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Processo nº 203/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 6 de Julho de 2023

ASSUNTO:
- Título executivo
- Juros de mora

SUMÁRIO:
- Tendo determinado sujeito reconhecido em documento por si assinado ser devedor para com outro de determinada quantia, comprometendo-se a pagá-la em data certa, tem este último título executivo para proceder à cobrança coerciva do seu crédito;
- Tendo a obrigação prazo certo, ainda que o título executivo não preveja o pagamento de juros de mora, estes consideram-se sempre abrangidos pelo mesmo nos termos do artº 795º do C.Civ. a contar da data do vencimento da dívida.


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Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 203/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Julho de 2023
Recorrentes: A e B
Recorrida: C
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A e B, com os demais sinais dos autos,
vêm instaurar acção de processo comum de declaração contra
C, também com os demais sinais dos autos.
Pedindo que seja a Ré condenada a pagar:
1. Ao 1º Autor o montante de MOP70.735,00, a título de capital e MOP2.436,48, a título de juros de mora, perfazendo o total de MOP73.171,48, assim como os juros à taxa anual de 11.75% até ao pagamento integral;
2. Ao 2º Autor o montante de MOP40.855,00, a título de capital e MOP1.407,23, a título de juros de mora, perfazendo o total de MOP42.262,20, assim como os juros à taxa anual de 11.75% até ao pagamento integral;

Proferido despacho de indeferimento liminar, não se conformando com o mesmo vêm os Autores interpor recurso do mesmo, formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição inicial, nos termos da última parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 394.º do CPC.
2. Para além do devido respeito, os recorrentes não concordam com a interpretação do Tribunal a quo.
3. Tal como foi referido pelos recorrentes na petição inicial, nos acordos para resolução dos contratos, consta D1 como representante de E e F, mas, conforme o registo de contribuição industrial da DSF, nome de contribuinte dos estabelecimentos é C.
4. Não é de excluir a possibilidade de ela usar D para se servir de um nome comercial da empresa então explorada ou querer, de propósito, confundir os recorrentes, de modo a lhes dificultar o ressarcimento das quantias devidas.
5. Entretanto, obviamente, quanto a “ser classificado como devedor” e à legitimidade passiva do executado, os ditos acordos para resolução não podem, directa expressamente, identificar a recorrida como devedora.
6. No âmbito, exclusivamente, literal, a identidade da devedora demonstrada nos ditos acordos para resolução não é totalmente correspondente à recorrida, caso não recorra ao registo de contribuição industrial da DSF, não se consegue confirmar a identidade real da recorrida.
7. Assim, parece que os ditos acordos para resolução não sejam títulos com manifesta força executiva (pelo menos relativamente ao facto de que a recorrida tem qualidade de executada).
8. De facto, o artigo 4.º dos acordos estipula que “os valores convertidos em dinheiro das moedas exclusivas seriam reembolsados dentro de 4 meses (...)”.
9. Quer no elemento literal, quer no elemento sistemático, através do referido artigo é difícil afirmar quem, recorrida na qualidade de outorgante A (locadora) ou recorrentes na qualidade de outorgante B (locatários), possui este direito, ou vice-versa.
10. Quer dizer, se não haver o invocado pelos recorrentes na petição inicial, nomeadamente os artigos 5.º e seguintes, mediante o mero conteúdo dos acordos, só se pode demonstrar que existe entre os recorrentes e a recorrida uma dívida e credito – “os valores convertidos em dinheiro das moedas exclusivas seriam reembolsados dentro de 4 meses (...)”, mas, na sua redação, não se pode, directa ou claramente, afirmar quem estabeleceu e assumiu a dívida.
11. Assim, os recorrentes consideram ser preciso de recorrer aos 4 contratos de “G” celebrados em 31 de Março de 2020 entre a recorrida, em nome de “H” e os recorrentes, I e J, e à parte do conteúdo invocado pelos recorrentes na petição inicial, só pode ser esclarecida a respectiva relação de dívida e crédito, deduz-se que a recorrida é devedora nos ditos acordos para resolução.
12. Por isso, parece que os acordos para resolução não sejam títulos com manifesta força executiva (pelo menos relativamente ao facto de que a recorrida estabeleceu e confirmou a dívida).
13. Pode-se constatar que existe vício aparente na. interpretação do Tribunal a quo a respeito à existência de título executivo, baseada meramente nos acordos para resolução celebrados entre os recorrentes e a recorrida e nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 73.º e da alínea c) do artigo 677.º do CPC.
14. Além disso, nos artigos 1.º, 2.º, 13.º a 16.º, 29.º, 30.º e 34.º da petição inicial, os recorrentes invocam que a recorrida é uma empresária comercial, e confirmou e reconheceu as dívidas já vencidas em 30 de Maio de 2021. Bem assim, a recorrida, por não ter pago atempadamente aos recorrentes qualquer valor em dinheiro correspondente às moedas exclusivas, sendo essas dívidas comerciais, os juros de mora devem ser calculados à taxa anual de 11,75%.
15. Ao mesmo tempo, na petição inicial, os recorrentes requerem ao Tribunal a quo que condene a recorrida a pagar os juros de mora à taxa anual de 11;75 %.
16. Seja conforme o disposto no n.º 1 do artigo 12.º do CPC, seja conforme doutrina e jurisprudência, aponta-se que o exequente não pode requerer o pagamento dos juros de mora na acção executiva, quando no título executivo não constar a assunção por parte do executado da obrigação de pagamento de juros em caso de mora.
17. Dado que a recorrida não reembolsou aos recorrentes qualquer valor em dinheiro . correspondente às moedas exclusivas dentro do prazo acordado, constituindo-se em mora a devedora, assim, ao abrigo do n.º 1 do artigo 793.º e do n.º 1 do artigo 795.º do Código Civil, a recorrida tem de pagar aos recorrentes os juros de mora resultantes disso.
18. Mais ainda, a recorrida é empresária comercial. Ao abrigo dos artigos 81.º e 569.º do Código Comercial, trata-se de dívida comercial, os juros de mora devem ser calculados à taxa anual de 11,75%.
19. Entretanto, nos acordos para resolução, não se estipulam os juros de mora que devem ser pagos pela recorrida, em caso de não pagamento dentro do prazo da dívida que reconheça, nem a sua taxa, também não se indica que a dívida assumida pela recorrida tem carácter comercial.
20. Para o efeito de juros de mora, os recorrentes podem, através da presente acção ordinária de declaração, obter uma sentença condenatória que declare que podem exigir à recorrida o pagamento dos juros de mora.
21. Por isso, o Tribunal a quo deve, pelo menos, conhecer de que a dívida em causa tem ou não carácter comercial e de que a recorrida necessita ou não de pagar aos recorrentes os juros de mora à taxa anual de 11,75%.
22. Embora se considere que o pedido relativo à dívida principal não tenha interesse em agir, deve-se, no mínimo, ter ínteresse em agir o pedido de juros de mora.
23. Seja como for, o Tribunal a quo não deve indeferir liminarmente a petição inicial, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 394.º do CPC.
24. Pelo exposto, dado que os acordos para resolução, celebrados entre os recorrentes e a recorrida, não são títulos com manifesta força executiva, e aqueles deduziram o pedido de juros de mora que não constam nos ditos documentos, tendo o Tribunal a quo aplicado erradamente o disposto na última parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 394.º do CPC, neste caso não existe título com manifesta força executiva, mas havendo interesse em agir, por isso, não deve ser indeferida liminarmente a petição inicial.

Notificada a Ré/Recorrida para contra-alegar esta silenciou.
Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Do Direito

É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Os AA deduzem a presente acção declarativa alegando para o efeito a existência de quatro documentas nos termos do qual o R. se obriga a devolver as quantias que aqui pedem em prazo certo.
Alguns dos documentos reflectem uma relação jurídica que surgiu na sequência de uma cessão de créditos, ocorrida entre o 1º A. como cessionário e I e J como cedentes.
Tais documentos, assinados pelos R., consagram uma obrigação deste de pagamento de uma quantia certa ao AA e em tempo fixado.
Consubstanciam tais documentos, pois, como devia ser óbvio, títulos executivos nos termos do artº677 al.c) do CPC, e sendo títulos executivos deveria ter-se atentado ao que dispõe o artº73º nº3 nº3, al.a), parte final do CPC: nas acções declarativa de condenação apenas há interesse em agir se não existir título executivo2.
Em face disto, vista a ausência de interesse em agir no quadro da presente acção declarativa de condenação, é patente a verificação de causa de indeferimento limiar da p.i., conforme o impõe o artº394º nºl al. c). parte final, do CPC.
Pelo exposto, indefiro liminarmente a presente acção declarativa de condenação.
Custas pelos AA.
Notifique e registe.».

Em sede de despacho de sustentação acrescenta ainda o Mmº Juiz “a quo” o seguinte:
«Continuamos a crer que a decisão que se proferiu era a que se impunha.
Relativamente aos juros que ora se invocam nas alegações e que se diz não constarem expressamente dos doc. que se consideraram títulos executivos, diremos que sempre entendemos que mesmo nesse caso existe título em relação aos juros de mora, desde que verificados determinadas circunstâncias.
É esta, de resto, a posição do ilustríssimo Conselheiro Abrantes Geraldes, autor de variadíssima bibliografia no âmbito do processo civil português, e sua referência incontornável.
Refere ele.
Com efeito, resultando do art. 677º al. c) do CPC, “a exequibilidade quando esses documentos reflictam a “constituição ou reconhecimento” de obrigações de natureza pecuniária, basta associar o conteúdo da declaração, na parte correspondente ao montante do capital e à exigibilidade da obrigação principal, para extrair, por mera indução, a constituição e a quantificação da obrigação acessória: montante dos juros = (capital x taxa de juros x tempo).
Por isso, colocados perante documento integrando um contrato de mútuo, mesmo que nele apenas se tenha explicitado a obrigação de pagamento do capital em determinada data, é legítima a cobrança coerciva da quantia correspondente aos juros moratórios à taxa legal, a contar da data fixada para o cumprimento da obrigação principal. Basta a constatação de que decorreu o prazo para que se assuma a “constituição” da obrigação de juros.
Esta solução é contrariada, embora sem explicação das razões, por Teixeira de Sousa. Também no Ac. da Rel. Do Porto, de 18-3-83, in CJ, tomo I, pág. 236, se decidiu que o título executivo (no caso, uma escritura de cessão de quotas onde se fixaram prestações a cargo do cessionário), só tem força executiva relativamente aos juros moratórias se tal obrigação tiver sido convencionada e figurar no documento.
Por seu lado, Lopes do Rego sustenta a extensão da exequibilidade aos juros de mora apenas “de lege ferenda”, na defesa de medidas destinadas a descongestionar o processo declaratório, quando preconizava que “as exigências práticas levarão a consentir a introdução de execução …”. Para isso sugeria uma solução em que na fase liminar do processo de execução se alegassem os factos em termos semelhantes ao que ocorre em case de liquidação ou de determinação da quantia exequenda.
Mas não encontro razão para aquelas objecções nem por esta exigência suplementar. Se as mesmas poderiam encontrar alguma justificação na anterior redacção do art. 46º, al. c), do CPC (artº677º al. c) do CPC de Macau), quando nele se pressupunha que a obrigação “constasse” do documento particular, já não se justificavam face a documentos exarados ou autenticados por notário, na medida em que o art. 50º apenas impunha que tais documentos “comprovassem” a existência da obrigação, o que, quanto aos juros de mora, seria manifesto.
De todo o modo, a posterior evolução normativa retirou razão de ser àquele primeiro argumento, já que em relação a quaisquer documentos extrajudiciais basta que “importem a constituição ou reconhecimento” da obrigação de natureza pecuniária para que se reconheça a sua exequibilidade, permitindo, assim, envolver, sem dúvida alguma, a obrigação de juros.
É este juízo que leva Lebre de Freitas (Acção executiva, 2ª ed., pag.32, e CPC anot., V.I, pag.88) a afirmar nada impedir que, “no caso de título extrajudicial do qual conste uma obrigação pecuniária, se peçam juros de mora legais (art. 806º do CC), não obstante o título apenas referir o capital”, com o pertinente argumento de que a “divida de juros decorre da própria lei, posta em confronto com o título”.
Em conclusão, fundando-se o pressuposto processual específico da acção executiva – o título executivo – na presunção da existência do direito que lhe subjaz, a eficácia executiva abarca, naqueles casos, igualmente os juros de mora em resultado da conjugação dos diversos preceitos natureza substantiva que servem para constituir e quantificar a respectiva importância.»3
Também o TSI vem adoptando agora, e bem, a posição que defendemos, afirmando a existência de título executivo mesmo nos casos em que os juros não estão expressamente mencionados no título dado à execução.4
SUBAM OS AUTOS AO TSI.
ds.».

A questão a decidir prende-se com o interesse em agir dos Autores que têm documentos assinados pela Ré onde reconhece ter de lhes pagar determinada dívida de valor certo em data certa.
Pretendem os Autores sustentar em sede de alegações e conclusões de recurso que o interesse em agir emerge do terceiro carácter do nome da pessoa que assina os títulos não ser igual ao que consta do registo da contribuição industrial da DSF, bem como de no título não ser feita menção a serem devidos juros e os Autores pretenderem ser pagos dos juros de mora devidos a partir da data limite do pagamento da dívida.

Não assiste razão aos Recorrentes.

Dos quatro documentos juntos de fls. 26 a 37 consta que C “D”, titular do BIRM nº 51XXXX03, na data ali indicada declarou ser devedora da quantia em cada um deles referida a qual seria paga no prazo de 4 meses.
A identificação da pessoa em causa faz-se através do nome e do número de documento de identificação que constam dos documentos de reconhecimento de dívida, nada se invocando na p.i. que ponha em causa a identificação e a veracidade do que consta dos indicados documentos, pelo que, em face da p.i. não resulta interesse algum em agir porque haja confusão ou indefinição quanto à pessoa do devedor.
Porém, sempre se dirá que a identidade da pessoa que assina os títulos e a que conste da DSF sempre poderá ser aferida em função do número de BIRM que ali conste, uma vez que, poderá haver erro/confusão quanto aos carácteres com que se inscreveu o nome, mas já não será possível quanto ao número de BIRM, daí resultando ser a mesma ou não.
No que concerne ao interesse em agir para obter a condenação do devedor no pagamento dos juros de mora devidos em função do incumprimento tem este tribunal entendido em situação análogas à dos autos igualmente não o existir.
A este respeito diz-se no Acórdão de 06.01.2022 proferido no processo 782/2021 o seguinte:
«Ora, este TSI já chegou a pronunicar sobre esta questão: há lugar ao pagamento de juros ou não pelo executado quando o próprio título executivo não prevê os juros moratórios?
No processo nº 841/2020 do TSI, de 22/10/2020, já tecemos as seguintes considerações a propósito da questão em discussão:
“(…)”
“…Como é sabido que o título define os limites subjectivo e objectivo da execução. A propósito de juro, pronuncia-se Teixeira de Sousa (cfr. A Reforma da Acção Executiva», 2004, p 72): «Os juros de mora, determinados à taxa legal, consideram-se sempre abrangidos pelo título executivo da respectiva obrigação (art 46º/2). A principal consequência deste regime é a de que a satisfação desses juros pode ser pedida na execução, mesmo que, se o título executivo for uma sentença, eles não tenham sido pedidos na anterior acção declarativa». Frisando, no entanto, que «o art 46º/2 só se refere aos juros de mora legais, não abrangendo, portanto, os juros convencionais».
Sobre esta matéria o citado autor Eurico Lopes-Cardoso escreveu:
“(…)
Quando não se tenham convencionado juros, os interesses resultantes, nos termos do artigo 720.º do Código Civil, de mora no cumprimento da obrigação são devidos desde que essa mora se inicia, isto é, desde a interpelação do executado ou desde que se atingiu o prazo do referido cumprimento ‒ artigos 732.º e 711.º do Código Civil.
Especialmente para as letras, dispõe o artigo 48.º, n.º 2, da Lei Uniforme que, não estando estipulados juros, os de mora se contam «desde a data do vencimento».
Como atrás se disse, o artigo 1 642.º do Código Civil proibe o anatocismo, ou seja, que se exijam juros de juros, e proibe também que se exijam juros de mais de cinco anos.
Na conta de juros não devem, pois, ser incluídos nem uns nem outros, mas, como também se disse, os juros de mais de cinco anos não são absolutamente inexigíveis. Se o exequente os pedir, o tribunal não pode impedir oficiosamente que eles sejam contados; a sua exclusão depende de oposição do executado. (pág. 203)
(...)
Fls. 206: Um elementar princípio de economia processual aconselha que, fixada a data a partir da qual os juros devem ser contados, nos mesmos autos prossiga a execução, citando-se então o executado, para pagar ou nomear bens à penhora.
Porque o despacho que fixa o início da contagem de juros não pode incluir-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 923.º, a qual apenas respeita à liquidação regulada nos artigos 806.º e seguintes, o agravo que dele se interponha está sujeito à regra da alínea c) do mesmo n.º 1: ‒ sobe depois de concluída a penhora.
Só entendido o n.º 3 do artigo 805.º como se acaba de dizer, é possível aplicá-lo à reclamação de créditos, em obediência ao artigo 865.°, n.º 3, que manda: «se a obrigação for ... ilíquida», o credor reclamante «torná-la-á líquida pelos meios de que dispõe o executado».
A não se aceitar que o pedido de fixação do dia inicial da contagem de juros dá logo início à reclamação, impossível seria deduzi-la a tempo, visto que o escasso prazo legal de dez dias não comportaria o tempo necessário para ouvir o executado e fazer essa fixação.
Num ponto tinha razão Alberto dos Reis: ‒ em não considerar absolutamente obrigatória a fixação pelo juiz do dia a partir do qual são devidos juros.
Pode o próprio exequente interpretar o título executivo e, quando entenda ser este suficientemente claro, pedir os juros a partir da data em que os considera devidos, segundo o mesmo título.
Se o tiver interpretado mal e em prejuízo do executado, haverá excesso de execução, contra a qual este poderá reagir como oportunamente se indicou.
(…)”.
Estas ideias valem, mutatis mudantis, e com as devidas adaptações, para o ordenamento jurídico de Macau.…”
(…)”.
Ora, relativamente à questão em vista, importa fazer distinção entre 2 hipóteses na situação em que o próprio título não preveja os juros:
a) – Quando a obrigação de juros não está incluída no próprio título, mas também não está afastada esta possibilidade, se o exequente/credor pretende cobrar juros, terá de recorrer a uma acção declarativa para obter o pagamento dos respectivos juros (também para ter o respectivo título), para além do capital emprestado;
b) – Tratando-se de obrigação pecuniária principal, de prazo certo, passado o período fixado sem que o devedor tenha prestado a sua obrigação, o credor/exequente pretende agora realizar o seu direito mediante acção executiva, pedindo o pagamento de obrigação principal e juros moratórios a partir da data do vencimento da obrigação, nesta hipótese, ainda que o título não preveja os juros moratórios, o exequente pode formular o pedido dos juros nos termos do artigo 795º do CCM, que consagra:
(Obrigações pecuniárias)
1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano consideravelmente superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente.
Ou seja, tal possibilidade resulta directamente da lei. É justamente o caso dos autos.
Nestes termos, não existindo razões bastantes para alterar a posição que temos vindo a defender, e como tal é de julgar improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva: Os juros de mora em processo executivo, ainda que o próprio título não os preveja, consideram-se sempre abrangidos pelo mesmo, nos termos fixados pelo artigo 795º do CCM.».

Destarte, bem se decidiu na decisão recorrida ao concluir pela existência de título executivo e por se haver entendido em face dos elementos que constam do mesmo não ser necessário recorrer à acção declarativa para obter a condenação no pagamento dos juros a partir da data em que a dívida havia de ser paga face ao disposto no artº 795º do C.Civ., como posteriormente vem a ser dito no despacho de sustentação, impondo-se negar provimento ao recurso.

No mesmo sentido se decidiu nos Acórdão deste Tribunal de 24.02.2022 processo nº 986/2021 e de 25.11.2021 processo nº 536/2021.

III. DECISÃO
  
Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo dos Recorrentes.

Registe e Notifique.

RAEM, 06 de Julho de 2023

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)

1 Nota da tradutora: lê-se FAN KA I em inglês, apesar de terem a mesma romanização, são caracteres diferentes (樊珈宜) e (樊加儀)
2Mesmo no caso do documento ter sido conformado (título executivo) ainda antes da cessão de créditos, por conseguinte constando como credor ainda o primitivo credor, a situação será contornável na execução nos mesmos termos que se fez nesta acção ao alegar-se o que consta no artº25 da PI.
Há, de resto, norma concreta para o efeito no âmbito do processo executivo e vista a sua especial exigência quanto à legitimidade, ou seja, a exigência de a acção ser proposta por quem consta no documento como credor (artº68 nºl do CPC).
Tal norma está vertida no artº68ºnº3 do CPC: tendo havido sucessão no direito, tem legitimidade o sucessor da pessoa que no título figure como credor, mencionando-se no próprio requerimento inicial da execução os factos constitutivos da sucessão,
Para o caso da sucessão do direito ter ocorrido depois de proposta a acção, portando na sua pendência da acção, o mecanismo seria a habilitação de cessionário a operar nos termos de artº306 do CPC.
3Cfr.www.trc.pt / index.php / doutrina / 441 – exequibilidade – da – sentenca-condenatoria - quanto - aos - juros - de - mora
4 Cfr. acórdão no Processo n.º 841/2020 (Autos de recurso em matéria cível) / Relator: Fong Man Chong Data: 22 de Outubro de 2020. ASSUNTOS: - Acção executiva e juros à taxa legal
SUMÁRIO: À luz da doutrina dominante, os juros de mora, determinados à taxa legal, consideram-se sempre abrangidos pelo título executivo da respectiva obrigação e sã«o processados nos termos do artigo 689º/2 do CPC, ou seja, a liquidação é feita a final pela secretaria, em face dos elementos constantes dos autos.
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203/2023 CÍVEL 1