerente tem direito a efectuar o depósito ou ela própria saiu vencida no caso –, porém, a decisão recorrida do Tribunal a quo condenou a Requerida a sustentar 99,86% das custas, pelo que, salvo o devido respeito, verifica-se manifestamente o erro na interpretação e a violação do art.º 376º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
183. Aqui, a Requerida tenta fazer o cálculo preliminar da taxa de justiça do presente incidente julgado em primeira instância (pode não ser exacto), com base no valor da causa do presente incidente (inferior a MOP3.400.000,00). Nos termos dos artigos 12º, n.º 1 (em conjugação com o que consta da tabela da taxa de justiça anexa), e 14º, al. n) do Decreto-Lei n.º 63/99/M (Regime das Custas nos Tribunais), a taxa de justiça do presente incidente é de MOP5.150,00 = MOP20.600,00 x 0,25.
184. O Tribunal a quo condenou a 1ª Requerente, B, a sustentar 0,14%, no montante de MOP7,16 = 5.150,00 x 0,14%, sendo inferior a MOP10,00, e condenou a Requerida a sustentar 99,86%, no montante de MOP5.142,84 = 5.150,00 x 99,86%. Daí se vislumbra que o Tribunal a quo, por um lado, concluiu que a quantia depositada pela 1ª Requerente, B, era insuficiente, ficando com menos HKD4.421,42, e, em consequência, condenou-a a pagar à Requerida a quantia sobredita, e, por outro lado, condenou a Requerida a sustentar 99,86% das custas, com taxa de justiça de MOP5.142,84 em primeira instância, de acordo com o cálculo preliminarmente efectuado, sendo superior à quantia (MOP4.421,42) que ela poderia receber, em conformidade com a decisão do mesmo Tribunal. Salvo o devido respeito, além de ilegal, isto é também totalmente irrazoável.
185. A 1ª Requerente, B, não pagou a dívida em conformidade com a decisão do TUI e apenas procedeu ao depósito parcial da quantia; o 2º Requerente, C, pediu o levantamento das hipotecas judiciais com fundamento no cumprimento integral da obrigação; a Requerida respondeu que não se verificavam os pressupostos do depósito e que a quantia depositada não era suficiente; se a Requerida não tivesse invocado na resposta a inexistência dos pressupostos do depósito ou a insuficiência da quantia depositada, seria impossível a defesa dos direitos e interesses legítimos da mesma, nomeadamente, seria resolvido o direito à hipoteca judicial desta; sem margem de dúvidas, a Requerida estava a exercer, legalmente, os seus direitos; por um lado, o Tribunal a quo concluiu que era insuficiente a quantia depositada pela1ª Requerente, B, e, por outro lado, condenou a Requerida a sustentar a esmagadora maioria ou quase o total das custas, cuja quantia era até superior à da diferença que ela poderia receber em conformidade com a decisão em causa, verificando-se a desrazoabilidade total e a violação do art.º 376º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
186. Deste modo, mesmo que se presuma que a 1ª Requerente tem direito a efectuar o depósito, devido à insuficiência da quantia depositada pela mesma, ela deve sustentar, pelo menos, 50% das custas. In casu, pelo acima exposto, a decisão recorrida deve ser integralmente anulada, declarando-se que o depósito efectuado pela 1ª Requerente, B, é inadmissível e não produz efeito perante a Requerida, nem efeito de extinção, no todo ou em parte, da obrigação, e condenando-se a 1ª Requerente, B, e o 2º Requerente, C, a pagarem integralmente as custas, e não apenas 0,14% das custas, visto que este incidente foi causado pela 1ª Requerente, B, e pelo 2º Requerente, C, cabendo-lhes o pagamento integral das custas, ao abrigo do art.º 376º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
c.VI. Não é aplicável o art.º 925º, n.º 3 do Código de Processo Civil, mas sim o art.º 928º, n.º 1 do mesmo Código e o art.º 837º do Código Civil interpretado a contrario sensu
187. Os artigos 920º a 926º do Código de Processo Civil preceituam: em caso de inexistência de acção declarativa ou acção executiva intentada como processo principal pelo credor contra o devedor, o devedor intenta, por iniciativa própria57, no tribunal o processo especial de “consignação em depósito”, depositando a quantia da dívida que julgue dever (nunca existe sentença judicial que declare o quantum da dívida), neste caso, a “consignação em depósito” é o processo principal, e não o incidente.
188. Ao contrário, o art.º 928º do Código de Processo Civil preceitua: em caso de existência de acção declarativa ordinária intentada como processo principal pelo credor contra o devedor, e tal processo principal encontra-se pendente, o devedor deposita a quantia da dívida que julgue dever (já existe o processo principal intentado pelo credor no tribunal que se encontra pendente), mas os pressupostos do depósito consistem em que o devedor é obrigado a requerer antes, no processo em causa, que seja notificado o credor (requerido) para receber, por termo, a quantia em apreço, no dia e hora designados, portanto, o devedor só pode efectuar o depósito, quando o credor não tenha recebido a quantia, no dia e hora designados.
189. No caso sub judice, já em 2011, a Autora (credora) intentou no TJB a acção declarativa com processo ordinário que correu os seus termos sob o n.º CV2-11-0038-CAO, contra os Réus, B (devedora) e C, sendo processo principal a que foi apendiculo o presente incidente. No processo principal, foi citada a devedora, B, e, no acórdão proferido, em 29 de Novembro de 2019, pelo TUI no processo n.º 58/2017, foi condenada a 1ª Ré, B, a pagar à Autora a quantia do capital da indemnização determinada e os juros de mora determinável à taxa legal. (vide fls. 1053 a 1102 dos autos principais)
190. O supracitado acórdão do TUI transitou em julgado em 11 de Fevereiro de 2020. A 1ª Requerente, B, procedeu ao depósito da quantia em 30 de Dezembro de 2019. Daí se vislumbra que a data do depósito efectuado pela 1ª Requerente é anterior à de trânsito em julgado do acórdão do TUI em apreço, ou seja, durante a pendência da acção declarativa ordinária em causa. Por conseguinte, ao caso não é aplicável o art.º 925º, n.º 3 do Código de Processo Civil, mas sim, o “depósito” deve ser tratado nos termos do art.º 928º, n.º 1 do mesmo Código.
191. Pelos elementos constantes dos autos, durante a pendência do processo principal, a 1ª Requerente, B (ora devedora), pediu directamente ao TUI a emissão da guia de depósito em 19 de Dezembro de 2019 e procedeu ao depósito da quantia em 30 de Dezembro de 2019, mas, nos autos, nunca requereu, nos termos do art.º 928º, n.º 1 do Código de Processo Civil58, que fosse notificada a credora (ora Autora/Requerida) para receber, por termo, na data e hora fixadas, a quantia em apreço59.
192. In casu, a 1ª Requerente, B (ora devedora) nunca apresentou, nos termos da norma legal supracitada, o requerimento em apreço e, depois da prolação do acórdão pelo TUI e antes de trânsito em julgado do acórdão (durante a pendência), pediu directamente a emissão da guia de depósito, depositando directamente parte da quantia da dívida. Tal prática da 1ª Requerente violou manifestamente o art.º 928º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
193. A 1ª Requerente, B (ora devedora) nunca requereu, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 928º do Código de Processo Civil, que a credora seja notificada para receber, por termo, a quantia, no dia e hora que forem designados, pelo que ao presente incidente não é aplicável o art.º 925º, n.º 3 do Código de Processo Civil, nem é aplicável a sobredita disposição por remissão do art.º 928º, n.º 2 do mesmo Código, já que se considera os pressupostos de aplicação do art.º 928º, n.º 2 a notificação da credora no processo.
194. Assim sendo, salvo o devido respeito, independentemente de os quesitos 1º e 2º da base instrutória terem sido ou não “provados” e da suficiência ou não da quantia depositada, a decisão recorrida não devia aplicar o art.º 925º, n.º 3 do Código de Processo Civil para condenar apenas a 1ª Requerente, B, a pagar à Requerida a quantia de HKD4.421,42, mas sim, aplicar o art.º 928º, n.º 1 do mesmo Código para declarar que o “depósito” é inadmissível e não produz efeito nenhum perante a credora (ora Requerida), nem efeito de extinção, no todo ou em parte, da obrigação, uma vez que a 1ª Requerente, B, efectuou directamente o depósito, sem ter requerido, nos termos da norma supracitada, que fosse notificada a credora (ora Requerida) para receber, por termo, a quantia, no dia e hora designados.
195. Além disso, vale aqui reafirmar que conforme a conclusão do acórdão n.º 1171/2020 proferido, em 22 de Abril de 2021, pelo TSI no presente processo incidental, que já transitou em julgado: “…3. No processo de consignação em depósito, se as partes (tanto a Autora/credora como os Réus/devedores) não impugnarem a existência do crédito e a quantia da dívida for determinada pela decisão de última instância ou for determinável em conformidade com a referida decisão, a consignação em depósito só pode ter como objectivo a aceitação do pagamento integral da dívida efectuado pela devedora, e não a aceitação do pagamento parcial, uma vez que isto não só não atinge o objectivo de extinção da relação de obrigação, assim como infringe o princípio fundamental do Direito processual – interdição da prática de actos inválidos…”
196. No presente incidente, embora se presuma que foram dados como “provados” os quesitos 1º e 2º da base instrutória, e que foram reunidos os pressupostos da “consignação em depósito” previstos na lei substantiva – sendo esta uma mera hipótese exposta para efeito da cautela do processo e não significa que esta seja aceite pela Requerida –, a 1ª Requerente, B, é obrigada a depositar a quantia total da dívida (capital + juros de mora).
197. No acórdão n.º 58/201760 proferido, em 29 de Novembro de 2019, no processo principal do caso, o TUI determinou a quantia do capital da dívida que a 1ª Ré/1ª Requerente, B, deveria pagar à Autora/Requerida, a par disso, os juros de mora fixados pelo TUI são determináveis, uma vez que a quantia exacta desses juros pode ser calculada por simples operações matemáticas.
198. O acórdão n.º 1171/2020 proferido, em 22 de Abril de 2021, pelo TSI no presente incidente já transitou em julgado, sendo vinculante para os tribunais inferiores. O TSI apontou claramente no seu acórdão: a “consignação em depósito” só pode ter como objectivo a aceitação do pagamento integral da dívida efectuado pela devedora, e não a aceitação do pagamento parcial.
199. Isto é, nos termos legais, o TJB não podia declarar válido o depósito parcial da quantia da dívida; pelo contrário, devia declarar que o depósito parcial da quantia da dívida não produzia efeito nenhum perante a credora, bem como não produzia qualquer efeito de extinção da dívida, nem efeito de extinção parcial da dívida, ou seja, devia ser considerado inexistente o “depósito” e ser condenada a 1ª Requerente, B, a pagar a dívida à Autora/Requerida, em conformidade com o acórdão transitado em julgado do TUI.
200. Ademais, por força do art.º 837º do Código Civil interpretado a contrario sensu, o TJB devia, nos termos legais, declarar sem efeito o “depósito”, não produzindo efeito de extinção (no todo ou em parte) da obrigação, bem como não devia, na decisão proferida em vários anos posteriores (26 de Julho de 2022), condenar meramente a devedora a pagar a quantia (diferença) calculada até à data do requerimento de passagem de guia (19 de Dezembro de 2019) que ocorreu há muitos anos, mormente, durante mais de dez anos, a credora (ora Autora/Requerida) não podia obter a quantia da dívida que tinha sido confirmada pelo acórdão transitado em julgado do TUI. A Requerida não recebeu nada desde a propositura da acção em 2011 até ao presente momento.
201. Pelo exposto, salvo o devido respeito, a decisão recorrida deve aplicar o art.º 928º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e o art.º 837º do Código Civil interpretado a contrario sensu para declarar que o “depósito” efectuado por B em 30 de Dezembro de 2019 é inadmissível e não produz efeito perante a Requerida, nem efeito de exoneração ou extinção, no todo ou em parte, da obrigação, ou seja, não há nenhuma exoneração ou extinção da dívida da 1ª Requerente, B, condenando a 1ª Requerente, B, a pagar integralmente a quantia da dívida à Autora/Requerida, em conformidade com o acórdão transitado em julgado do TUI, porém a decisão recorrida padece do erro na aplicação do art.º 925º, n.º 3 do Código de Processo Civil, por ter condenado a 1ª Requerente, B, a pagar à Requerida apenas a quantia de HKD4.421,42.
202. Portanto, no presente incidente, embora se presuma que foram dados como “provados” os quesitos 1º e 2º da base instrutória, e que foram reunidos os pressupostos da “consignação em depósito” previstos na lei substantiva – sendo esta uma mera hipótese exposta para efeito da cautela do processo e não significa que esta seja aceite pela Requerida –, a decisão recorrida não devia aplicar os artigos 920º a 926º (nomeadamente o art.º 925º, n.º 3) do Código de Processo Civil para declarar (ainda que) válido o depósito, condenando a 1ª Requerente, B, a pagar à Requerida apenas a quantia de HKD4.421,42, mas sim, devia aplicar o art.º 928º, n.º 1 do mesmo Código, visto que a 1ª Requerente, B, não observou a norma supracitada, ou seja, efectuou directamente o depósito, sem ter requerido antes, no processo, que fosse notificada a credora (ora Requerida) para receber, por termo, a quantia em apreço, no dia e hora designados61, pelo que devia declarar que o “depósito” (independentemente da suficiência ou não da quantia depositada), por ter sido efectuado sem a observância do art.º 928º, n.º 1 do Código de Processo Civil, era inadmissível e não produzia efeito perante a Requerida, nem qualquer efeito de extinção ou exoneração da dívida.
203. Destarte, igualmente, é improcedente o pedido de levantamento das hipotecas judiciais constituídas sobre os três bens imóveis formulado pelo 2º Réu/2º Requerente, C.
204. Nos termos expostos, deve declarar-se que o “depósito” (independentemente da suficiência ou não da quantia depositada) efectuado pela 1ª Ré/1ª Requerente, B, é inadmissível e não produz efeito perante a Autora/Requerida, não havendo nenhuma exoneração ou extinção da dívida da mesma, condenando a 1ª Requerente, B, a pagar integralmente a quantia da dívida à Autora/Requerida, em conformidade com o acórdão transitado em julgado do TUI.
Nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes do TSI que concedam provimento ao presente recurso e, em consequência:
1. Anulem o conteúdo integral da decisão da senteça recorrida proferida pelo TJB em 26 de Julho de 2022;
2. Declarem, nos termos do art.º 928º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e do art.º 837º do Código Civil interpretado a contrario sensu, que o “depósito” efectuado pela 1ª Ré/1ª Requerente, B, é inadmissível e não produz efeito perante a Autora/Requerida, nem efeito de exoneração ou extinção, no todo ou em parte, da obrigação, ou seja, não há nenhuma exoneração ou extinção da dívida de B;
3. Declarem que o depósito é considerado inexistente, condenando a 1ª Ré/1ª Requerente, B, a pagar a dívida integral à Autora/Requerida, A, em conformidade com o acórdão n.º 58/2017 proferido, em 29 de Novembro de 2019, pelo TUI nos autos principais62:
a) A quantia do capital HKD2.808.000,00; acrescida dos
b) Juros de mora calculados, à taxa legal, a partir de 10 de Julho de 2010, com base no montante de HKD388.000,00, e a partir da data da prolação do acórdão do TUI em apreço (29 de Novembro de 2019), com base no montante de HKD2.420.000,00, até a efectiva e integral recepção da quantia do crédito;
e
4. Condenem os dois Réus/Requerentes a suportarem integralmente as custas (incluindo as custas do processo julgado pelo Tribunal a quo).
Contra-alegando veio a Requerente/Recorrida, apresentar as seguintes conclusões:
I. A decisão final proferida nos presentes autos pelo Tribunal Judicial de Base não sofre de qualquer vício de direito e os seus fundamentos de facto e de direito estão correctamente aplicados à situação concreta
II. A decisão recorrida faz uma acertada e justa decisão face à matéria de factos provada.
III. A Requerida não aceitou receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão, de 29 de Novembro de 2019, proferido nos autos de recurso correndo junto do Tribunal de Última Instância.
IV. A Requerida através do seu advogado informou que se recusava a receber qualquer quantia porque achava que tinha direito a receber mais.
V. A rejeição do pagamento faz incorrer a Requerida/Recorrente na responsabilidade de culpada por não ter recebido a quantia estipula pelo Tribunal de Última Instância.
VI. A Requerida/Recorrente tem como único interesse ganhar e enriquecer com juros legais de 9,75% sobre uma situação em que é a única responsável de ter criado a situação.
VII. As testemunhas foram ouvidas e não existia qualquer limitação legal para não terem essa qualidade.
VIII. A Requerente/Recorrida tentou com todo o esforço pagar dentro do prazo de trânsito da decisão do Tribunal da Última Instância e foi a Requerida/Recorrente que sempre afirmou que não aceitaria qualquer pagamento porque o Tribunal errou nos valores atribuídos – mesmo sabendo que não caberia qualquer recurso da decisão.
IX. Aliás, até ao presente momento a Requerida/Recorrente não recebeu o dinheiro porque não quis e não quer.
X. O pagamento feito corresponde ao cumprimento do estipula no acórdão proferido em 29 de Novembro de 2019 e a Requerente/Recorrida – face a recusa da Requerida/Recorrente de receber a quantia – quis interromper os respectivos juros legais, bem como, pretendeu demonstrar a sua boa-fé e a sua intenção em cumprir com a decisão judicial.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO I
Versa o presente recurso sobre a admissibilidade da testemunha C a depor como testemunha.
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«De acordo com o acórdão do TSI constante de fls. 1349 a 1360 dos autos principais, nos termos do disposto na segunda parte do n.º 1 do art.º 925.º do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo deve conhecer, de forma incidental, a questão de saber se a consignação em deposito é valida.
Conforme a decisão proferida pelo TUI nos autos principais, foi apenas condenada a 1.ª Ré B a pagar à Autora a quantia e os respectivos juros nos autos principais.
Conforme fls. 1118 e 1120 dos autos principais, o depósito em questão foi apenas feito pela devedora em questão, B, e não por terceiro ou pelo 2.º Réu dos autos principais. No presente incidente, a requerida (ou seja, autora no processo principal) não só põe em causa se a consignação em depósito é suportada por fundamentos legítimos, mas também põe em causa o respectivo valor é suficiente. Daí pode-se ver que a questão a discutir no presente incidente é a de saber se uma dívida entre a autora e a 1ª Ré nos autos principais deve ser extinta com base na consignação em depósito válida. Considerando que o 2º Réu do processo principal não é um dos sujeitos da relação de dívida em causa, nem nunca tentou liquidar como terceiro a respectiva dívida para extinguir a mesma, mesmo do ponto de vista da legitimidade processual, o 2.º Réu do processo principal não tem qualquer legitimidade para participar no presente incidente.
De facto, caso a autora do processo principal propor a execução da obrigação pecuniária condenada pelo TUI numa outra acção executiva autónoma, o 2.º Réu também não tem legitimidade para ser o executado naquela acção executiva. Além disso, na hipótese de que a 1.ª Ré do processo principal optou inicialmente por tentar liquidar a dívida através de um outro processo de consignação em depósito totalmente independente, C também não tem legitimidade para ser um dos requerentes daquele processo de consignação.
Tendo em consideração todos os fundamentos acima referidos, uma vez que C não é uma das partes do presente incidente, o mesmo está qualificado para ser testemunha no pressente incidente.
A taxa de justiça do presente incidente é fixada no mínimo legal, e fica a cargo da requerida.
Do despacho que antecede, foram todos os presentes notificados, os quais disseram ficar bem cientes.».
Sustentando que C foi o 2º Réu na acção principal entende a Requerida que o despacho recorrido fez errada interpretação do disposto no artº 518º do CPC.
A audição da testemunha em causa ocorreu no presente incidente de consignação em depósito.
Na acção principal como sobejamente resulta dos autos o ali 2º Réu C foi absolvido de todos os pedidos.
O presente incidente de consignação em depósito respeita apenas à ali 1ª Ré B e à ali Autora A.
O objecto destes autos consiste em apreciar se houve motivo legitimo para a consignação em depósito.
O objecto do depósito é o valor de capital e juros em que a 1ª Ré foi condenada a pagar à Autora na acção principal.
O artº 518º do CPC dispõe que “estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.”.
Estando a causa principal definitivamente julgada e definido o objecto deste incidente que é posterior àquela e apenas uma decorrência do que ali se decidiu, pergunta-se se o 2º Réu naquela acção C podia aqui – neste incidente - depor como parte?
Salvo melhor opinião a resposta apenas pode ser negativa.
A relação controvertida entre a Autora e o ali 2º Réu C terminou com o trânsito em julgado daquela sentença.
C não tem qualquer interesse em contradizer ou demandar nestes autos, uma vez que o pagamento do objecto da condenação naquela outra acção não é da sua responsabilidade.
Não se invocando outro fundamento que não seja o disposto no artº 518º do CPC, bem se decidiu na decisão recorrida ao admitir o depoimento de C.
Acrescenta-se ainda que o alegado requerimento a pedir o levantamento da hipoteca das suas fracções subscrito por C não faz parte do objecto destes autos, em nada interessando para a decisão aqui a tomar, pelo que é irrelevante.
Destarte, confirmando-se a decisão recorrida, impõe-se negar provimento ao recurso interlocutório interposto quanto à audição da testemunha C.
DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO II
Vem este recurso interposto do despacho que entendeu que a testemunha Drª D podia testemunhar e por a questão que lhe foi formulada envolver a violação do sigilo profissional.
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Em primeiro, como o ponto de visto do processo do TSI n.º 616/2007, invocado pelo despacho de fls. 121 a 122v. dos presentes autos, os advogados podem testemunhar na audiência de julgamento quando o conteúdo não envolve o segredo profissional, em termos abstractos, os advogados podem ser arrolados como testemunha na audiência de julgamento. Mas, o que deve ser atendido é se as perguntas a ser concretamente levantadas envolvem o segredo profissional.
Além disso, nos termos do disposto no art.º 517.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, dispõe-se que “tem capacidade para ser testemunha qualquer pessoa que não esteja interdita por anomalia psíquica”.
Pelo exposto, o Juízo entende que, se o conteúdo das conversas entre os advogados não envolva o âmbito do segredo profissional, não impede os advogados para ser testemunha. Além disso, mesmo que ocorram algumas circunstâncias que possam pôr em causa a objectividade ou imparcialidade do depoimento de tal testemunha, o que diz apenas respeito à credibilidade do depoimento da testemunha, não à questão de saber se pode ser arrolada como testemunha.
O conteúdo acima dito é o julgamento do tribunal sobre a questão de saber se a advogada, Dra. D, pode ser arrolada como testemunha.
Notifique.».
Entende a Requerida e ora Recorrente que a audição da Advogada que patrocinou a aqui Requerente e Recorrida na acção em que foi condenada envolve a violação do artº 26º nº 2 do Código Deontológico dos Advogados, sendo certo que, pela Associação de Advogados de Macau não foi aquela Advogada autorizada a depor nestes autos quanto à matéria dos quesitos 1º e 2º.
As perguntas que lhe foram feitas foi apenas se por ordem do seu cliente contactou o advogado da parte contrária ao que respondeu afirmativamente.
Dispõe o artº 6º do Código Deontológico dos Advogados que:
1. Os advogados não podem ser inquiridos ou revelar factos que constituam segredo profissional e de que tiverem tido conhecimento no exercício das suas funções.
2. São nulas todas as provas obtidas através de declarações feitas pelo advogado com violação do segredo profissional.
Nos termos do nº 2 do artº 26º do mesmo diploma «O advogado não deve invocar publicamente, em especial perante tribunais, quaisquer negociações transacionais malogradas, quer verbais, quer escritas, em que tenha intervindo como advogado.».
Ora, uma coisa é dizer que a pedido do seu cliente contactou um colega, outra, revelar o conteúdo da conversa e das eventuais negociações.
No caso dos autos a testemunha em causa apenas confirmou que fez o que o seu cliente lhe pediu e que contactou o seu colega.
O que disse, o que falaram e o que mais haja resultado desse contacto não falou por não ter obtido a necessária autorização da Associação de Advogados.
Logo, a Advogada ouvida não revelou nada que esteja a coberto do sigilo profissional, mas apenas que desempenhou a tarefa que lhe foi encomendada pelo seu cliente.
Destarte, nada impedindo que os advogados sejam testemunhas, não se tendo demonstrado que haja sido violado o sigilo profissional, impõe-se negar provimento ao recurso quanto a esta matéria, mantendo-se o despacho que ordenou a inquirição desta testemunha e das perguntas que lhe foram feitas.
DO RECURSO DA DECISÃO FINAL
1. FACTOS
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. De acordo com o acórdão proferido pelo Mm.º Juiz do TUI em 29 de Novembro de 2019, foi condenada a 1.ª requerente, B (1.ª Ré nos autos principais), a pagar à requerida, A (Autora nos autos principais), HKD$2.808.000,00 (dois milhões e oitocentos e oito mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros de mora legais sobre HKD$388.000,00, a partir de 10 de Julho de 2010 e sobre HKD$2.420.000,00 a partir da data do acórdão (vide fls. 1053 a 1102 dosa autos principais). (alínea a) dos factos provados)
2. Em 16 de Dezembro de 2019, a requerida apresentou ao TUI a arguição de nulidade do acórdão acima referido (vide fls. 1107 a 1115 dos autos principais). (alínea b) dos factos provados)
3. Em 19 de Dezembro de 2019, uma vez que o acórdão acima referido é a decisão da última instância e a requerida se recusou a receber a quantia e os juros de mora, condenados a ser paga pela requerente no acórdão, a 1.ª requerente pediu ao TUI a emissão de uma guia de depósito no valor total de HKD3.173.767,65 (incluindo o capital de HKD2.808.000,00 e os juros de HKD365.767,65), a fim de fazer a consignação em deposito através do tribunal (vide fls. 3 dos autos). (alínea c) dos factos provados)
4. Em 19 de Dezembro de 2019, o Relator deferiu o pedido de consignação em depósito acima referido e, ordenou a emissão de uma guia de depósito à 1.ª requerente no valor de HKD3.173.767,65 (vide fls. 4 dos autos). (alínea d) dos factos provados)
5. Em 30 de Dezembro de 2019, através da guia, a 1.ª requerente depositou uma quantia de HKD3.173.767,65 no Banco XX (vide fls. 7 dos autos). (alínea e) dos factos provados)
6. Em 31 de Dezembro de 2019, a 1.ª requerente pediu a notificação à requerida do depósito indicado na alínea E) dos factos assentes, a fim de poder levantá-lo quando quiser (vide fls. 6 dos autos). (alínea F) dos factos assentes)
7. De acordo com o acórdão proferido em 22 de Janeiro de 2020 pelo Juiz do TUI, foi julgada improcedente a arguição de nulidade do acórdão apresentada pela requerida (vide fls. 1134 a 1143 dos autos principais). (alínea G) dos factos provados)
8. O acórdão do TUI indicado na alínea A) dos factos assentes transitou em julgado em 11 de Fevereiro de 2020 (vide fls. 1160 dos autos principais). (alínea H) dos factos provados)
9. Em 25 de Março de 2020, através do ofício, o TJB notificou à requerida do requerimento do cancelamento do registo de hipoteca judicial dos três bens imóveis apresentado pelo 2.º Réu e do depósito indicado na alínea E) dos factos assentes (vide fls. 1164 a 1171 e 1173 e v. dos autos principais). (alínea I) dos factos provados)
- Os factos provados após a audiência de julgamento: (o fundamento do reconhecimento dos factos pode consultar fls. 226 a 232 do presente apenso)
10. Antes do depósito referido na al. E) dos Factos Assentes, a Requerida não aceitou receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão, de 29 de Novembro de 2019, proferido nos autos de recurso correndo junto do Tribunal de Última Instância. (Resposta ao quesito 1º)
11. A Requerida através do seu advogado informou que se recusava a receber qualquer quantia porque achava que tinha direito a receber mais. (Resposta ao quesito 2º)
12. Após C (2.º Réu nos autos principais) ter apresentado o requerimento de fls. 1164 dos autos principais (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), a requerida, A, apresentou o requerimento de fls. 1176 a 1190 dos autos principais (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (Resposta ao quesito 4º)
Do recurso quanto à matéria de facto
Nas suas conclusões de recurso vem a Recorrente impugnar a resposta dada à Base Instrutória no que concerne aos quesitos 1º e 2º.
Começa a Recorrente por alegar que a matéria destes dois quesitos é conclusiva e de direito.
É do seguinte teor os quesitos em causa:
1º
A Requerida não aceita receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão proferido nos autos de recurso correndo junto ao Tribunal de Última Instância?
2º
A Requerida através do seu advogado informou que se recusava a receber qualquer quantia porque achava que tinha direito a receber mais?
Será esta matéria conclusiva?
Querer ou não querer receber será uma conclusão ou um facto?
Informar que se recusava a receber por entender que tinha direito a receber mais será um facto ou uma conclusão?
Segundo o dicionário da Língua Portuguesa 2009 da Porto Editora facto pode ser um dado da experiência, acção realizada, acontecimento, o que existe, aquilo que é real, ocorrência que se verificou ou que se verificará.
Pode usar-se a expressão “isto é um facto” no sentido de significar, isto é real, isto é verdadeiro ou, a expressão “facto” no sentido de uma ocorrência, um acontecimento da vida que se verificou, que aconteceu ou vai acontecer.
Recusar receber ou receber pressupõe uma acção humana determinada pela vontade do sujeito que a pratica. Se alguém recebeu alguma coisa ou recusou receber foi um acontecimento da vida determinado pela vontade do sujeito e como tal foi um facto.
Da mesma forma, recusar receber porque entendemos que temos direito a receber mais, isto também é um facto.
Sendo parte do conhecimento comum dos seres humanos o que é receber ou recusar receber e acrescentar-lhe uma razão para o efeito, isto também não é um conceito direito.
Logo o que se pergunta não é nenhuma conclusão ou conceito de direito como se invoca.
Outra coisa que não se confunde com o facto ser conclusivo ou não, é o tribunal perante a conjugação de determinados elementos, os chamados factos instrumentais, concluir pela verificação, pela prova de determinado facto, mas isto não faz com que o facto seja conclusivo.
Mas desta matéria cuidaremos adiante.
Não sendo os factos conclusivos nem conceito de direito improcede este argumento do recurso impondo-se agora apreciar as respostas dadas uma vez que a Recorrente se insurge contra a resposta dada a estes dois quesitos.
A fundamentação da decisão do tribunal “a quo” quanto as respostas dadas à Base Instrutória, é a seguinte:
«Antes de fazer uma análise específica, em primeiro lugar vamos classificar em síntese as circunstâncias que tiveram importância para a ocorrência dos incidentes envolvidos no processo principal:
O Tribunal de Última Instância proferiu sentença em 29 de Novembro de 2019 constante nas fls. 1053 a 1102 do processo principal, no qual condenou a Requerente no pagamento à Requerida a quantia de HK$2.808.000,00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, calculados com base no valor de HK$ 388.000,00 contados desde 10 de Julho de 2010, e os juros de mora, à taxa legal, calculados com base no valor de HKD 2.420.000,00 contados desde a data da decretação do acórdão do Tribunal de Última Instância;
Constam nas fls. 1104 a 1105 dos autos principais que a Secção Processual emitiu ofício em 3 de Dezembro de 2019, e remeteu as cópias do referido acórdão às duas partes;
Em 16 de Dezembro de 2019, a Requerida apresentou pedido de arguição de nulidade constante nas fls. 1107 a 1115 dos autos principais;
Em 18 de Dezembro de 2019, a Secção Processual, por meio do ofício de fls. 1117 dos autos principais, notificou o mandatário judicial da Requerente para responder ao referido pedido de arguição de nulidade;
Em 19 de Dezembro de 2019, a Requerente através de fls. 1118 dos autos principais referiu que como a Requerida não aceita receber o valor (o principal HKD$2.808.000,00 e os juros correspondentes HKD$365.767,65, no total de HK$3.173.767,65) condenado à Requerente a pagar à Recorrida, por isso, solicitou ao tribunal que emitisse a respectiva guia de depósito, a fim de poder depositar o dinheiro em causa no processo, evitando o pagamento de juros adicionais correspondentes;
O referido pedido da Requerente foi aprovado em 19 de Dezembro de 2019 (vide despacho de fls. 1119 do processo principal)
Em 31 de Dezembro de 2019, a Requerente através de fls. 1121 dos autos principais, requereu ao tribunal para autorizar a junção do talão de depósito carimbado pelo banco nos autos (vide fls. 1122 dos autos principais), ao mesmo tempo solicitou ao tribunal para notificar a Requerida, que a qualquer momento, ela pode levantar o respectivo dinheiro;
Em 8 de Janeiro de 2020, a Requerente respondeu à arguição de nulidade constante nas fls. 1125 a 1128 dos autos principais;
Em 22 de Janeiro de 2020, o Tribunal de Última Instância proferiu acórdão de fls. 1134 a 1143 dos autos principais, rejeitou os fundamentos da arguição de nulidade suscitada pela Requerida;
Em 20 de Março de 2020, C (2º Réu do processo principal) apresentou pedido constante nas fls. 1164 do processo principal, solicitando o distrate das hipotecas de três imóveis decretadas no acórdão judicial;
A Requerida A depois de receber a notificação desse requerimento, apresentou pedido constante nas fls. 1176 a 1190 dos autos principais (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Feito a análise do acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019, o presente tribunal obteve duas conclusões seguintes:
1.
A Requerente (1ª Ré do processo principal) foi condenada a pagar o principal e os juros seguintes:
- Valor principal de HK$388.000,00 e os juros contados desde 10 de Julho de 2010;
-Valor principal de HK$2.420.000,00 e os juros contados a partir da data do acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância, ou seja, 29 de Novembro de 2019;
2.
A partir da data da decretação do acórdão pelo Tribunal de Última Instância, os juros de mora do principal HKD$2.808.000,00, são HKD$273.780,00 por ano, que é aproximadamente HKD$750 por dia.
Como já não é possível interpor recurso contra o acórdão do Tribunal de Última Instância, pelo que, a Requerente (1ª Ré do processo principal) depois de receber o acórdão do Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019, se economicamente possível, ela possui motivo forte para proceder o pagamento o mais rápido possível, a fim de evitar de pagar juros de mora adicionais diários HK$750.
Nas fls. 1118 e 1122 dos autos principais provam suficientemente que a Requerente tem capacidade económica e deseja liquidar a dívida o mais breve possível.
Em 19 de Dezembro de 2019 (aquando a Requerente apresentou este pedido, será que a parte obteve conhecimento ou tenha formalmente recebido os clausulados constantes nas fls. 1107 a 1115 dos autos principais, neste processo não houve evidências para provar), no pedido feito pelo advogado da Requerida nas fls. 1118 indica:
“...uma vez que a Autora/Recorrida/Recorrente, não aceita receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão proferido nos autos de recurso supracitados e não havendo mais possibilidade de recurso...
Este pagamento corresponde ao cumprimento do estipulado no acordo proferido em 29 de Novembro de 2019 e a Recorrente - face a recusa de receber a quantia - quer interromper os respectivos juros legais, bem como, pretende demonstrar a sua boa-fé e a sua intenção em cumprir com uma decisão judicial.”
Salvo melhor opinião, dito em geral, face ao conteúdo das alegações supracitadas há duas possibilidades:
1.
O conteúdo expresso pela Requerente através do advogado é falso: a Requerente ou seu representante nunca expressaram vontade de saldar a dívida à Requerida ou seu representante, e o primeiro nem sequer contactou o segundo;
2.
O conteúdo expresso pela Requerente através do advogado é verdadeiro: embora a Requerente tenha solicitado a quitação do teor do acórdão do Tribunal de Última Instância proferido em 29 de Novembro de 2019, contudo a Requerida acha que tem o direito de receber mais dinheiro, e só pretende depois obter resultado da arguição de nulidade, é que irá receber o aludido dinheiro (nesta situação, significa que os juros de mora decretados pelo Tribunal de Última Instância continuarão a ser calculados).
Através do pedido constante nas fls. 1107 a 1115 dos autos principais, em 16 de Dezembro de 2019 a Requerida requereu o seguinte:
- Condenar a 1ª Ré B, a pagar à A – I. nos termos do artigo 436º, nº 2 do Código Civil, a indemnização do dobro do sinal no valor de HKD$776.000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal, calculados a partir de 10 de julho de 2010; mais II. Nos termos do artigo 436º, nº 4 do Código Civil, a indemnização por danos excedentes (ou seja, à data do trânsito em julgado do acórdão da acção declarativa, de acordo com os critérios objectivos, determinar o valor da fracção autónoma envolvida no processo - calculado de acordo com o valor concreto constante no processo executivo - no qual terá que deduzir o valor de três milhões e oitocentas e oitenta mil dólares de Hong Kong e o sinal de trezentas e oitenta e oito mil dólares de Hong Kong constante no ponto 5 do contrato deste processo; se não for aceite, então procede-se conforme no debate da acção declarativa de 1ª instância e na data do termo da audiência (isto é, 09/10/2014), de acordo com os critérios objectivos, determinar o valor da fracção autónoma envolvida no processo - calculado de acordo com o valor concreto constante na acção de execução - no qual terá que deduzir o valor de três milhões e oitocentas e oitenta mil dólares de Hong Kong e o sinal de trezentas e oitenta e oito mil dólares de Hong Kong constante no ponto 5 do contrato deste processo); em qualquer das situações, tal valor será adicionado e calculados os juros de mora à taxa legal, a partir da data da decretação do acórdão pelo Tribunal de Última Instância face à acção em litígio (ou seja, a partir de 29 de Novembro de 2019); se não for aceite, então
- Condenar a 1ª Ré B a pagar à autora A HKD$2.808.000,00 (dois milhões e oitenta e oito mil dólares de Hong Kong), mais os juros de mora à taxa legal, calculados com base do valor de HKD$776.000,00, contados a partir de 10 de Julho de 2010 e os juros de mora à taxa legal, calculados com base no valor de HKD$2.032.000,00, contados a partir da data da decretação do acórdão pelo Tribunal de Última Instância face à acção em litígio (ou seja, em 29 de Novembro de 2019).”
Vimos no supracitado que uma vez o pedido de arguição de nulidade da Requerida for provado, tal significa que a parte dos juros do principal de HKD$388.000,00 contados desde 10 de Julho de 2010, e a parte dos juros de HKD$776.000,00 alterados para principal, contados a partir de Julho 10, tais juros do principal relevante contados desde 10 de Julho de 2010 até à data da decretação do acórdão pelo Tribunal de Última Instância (29 de Novembro de 2019), a diferença entre os dois valores é de HKD$355.498,36.
Com base em todas as provas deste caso, este tribunal acredita que as provas apoiam a versão dos factos declarada pela Requerente é verdadeira.
Em primeiro lugar, conforme referido, perante um montante relativamente elevado de juros de mora, bem como o aludido acórdão foi proferido pelo Tribunal de Última Instância, além disso, após o Tribunal de Segunda Instância ter decretado o acórdão, a Requerente e seu esposo possuem três imóveis hipotecadas no acórdão judicial (vide fls. 1166 a 1171 dos autos principais), e tendo a Requerente capacidade financeira relevante, o tribunal não vê razão para quê a Requerente está a atrasar o pagamento do valor condenado no acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019, ou que tal comportamento lhe pode trazer algum benefício.
De facto, de um modo geral, quando a parte condenada que é representada por advogado, pretende liquidar o dinheiro adjudicado à parte vencedora que também é representada por advogado, na maioria dos casos os advogados de ambas as partes contactam entre si e combinam a liquidação do dinheiro em qualquer um dos escritórios dos advogados das partes; na ausência de qualquer comunicação entre os advogados das duas partes, uma das partes, imediatamente, foi depositar o dinheiro condenado pelo tribunal (prestando falsas declarações, mentindo de que foi depositado o dinheiro porque a outra parte não quis receber), isto raramente ocorre na prática.
Considerando as duas análises supracitadas, embora a testemunha C (o 2º Réu do processo principal) é cônjuge da Requerente B (por isso, o tribunal teve que ponderar cautelosamente a credibilidade de seu depoimento e se eventualmente ele estava a favorecer a Recorrente), a testemunha aquando prestou declarações, referiu que após seu cônjuge ter conhecimento do acórdão preferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019, seu cônjuge teve uma reunião com seu advogado e seu advogado entrou em contacto com a outra parte, este tribunal considera tais declarações são razoáveis.
Este tribunal compreende as preocupações da Requerida sobre a credibilidade do depoimento do C, porque ele é esposo da Requerente, em termos abstratos pode favorecer a sua esposa. Mas, na verdade, a forma mais direta de eliminar tais preocupações, tem de necessariamente averiguar duas questões: primeiro, desde que as partes foram notificadas do acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019 até antes da Requerente apresentar o pedido constante nas fls. 1118 do processo principal em 19 de Dezembro de 2019, os advogados representantes de ambas as partes tiveram ou não contacto entre si; em segundo lugar, se os advogados de ambas as partes tiveram contacto durante esse período, então qual foi o conteúdo discutido entre eles.
Embora a Requerida questiona o depoimento do advogado D, mas este tribunal considera que o depoimento dele é credível e foi adoptado com base nas razões seguintes.
Primeiro, sobre a questão abstrata se ele pode ou não ser testemunha neste caso, no despacho de fls. 121 a 122 e na audiência de julgamento de 20 de Maio de 2022 foi discutida tal questão, que não vai aqui repetir.
Segundo é sobre a questão de segredo profissional. À semelhança da análise indicada nas páginas 121 a 122 do despacho, se bem que um advogado tenha prestado serviço a uma das partes numa acção de litígio em Macau, em termos abstratos, o advogado também pode ser arrolado como testemunha63, prestar declarações em audiência, basta o seu depoimento não se enquadra no âmbito das suas obrigações de sigilo e segredo profissional64-65. No caso em apreço, o advogado D aquando prestou declarações, ele só disse o facto de ter contactado com o advogado da outra parte (tal depoimento não envolveu o teor da conversa). O advogado D na situação de obter o consentimento do cliente66, prestou apenas depoimento sobre se tinha contactado com o advogado da outra parte, e não revelou o conteúdo específico da conversa entre os advogados das duas partes, nem revelou (a pedido do o cliente, ou própria iniciativa) o motivo do contacto com a outra parte, pelo que o seu depoimento não enquadra no âmbito das obrigações de sigilo e segredo profissional.
Em terceiro lugar, este tribunal entende que o depoimento do advogado D é razoável e credível. Por um lado, conforme acima mencionado, a Requerente perante acórdão vencido proferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019 e antes de apresentar o pedido em 19 de Dezembro de 2019 constante nas fls. 1118 dos autos principais, em termos objectivos, é razoável o seu advogado ter contactado com o advogado da outra parte. Por outro lado, o Advogado D prestou juramente na situação de estar ciente e advertido pelo tribunal de que prestar falsas declarações pode eventualmente incorrer responsabilidade criminal, tendo ele contado ao tribunal como e quando contactou com o Advogado E (é de repetir que que seu depoimento não envolve conteúdo da conversa), o presente tribunal não acredita que um advogado, simplesmente por causa do depósito de um cliente ser válido ou não, estaria disposto a apostar a sua carreira e reputação, prestando falsas declarações ao tribunal. No decurso do depoimento do advogado D, este tribunal considera que ele declarou de forma sincera e clara o modo e a data de contacto com o advogado E, as suas declarações reflectem a verdade do facto objectivo. Com base nos fundamentos supracitados, este tribunal adopta o dito pelo advogado D de que realmente no final da tarde do dia 11 de Dezembro de 2019, ele teve uma conversa ao telefone com o advogado E (ambos usaram os números de telefone de seus respectivos escritórios), após, o advogado D recebeu, em 7 de Fevereiro de 2020, informação da outra parte através do WHATSAPP, os dois voltaram a falar ao telefone.
Feito a análise global do supracitado, designadamente, o facto de no final da tarde do dia 19 de Dezembro de 2019, (…)67, bem como considerando o teor do pedido apresentado pela Requerente nas fls. 1118 do processo principal e o depoimento do C, o tribunal acredita que todas as evidências se corroboram e são suficientes para demonstrar que, após proferido o acórdão pelo Tribunal de Última Instância, a Requerente queria saldar a dívida o mais breve possível para evitar o aumento contínuo dos juros relevantes, mas a parte da Requerida por considerar que o acórdão do Tribunal de Última Instância padece de vício, por isso não quis aceitar qualquer quantia; nesta situação (não se deve esquecer que com base no acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, a Requerida obteve uma hipoteca judicial como garantia, e os juros de mora condenados pelo Tribunal de Última Instância não deixaram de ser calculados devido ao pedido de arguição de nulidade), para evitar que os juros de mora continuassem a aumentar por causa das questões incidentais do pedido de arguição de nulidade, a Requerente ouviu a sugestão de seu advogado, optou por depositar o dinheiro na conta do tribunal.
A análise acima constitui fundamento para o tribunal reconhecer os factos.
Acrescente-se que o teor contido na cláusula 3 dos factos por provar é conclusivo e envolve questões de direito, pelo que este tribunal não responde, contudo tal não impede que o tribunal na decretação do acórdão irá tratar do cálculo dos juros (caso necessário). Quanto à cláusula 6 dos factos por provar, tendo em vista que nas fls. 1145 e 1146 dos autos principais demonstram que a decisão do Tribunal de Última Instância sobre a arguição de nulidade foi notificada aos advogados de ambas as partes através do ofício datado de 24 de Janeiro 2020, e que os advogados de ambas as partes tiveram contacto em 7 de Fevereiro de 2020, embora desconhecemos o conteúdo da conversa entre os advogados de ambas as partes, mas é impossível o tribunal reconhecer com segurança que os dois não discutiram sobre a liquidação da dívida, nomeadamente, o facto de a Requerente ter depositado o dinheiro em causa na conta do tribunal, assim sendo, o presente tribunal não considerou provado o facto constante na cláusula 6 dos factos por provar.».
O que se pergunta nos quesitos 1º e 2º são factos que acontecem através de uma simples declaração de vontade ou até uma atitude passiva de nada fazer.
Recusar a receber algo pode fazer-se apenas não fazendo nada. Não receber e dizer porquê já exige uma recusa e a apresentação da explicação.
No entanto tudo isto pode acontecer verbalmente. E estando as partes representadas por advogados, tudo isto acontece no domínio das negociações entre advogados as quais estão a coberto de sigilo profissional e que como resulta dos autos não podem testemunhar e contar como aconteceu.
Destarte, exigir-se a demonstração cabal de que houve uma recusa levar-nos-ia para a prova diabólica ou impossível.
Tendo sido invocado o sigilo profissional, no caso dos autos o facto de aceitou receber ou recusou receber apenas pode ser demonstrado através de factos instrumentais e de todo o circunstancialismo que resulta demonstrado.
Ora, em face dos sinais dos autos é evidente que a antes Autora, agora Requerida e Recorrente não ficou satisfeita com a sentença do TUI vindo suscitar a nulidade da mesma no sentido de aumentar a condenação da Ré.
Este facto – invocar a nulidade do Acórdão do TUI porque entendia ter direito a receber mais – corrobora o que se pergunta no quesito 2º.
Isso mesmo resulta do requerimento da Requerida/Recorrente apresentado em 14.04.2020 de onde resulta reclamar o pagamento de mais quantias.
Acaso a Requerida quisesse receber e não adiar o recebimento em vista de receber mais juros e a sua atitude nestes autos haveria de ser diferente, tendo-se oferecido para receber o pagamento feito e impugnando apenas ter dado causa ao incidente de consignação para efeitos de custas, mas não o fez, prolongando uma batalha judicial apenas com o fundamento em que não se recusou a receber e a consignação em depósito não é legitima exigindo que o pagamento lhe seja feita no termo deste processo acrescido dos juros decorridos ao longo deste tempo.
As contas foram feitas pelo tribunal a quo quanto ao valor dos juros, para melhor entendermos o que se passa.
Tudo quanto se invoca nas alegações de recurso quanto ao depoimento da testemunha C em nada afecta a credibilidade do depoimento deste.
Na impossibilidade legal de obter o depoimento dos Advogados envolvidos nas negociações a cerca do conteúdo destas, a prova apenas pode ser feita através de depoimentos indirectos daqueles que ouviram desses outros.
O facto desta testemunha ter dito que sugeriram pedir um desconto no valor a pagar é perfeitamente razoável e em momento algum permite concluir que não havia intenção de pagar.
A capacidade económica para efectuar o pagamento resulta do simples facto do pagamento ter sido feito dias após.
Para provar a intenção de pagamento não é necessário pedir uma ordem de caixa a favor de alguém para demonstrar que se quer pagar.
Emitida a ordem de caixa ou um cheque visado ou bancário o dinheiro fica cativo no banco para garantir o pagamento e ninguém vai pagar a emissão de um documento desses sem ter a certeza que a pessoa a favor de quem é emitido quer receber, e menos ainda quando a pessoa recusa receber.
Estas razões e todas as outras já supra indicadas a par das constantes da fundamentação do tribunal “a quo” levam a concluir pela total ausência de razão das longas e extensas alegações e conclusões de recurso da Recorrente quanto à impugnação da matéria de facto.
Destarte, bem andou o tribunal recorrido ao convencer-se pela veracidade da matéria constante dos quesitos 1º e 2º dando por provada a matéria indicada, nada se alegando nas alegações e conclusões de recurso que obrigue a concluir diferente.
Igualmente bem se decidiu no que concerne à resposta dada aos quesitos 4º, 5º, 6º sendo que nada se alega nas alegações e conclusões de recurso que seja bastante para por em crise a fundamentação do tribunal “a quo”.
2. DO DIREITO
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Analisando os fundamentos apresentados pela requerida, os seus fundamentos envolvem a alínea a) do art.º 923.º do Código de Processo Civil ( a consignação em depósito é justificada ou não) e a alínea b) do art.º 923.º do mesmo Código (o valor de depósito é suficiente ou não).
- Face ao fundamento da consignação em depósito:
No art.º 832.º do Código Civil dispõe-se:
“1. O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:
a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor;
b) Quando o credor estiver em mora.
2. A consignação em depósito é facultativa.
Por outro lado, o art.º 802.º do Código Civil dispõe-se:
“O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”
In casu, o Tribunal de Última Instância proferiu em 29 de Novembro de 2019 o acórdão a fls. 1053 a 1102 dos autos principais, que condenou a requerente a pagar à requerida HKD2.808.000,00, acrescida de juros de mora legais sobre HKD388.000,00, a partir de 10 de Julho de 2010 e sobre HKD2.420.000,00 a partir da data do acórdão proferido pelo TUI.
Nos factos provados n.ºs 5, 10 e 11, referiu-se que, antes de Requerente, B, depositar em 30 de Dezembro de 2019 uma quantia de HKD3.173.767,65 no Banco Nacional Ultramarino através da guia, a requerida não aceitou receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão proferido em 29 de Novembro de 2019 pelo TUI.
Perante esta situação, a requerente pode optar por aguardar que o Tribunal de Última Instância conheça da impugnação de nulidade alegada pela requerida, e depois procederá ao pagamento à requerida em função do resultado da decisão; ou, pode optar por efectuar de imediato o pagamento conforme o conteúdo do acórdão proferido em 29 de Novembro de 2019 pelo TUI, uma vez que seja procedente a impugnação de nulidade alegada pela requerida e, em consequência, seja alterado o conteúdo da prestação, irá efectuar o pagamento da prestação adicional.
No que diz respeito ao credor (requerida), as duas situações acima referidas não podem afectar o seu crédito: na primeira situação, por qualquer atraso no pagamento da sua dívida, a devedora (requerente) deve pagar juntamente os juros, a título de indemnização; e, na última situação, a prestação da devedora deve ser efectuada em conformidade com a decisão proferida em 29 de Novembro de 2019 pelo TUI e a eventual decisão da procedência da impugnação da nulidade.
É obviamente que cabe à requerente como devedora o ónus da prestação principal, ou seja, pagar à requerida o capital e os respectivos juros. No decurso do cumprimento da dívida, a fim de realizar a finalidade da dívida, permitir ao devedor liquidar a dívida sem ser onerado, e satisfazer os interesses do credor, cabe ao credor o ónus de praticar os actos necessários ao cumprimento da obrigação nos termos do disposto nos art.º 752.º, n.º 2 e art.º 802.º do Código Civil, caso contrário, o mesmo responderá as consequências desfavoráveis previstas pela lei (por exemplo, os art.º 803.º e 805.º do Código Civil).
Salvo melhor entendimento, através do advogado representante da requerida, A (credora), a requerente B (devedora) foi informada de que esta se recusou a receber a prestação da devedora, o que significa que esta não tem vontade de tomar a cooperação necessária para aceitar a prestação que aquela pretende pagar (até que o Tribunal de Última Instância conheça da impugnação da nulidade). Nesta situação, se a requerente for obrigada a aguardar passivamente que o Tribunal de Última Instância conheça da impugnação de nulidade, e depois a efectuar o pagamento em conformidade com o conteúdo final da decisão, o que significa que, durante o período em que a impugnação de nulidade está pendente, a responsabilidade e o risco pelos atrasos serão integralmente a cargo da parte da requerente. Para evitar a ocorrência desta circunstância, a requerente optou pela consignação em depósito do respectivo montante para interromper a contagem dos juros de mora por via da liquidação, o que é permitido pelo art.º 832.º, n.º 1, al. b) conjugado com o art.º 802.º do Código Civil.
Pelo exposto, face à mora da requerida, a requerente tem direito a fazer a consignação em depósito. Nos termos do disposto no art.º 924.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, deve ser julgado improcedente o fundamento alegado pela requerida relativamente à falta de fundamentação da consignação em depósito (art.º 923.º, al. a) do Código de Processo Civil)
No entanto, mesmo que a requerente tenha direito a fazer a consignação em depósito, o que não significa que o valor consignado em depósito seja suficiente para extinguir a totalidade do valor devido, pelo que é ainda necessário analisar se o montante consignado em depósito pela requerente é suficiente nos termos do disposto nos art.º 923.º, al. b) e art.º 925.º do Código de Processo Civil.
- O valor consignado em depósito é suficiente ou não:
Dos factos provados n.ºs 3, 10 e 11 não é possível determinar quando ocorreu o facto de que a requerida se recusou a receber o montante através do seu advogado representante, e facto esse devia ter ocorrido antes de 19 de Dezembro de 2019. Por isso, com base nos factos da presente causa, deve ser considerado o dia 19 de Dezembro de 2019 como a data da produção do efeito previsto no art.º 802.º do Código Civil.
Nos termos do disposto no art.º 803.º, n.º 2 do Código Civil, “durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionados”.
É a seguir a contagem concreta:
1. A quantia de HKD388.000,00, acrescida de juros de mora desde 10 de Julho de 2010 até 19 de Dezembro de 2019 (sic.): o total de 174 dias no período compreendido entre 10 de Julho de 2010 e 19 de Dezembro de 2020, os anos inteiros no período compreendido entre 2011 e 2018, e o total de 353 dias no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2019 e 19 de Dezembro de 2019.
Os juros de mora desta parte são o total de HKD357.260,30.
2. Face à quantia de HKD2.420.000,00, acrescida de juros de mora desde 29 de Novembro de 2019 até 19 de Dezembro de 2019 (em total de 20 dias), os juros de mora são de HKD12.928,77.
O capital de HKD2.808.000,00 e os juros resultantes das duas liquidações acima referidas perfazem o total de HKD3.178189,07. Em comparação com uma guia de depósito aposta pelo carimbo bancário, no valor total de HKD3.173.767,65 (o capital de HKD2.808.000,00 e os respectivos juros de HKD365.767,65), cuja junção foi pedida em 31 de Dezembro de 2019 pela requerente ao Juízo através do requerimento de fls. 1121 dos autos principais, ainda carece de HKD4421,42.
No art.º 925.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, “se o pedido do credor proceder, deve ser completado o depósito, no caso de ser maior a quantia ou coisa devida.” (face a tal questão, vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. I - reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p.360.)
Pelo que, deve ser condenada a requerente a completar adicionalmente a quantia de HKD4.421,42.
No fim, no procedimento, a requerida exigiu à requerente a devolução da taxa do registo da hipoteca judicial dos bens imóveis, da taxa da busca e da taxa da emissão de certidão do tribunal, cujos valores não foram incluídos na sentença condenatória do TUI, pelo que não devem ser consideradas as respectivas despesas quando se discute se o depósito da requerente é suficiente para pagar o capital e os juros fixados pelo TUI. As despesas alegadas pela requerida devem ser solicitadas e conhecidas em conformidade com o regime das custas de parte previsto no art.º 22.º do Regime das Custas nos Tribunais.».
Tal como se equaciona muito bem na Douta decisão recorrida a impugnação do depósito assenta nos fundamentos das alíneas a) e b) do artº 923º do CPC.
No que concerne ao fundamento da alínea a) demonstrando-se a matéria que constava dos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória está demonstrada a falta de fundamento do recurso não havendo qualquer erro na decisão recorrida.
Quanto ao fundamento da alínea b) do artº 923º do CPC resulta do disposto no artº 925º do mesmo diploma que sendo o valor do depósito inferior ao devido deve o devedor ser condenado no pagamento do remanescente em falta, havendo sido isso que se decidiu no tribunal “a quo”.
O depósito apenas fica sem efeito se a coisa depositada for diversa da depositada, situação que não ocorre no caso dos autos.
Sobre a consignação em depósito veja-se Código Civil de Macau Anotado e Comentado, Livro II, Vol. X, pág. 760 e seguintes em anotações ao artigo 832º.
Quanto ao invocado artº 928º do CPC este preceito apenas se aplica quando a consignação em depósito acontece como incidente de acção em curso, o que não é o caso dos autos, em que a acção já havia sido decidida, pelo que, não tem aqui aplicabilidade.
Em tudo o mais que se invoca nas extensas e longas alegações e sua repetição nas conclusões de recurso nada se diz para além daquela que é a interpretação da Recorrente quanto ao direito aplicável a qual não procede, nada mais se oferecendo dizer para além do que já consta desta decisão e da decisão recorrida.
Assim sendo, nada mais se impondo acrescentar aos fundamentos da decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
- Negar provimento ao recurso interlocutório quanto à audição da testemunha C, mantendo a decisão recorrida;
- Negar provimento ao recurso interlocutório quanto à audição da testemunha Drª D e respectiva prova;
- Negar provimento ao recurso interposto da sentença proferida mantendo-a nos seus precisos termos.
Custas nesta instância a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 15 de Junho de 2023
Rui Pereira Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz Adjunto)
1 No art.º 437.º do Código de Processo Civil dispõe-se que “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”
2 Uma vez que a parte da requerente prescindiu da audição da testemunha, Dra. D, o que foi admitido, bem como o Mm.º Juiz do Tribunal a quo não decidiu ouvir oficiosamente a Dra. D, pelo que a mesma podia sentar-se à galeria pública para assistir à audiência naquele momento (ou seja, 8 de Abril de 2022).
3 Isto não é verdade.
4 A testemunha, Dr. E, disse que: “é verdade que existe uma instrução da Associação dos Advogados sobre o sigilo profissional que deve ser cumprido entre mim e a Dra. Kuan, ….quanto às questões de saber se nós tínhamos contacto! As datas! Vezes! Se o tribunal permitir, posso pedir instrução à Associação dos Advogados sobre estas questões…o que é mais seguro e me protege, bem como pode garantir o efeito probatório.” (vide Translator 2 >Recorded on 20- May-2022 at 14:56:49 de cerca de 37:40 a 38:40)
5 Refere-se a fls. 19 do Acórdão n.º 156/2016 do TSI de Macau de 21 de Julho de 2016: “E se ele pode ser dispensado do sigilo, comum a ambas as partes envolvidas, vista a natureza do negócio, por uma das partes envolvidas, a parte que o arrola, essa dispensa terá de proceder também da outra parte. Ora, não é isso que se observa no caso presente. Não há obviamente acordo quanto a essa dispensa. Não havendo essa dispensa, andou bem o Tribunal “a quo” em não admitir aquele depoimento porquanto o mesmo - por força do disposto no art.º 6º do Código Deontológico, o que não deixaria de gerar a nulidade da prova nos termos do art.º 6º do Cód. Deontológico do Advogado.
6 No acórdão n.º 156/2016 doo TSI de Macau de 21 de Julho de 2016 que invocou o acórdão n.º 616/2007 refere-se: Tratámos já do segredo profissional no Ac. deste TSI, de 9/2/2012, Proc. n.º 616/2007, tendo-se admitido o depoimento, mas num caso diferente em que foi a parte a quem aproveitaria eventual segredo que apresenta o obrigado ao sigilo, entendendo-se que o dispensaria do mesmo e sem oposição da parte contrária. (vide fls.17 do acórdão do TSI n.º 156/2016)
7 Vide os depoimentos prestados pela testemunha, F, em 8 de Abril de 2022, na audiência de discussão e julgamento, que se encontram reproduzidos no ponto 87 da conclusão das presentes alegações do recurso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8 Preceitua o art.º 110º do Decreto-Lei n.º 63/99/M (Regime das Custas nos Tribunais): Decorrido o prazo de pagamento das custas ou da multa sem a sua realização ou sem que o devedor o requeira, nos termos do n.º 1 do artigo 55º, o juiz ordena o levantamento da quantia correspondente, com inclusão dos juros de mora, se o depósito tiver sido efectuado no processo a que respeitam as custas ou multas.
9 Vide o pedido do 2º Réu/2º Requerente, C, constante de fls. 1164 dos autos principais, e os documentos anexados, constantes de fls. 1165 a 1171.
10 Vide fls. 1172 dos autos principais.
11 Vide fls. 2 e 101 a 113 dos autos do incidente.
12 O art.º 5º do referido Código dispõe: 1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. 2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434º e 568º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. 3. São ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que seja dada à parte interessada a possibilidade de sobre eles se pronunciar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
13 O art.º 553º, n.º 2, al. f) do referido Código dispõe: Providenciar até ao encerramento da discussão pela ampliação da base instrutória da causa, nos termos do artigo 5º.
14 Cfr. a página 19 do acórdão proferido pelo TSI da R.A.E.M., em 21 de Julho de 2016, no processo n.º 156/2016: E se ele pode ser dispensado do sigilo, comum a ambas as partes envolvidas, vista a natureza do negócio, por uma das partes envolvidas, a parte que o arrola, essa dispensa terá de proceder também da outra parte. Ora, não é isso que se observa no caso presente. Não há obviamente acordo quanto a essa dispensa. Não havendo essa dispensa, andou bem o Tribunal “a quo” em não admitir aquele depoimento porquanto o mesmo – por força do disposto no art.º 6º do Código Deontológico, o que não deixaria de gerar a nulidade da prova nos termos do art.º 6º do Cód. Deontológico do Advogado.
15 Cfr. a citação do acórdão proferido no processo n.º 616/2007, feita no acórdão proferido pelo TSI da R.A.E.M., em 21 de Julho de 2016, no processo n.º 156/2016: Tratámos já do segredo profissional no Ac. deste TSI, de 9/2/2012, Proc. n.º 616/2007, tendo-se admitido o depoimento, mas num caso diferente em que foi a parte a quem aproveitaria eventual segredo que apresenta o obrigado ao sigilo, entendendo-se que o dispensaria do mesmo e sem oposição da parte contrária. (cfr. a página 17 do acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 156/2016).
16 Palavras ditas unilateralmente pela advogada D que podem não corresponder à verdade.
17 Os artigos 5º, n.ºs 2 e 4, alíneas a) e d) do Código Deontológico dos Advogados dispõem: 2. A obrigação de segredo profissional não está limitada no tempo. (…) 4. Nomeadamente o advogado é obrigado a segredo profissional no que respeita: a) A factos (…) ou conhecidos no exercício da profissão; (…) d) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lho tenham dado conhecimento durante negociações para acordo amigável e que sejam relativos à pendência.
18 O art.º 26º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados dispõe: O advogado não deve invocar publicamente, em especial perante tribunais, quaisquer negociações transaccionais malogradas, quer verbais, quer escritas, em que tenha intervindo como advogado.
19 De acordo com o referido despacho: …a advogada D apenas depôs quanto a existência ou não do contacto entre ela própria e o advogado da parte contrária, e não revelou o conteúdo da conversa entre os advogados de ambas as partes, nem invocou o motivo do contacto com o advogado da parte contrária (a pedido dos clientes, ou por iniciativa própria)…Em face de todo o que fica exposto e justificado, mormente, em 11 de Dezembro de 2019, ao fim da tarde, a advogada D tinha contactado, telefonicamente, o advogado E que representava a Requerida, tendo em consideração…o depoimento de C, entende este Tribunal que as provas se apuram mutuamente…
20 Daí se vislumbra que os Requerentes pediram à Requerida/Autora que aceitasse o pagamento em prestações sem juros a efectuar pela 1ª Ré, com fundamento na não pretensão de contracção de empréstimo junto a outras pessoas e nos altos juros legais.
21 Os mandatários judiciais dos Requerentes e da Requerida não colocaram questões à testemunha, advogada D.
22 Constante de fls. 174 a 181 dos autos do incidente.
23 Cfr. a parte “DOS FACTOS” do fim de fls. 174 dos autos do incidente.
24 Cfr. a resposta constante de fls. 1176 a 1240 dos autos principais, ou seja, fls. 8 a 72 dos autos do incidente.
25 Vide o ponto 31 da página 5 da carta de resposta da Associação dos Advogados de Macau dirigida à advogada D que foi apresentada pelos Requerentes ao Tribunal, constante de fls. 178 dos autos do incidente.
26 Cfr. o acórdão proferido, em 2 de Abril de 2020, pelo TSI no processo n.º 92/2019, In www.court.gov.mo
27 Vide fls. 1228 a 1240 dos autos principais, ou seja, fls. 60 a 72 do processo incidental.
28 Os mandatários judiciais das partes não colocaram questões à testemunha, advogada D.
29 Vide a resposta de fls. 1176 a 1240 dos autos principais, ou seja, fls. 8 a 72 dos autos do incidente.
30 Cfr. fls. 2 do acórdão do processo n.º 1171/2020 proferido pelo TSI no presente caso, constante de fls. 101 a 113 do processo do incidente.
31 No pedido de emissão da guia de depósito no montante de HKD3.173.767,65 deduzido ao TUI, a 1ª Ré (ora 1ª Requerente) referiu: …Este pagamento corresponde ao cumprimento do estipula no acordo proferido em 29 de Novembro de 2019… (vide fls. 1118 dos autos principais, ou seja, fls. 3 dos autos do incidente).
32 Vide fls. 1252 a 1254 dos autos principais, ou seja, fls. 76 a 78 dos autos do incidente.
33 Os factos em apreço foram alegados pela Requerida na resposta apresentada em 14 de Abril de 2020, vide fls. 1176 a 1240 dos autos principais, ou seja, fls. 8 a 72 dos autos do incidente.
34 Vide fls. 1118 e 1252 a 1254 dos autos principais, ou seja, fls. 3 e 76 a 78 dos autos do incidente.
35 Vide fls. 70 e 79 dos autos principais.
36 Vide fls. 366 a 368, 372 e 374 dos autos principais.
37 Cfr. o depoimento de C reproduzido no ponto 88 da conclusão das presentes alegações do recurso.
38 Porém, não se sabia quando é que a 1ª Requerente, B, tinha dinheiro e depositava-o no Tribunal, em vez de adquirir directamente, junto do banco, a ordem de caixa, cuja “beneficiária” era Autora, a fim de pagar a dívida.
39 Vide fls. 1118 e 1252 a 1254 dos autos principais, ou seja, fls. 3 e 76 a 78 dos autos do incidente.
40 Vide fls. 1157 dos autos principais.
41 Vide anexos 12 a 15, constantes de fls. 1213 a 1228 dos autos principais, ou seja, fls. 46 a 60 dos autos do incidente.
42 Vide anexos 19 a 21, constantes de fls. 1235 a 1240 dos autos principais, ou seja, fls. 67 a 72 dos autos do incidente.
43 O art.º 110º do Decreto-Lei n.º 63/99/M (Regime das Custas nos Tribunais) prevê: Decorrido o prazo de pagamento das custas ou da multa sem a sua realização ou sem que o devedor o requeira, nos termos do n.º 1 do artigo 55.º, o juiz ordena o levantamento da quantia correspondente, com inclusão dos juros de mora, se o depósito tiver sido efectuado no processo a que respeitam as custas ou multas.
44 Vide fls. 1147 e 1157 dos autos principais.
45 Cfr. o ponto 31 da página 5 da carta de resposta da Associação dos Advogados de Macau dirigida à advogada D que foi apresentada pelos Requerentes ao Tribunal: “Tal como relatado pela ora Requerente (advogada D), alegadamente: Em 13 de Dezembro de 2019: Liguei para o Dr. E, advogado (escritório), e o diálogo original é: “Dr. Óla! Relativamente ao caso (cliente da sua parte é A) que já foi julgado, o Dr. G pediu-me para perguntar: A nossa cliente quer pagar em prestações, será possível?”” (constante de fls. 178 dos autos)
46 A parte inicial do n.º 1 do art.º 753º do Código Civil dispõe: 1. A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes,
47 Só existe o “desejo” ideológico e não o acto ou operação de “pagamento” efectivo, ainda que seja “parcial o pagamento”.
48 O art.º 763º do Código Civil institui: Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
49 Realmente, não se verifica o cumprimento da obrigação realizado pela 1ª Requerente, B.
50 O n.º 1 do art.º 832º do Código Civil prevê: 1. O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes: a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor; b) Quando o credor estiver em mora.
51 Vide. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed.), 189. Também Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, 4ª ed., 125 e 126, in Acórdão proferido pelo douto TSI no caso.
52 O n.º 1 do art.º 753º do Código Civil prevê: A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes…
53 O art.º 774º do Código Civil prevê: 1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital. 2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.
54 In Acórdão n.º 1171/2020 proferido, em 22 de Abril de 2021, pelo douto TSI no presente processo incidental.
55 A Requerida não concorda com as quantias em apreço, entendendo que tem direito a receber o capital da dívida e os respectivos juros de mora calculados, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.
56 Os n.ºs 1 e 2 do art.º 376º do Código de Processo Civil prevê: 1. A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas tiver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. 2. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
57 O devedor intenta o processo especial de “consignação em depósito” quando não existe a acção declarativa ordinária intentada pelo credor para a reclamação da dívida.
58 O n.º 1 do art.º 928º do Código de Processo Civil institui: 1. Estando pendente acção ou execução para pagamento da dívida e tendo já sido citado para ela o devedor, se este quiser depositar a quantia ou coisa que julgue dever, deve requerer, nesse processo, que o credor seja notificado para a receber, por termo, no dia e hora que forem designados, sob pena de ser depositada.
59 Tanto nos autos principais inteiros como nos autos do incidente não se demonstra a verificação do requerimento formulado nos autos, ao abrigo do art.º 928º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pela 1ª Ré/1ª Requerente, sendo este um facto conhecido pelo Tribunal por virtude do exercício das suas funções, pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 434º do mesmo Código, é desnecessária a sua alegação.
60 Vide fls. 1053 a 1102 dos autos principais.
61 Tanto nos autos principais inteiros como nos autos do incidente não se demonstra a verificação do requerimento formulado nos autos, ao abrigo do art.º 928º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pela 1ª Ré/1ª Requerente, sendo este um facto conhecido pelo Tribunal por virtude do exercício das suas funções, pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 434º do mesmo Código, é desnecessária a sua alegação.
62 Vide fls. 1053 a 1102 dos autos principais.
63 Como referência em direito comparado, vide acórdão do Tribunal Colectivo de Lisboa, Portugal, n.º 20/2001.L1-2 de 19 de Abril de 2012, no qual relata
“(…)
No que concerne à primeira questão, à aplicabilidade da nossa lei adjectiva, esta indica nos seus artgs. 616.° e 617.0, as situações de inabilidade e impedimentos para depor como testemunha No primeiro de tais preceitos referem-se as que têm a ver com as capacidades fisicas e psíquicas do depoente, enquanto que o impedimento a que alude o art.6 617.0, se prende com a posição de parte que o depoente assuma na acção.
No caso em análise a testemunha não se enquadra em nenhuma de tais situações. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis[1], “O principio geral deve ser este: -Todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem à descoberta da verdade. Se têm a posição de partes, é nessa qualidade que pode ser exigido o seu depoimento; se não têm essa posição, então hão-de depor como testemunhas. A circunstância de uma pessoa ter interesse directo na causa é elemento a que o juiz atenderá naturalmente para avaliar a força probatória do depoimento; mas nãodeve ser fundamento de inabilidade".
Não sendo a situação em apreço um caso de inabilidade para depor como testemunha, o depoimento em causa, a ser admissível, teria de ser objecto de particular ponderação por parte do juiz julgador, sendo pois uma questão de valoração de prova e não de admissibilidade de depoimento.
O art° 618º, n° 3 do Código de Processo Civil, por seu turno, não estabelece qualquer inabilidade ou impedimento da testemunha que esteja sujeita a sigilo profissional. O juiz não pode, em princípio, com base nesse preceito, impedir o depoimento de quem se lhe apresente e pretenda depor, antes o deverá admitir valorando depois o depoimento, tendo em atenção essa particularidade. O preceito está concebido essencialmente para proteger o depoente e não para o impedir de depor, constitui uma prerrogativa, não um impedimento.
(…)”
64 A respeito desta questão, vide acórdão TSI nº 616/2007 de 9 de Fevereiro de 2012 citado no despacho de fls. 121 a 122 dos autos, afirma-se que os advogados podem ser testemunhas sobre factos que não evolvem teor de segredo profissional. Relata no supracitado acórdão:
(...)
Conforme resulta evidente dos quesitos acima enunciados, os factos sobre que recaiu o depoimento prestado pela ilustre testemunha em apreço não estão incluídos na obrigação de segredo profissional.
Desde logo, não se está perante factos que tenham sido revelados pelo cliente ou pelos clientes do referido causídico. Tratam-se apenas e somente de factos de que o Sr. Dr. E foi testemunha ocular e presencial e, como tal, não se incluem em nenhuma das alíneas do artigo 5.º do Código Deontológico dos Advogados que prescreve:
(...)
Efectivamente, das declarações prestadas por escrito pelo Sr. Dr. E resulta com clareza que este se limitou a testemunhar a existência e a celebração do acordo revogatório da procuração celebrado entre a Autora e o primeiro réu.
A simples presença do advogado e inclusive a aposição da sua assinatura a fim de servir de testemunha à celebração de contratos ou acordos não está a coberto do sigilo profissional."
65 Como referência em direito comparado, vide acórdão do SPTJ nº 1/13.9YGLSB.S1de 17/04/2015, no qual relata:
"Como ressalta do exposto, o segredo profissional mostra-se inerente, não ao próprio advogado em si, mas à actividade desenvolvida por este profissional da Justiça, o que significa que nem todos os factos transmitidos ou conhecidos pelo advogado estão a coberto do dever de confidencialidade previsto pelo artigo 87.º, n.º 1, do EOA, mas simplesmente aqueles que sejam relativos ao exercício desta actividade profissional.
Deste modo, só estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta actividade profissional (ou, de acordo, com os termos da própria lei, "os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções" ), o que leva a excluir do âmbito de protecção desta norma tudo aquilo que é comunicado ao advogado, mas que não respeite a actos próprios da advocacia, ou seja, todos os acontecimentos da vida real que não se prendam com este desempenho profissional, mesmo que cheguem ao conhecimento do advogado no seu local de trabalho Por isso, não estão a coberto deste sigilo profissional, por absurdo, os factos que estejam relacionados com um acordo firmado entre dois ou mais advogados para a prática, por eles, de comportamentos criminosos, nem tão pouco os factos relativos a uma combinação entre o advogado e o seu cliente de escritório de advocacia, ainda que ocorrida nesse local, para a participação, em conjunto, num evento desportivo ou cultural.
Isto significa que o local onde decorreram ou onde se teve conhecimento dos factos não se mostra decisivo ou determinante para se concluir que esses eventos se encontram cobertos pelo segredo profissional, assim como nem toda a actividade desenvolvida pelo advogado, ainda que no seu escritório, se mostra protegida pelo citado artigo 87.° do EOA.
Mais uma vez se salienta que são os factos inerentes à própria actividade profissional em si, desenvolvida pelo advogado, que se mostram abrangidos pelo sigilo deste profissional da Justiça, o que vale por dizer, desde logo, que estão afastadas do âmbito de protecção desta norma todas as actividades levadas a cabo por advogado que não se prendam directa ou indirectamente com o exercício da advocacia (por exemplo, os actos da sua vida privada ou os actos que se prendam com o desempenho de outra(s) actividade(s) profissional(ais)).
(...)
Acresce que o local onde decorreram ou onde se teve conhecimento dos factos pode constituir singelo indício, que deve ser ponderado, em conjunto, com os demais elementos do caso, de que essa factualidade se encontra excluída ou incluída no segredo profissional do advogado: assim, por exemplo, factos que foram transmitidos ao advogado no seu próprio escritório, durante o normal horário de atendimento/consulta, por um seu cliente que aí se deslocou, intencionalmente, para tratar ou abordar uma questão ou um assunto de cunho jurídico ou jurisdicional, à partida estarão a coberto de segredo profissional, por presumivelmente respeitarem ao desempenho profissional do advogado.. Conforme muito a propósito deixou assinalado Augusto Lopes Cardoso in "Do Segredo
Profissional na Advocacia", 1998, pág. 26, “Para haver legitimidade e obrigação para a manutenção do segredo forçoso é que, por um lado, se trate de factos conhecidos no exercicio da profissão e que, por outro lado, eles sejam relativos a esse exercício.".
Logo a seguir, o então Bastonário da Ordem dos Advogados, citando Parecer do Conselho Geral de 30-10-1952, explicita: "por isso (...) não estão incursos nessa categoria de factos os que, embora ocorridos no escritório do Advogado, não eram relativos ao exercício profissional"
(...)"
66 De acordo com as leis de Macau, o consentimento do cliente é ou não suficiente para isentar os advogados do dever de sigilo, nos acórdãos do TSI nºs 616/2007 e 156/2016 proferidos em 9 de Fevereiro de 2012 e 21 de Julho de 2016 respectivamente, discutiram sobre isso. Em termos de direito comparado, a opinião é afirmativa que pode ser visto no acórdão do Tribunal de Relação de Guimarães de Portugal nº 2488/10.2TJVNF-A.G1 de 21 de Janeiro de 2016, e no acórdão de o Supremo Tribunal de Portugal n.º 04B795. Além disso, teoricamente, na pretensão basta haver consentimento do cliente, suficiente para isentar o advogado do dever de sigilo, e por iniciativa própria do cliente em divulgar os factos relevantes também é suficiente para isentar o advogado do dever de sigilo, vide o ponto de vista afirmativo de JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Estudo sobre Direito Civil e Processo Civil, Vol. I. , 2* Edi., 2009, p.p. 529 a 572.
67 Parte da fundamentação que resultava do depoimento da testemunha D o qual neste recurso não foi aceite sendo a prova que dali resulte nula
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
31/2023 CÍVEL 33