Processo nº 50/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 21 de Junho de 2023
ASSUNTO:
- Inventário na sequência de divórcio
- Lei aplicável ao casamento
- Dívidas comuns e próprias dos cônjuges
SUMÁRIO:
- Decidindo-se que ao casamento é aplicável a Lei do Matrimónio da República Popular da China a partilha de bens na sequência do divórcio deve ser feita de acordo com aquela Lei;
- Não havendo naquela Lei norma idêntica ao nº 1 do artº 1644º do C.Civ. as relações patrimoniais entre os cônjuges apenas cessam quando o casamento é dissolvido;
- Relativamente às dívidas contraídas antes de ser decretado o divórcio há que decidir se são de apenas um dos cônjuges ou comuns, sendo que neste caso pelo respectivo pagamento respondem os bens comuns;
- O cônjuge que após a data em que cessam as relações patrimoniais entre os cônjuges efectuar o pagamento de dívidas e encargos sobre os bens comuns fica com um direito de crédito de igual valor sobre o património comum.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 50/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 21 de Junho de 2023
Recorrente: Z
Recorrida: Y
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
Nestes autos de inventário para partilha de bens na sequência de divórcio em que é cabeça-de-casal Y e interessado Z veio este reclamar da relação de bens por não terem sido incluídas as verbas do passivo que indica.
Proferido despacho a indeferir a reclamação quanto às indicadas verbas do passivo, não se conformando com o mesmo veio o interessado Z recorrer apresentando as seguintes conclusões e pedidos:
1. No presente caso, o Tribunal a quo, em 23 de Fevereiro de 2022, proferiu o despacho constante de fls. 1531 a 1534v dos autos (vd. fls. 1531 a 1534v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), contudo, salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com a seguinte parte do despacho e sua decisão:
1) Segundo a decisão tomada no ponto 9) do despacho constante de fls. 1531 a 1534v dos autos (daqui em diante o “despacho recorrido”), foi rejeitada a inclusão nos bens negativos da relação de bens, das dívidas de empréstimo contraídas pela segunda vez junto de bancos por novamente terem sido hipotecados os imóveis n.ºs 1 e 8 da relação de bens; e
2) O despacho recorrido não apreciou nem decidiu a questão relativamente ao que o requerido, nos pontos 16, 23 a 29 da reclamação, de fls. 690 a 1168 dos autos, pediu a inclusão das dívidas na relação de bens;
2. Pelo que, face à supracitada parte e decisão, vem o recorrente interpor o recurso ordinário, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
3. Em primeiro lugar, quanto à decisão tomada no ponto 9) do despacho recorrido que rejeitou a inclusão nos bens negativos da relação de bens, das dívidas de empréstimos contraídas pela segunda vez junto dos bancos por novamente terem sido hipotecados os imóveis n.ºs 1 e 8 da relação de bens
4. No ponto 9 do despacho recorrido (fls. 1533 e 1534 dos autos) tendo o Tribunal a quo indicado: “Segundo os documentos constantes dos autos, depois do dia em que pediu o divórcio, a parte masculina hipotecou respectivamente os supracitados oito imóveis junto de vários bancos e pela segunda vez contraiu os empréstimos, mas todos os contratos de empréstimo foram assinados pela parte masculina sozinho sem documento da delegação de poderes da parte feminina, não há dados que os empréstimos tenham sido contraídos tendo em vista os interesses comuns do casal, as contas bancárias também são pertencentes às contas individuais da parte masculina (vd. fls. 877, 1328 a 1329, 1240 a 1243 dos autos), razão pela qual considerou que as dívidas pertencem às dívidas pessoais do recorrente e não dívidas comuns do casal, rejeitando a inclusão dessas dividas nos “bens negativos” da relação de bens;
5. Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com o supracitado entendimento;
6. Conforme constam da original relação de bens, de fls. 157 a 164 dos autos, os imóveis n.ºs 1 a 8 são as fracção “X14”, fracção “B36”, fracção “B38”, fracção “A49”, fracção “T1-E22”, fracção “T2-A25”, fracção “T7-F26” e fracção “T2-B35”;
7. Quanto aos empréstimos contraídos pela segunda vez indicados no ponto 9 do despacho recorrido, os quais referem-se às sete dívidas de empréstimo indicadas nos ponto 9 (dívida que onera a fracção “A49”), ponto 10 (que onera as fracções “T1-E22” e “T2-A25”), ponto 11 (que onera a fracção “T7-E26”), ponto 13 (que onera a fracção “X14”), ponto 14 (que onera a fracção “B36”) e ponto 15 (que onera a fracção “B38”), da reclamação, de fls. 690 a 1168 dos autos;
8. Todas as dívidas acima indicadas são justamente as dívidas nos pontos 3) a 8), que o recorrente, a fls. 1448 a 1453 dos autos, pediu a inclusão dessas na relação de bens, após ter sido notificado das respostas dadas pelos bancos, de fls. 1314 a 1442 dos autos (quanto ao seu teor vd. o texto);
9. Em primeiro lugar, independentemente de que se aos contratos de empréstimos foram anexados ou não os documentos da delegação de poderes da parte feminina, tal como confessou a recorrida no ponto n.º39 (fls. 1191 dos autos) da alegação da reclamação, de fls. 1186 a 1196 dos autos, que tinha efectivamente assinado uma procuração em 31 de Maio de 2010, a fim de incumbir o recorrente de gerir e dispor os bens da cabeça de casal, cujo conteúdo foi anexado ao processo apenso A do presente caso, a fls. 229 a 231 dos autos;
10. Nos termos do art.º 1552.º, n.º1 do Código Civil, independentemente das regras de administração dos bens do casal, qualquer dos cônjuges, ou ambos de modo recíproco, pode, por meio de procuração a favor do outro cônjuge, conferir poderes especiais para a prática de actos onerosos entre vivos sobre todos ou parte dos seus bens próprios ou dos bens comuns, presentes ou futuros;
11. Nos termos do art.º 1552, n.º3 do Código Civil, a procuração entre cônjuges é sempre livremente revogável a todo o tempo por qualquer deles;
12. A procuração acima referida foi celebrada em 2010, pode a recorrida já, em 2013 altura em que ambos pediram o divórcio ou depois, durante cerca de 10 anos, revogar tal procuração celebrada em 2010, mas na realidade, a recorrida não fez isso;
13. Ao contrário, desde a data em que o recorrente contraiu os empréstimos indicados no ponto 9) do despacho, e intentou a acção de divórcio e de inventário até à data em que foi apresentada a alegação do recurso em causa, a supracitada procuração ainda não foi revogada;
14. Nos termos dos art.ºs 1552.º e 1558.º, n.º1, al. a) do Código Civil, a supracitada procuração representa o consentimento da recorrida para a prática do acto de administração ou disposição de todos ou partes dos bens comuns presente ou futuros pelo recorrente, daí podemos saber que a recorrida sempre sabia e admitia a administração e disposição dos bens comuns pelo recorrente, bem como, na contracção dos empréstimos após a data da entrada em vigor do divórcio (ou seja no dia 15 de Maio de 2013), o recorrente tinha poderes suficientes para contrair empréstimos por ter detido a supracitada procuração, assim também devem os empréstimos ser dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges;
15. Além do mais, os empréstimos foram contraídos de 2014 a 2015, se a recorrida não soubesse ou não se conformasse com isso, poderia a recorrida ter um tempo suficiente para requerer a anulação dos supracitados actos de empréstimo, mas até à presente data de cerca de 7 e 8 anos atrás (mesmo depois da caducidade do exercício do direito de anulação prevista no art.º 1554.º, n.º3 do Código Civil), a recorrida ainda não fez isso, dai podemos saber que a recorrida sabia e concordava com a contracção dos empréstimos indicada no ponto 9) do despacho recorrido;
16. E muito menos ainda, segundo os dados constantes do processo principal e do processo apenso A, há parte das escrituras públicas de compra e venda e hipoteca pela primeira vez dos supracitados oito imóveis que também foi assinada pelo recorrente sozinho sem procuração da recorrida, ao mesmo tempo, também há parte das escrituras públicas de hipoteca pela segunda vez que foi assinada pelo recorrente sozinho com procuração da recorrida:
1) Segundo os dados constantes do processo apenso A, fls. 232 a 237, a escritura pública de compra e venda e hipoteca pela primeira vez do imóvel fracção “X14”, foi assinada pelo recorrente sozinho sem procuração da recorrida, em 21 de Outubro de 2004, na constância do casamento do casal;
2) Segundo os dados constantes do processo apenso A, fls. 245 a 255, a escritura pública de compra e venda e a de hipoteca pela primeira vez do imóvel fracção “B36”, foram assinadas pelo recorrente sozinho sem procuração da recorrida, em 27 de Dezembro de 2012, na constância do casamento do casal;
3) Segundo os dados constantes do processo apenso A, fls. 265 a 269, a escritura pública de compra e venda do imóvel fracção “B38”, foi assinada pelo recorrente sozinho sem procuração da recorrida, em 27 de Dezembro de 2012, na constância do casamento do casal;
4) Ao mesmo tempo, segundo os dados constantes do processo apenso A, fls. 291 a 297, a escritura pública de hipoteca pela segunda vez do imóvel fracção “A49” (ou seja dívida no ponto 9 da reclamação), foi assinada em 9 de Janeiro de 2015, ou seja data depois da entrada em vigor do divórcio, pelo recorrente sozinho com procuração da recorrida;
5) Segundo os dados constantes do processo apenso A, fls. 310 a 317, a escritura pública de hipoteca pela segunda vez dos imóveis fracções “T1-E22” e “T2-A25” (ou seja dívida no ponto 10 da reclamação), foi assinada em 5 de Maio de 2015, ou seja data depois da entrada em vigor do divórcio, pelo recorrente sozinho com procuração da recorrida;
6) Segundo os dados constantes do processo apenso A, fls. 323 a 330, a escritura pública de hipoteca pela segunda vez do imóvel fracção “T7-E26” (ou seja dívida no ponto 11 da reclamação), foi assinada em 30 de Junho de 2015, ou seja data depois da entrada em vigor do divórcio, pelo recorrente sozinho com procuração da recorrida;
17. Se fazermos juízo do bem ou divida comum do casal consoante apenas o critério se a escritura pública foi assinada ou não pelo recorrente sozinho e com ou sem procuração da recorrida, então isto quer dizer se as fracções “X14”, “B36” e “B38” não pertencem aos bens comuns do casal por terem sido adquiridas sem procuração da recorrida? Evidentemente, não se deve ter tal consideração;
18. Pelo que o recorrente entende se consta ou não do contrato de empréstimo o documento respeitante à procuração da parte feminina, isto só tem a ver com as formalidade de concessão do empréstimo, mas não vai afectar a qualificação do empréstimo se pertence ou não à dívida comum do casal, dado que os empréstimos foram contraídos com conhecimento, consentimento e delegação de poderes da recorrida, tal como foi referido nos pontos anteriores;
19. Na verdade, mesmo que a recorrida, após ter intentado acção de divórcio no Interior da China, contra a decretação de divórcio, tenha interposto recurso por não se conformar com a decisão de divórcio (vd. fls. 22 do processo apenso A certificado de entrada em vigor do documento legal do Tribunal Popular de Nível Superior da Província de Jilin), daí podemos saber que a recorrida ainda não manifestou firmemente a cessação da relação matrimonial de ambas as partes, bem como, depois de 15 de Maio de 2013, o recorrente e a recorrida ainda tinham troca de opinião quanto aos bens comuns do casal.
20. Além do mais, antes do presente caso, no procedimento da partilha de bens realizado no Interior da China, as dívidas de empréstimo indicadas no ponto 9) do despacho recorrida já foram incluídas no âmbito da partilha de bens do casal, que foi intentada pessoalmente pela recorrida no tribunal do local: (vd. fls. 842, 851 e 852 dos autos, ou seja fls. 4, 13 e 14 do anexo da petição de reclamação)
21. Face ao acima exposto, a recorrida totalmente sabia e concordava com os empréstimos indicados no ponto 9) do despacho recorrido, pelo que, nos termos do art.º 1558.º, n.º1, a) do Código Civil, devem os empréstimos pertencer às dívidas comuns do casal e ser incluídos nos bens negativos da relação de bens;
22. Por outro lado, quanto a que se os empréstimos foram contraídos tendo em vista os interesses comuns do casal, os empréstimos indicados no ponto 9) do despacho recorrido eram contraídas para os interesses comuns do casal, tais como para reembolsar os empréstimos contraídos anteriormente, explorar as empresas comerciais em comum do casal e adquirir os bens comuns do casal, etc., quanto a esta parte, já foi indicada nos dados do autos;
23. O empréstimo de HK$40.000.000 (ou seja a dívida no ponto 10 da reclamação) contraído pelo recorrente em 5 de Maio de 2015 junto do Banco Tai Fung, através da hipoteca de novo dos imóveis fracções T1-E22 e T2-A25, destinava-se à operação de empresas (vd. fls. 1357 dos autos), e de entre o valor de empréstimo, já foram pagos HK$7.000.000 e 8.000.000 ao Banco Industrial e Comercial da China (Macau) e ao Banco de Comunicações, mediante a emissão de ordem de pagamento para reembolsar integralmente as dívidas n.ºs 4 e 5 indicadas na relação de bens original, e o restante montante de HK$25.000.000 foi depositado na conta bancária do recorrente n.º101-2-*****-7, destinando-se à operação da empresa do casal no Interior da China (吉林省##服飾有限公司- Companhia de vestuário e acessórios “##” Província Jilin), e depois, em 2018, após a supracitada empresa ter restituído totalmente o dito fundo de HK$25.000.000 à conta bancária do requerido, cabendo ao requerido continuar a utilizar para o pagamento de prestações mensais dos bens prediais em comum, em particular, cabendo-lhe suportar sozinho o pagamento mensal dos juros resultantes do supracitado empréstimo; (vd. fls. 1356 a 1357v e 1232 a 1239 dos autos, ou seja o Doc.2 da resposta à alegação de reclamação)
24. O empréstimo de HK$14.500.000 (ou seja a dívida no ponto 9 da reclamação) foi contraído pelo recorrente em 12 de Janeiro de 2015 junto do Banco da China, através da hipoteca de novo do imóvel fracção A49, e de entre o valor de empréstimo, já foi pago HK$6.800.000 ao Banco Hang Sang Macau, mediante a emissão de ordem de pagamento para reembolsar integralmente a dívida n.º3 indicada na relação de bens original e o restante montante foi depositado na conta bancária do recorrente (vd. Doc.3 da resposta à alegação da reclamação, de fls. 1240 a 1245 dos autos) destinando-se a adquirir o prédio e os lugares de estacionamento sitos em Zhuhai, RPC (中國珠海吉大......路...號......景...號), que já foi feita a sua partilha no Interior da China como bem em comum do casal (vd. fls. 842 a 846 dos autos, ou seja fls.4 a 8 do Doc.8 da reclamação), : e o restante valor continua a ser usado para o pagamento de prestações mensais, bem como à escritura pública de hipoteca foi anexada a procuração da recorrida;
25. O empréstimo de HK$11.000.000 (ou seja a dívida no ponto 14 da reclamação) contraído pelo recorrente em 17 de Novembro de 2014 junto do Banco da China, através da hipoteca de novo do imóvel fracção B36, destinou-se a adquirir o prédio e os lugares de estacionamento sitos em Zhuhai, RPC (中國珠海吉大......路...號......景...號), que já foi feita a sua partilha no Interior da China como bem em comum do casal (vd. fls. 842 a 846 dos autos, ou seja fls. 4 a 8 do Doc.8 da reclamação) e o restante valor continua a ser utilizado para o pagamento de prestações mensais:
26. O empréstimo de HK$15.000.000 (ou seja a dívida no ponto 15 da reclamação) contraído pelo recorrente em 8 de Janeiro de 2015 junto do Banco Tai Fung, através da hipoteca de novo do imóvel fracção B38, destinava-se a adquirir bens prediais no Interior da China (vd. fls. 1343 a 1344v dos autos), tendo o montante de empréstimo sido obtido em 30 de Dezembro de 2014 e, em 7 de Janeiro de 2015 sido utilizado para a aquisição do bem comum – o prédio e os lugares de estacionamento sitos em Zhuhai, RPC (中國珠海吉大......路...號......景...號), que já foi feita a sua partilha no Interior da China como bem em comum do casal (vd. fls. 842 a 846 dos autos, ou seja fls. 4 a 8 do Doc.8 da reclamação) e o restante valor continua a ser utilizado para o pagamento de prestações mensais;
27. Quanto às duas dívidas indicadas nos pontos 11 e 13 da reclamação (Fracções T7-F26 e X14), segundo os conteúdos constantes de fls. 1358 a 1362 dos autos, os montantes das dívidas foram depositados na conta bancária do requerido n.º101-2-*****-7, e o valor total do capital de HK$18.000.000 destinava-se à exploração da empresa do casal no Interior da China (吉林省##服飾有限公司- Companhia de vestuário e acessórios “##” Província Jilin) e depois, em 2018, após a supracitada empresa ter restituído totalmente o dito capital de HK$18.000.000 à conta bancária do requerido, cabendo ao requerido continuar a utilizar para o pagamento de prestações mensais dos bens prediais em comum, em particular, cabendo-lhe suportar sozinho o pagamento mensal dos juros resultantes do supracitado empréstimo; (vd. fls. 1466 a 1489 dos autos)
28. Quanto aos requerimentos de fls. 1466 a 1489 dos autos e aos seus anexos, neles também foram indicadas a finalidade dos empréstimos que destinam-se à exploração da empresa comercial em comum do casal no Interior da China -吉林省##服飾有限公司 (Companhia de vestuário e acessórios “##” Província Jilin) e qual a relação entre a dita empresa e os cônjuges (vd. teor do texto, fls. 1466 e 1467 dos autos);
29. Pelo acima exposto, através dos documentos constantes dos autos, pode-se confirmar a finalidade dos empréstimos indicados no ponto 9) do despacho recorrido, que foram contraídos para os interesses comuns do casal, destinando-se à aquisição dos bens comuns no Interior da China, à exploração da empresa comercial em comum do casal e ao depósito na conta do recorrente para o pagamento de prestações.
30. Mesmo que V. Ex.as assim não se conformem com o supracitado ponto de vista, nos termos do art.º 1561.º n.º1 do Código Civil, as dividas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer despois da comunicação dos bens;
31. Feita uma comparação das disposições dos art.ºs 1558.º 1559.º e 1561.º do Código Civil e do seu técnico legislativo, pode-se saber que o disposto no art.º 1561.º, n.º1 é uma ficção legal ou presunção absoluta legal, isto é, são sempre da responsabilidade dos cônjuges desde que as dívidas onerem os bens comuns, quer tenham sido contraídas na constância do casamento, quer se destinem aos interesses comuns do casal;
32. Uma vez que, segundo o disposto no art.º 1558.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil, caso o legislador pretenda que as dívidas são da responsabilidade de ambos os cônjuges quando forem contraídas em proveito comum do casal, o legislador vai adoptar a expressão tal como no art.º 1558.º, n.º1, al. c), mas não presume que as dívidas tenham sido contraídas em proveito comum (vd. art.º 1558.º, n.º3 do Código Civil);
33. Caso o legislador queira presumir que as dividas são contraídas em proveito comum e devem ambas as partes assumir a responsabilidade, o legislador vai adoptar a expressão tal como no art.º 1558.º, n.º1, al. d), nessa circunstância, deve a parte usar contraprova para refutar a supracitada presunção;
34. Pelo contrário, quando o legislador, para efeitos de proteger o credor ou ter outra consideração, considera de forma absoluta que devem as dívidas ser assumidas pelos cônjuges, então o legislador vai adoptar a expressão tal como nos art.ºs 1558.º, n.º1, al. a) e 1561.º, n.º1, uma vez que nessa circunstância, o legislador já determina que as dividas deste tipo devem ser assumidas por ambos os cônjuges
35. Na verdade, os supracitados entendimentos também podem ser vistos no art.º 1559.º do Código Civil, tendo o legislado, em particular, já destacado uma disposição para estipular quais as dívidas devem ser assumidas pela parte respectiva do casal, e no qual, a al. a) dispõe que quando as dívidas indicadas no art.º 1558.º, n.º1, als. b) e c) não forem contraídas em proveito comum, as quais devem ser assumidas por uma das partes.
36. Contudo, a disposição acima indicada não estipula quais as circunstâncias em que podem ambos os cônjuges não assumir as dívidas indicadas no art.º 1558.º, n.º1, al. a) e no art.º 1561.º, n.º1 do Código Civil;
37. Dado que, quando ambos os cônjuges consintam ou perante a situação em que as dívidas onerem os bens comuns, a fim de proteger o credor ou ter outra consideração, os interesses comuns do casal já deixam de ser incluídos no âmbito de consideração (ou já se presume absolutamente que as dívidas foram contraídas em proveito comum), e ao mesmo tempo, também não é permitido o uso de contraprova para refutar que devem as dívidas ser assumidas por ambos os cônjuges, uma vez que na contracção das respectivas dívidas, teoricamente há mecanismo respectivo para impedir o abuso de poder de administração por uma das partes, tal como por exemplo a disposição sobre o direito de anulação, o prazo de exercício do direito e a prescrição do direito prevista no art.º 1554.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
38. Pelo que, dos supracitados art.ºs 1558.º a 1561.º e 1603.º do Código Civil, resulta que a definição das dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges é diferente da dos bens comuns dos cônjuges, para além das dívidas indicadas no art.º 1558.º n.º1, al. c) e d), a data da dissolução do casamento não é critério para determinar as dívidas comuns, sendo que o consentimento do casal e/ou se as dívidas oneram os bens comuns é considerado o critério significativo para determinar se são ou não dívidas em comum;
39. Indicam os dois cultores FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA no comentário do art.º 1694.º, n.º1 do Código Civil de Portugal (art.º 1561.º n.º1 do Código Civil de Macau) que a disposição pertinente é um regime criado pelo legislador que visa evitar que os bens dos credores sejam prejudicados devido à alteração de entre os bens pessoais e os bens comuns (quanto ao seu teor vd. o texto);;
40. Indica o Tribunal Central Administrativo Sul de Portugal no acórdão n.º120/20.5BEPDL, de 21 de Agosto de 2021 que “São dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges aquelas que se relacionam com bens moveis ou imóveis que integram a comunhão conjugal, a qual se mantém, apesar da dissolução do casamento por divórcio.” (vd. o texto quanto ao seu teor);
41. Do supracitado entendimento, resulta que, teoricamente, para proteger os interesses do credor, devem as dívidas ser assumidas por ambos os cônjuges quando oneram os bens comuns, mas, no presente caso, se a recorrida não necessita de assumir as dívidas que oneram os vários imóveis por não terem sido contraídas na constância do casamento, então o que pode acontecer é que a recorrida pode desfrutar dos proveitos dos bens comuns e dos seus juros, mas não precisa de assumir a responsabilidade, sendo isso não só irrazoável, como também afecta gravemente os interesses dos credores e da outra parte do casal;
42. Pelo acima exposto, uma vez que as dívidas no ponto 9) do despacho recorrido foram contraídas com o consentimento e em proveito comum do casal, as quais também oneram os bens comuns do casal, devendo, teoricamente, ser assumidas por ambos os cônjuges e incluídas nos “bens negativos” da relação de bens;
43. Com base nisso, uma vez que o conteúdo do ponto 9) do despacho recorrido violou o disposto nos art.ºs 1552.º e 1558.º, n.º1, al. a) e 1561.º, n.º1 do Código Civil, vem, o recorrente muito respeitosamente pedir a V. Ex.as que se dignem, nos termos dos dados constantes dos autos de das provas, alterar a decisão no ponto 9) do despacho a quo, decidindo que uma vez que as dívidas no ponto 9) do despacho recorrido foram contraídas com o consentimento do casal e em proveito comum do casal e também oneram os bens comuns do casal, devendo ser assumidas por ambos os cônjuges e incluídas nos “bens negativos” da relação de bens;
44. Quanto a que o despacho recorrido não apreciou nem decidiu a questão relativamente ao que o requerido, nos pontos 16, 23 a 29 da reclamação, de fls. 690 a 1168 dos autos, pediu a inclusão das dívidas na relação de bens:
45. Nos pontos 16, 23 a 29 da reclamação, de fls. 690 a 1168 dos autos, bem como nos pontos 9), 12), 14), 16), 18) a 21), de fls. 1448 a 1453 dos autos, o recorrente requereu a inclusão das dividas acima indicadas nos bens negativos da relação de bens (vd. o texto quanto seu teor);
46. Entre os quais, o ponto 9 refere-se à dívida no ponto 16 da reclamação, e os pontos 12), 14) e 16) referem-se às dívidas nos pontos 23 a 25 da reclamação), e o ponto 18) refere-se à dívida no ponto 26 da reclamação), e os pontos 19) a 21) referem -se às dívidas nos pontos 27 a 29 da reclamação);
47. Mas no supracitado despacho, de fls. 1531 a 1534v dos autos, não foram apreciados os supracitados pedidos;
48. Nos termos do art.º 5.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes e são ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa;
49. Nos termos do art.º 563.º n.º2 do Código de Processo Civil, deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação;
50. In casu, face à questão de inclusão das dívidas na relação de bens que o recorrente pediu nos pontos 16, 23 a 29 da reclamação, a qual pertence à questão e facto que deve o juiz apreciar nos termos da supracitada disposição, mas no despacho recorrido, não se pronunciou sobre isso nem a apreciou;
51. Nos termos do art.º 571.º, n.º1, al. d) do Código de Processo Civil, é nula a sentença, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar:
52. Pelo que, o despacho recorrido incorreu em vício de nulidade por não se ter pronunciado sobre a questão que deve apreciar;
53. Além do mais, segundo os dados constantes de fls. 1337, 1346 a 1355v dos autos, os bens onerados no ponto 16 da reclamação referem-se aos imoveis sitos no Interior da China, na Província de Guangdong, Cidade de Zhuhai, Nova Área de Hengqin (廣東省珠海市橫琴新區......路...號...棟...房及...房), que já foi feita a sua partilha no Interior da China, até que já foram obtidos pela recorrida (vd. conteúdos a fls. 842, 846, 851, 852, 859 a 865 dos autos);
54. Segundo os conteúdos de fls. 1346 a 1355v dos autos, as supracitadas dívidas foram contraídas com a finalidade de adquirir os respectivos bens comuns, isto é, dívidas contraídas tendo em vista os interesses comuns do casal;
55. Tal como foi indicado nos supracitados pontos 26 a 37 da parte I, nos termos do art.º 1561.º, n.º1 do Código Civil, uma vez que as dívidas no ponto 16 da reclamação que oneram os bens comuns e que foram contraídas com o consentimento e em proveito comum do casal, são da responsabilidade comum do casal e devem ser incluídas nos “bens negativos” da relação de bens;
56. Enquanto as dívidas indicadas nos pontos 23 a 28 da reclamação foram causadas pelo recorrente por ter reembolsado os empréstimos indicados no ponto 9) do despacho recorrido, e tal como foi indicado nos supracitados pontos 3 a 39 da parte I, as dívidas no ponto 9) do despacho recorrido devem pertencer às dívidas comuns do casal, enquanto as dívidas nos pontos 23 a 28 da reclamação foram causadas pelo recorrente por ter reembolsado as dívidas comuns do casal, com os seus bens pessoais, após a entrada em vigor do divórcio e, tal como foi indicado nos pontos 17 a 20 da reclamação, de fls. 694 a 695 dos autos que nos do art.º 1565.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, devem as dívidas ser incluídas nos bens negativos da relação de bens, sendo o recorrente o credor; (quanto ao seu teor vd. o texto)
57. Pelo acima exposto, o despacho recorrido violou o disposto nos art.ºs 1552.º, 1558.º, n.º1, al. a) e 1561.º, n.º1 do Código Civil, bem com o art.º 5.º e 563.º do Código de Processo Civil, incorrendo em vício de nulidade, assim sendo, vem o recorrente, muito respeitosamente pedir a V. Ex.as que se dignem, nos termos do art.º 630.º, n.2 do Código de Processo Civil e segundo os dados e provas constantes dos autos, julgar procedente o presente recurso, procedendo à apreciação as questões nos pontos 16, 23 a 29 da reclamação (ou seja os pedidos nos pontos 9), 12), 14), 16), 18) a 21), de fls. 1448 a 1453 dos autos) e consequentemente decidindo que uma vez que as dívidas nos supracitados pedidos foram contraídas com o consentimento e em proveito comum do casal e também oneram os bens comuns do casal, devendo ser assumidas por ambos os cônjuges e incluídas nos “bens negativos” da relação de bens;
58. Finalmente, dado que a decisão recorrida pode conduzir a que se as dívidas e créditos em causa podem ser incluídas definitivamente na relação de bens do presente caso, tendo em consideração que as respectivas dívidas e créditos eram sempre suportados pelo recorrente, estando envolvido num valor muito enorme como parte importante da relação de bens, o recorrente considera que a supracitada parte é muito importante para ele e também para o presente caso, devendo ser apreciada de imediato, pois a retenção vai tornar o recurso absolutamente inútil, pelo que, nos termos do art.º 607.º do Código de Processo Civil, deve ser suspensa a eficácia do presente recurso, e aqui vem o recorrente, nos termos do art.º 594.º, n.º4 do mesmo código, também apresentar impugnação do despacho de fls. 1548, que admitiu o recurso e o julgou com efeito meramente devolutivo.
*
Por fim, nos termos do art.º 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o recorrente pede que lhe sejam fornecidos os certificados constantes de fls. 157 a 164, 690 a 1168, 1186 a 1196, 1232 a 1245. 1314 a 1442, 1448 a 1453, 1466 a 1489, 1490 a 1494, 1531 a 1534 do processo principal, bem como os constantes de fls. 22, 227 a 231, 233 a 237, 245 a 255, 265 a 269, 291 a 297, 310 a 317 e 323 a 330 do processo apenso A, a fim de ser juntados ao processo do recurso.
Pelo acima exposto e de acordo com os supracitados fundamentos, contando com o douto suprimento do Tribunal de Segunda Instância para aplicar subsidiariamente as disposições legais, doutrina e jurisprudência, pede-se a V. Ex.as que se dignem julgar procedente o presente recurso e ao mesmo tempo,
1. Segundo os dados e provas constantes dos autos, alterando a decisão no ponto 9) do despacho a quo, decidindo que uma vez que as dívidas no ponto 9) do despacho recorrido foram contraídas com o consentimento do casal e em proveito comum do casal e também oneram os bens comuns do casal, devendo ser assumidas por ambos os cônjuges e incluídas nos “bens negativos” da relação de bens; e
2. Nos termos do art.º 630.º, n.2 do Código de Processo Civil e segundo os dados e provas constantes dos autos, julgando procedente o presente recurso, procedendo à apreciação as questões nos pontos 16, 23 a 29 da reclamação (ou seja os pedidos nos pontos 9), 12), 14), 16), 18) a 21), de fls. 1448 a 1453 dos autos) e consequentemente decidindo que uma vez que as dívidas nos supracitados pedidos foram contraídas com o consentimento e em proveito comum do casal e também oneram os bens comuns do casal, devendo ser assumidas por ambos os cônjuges e incluídas nos “bens negativos” da relação de bens;
Pela Recorrida foram apresentadas contra-alegações pugnando para que se negue provimento ao recurso, contudo, não apresentando conclusões.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos Factos
Pese embora no despacho recorrido não se indique matéria de facto de forma autonomizada, para que possamos decidir da reclamação e do recurso interposto sobre a decisão da mesma impõe-se previamente definir a factualidade que foi apurada nos autos:
a) Em 15.05.2013 o processo de divórcio foi admitido pelo Tribunal da China Continental;
b) Y em 31.05.2010 outorgou procuração a favor de seu marido Z com poderes para contrair empréstimos e hipotecar, tudo conforme consta de fls. 786 a 788 e que aqui se dá por reproduzido;
c) Em 09.01.2015 Z por si e em representação de sua esposa Y com os poderes conferidos na procuração referida em b) contraiu um empréstimo no valor de HKD14.500.000,00 constituindo em garantia do pagamento do mesmo hipoteca sobre a indicada fracção A49, verba nº 4, tudo conforme documento a fls. 812 a 818 que aqui se dá por reproduzido;
d) Em 05.05.2015 Z por si e em representação de sua esposa Y com os poderes conferidos na procuração referida em b) contraiu um empréstimo no valor de HKD40.000.000,00 constituindo em garantia do pagamento do mesmo hipoteca sobre as indicadas fracções E22 e A25, verbas nºs 5 e 6, tudo conforme documento a fls. 819 a 826 que aqui se dá por reproduzido;
e) Em 30.06.2015 Z por si e em representação de sua esposa Y com os poderes conferidos na procuração referida em b) contraiu um empréstimo no valor de HKD13.000.000,00 constituindo em garantia do pagamento do mesmo hipoteca sobre a indicada fracção F26, verba nº 7, tudo conforme documento a fls. 827 a 834 que aqui se dá por reproduzido;
f) Relativamente à fracção X14 descrita sob a verba nº 1 está inscrito no Registo Predial que foi adquirida pelo aqui interessado Z por escritura de 21.10.2004 tendo este declarado ser casado com Y no regime de separação, vindo mais tarde a ser inscrito no registo quanto à mesma fracção ter sido constituída hipoteca pelo referido interessado casado no regime de separação de bens para garantia do crédito de HKD5.000.000,00, por escritura de 10.06.2015 tudo conforme consta da certidão do registo predial a fls. 239 a 252 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
g) Relativamente à fracção B36 descrita sob a verba nº 2 está inscrito no Registo Predial que foi adquirida pelo aqui interessado Z por escritura de 27.12.2012 tendo este declarado ser casado com Y no regime de separação, vindo mais tarde a ser inscrito no registo quanto à mesma fracção ter sido constituída hipoteca pelo referido interessado casado no regime de separação de bens para garantia do crédito de HKD11.000.000,00, por escritura de 11.11.2014 tudo conforme consta da certidão do registo predial a fls. 116 a 131 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
h) Relativamente à fracção B38 descrita sob a verba nº 3 está inscrito no Registo Predial que foi adquirida pelo aqui interessado Z por escritura de 27.12.2012 tendo este declarado ser casado com Y no regime de separação, vindo mais tarde a ser inscrito no registo quanto à mesma fracção ter sido constituída hipoteca pelo referido interessado casado no regime de separação de bens para garantia do crédito de HKD13.350.000,00, por escritura de 30.12.2014 tudo conforme consta da certidão do registo predial a fls. 132 a 147 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
i) Para comprar os bens imóveis, fracção ... e fracção ..., localizados no edifício n.º ..., n.º ... de ...... Road, Hengqin New District, Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong, no Interior da China, que foram partilhados no Interior da China como património comum, o interessado Z contraiu em 30 de Abril de 2015 um empréstimo hipotecário junto do Banco Tai Fung, S.A., com o valor de garantia de HKD13.076.000,00,tudo conforme consta dos documentos a fls. 253 a 282 (sentença de divórcio e partilha de bens na China) – concretamente fls. 260 -, 283 a 292, 634 e 635 e 644 a 653, os quais aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.
b) Do Direito
Visam estes autos de inventário proceder à partilha de bens do património comum na sequência da dissolução por divórcio do casamento que havia sido celebrado entre Y e Z.
O recurso vem só interposto da parte do despacho nº 9 em que não se aceitou como passivo os empréstimos reclamados pelo aqui Recorrente e garantidos por hipoteca pelos imóveis nº 1 a 8 e os valores a titulo de crédito sobre o património comum do aqui Recorrente referidos nos artigos 16, 23 a 29 do requerimento/oposição que havia sido apresentado pelo agora Recorrente.
Vejamos então,
Invoca o Recorrente a nulidade do despacho recorrido por não se ter pronunciado sobre a matéria dos artigos 16, 23 a 29 do seu requerimento.
Não lhe assiste razão.
Uma vez que o que se pede nos indicados artigos é o reconhecimento do direito de crédito do Recorrente como passivo do património comum relativamente aos pagamentos por si feitos das prestações referentes à amortização dos empréstimos a que alude o ponto 9 do mesmo despacho, não se reconhecendo os indicados empréstimos como passivo do património comum nunca poderia ser, de acordo com a fundamentação ali usada, reconhecido o direito de crédito do reclamante.
Pelo que, face à decisão sobre os empréstimos ficou prejudicada a apreciação daquela outra, não ocorrendo a invocada nulidade.
Como também consta da decisão recorrida os imóveis das verbas nºs 1 a 8 são:
Verba nº 1
Rua do ......, n.º ..., Edf. ...... Garden, ......, 14.º andar X, em Macau (adiante designada por 14X)
Verba nº 2
Avenida ......, n.º ...-..., “......” Macau, 36º andar B, em Macau (adiante designada por 36B);
Verba nº 3
Avenida ......, n.º ...-..., “......” Macau, 38º andar B, em Macau (adiante designada por 38B);
Verba nº 4
Avenida ......, n.º ...-..., “......” Macau, 49º andar A, em Macau (adiante designada por 49A);
Verba nº 5
Avenida de ......, n.º ..., ......, T1 – 22.º andar E, em Macau (adiante designada por 22E);
Verba nº 6
Avenida de ......, n.º ..., ......, T2 – 25.º andar A, em Macau (adiante designada por 25A);
Verba nº 7
Avenida de ......, n.º ..., ......, T7 – 26.º andar F, em Macau (adiante designada por 26F);
Verba nº 8
Avenida de ......, n.º ..., ......, T2 – 35.º andar B, em Macau (adiante designada por 35B).
Da reclamação contra a relação de bens apresentada pela Recorrente a fls. 102/115 dos autos e traduzida a fls. 929 a 950, dos artigos que aqui interessam, a saber, 9º, 10º, 11º, 13º, 14º, 15º, 16º e 23º a 29º consta o seguinte na parte que releva para este recurso, transcrevendo-os em seguida não pela ordem numérica mas ordenando-os da forma como estão relacionados uns com os outros:
«9.
Relativamente à 3.ª dívida (fracção A49), esta dívida já não existe e, substituída por um empréstimo hipotecário contraído pela requerida junto do Banco da China, Limitada em 12 de Janeiro de 2015, com o valor de garantia de HKD14.500.000,00, e nos termos do disposto no art.º 1561.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que esta dívida onera o bem da verba n.º 4 da relação de bens, esta dívida deve ser incluída na relação de bens. (vide anexo 3)
Por outro lado, pela razão de que a requerida não sabe quais são as dívidas que oneram o bem (fracção A49) da verba n.º 4 da relação de bens durante o período compreendido entre 15 de Maio de 2013 e 12 de Janeiro de 2015, a requerida deixa de esperar uma resposta dada pelos bancos conforme o ponto 6) do despacho proferido pelo Mm.º Juiz a fls. 209 dos autos e, em seguida, pedirá a inclusão na relação de bens de outras eventuais dívidas que oneram o bem acima referido.
23.
Relativamente à dívida do ponto 9 acima referido (fracção A49), a requerida tinha de pagar a prestação mensal do empréstimo da habitação de HKD101.890. Desde 9 de Janeiro de 2015 até 31 de Março de 2021, as prestações vencidas e pagas pela requerida são o total de HKD7.641.750,00, acrescendo as prestações a ser vencidas no futuro, então, o valor concreto desta dívida deve ser liquidado e determinado na partilha de bens, e o credor é a requerida Z; (vide anexo 15 e anexo 16)
Como acima ficou dito, uma vez que a requerida não sabe qual é a dívida que onera o bem acima referido durante o período compreendido entre 15 de Maio de 2013 e 12 de Janeiro de 2015, requer a V. Exa. que se digne aditar a ordem ao banco relevante para fornecer o valor da prestação mensal pago pelo mutuante ou contribuinte, às diligências a ser tomadas no ponto 6) do despacho de fls. 209v. dos autos, para que a requerida possa liquidar a eventual dívida e incluí-la na relação de bens;
10.
Relativamente às 3.ª e 4ª dívidas (fracções T1-E22 e T2-A25), estas dívidas já não existem e, substituídas por um empréstimo hipotecário contraído pela requerida junto do Banco Tai Fung, S.A. em 13 de Maio de 2015, com o valor de garantia de HKD40.000.000,00, e nos termos do disposto no art.º 1561.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que estas dívidas oneram os bens das verbas n.ºs 5 e 6 da relação de bens, estas dívidas devem ser incluídas na relação de bens. (vide anexos 4 e 5)
Por outro lado, pela razão de que a requerida não sabe quais são as dívidas que oneram os bens (fracções T1-E22 e T2-A25) das verbas n.ºs 5 e 6 da relação de bens durante o período compreendido entre 15 de Maio de 2013 e 13 de Maio de 2015, a requerida deixa de esperar uma resposta dada pelos bancos conforme o ponto 6) do despacho proferido pelo Mm.º Juiz a fls. 209 dos autos e, em seguida, pedirá a inclusão na relação de bens de outras eventuais dívidas que oneram os bens acima referidos.
24.
Relativamente às dívidas do ponto 10 acima referido (fracções T1-E22 e T2-A25), a requerida tinha de pagar a prestação mensal dos empréstimos das habitações de HKD287.473. Desde 17 de Agosto de 2016 até 31 de Março de 2021, as prestações vencidas e pagas pela requerida são o total de HKD15.811.015,00, acrescendo as prestações a ser vencidas no futuro, então, o valor concreto desta dívida deve ser liquidado e determinado na partilha de bens, e o credor é a requerida Z; (vide anexo 12 e anexo 17)
Uma vez que a requerida não sabe qual é o valor total do pagamento das prestações durante o período compreendido entre 13 de Maio de 2015 e 16 de Agosto de 2016, e qual é o valor da prestação mensal durante este período, a requerida requer a V. Exa. que se digne oficiar o Banco Tai Fung, S.A. para consultar as informações acima referidas;
Como acima ficou dito, uma vez que a requerida não sabe qual é a dívida que onera o bem acima referido durante o período compreendido entre 15 de Maio de 2013 e 12 de Maio de 2015, requer a V. Exa. que se digne aditar a ordem ao banco relevante para fornecer o valor da prestação mensal pago pelo mutuante ou contribuinte, às diligências a ser tomadas no ponto 6) do despacho de fls. 209v. dos autos, para que a requerida possa liquidar a eventual dívida e incluí-la na relação de bens.
11.
Relativamente à 6.ª dívida (fracção T7-F26), esta dívida já não existe e substituída por um empréstimo hipotecário contraído pela requerida junto do Banco Tai Fung, S.A. em 16 de Julho de 2015, com o valor de garantia de HKD13.000.000,00, e nos termos do disposto no art.º 1561.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que esta dívida onera o bem da verba n.º 7 da relação de bens, esta dívida deve ser incluída na relação de bens. (vide anexo 6)
Por outro lado, pela razão de que a requerida não sabe quais são as dívidas que oneram o bem (fracção T7-F26) da verba n.º 7 da relação de bens durante o período compreendido entre 15 de Maio de 2013 e 16 de Julho de 2015, a requerida deixa de esperar uma resposta dada pelos bancos conforme o ponto 6) do despacho proferido pelo Mm.º Juiz a fls. 209 dos autos e, em seguida, pedirá a inclusão na relação de bens de outras eventuais dívidas que oneram o bem acima referido.
25.
Relativamente à dívida do ponto 11 acima referido (fracção T7-F26), a requerida tinha de pagar a prestação mensal do empréstimo da habitação de HKD93.355. Desde 17 de Agosto de 2016 até 31 de Março de 2021, as prestações vencidas e pagas pela requerida são o total de HKD5.134.525,00, acrescendo as prestações a ser vencidas no futuro, então, o valor concreto desta dívida deve ser liquidado e determinado na partilha de bens, e o credor é a requerida Z; (vide anexo 12 e anexo 18)
Uma vez que a requerida não sabe qual é o valor total do pagamento das prestações durante o período compreendido entre 16 de Julho de 2015 e 16 de Agosto de 2016, e qual é o valor da prestação mensal durante este período, a requerida requer a V. Exa. que se digne oficiar o Banco Tai Fung, S.A. para consultar as informações acima referidas;
Como acima ficou dito, uma vez que a requerida não sabe qual é a dívida que onera o bem acima referido durante o período compreendido entre 15 de Maio de 2013 e 15 de Julho de 2015, requer a V. Exa. que se digne aditar a ordem ao banco relevante para fornecer o valor da prestação mensal pago pelo mutuante ou contribuinte, às diligências a ser tomadas no ponto 6) do despacho de fls. 209v. dos autos, para que a requerida possa liquidar a eventual dívida e incluí-la na relação de bens
13.
Para operar a empresa comercial comum do casal no Interior da China, a requerida contraiu em 19 de Junho de 2015 um empréstimo hipotecário junto do Banco Tai Fung, S.A., com o valor de garantia de HKD5.000.000,00, e nos termos do disposto no art.º 1561.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que esta dívida onera o bem da verba n.º 1 da relação de bens (fracção X14), esta dívida deve ser incluída na relação de bens; (vide anexo 7)
26.
Relativamente à dívida do ponto 13 acima referido (fracção X14), a requerida tinha de pagar a prestação mensal do empréstimo da habitação de HKD35.880. Desde 17 de Agosto de 2016 até 31 de Março de 2021, as prestações vencidas e pagas pela requerida são o total de HKD1.973.400,00, acrescendo as prestações a ser vencidas no futuro, então, o valor concreto desta dívida deve ser liquidado e determinado na partilha de bens, e o credor é a requerida Z; (vide anexo 12 e anexo 19)
Uma vez que a requerida não sabe qual é o valor total do pagamento das prestações durante o período compreendido entre 16 de Junho de 2015 e 16 de Agosto de 2016, e qual é o valor da prestação mensal durante este período, a requerida requer a V. Exa. que se digne oficiar o Banco Tai Fung, S.A. para consultar as informações acima referidas
14.
Para comprar os bens imóveis, a fracção n.º ... e o lugar de estacionamento de ......jing, localizados no n.º ..., ...... Road, cidade de Zhuha, no Interior da China, que foram partilhados no Interior da China como bem comum (vide fls. 4 e 8 do anexo 8), a requerida contraiu em 17 de Novembro de 2014 um empréstimo hipotecário junto do Banco da China, Limitada, com o valor de garantia de HKD11.000.000,00, e nos termos do disposto no art.º 1561.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que esta dívida onera o bem da verba n.º 2 da relação de bens (fracção B36), esta dívida deve ser incluída na relação de bens; (vide anexo 1)
27.
Relativamente à dívida do ponto 14 acima referido (fracção B36), a requerida tinha de pagar a prestação mensal do empréstimo da habitação de HKD77.300. Desde 17 de Novembro de 2014 até 31 de Março de 2021, as prestações vencidas e pagas pela requerida são o total de HKD5.952.100,00, acrescendo as prestações a ser vencidas no futuro, então, o valor concreto desta dívida deve ser liquidado e determinado na partilha de bens, e o credor é a requerida Z; (vide anexo 15 e anexo 20)
15.
Para o reembolso dos empréstimos de outras propriedades comuns e como o fundo de maneio da empresa comercial comum dos requerida e cabeça-de-casal, a requerida contraiu em 8 de Janeiro de 2015 um empréstimo hipotecário junto do Banco Tai Fung, S.A., com o valor de garantia de HKD13.350.000,00, e nos termos do disposto no art.º 1561.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que esta dívida onera o bem da verba n.º 3 da relação de bens (fracção B38), esta dívida deve ser incluída na relação de bens; (vide anexo 2)
28.
Relativamente à dívida do ponto 15 acima referido (fracção B38), a requerida tinha de pagar a prestação mensal do empréstimo da habitação de HKD109.491. Desde 17 de Agosto de 2016 até 31 de Março de 2021, as prestações vencidas e pagas pela requerida são o total de HKD6.022.005,00, acrescendo as prestações a ser vencidas no futuro, então, o valor concreto desta dívida deve ser liquidado e determinado na partilha de bens, e o credor é a requerida Z; (vide anexo 12 e anexo 21)
Uma vez que a requerida não sabe qual é o valor total do pagamento das prestações durante o período compreendido entre 8 de Janeiro de 2015 e 16 de Agosto de 2016, e qual é o valor da prestação mensal durante este período, a requerida requer a V. Exa. que se digne oficiar o Banco Tai Fung, S.A. para consultar as informações acima referidas.
16.
Para comprar os bens imóveis, fracção ... e fracção ..., localizados no edifício n.º ..., n.º ... de ...... Road, Hengqin New District, Cidade de Zhuhai, Província de Guangdong, no Interior da China (vide anexos 9 a 11), que foram partilhados no Interior da China como património comum (vide fls. 4 e 8 do anexo 8), a requerida contraiu em 30 de Abril de 2015 um empréstimo hipotecário junto do Banco Tai Fung, S.A., com o valor de garantia de HKD13.076.000,00, e nos termos do disposto no art.º 1561.º, n.º 1 do Código Civil, uma vez que esta dívida onera os bens comuns do casal, esta dívida deve ser incluída na relação de bens;
29.
Relativamente às dívidas do ponto 16 acima referido (bens comuns no Interior da China, fracção ... e fracção ...), a requerida tinha de pagar as prestações mensais dos empréstimos da habitação de HKD47.484 e HKD46.280, respectivamente. Desde 17 de Agosto de 2016 até 31 de Março de 2021, as prestações vencidas e pagas pela requerida são o total de HKD5.157.020,00, acrescendo as prestações a ser vencidas no futuro, então, o valor concreto desta dívida deve ser liquidado e determinado na partilha de bens, e o credor é a requerida Z; (vide anexo 12 e anexos 22-23)
Uma vez que a requerida não sabe qual é o valor total do pagamento das prestações durante o período compreendido entre 30 de Abril de 2015 e 16 de Agosto de 2016, e qual é o valor da prestação mensal durante este período, a requerida requer a V. Exa. que se digne oficiar o Banco Tai Fung, S.A. para consultar as informações acima referidas.».
Resumindo,
Nos artºs 9º e 23º da reclamação invoca-se que a dívida arrolada sob a verba nº 3 do passivo já foi paga e em substituição e para pagamento dessa em 12.01.2015 foi contraído um empréstimo de HKD14.500.000,00 que onera a fracção A49 – verba nº 4 – e vem-se pedir duas coisas distintas:
1º que o valor deste empréstimo seja considerado passivo neste inventário;
2º Que seja reconhecido o crédito a favor da aqui Recorrente de:
a) o valor desconhecido das prestações pagas de 15.05.2013 a 12.01.2015;
b) o valor das prestações pagas a partir de 12.01.2015.
Nos artºs 10º e 24º da reclamação invoca-se que as dívidas arroladas sob as verbas nº 3 e 4 do passivo já foram pagas e em substituição e para pagamento dessa em 13.05.2015 foi contraído um empréstimo de HKD40.000.000,00 que onera as fracções E22 e A25 – verba nº 5 e 6 – e vem-se pedir duas coisas distintas:
1º que o valor deste empréstimo seja considerado passivo neste inventário;
2º Que seja reconhecido o crédito a favor da aqui Recorrente de:
a) o valor desconhecido das prestações pagas de 15.05.2013 a 12.05.2015;
b) o valor das prestações pagas a partir de 13.05.2015.
Nos artºs 11 e 25º da reclamação invoca-se que a divida arrolada sob a verba nº 6 do passivo já foi paga e em substituição e para pagamento dessa em 16.07.2015 foi contraído um empréstimo de HKD13.000.000,00 que onera a fracção F26 – verba nº 7 – e vem-se pedir duas coisas distintas:
1º que o valor deste empréstimo seja considerado passivo neste inventário;
2º Que seja reconhecido o crédito a favor da aqui Recorrente de:
a) o valor desconhecido das prestações pagas de 15.05.2013 a 16.07.2015;
b) o valor das prestações pagas a partir de 16.07.2015.
Nos artºs 13º e 26º da reclamação invoca-se que em 19.06.2015 foi contraído um empréstimo de HKD5.000.000,00 que onera a fracção X14 – verba nº 1 – e vem-se pedir duas coisas distintas:
1º que o valor deste empréstimo seja considerado passivo neste inventário;
2º Que seja reconhecido o crédito a favor da aqui Recorrente de:
a) o valor desconhecido das prestações pagas de 19.06.2015 a 16.08.2016 (data do divórcio);
b) o valor das prestações pagas a partir de 17.08.2016.
Nos artºs 14º e 27º da reclamação invoca-se que em 17.11.2014 foi contraído um empréstimo de HKD11.000.000,00 que onera a fracção B36 – verba nº 2 – e vem-se pedir duas coisas distintas:
1º que o valor deste empréstimo seja considerado passivo neste inventário;
2º Que seja reconhecido o crédito a favor da aqui Recorrente de valor desconhecido das prestações pagas desde 17.11.2014.
Nos artºs 15º e 28º da reclamação invoca-se que em 08.01.2015 foi contraído um empréstimo de HKD13.350.000,00 que onera a fracção B38 – verba nº 3 – e vem-se pedir duas coisas distintas:
1º que o valor deste empréstimo seja considerado passivo neste inventário;
2º Que seja reconhecido o crédito a favor da aqui Recorrente de:
a) o valor desconhecido das prestações pagas de 08.01.2015 a 16.08.2016;
b) o valor das prestações pagas a partir de 17.08.2016.
Analisando,
Conforme consta do despacho recorrido e não é impugnado em 15.05.2013 o processo de divórcio foi admitido pelo Tribunal Popular da China Continental sendo esta data tida como a da proposição do processo de divórcio para os efeitos do artº 1644º do C.Civ..
Com base naquele facto e nesta disposição legal na decisão recorrida entende-se que as relações patrimoniais entre os cônjuges cessaram em 15.05.2013, conclusão que estaria correcta se ao casamento em causa fosse aplicável a Lei de Macau.
Contudo, como também se decidiu na decisão recorrida – e nesta parte não vem interposto recurso pelo que se tem por transitada em julgado – ao dissolvido casamento por divórcio dos interessados neste inventário é aplicável a Lei da República Popular da China.
O divórcio foi decretado em 17.08.2016 como também consta da decisão recorrida.
Ao tempo era aplicável a Lei do Matrimónio da República Popular da China aprovada na 3ª Sessão da 5ª Assembleia Popular Nacional Popular, Ordem nº 9 do Presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, publicada em 10.09.1980 e entrando em vigor em 01.01.1981.
Os artigos 31º e 32º da indicada Lei dispõem sobre a partilha dos bens e o pagamento das dívidas dos cônjuges, ali se estipulando que as dívidas que foram contraídas na vida comum do casal são pagas através dos bens comuns e as dívidas pertencentes a cada um dos cônjuges são suportadas pelo próprio.
Destarte, não tem aplicação ao caso concreto o disposto no nº 1 do artº 1644º do C.Civ. uma vez que a Lei da RPC não tem norma idêntica.
Logo, se as dívidas foram contraídas antes de ser decretado o divórcio há que decidir se as dívidas em causa são de um dos cônjuges ou de ambos, e sendo comuns respondem pelo pagamento delas os bens comuns.
No que concerne aos empréstimos contraídos pelo interessado Z e objecto desta reclamação temos que se apurou que Z com uma procuração que lhe conferia poderes para representar Y contraiu os empréstimos referidos em c), d) e e) constituindo como garantia do bom pagamento dos mesmos hipoteca sobre as fracções autónomas relacionadas sob as verbas nº 4, 5, 6 e 7.
Alega-se que a cabeça-de-casal Y não tinha conhecimento que estas dívidas foram contraídas e que a procuração havia sido outorgada com base na confiança que havia entre os cônjuges quando estavam casados, pelo que o interessado Z não a poderia usar, contudo, nem a procuração foi revogada, nem foi apresentada prova alguma de que tivesse havido abuso de poderes, pelo que à mingua de prova em contrário se tem de ter os respectivos actos como válidos.
Assim sendo, uma vez que quando os empréstimos foram contraídos o outorgante o fez por si e pelo seu cônjuge com procuração com poderes para o acto, impõe-se concluir que os empréstimos foram contraídos em nome de ambos os ex-cônjuges, pelo que, as respectivas dívidas nos termos da legislação da RPC são comuns.
Igualmente ficou demonstrado que o empréstimo referido em i) foi contraído para comprar as fracções ... e ... ali melhor indicadas as quais por se situarem na China Continental foram partilhadas aquando da declaração do divórcio, como também ficou demonstrado pelos documentos juntos.
Destarte, também aqui, demonstrado que está que esta dívida foi contraída para aquisição de bens comuns, se impõe concluir que a dívida é comum.
Com os empréstimos referidos em f), g) e h) a situação é diferente.
Os imóveis que foram hipotecados em garantia do cumprimento daqueles empréstimos correspondem às verbas nºs 1, 2 e 3.
Estas fracções foram adquiridas pelo cônjuge marido aqui interessado Z no estado de casado pelo que dúvidas não há que são bens comuns, como aliás, e muito bem, se decidiu.
Contudo, no momento da aquisição Z declarou falsamente ser casado no regime de separação de bens tendo a inscrição no registo predial sido feita de acordo com essa declaração.
O facto da inscrição no registo predial ter sido feita como se fossem casados no regime de separação de bens permitiu que o interessado Z contraísse empréstimos e fizesse hipotecas sobre estas fracções apenas em seu nome.
Logo, pese embora as fracções que foram hipotecadas sejam património comum do casal as dívidas aqui referidas – alíneas f), g) e h) – foram contraídas apenas pelo cônjuge Z.
Nada se prova do que se invoca quanto ao destino dos valores destes empréstimos se ter destinado a operar a empresa comercial comum do casal no interior da China – artº 13º da reclamação -, ou a adquirir bens comuns – artº 14º da reclamação -, ou a pagar reembolso de empréstimos contraídos por ambos os cônjuges ou fundo de maneio da empresa comercial de ambos – artº 15.º da reclamação -, pelo que, à míngua de prova de que os empréstimos foram contraídos no interesse comum dos cônjuges, impõe-se concluir terem sido contraídos apenas pelo cônjuge marido e como tal serem dívidas do interessado Z.
Deste modo as dívidas que se concluiu serem comuns e referidas nas alíneas c), d), e) e i) são pagas pelos bens comuns, isto é, por ambos os ex-cônjuges sendo passivo a relacionar.
As dívidas que se concluiu serem dívidas do cônjuge Z e referidas em f), g) e h), pese embora estejam garantidas através de hipotecas sobre bens comuns, são apenas da responsabilidade do interessado Z e como tal não são passivo do património comum, não podendo ser relacionadas.
Note-se que improcede toda a argumentação do recurso com base nas normas do Código Civil de Macau quanto às dívidas dos cônjuges, uma vez que ao casamento em causa se aplica o Direito da República Popular da China, como já se referiu, tendo transitado a decisão quanto a esta matéria.
Outra questão que se invoca é o crédito do Recorrente sobre o património comum quanto aos valores que pagou a partir de 15.05.2013.
Ora, não se aplicando ao casamento em causa a lei de Macau, segundo a Lei da RPC as relações patrimoniais entre os cônjuges apenas cessam quando o divórcio é decretado, sendo certo que, é na própria decisão em que se decreta o divórcio que se decide o destino dos bens e o pagamento do passivo.
No caso dos autos, o Tribunal Popular da RPC não tomou posição quanto aos bens que estão em Macau havendo a partilha destes que ser feita pelos Tribunais de Macau o que não vai contra a regra da competência dos tribunais de Macau dado que os bens aqui se situam, embora não haja norma de conflito que regule a competência para o efeito1.
Assim sendo, cabe agora neste inventário decidir do destino a dar ao acervo de bens do património conjugal situado em Macau.
No entanto, a data a considerar para o efeito de créditos que algum dos cônjuges tenha sobre o património comum não poderá ser outra que não seja aquela em que o divórcio foi decretado, isto é 17.08.2016, sendo nessa data que cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges.
Destarte, relativamente aos empréstimos que são dívidas comuns e aqui referidos nas alíneas c), d), e) e i) dos factos assentes tem o interessado Z crédito sobre o património comum pelo valor dos pagamentos que haja feito de amortizações, juros e demais despesas referentes a estes empréstimos após a data do divórcio, isto é, a partir de 18.08.2016 inclusive.
Quanto aos demais créditos sobre o património comum relativos aos empréstimos que se veio a concluir serem do interessado Z nada tem este a receber uma vez que o pagamento desses é da sua inteira e exclusiva responsabilidade.
Por fim, apesar de não ser objecto deste recurso, cabe sugerir que havendo sido declarado que com os empréstimos indicados nas alíneas c), d) e e) foram pagas dívidas também elas comuns, e relacionadas como verbas do passivo, deve tal questão ser devidamente apreciada nos termos que houver por convenientes.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se parcial provimento ao recurso decide-se:
1. Que os empréstimos referidos nas alíneas c), d), e) e i) dos factos indicados são passivo do património comum assim devendo ser descritos na relação de bens, a qual tem de ser reformulada em conformidade;
2. Que todas as amortizações, juros e demais despesas pagas pelo interessado Z a contar de 18.08.2016 inclusive, relativamente aos empréstimos referidos no número anterior são um crédito deste sob o património comum havendo de ser relacionados como passivo do património comum assim devendo ser descritos na relação de bens, a qual tem de ser reformulada em conformidade;
3. Em tudo o mais nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida embora por fundamentos diversos.
Custas pelo incidente a cargo dos Recorrente e Recorrida fixando-se a taxa de justiça a cargo de cada um deles em 3 UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 21 de Junho de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Apenas está prevista a situação dos inventários por mortis causa na al. j) do artº 16º do CPC.
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50/2023 CÍVEL 37