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Processo nº 192/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 06 de Julho de 2023

ASSUNTO:
- Responsabilidade solidária da concessionária
- Prescrição
- Prova

SUMÁRIO:
- Sendo a responsabilidade solidária das concessionárias consagrada no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2020 uma forma de responsabilidade objectiva o prazo de prescrição da mesma decorre do artº 491º “ex vi” artº 492º ambos do C.Civ.;
- Por um facto ou parte dele ser dado como não provado não significa que se provou o contrário.



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Rui Pereira Ribeiro


Processo nº 192/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Julho de 2023
Recorrente: A Resorts (Macau) S.A.
Recorrido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

B, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
C Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada e
A Resorts (Macau) S.A.
também com os demais sinais dos autos,
Pedindo a condenação destas a pagarem solidariamente a soma de MOP10.418.150,00 (ou seja, HKD10.100.000,00), juntamente com juros de mora calculados a partir de 30 de Outubro de 2015 até ao pagamento integral à taxa legal por ano.
Foi proferida sentença julgando-se improcedente a excepção da prescrição invocada pela 2ª Ré e julgando procedente a acção condenando solidariamente a 1ª Ré e a 2ª Ré a pagarem ao Autor a quantia de MOP10.418.150,00 acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar de 30 de Outubro de 2015 até integral pagamento.
Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré A Resorts (Macau) S.A. interpor recurso da mesma apresentando as seguintes conclusões e pedidos:
Da errada decisão quanto à fixação do quantum debeatur
I. A ora Recorrente fundamenta o seu recurso em três aspectos distintos da Sentença, com os quais não pode concordar.
II. Errou o Tribunal a quo ao fixar - no capítulo 4.1 da Sentença Recorrida - o quantum debeatur no montante de HKD10,100,000.00 (dez milhões e cem mil dólares de Hong Kong).
III. O Tribunal a quo errou nessa condenação porquanto apenas considerou provado que os HKD5,000,000.00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) alegadamente depositados em 19 de Maio de 2015 (o primeiro depósito) nunca foram levantados pelo Recorrido.
IV. Por outro lado, o Tribunal desconsiderou na sua decisão aquilo que constava da fundamentação da douta decisão quanto à matéria de facto, a fls. 267v e seguintes dos autos, que o Autor não tinha em seu poder o talão de depósito original relativo ao segundo depósito alegadamente feito, no valor de HKD5,100,000.00 (cinco milhões e cem mil dólares de Hong Kong), mas uma mera cópia.
V. O que, aliado à existência de registos (vide fls. 181 e 182 dos autos) de um levantamento, precisamente no valor de HKD5,100,000.00, em 6 de Julho de 2015, formaram a convicção do Colectivo do Tribunal a quo de que este valor já tinha sido levantado pelo Autor, no momento em que este terá entregado o talão de depósito original.
VI. O Colectivo de Juízes considerou apenas provado que o Autor não levantou (pelo menos) o montante de HKD5,000,000.00,
VII. Errou também o Tribunal recorrido quando entendeu que, pelo menos quanto ao facto que constitui o quesito n.º9, deve operar uma inversão do ónus da prova,
VIII. Nos termos do artigo 335º do Código Civil, aquele que invoca um direito tem o ónus da prova - o dever de provar - (d)os factos constitutivos desse mesmo direito.
IX. Errou o Tribunal a quo, pelo menos no que respeita à 2.ª Ré, ora Recorrente, quando interpretou o normativo mencionado no sentido de considerar que também contra a ora Recorrente operou a inversão do ónus da prova, e que a prova dos factos alegados pelo Autor, ora Recorrido, não tinha de ser feita pelo próprio.
X. A norma relativa ao ónus da prova - artigo 335º do Código Civil- no que toca à ora Recorrente, deveria ter sido interpretada no sentido de que caberia ao Autor provar os factos alegados, sob pena de, não o fazendo, arcar com as respectivas consequências que a lei prevê.
XI. Neste contexto, não só o Autor não foi capaz de provar o facto por si alegado - como lhe competia, nos termos das regras processuais sobre o ónus da prova a que se fez referência - como consta dos autos que a l.ª Ré conseguiu demonstrar um facto extintivo do respectivo direito, ou seja, o levantamento do montante do segundo depósito.
XII. Pelo que, e pelo menos em relação ao segundo depósito (no montante de HKD 5,100,000.00) não parecem restar dúvidas de que a decisão em crise merece reparo, e que jamais o pedido do Autor deveria ter sido julgado procedente, por não ter sido provado.
XIII. Não tendo a sua manutenção junto da 1ª Ré ficado provada, a decisão não poderia ser outra que a da absolvição da 1ª Ré e, necessariamente, a da 2ª Ré, ora Recorrente.
XIV. Destarte, quanto à matéria do quantum debeatur, deve a decisão em crise ser revogada e substituída por uma outra, que julgue (pelo menos) improcedente o pedido do Autor quanto ao segundo depósito, no montante de HKD5,100,000.00, por não ter ficado provado que esse montante não foi levantado pelo Autor, o que, desde já, como a fmal, se requer,
XV. Resultando, também claro, que os fundamentos de facto da Sentença estão em oposição com a decisão condenatória de que ora se recorre, enfermando a Sentença de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 571º do CPC.
Ainda, em conclusão,
Da errada decisão de condenação da 2ª Ré em solidariedade com a 1ª Ré no pagamento ao Autor do montante indemnizatório
XVI. A Recorrente entende que a decisão em crise também é merecedora de censura na parte em que decidiu que a 2ª Ré, ora Recorrente, é solidariamente responsável, com a 1ª Ré, pelo pagamento ao Autor, ora Recorrido, do montante indemnizatório.
XVII. Errou o Tribunal recorrido quando decidiu que a ora Recorrente também era responsável pelo alegado incumprimento contratual da 1ª Ré, tendo por base legal o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, fundamentando a sua decisão por mera remissão para uma decisão do TUI.
XVIII. No Acórdão proferido naquele processo, o TUI debruçou-se extensamente sobre a responsabilidade solidária das concessionárias de jogo, perante terceiros, pela actividade desenvolvida pelos seus promotores de jogo.
XIX. Da douta análise dos elementos normativos que possam justificar a aplicabilidade do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 à responsabilidade das concessionárias perante terceiros, o TUI concluiu que:
“(...)
Desde logo, não nos parece que se possa (simplesmente) considerar o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 como um (mero) “regulamento complementar” no sentido que é dado pela (posterior) Lei n.º 13/2009 - apenas porque a Lei n.º 16/2001 estipula no seu art. 52º, (com a epígrafe “Regulamentação Complementar”) que “O Chefe do Executivo e o Governo aprovarão os diplomas complementares da presente lei”, (n.º 1), e que “Além de outras disposições necessárias à boa execução da presente lei, os diplomas complementares incluirão normas respeitantes à regulamentação do concurso público, ao contrato de concessão, à utilização e frequência das salas de jogo, ao funcionamento dos recintos afectos à exploração, à fiscalização das receitas brutas dos jogos, às pessoas afectas à exploração, à prática dos jogos em casino e às infracções administrativas”, (n.º 2), não nos parecendo, tão pouco, decisivo, o facto de aí se invocar, expressamente, o art. 52º da “Lei n.º 16/2001”.
XX. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado e aplicado a Lei em sentido diverso.
XXI. Desde logo, tomando em consideração o que estatui o artigo 52º da Lei n.º 16/2001, a que o aludido Acórdão faz referência,
XXII. E, por outro lado, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, que regulava a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino à data da prolacção deste Acórdão, que prescrevia o seguinte:
“O Chefe do Executivo, depois de ouvido o Conselho Executivo, decreta, nos termos da alínea 5) do artigo 50.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e do artigo 52.º da Lei n.º 16/2001, para valer como regulamento administrativo, o seguinte: (...)”.
XXIII. Resulta evidente do sentido literal do extracto que ora se citou que o Chefe do Executivo decretou o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 nos termos do artigo 52º da Lei n.º 16/2001, que confere a possibilidade de o Chefe do Executivo e o Governo aprovarem diplomas complementares que incluam disposições necessárias à boa execução daquela lei.
XXIV. Mesmo que a Lei n.º 1312009 (que estabelece o regime juridico de enquadramento das fontes normativas internas, nomeadamente as tipologias dos actos normativos e a sua hierarquia e prevalência) seja, como refere o Acórdão do TUI em análise, posterior à promulgação do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, o formulário do referido Regulamento Administrativo supra citado faz afastar quaisquer dúvidas que existissem quanto à questão eventual da sua complementaridade face à Lei n.º 16/2001.
XXV. Os regulamentos administrativos independentes podem criar disciplina primária e originária relativamente a matérias não disciplinadas por lei (cfr. artigo 4º, n.º 3 da Lei 13/2009), mas os regulamentos administrativos independentes não podem, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar preceitos constantes de leis (cfr. artigo 3º, n.º 3 da Lei 13/2009).
XXVI. O que é suficiente para se afastar a posição defendida pelo TUI no Acórdão em análise, nomeadamente na referência que faz ao Acórdão proferido pela mesma Instância no Processo n.º 28/2006.
XXVII. Donde, necessariamente se conclui que a actividade normativa constitutiva (onde se incluem os regulamentos administrativos independentes) permite ao órgão administrativo “legislar na ausência de correlativas disposições de leis e normas”, sendo “uma actividade independente e autónoma do órgão administrativo de normação relativa a matéria não regulada pela lei ou por outras normas”.
XXVIII. No que respeita ao conteúdo do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, essamatériajá se encontrava regulada pela Lei n.º 16/2001, concretamente, pelo seu artigo 23º, n.º 3, no qual, sob a epígrafe “Promotores de Jogo”, o legislador estipulou o seguinte:
“3. Perante o Governo, é sempre uma concessionária a responsável pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo. seus administraCs e colaboraCs e pelo cumprimento por parte deles das normas legais e regulamentares. devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade.”
(negrito da Recorrente)
XXIX. O legislador optou por atribuir responsabilidade solidária às concessionárias (pela actividade desenvolvida rios casinos pelos promotores de jogo) apenas perante o Governo.
XXX. Devendo ser esse o sentido da decisão recorrida, i.e., considerando que a responsabilidade é apenas perante o Governo, até porque, estando a matéria da responsabilidade das concessionárias pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo já regulada na Lei n.º 16/2001, o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não poderá ter um alcance e sentido diferentes.
XXXI. Tudo sem prejuízo de poder entender-se que o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 continha matéria de “normação primária”, eventualmente sobre o licenciamento e a actividade dos promotores de jogo, esse entendimento não poderá colher relativamente à matéria da responsabilidade das concessionárias pela actividade dos promotores de jogo, porquanto essa matéria já estava legislada (cfr. artigo 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001) de forma clara e inequívoca, nomeadamente no que toca perante quem a Recorrente (concessionária) é responsável solidariamente com a 1.ª Ré: o Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
XXXII. A norma constante do referido artigo 29º é, portanto, uma norma regulamentar de uma outra, prevista num diploma de valor hierárquico superior - a Lei n.º 16/2001.
XXXIII. E, a previsão legal do artigo 52º da Lei n.º 16/2001 não inclui qualquer dispositivo para que o Chefe do Executivo ou o Governo legislem em matéria de responsabilidade civil da concessionária de jogos de fortuna ou azar em casino pelos actos praticados pelos promotores de jogo.
XXXIV. O Tribunal a quo deveria ter concluído que a responsabilidade solidária das. concessionárias pela actividade dos promotores de jogo prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 diz respeito, tão só e apenas, à responsabilidade perante o Governo, tal como prevista no artigo 23º n.º 3 da versão original da Lei n.º 16/2001, em vigor à data da prática dos factos alegados pelo Autor e, bem assim, à data da prolacção da Sentença em crise, absolvendo a Ré, ora Recorrente, do pedido formulado pelo A., ora Recorrido.
XXXV. A interpretação do Tribunal viola as regras estatuídas no artigo 8º do Código Civil de Macau e, em última análise, levariam a que o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 padecesse de vício que lhe retira efeitos.
XXXVI. O Tribunal a quo deveria ter considerado na sua análise o facto de o Recorrido não ter logrado provar - tampouco estava essa matéria quesitada - qualquer facto que pudesse subsumir-se à falta de cumprimento dos deveres de fiscalização pela Recorrente da actividade da 1ª Ré,
XXXVII. Concretamente, aqueles que estão previstos no artigo 30º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
XXXVIII. A Recorrente sempre cumpriu os seus deveres de fiscalização da actividade da 1ª Ré, não podendo, jamais, ser considerada solidariamente responsável pelos prejuízos decorrentes da actividade desta.
XXXIX. Tem vindo a ser entendimento unânime dos Tribunais de recurso da RAEM que a eventual responsabilidade solidária das concessionárias ao abrigo do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 tem ligação íntima com - e é dependente do - (in)cumprimento, por parte daquelas, dos seus deveres de fiscalização previstos no artigo 30º do mesmo diploma legal.
XL. Errou também o Tribunal ao ter desconsiderado aquilo que a Recorrente referiu na sua Contestação (vide fls. 78 e seguintes dos autos), de que a 2ª Ré, ora Recorrente, não possui quaisquer registos relativos aos depósitos alegadamente realizados pelo Autor, ora Recorrido, e que o mesmo reclamou.
XLI. Bem sabendo que à data da prolação da Sentença não estava ainda em vigor a Lei 16/2022, não deveria ter sido desconsiderado pelo Tribunal a quo que, dos registos existentes nos autos (vide fls. 181 e 182 dos autos), não resultava qualquer prova de que os fundos depositados tenham sido trocados por fichas e, destarte, utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino ou ganhos nos referidos jogos (até porque, conforme o Autor confessou, esses fundos provieram de outra conta, aberta numa outra “sala VIP” ...), e
XLII. Ainda que tais depósitos tenham existido, os mesmos não foram utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino nem foram ganhos nestes jogos, não se considerando uma actividade desenvolvida nos casinos, tal como prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
XLIII. O artigo 29º refere que “as concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administraCs e colaboraCs destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”.
(negrito da responsabilidade da Recorrente).
XLIV. O Legislador da RAEM elaborou muito recentemente a Lei n.º 16/2022, de 19 de Dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2023.
XLV. À luz do artigo 63º da Lei n.º 16/2022, os depósitos de fundos ou fichas só são considerados uma actividade desenvolvida nos casinos - daí podendo resultar a responsabilidade prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 - quando os fundos ou fichas foram utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino ou foram ganhos nestes jogos.
XLVI. Nos termos do n.º 3 do referido artigo 63º, esta norma tem natureza interpretativa relativamente ao supra citado artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
XLVII. Remete-se para aquilo que já se alegou relativamente ao processo legislativo e ao Conteúdo do Parecer da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa da RAEM sobre a Proposta de Lei de que resultou a referida Lei n.º 16/2022, de 19 de Dezembro, em particular os seus pontos 71 a 80 (páginas 39 a 49), com destaque para os pontos 76 e 77,
XLVIII. Assim, atendendo ao conteúdo do artigo 63º da Lei n.º 16/2022 e ao que vem prescrito no artigo 12º do Código Civil, em conjugação com os doutos esclarecimentos prestados à Assembleia Legislativa da RAEM pelo proponente da Lei, não parecem restar dúvidas de que, na apreciação do presente recurso, o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 deverá ser interpretado em conjugação com a norma interpretativa prevista no artigo 63º da Lei n.º 16/2022.
XLIX. Destarte, atendendo a que não existem quaisquer registos de que os depósitos alegadamente feitos pelo Autor na conta aberta junto da 1ª Ré foram utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino ou foram ganhos nestes jogos (cfr. nº 2 do artigo 63º da Lei nº 16/2022), e a que, para além da inexistência de registos, o Autor, ora Recorrido, também não apresentou qualquer outra prova, nomeadamente a testemunhal, da utilização ou da proveniência dos referidos fundos em jogos de fortuna e azar,
L. Devem Vossas Excelências concluir que os depósitos alegadamente feitos pelo Autor não são - não podem ser - considerados uma actividade desenvolvida nos casinos à luz do artigo 63º da Lei n.º 16/2022, resultando que a (eventual) responsabilidade prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, interpretado de acordo com o n.º 3 do referido artigo 63º da Lei n.º 16/2022, fique, desde logo, afastada.
LI. Errou, nesta medida, o Tribunal a quo, quando julgou procedentes os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrido, contra a ora Recorrente, visto não estarem verificados os pressupostos legais para a responsabilidade solidária da Recorrente previstos no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002,
LII. Padecendo a Sentença recorrida de vício por errada interpretação e aplicação do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, quer na sua versão original quer com a redacção que lhe foi dada pela norma interpretativa do artigo 63º da Lei 16/2022, ao abrigo do artigo 12º do Código Civil, a qual, no entender do legislador, deve ser aplicável aos processos judiciais que ainda não têm sentença transitada em julgado, como no caso dos presentes autos.
Da errada decisão quanto à excepção de prescrição invocada pela Recorrente:
LIII. Errou o Tribunal a quo ao considerar que a eventual responsabilidade da Recorrente pelo incumprimento contratual da 1ª Ré - no que não se consente - tem natureza contratual.
LIV. A Recorrente não é parte no negócio alegadamente celebrado entre o Autor, ora Recorrido, e a 1ª Ré e que terá sido incumprido.
LV. O Tribunal a quo errou ao desconsiderar que o princípio da relatividade dos contratos impõe que estes só produzem efeitos entre as partes que os outorgam e que, apenas excepcionalmente, os contratos podem produzir efeitos em relação a terceiros, se essa situação estiver expressamente prevista na lei.
LVI. É esse o sentido do n.º 2 do artigo 400º do Código Civil: “em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.”
LVII. Nos termos do artigo 10º do Código Civil, “as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva”.
LVIII. Errou o Tribunal a quo quando aplicou analogamente ou interpretou extensivamente uma norma que cria uma excepção aplicável apenas aos casos especialmente previstos na lei, é dessa premissa que esta análise tem de partir, o que constitui violação do referido artigo 10º do Código Civil.
LIX. O Tribunal a quo deveria ter julgado procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela Recorrente, até porque não existe lei que preveja a extensão dos efeitos de um contrato de depósito celebrado entre um promotor de jogo e um jogador a uma concessionária para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino.
LX. Apenas a 1ª Ré estava vinculada ao cumprimento do contrato que celebrou com o Autor, conforme resulta do preceituado nos artigos 392º, 399º e 400º do Código Civil.
LXI. Ao contrário do que considerou o Tribunal recorrido na Sentença em crise, o artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 não pode ser considerado uma norma excepcional no sentido dado pelo nº 2 do artigo 400º do Código Civil.
LXII. As normas do Código Civil não permitem ao intérprete retirar a conclusão de que no artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 existe uma previsão legal, excepcional e especial, de extensão à concessionária dos efeitos de um contrato do qual aquela não é parte, até porque esse artigo nem sequer faz referência a um contrato específico sobre o qual, na opinião do Tribunal recorrido, a Recorrente haveria de arcar com responsabilidades.
LXIII. Ao contrário do que sucede com os exemplos de outros contratos de que o Tribunal a quo lançou mão, e sempre com o devido respeito - que é muito! - o artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 não encontra cabimento na norma excepcional e já citada do artigo 400º nº 2 do Código Civil, a qual exige, prescreve e estatui, que a produção de efeitos em relação a terceiros esteja “especialmente prevista”, ou seja, especificada na lei.
LXIV. A responsabilidade prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 só pode ser.ao contrário do que interpretou e aplicou a decisão recorrida, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, delitual ou aquiliana, tal como prevista no artigo 477º do Código Civil.
LXV. A Lei nº 16/2001 - quer na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 7/2022, quer depois das alterações introduzidas por esta - que regula o regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino e o Regulamento Administrativo nº 6/2002 impõem (no caso do Regulamento, impunha) uma série de deveres de fiscalização às concessionárias que, caso não sejam cumpridos, ( poderão fazê-las incorrer na responsabilidade prevista no artigo 29º já sobejamente referido.
LXVI. A responsabilidade em que as concessionárias, como a ora Recorrente, poderão incorrer em virtude do incumprimento dos deveres consagrados na legislação referida tem natureza extracontratual.
LXVII. Mesmo que assim não fosse, havendo incertezas quanto à natureza jurídica da responsabilidade das concessionárias nos termos do artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 a solução do Tribunal sempre teria de considerar enquadramento apresentado pelo próprio Autor, ora Recorrido, em atenção aos princípios basilares do dispositivo e da estabilidade da instância.
LXVIII. O Autor, ora Recorrido, configurou a responsabilidade da Recorrente como extracontratual, nos termos previstos no nº 1 do artigo 477º do Código Civil, e que, como referido, diz respeito à responsabilidade civil extracontratual.
LXIX. Cita-se, a este propósito, o douto Acórdão proferido por este Tribunal no Processo nº 288/2010.
LXX. A (ir)responsabilidade da Recorrente em discussão nos presentes autos tem uma natureza extracontratual, pelo que o Tribunal a quo deveria ter decidido, em face dos factos apresentados, que o direito de indemnização invocado pelo Autor contra a Recorrente já prescreveu, nos termos do nº 1 do artigo 491º do Código Civil, por já terem decorrido 3 anos desde o “conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
LXXI. O Autor alegou, no artigo 41º da Petição Inicial, que a obrigação da 1ª Ré de devolver o depósito se venceu, pelo menos, em 30 de Outubro de 2015, nos termos dos artigos 1132º e 1075º nº 1 do Código Civil.
LXXII. Em conclusão, a excepção peremptória de prescrição invocada pela Recorrente deveria ter sido julgada procedente, e, ao decidir de forma diversa, a Sentença recorrida padece de vício por errada interpretação da norma aplicável por ter concluído pelo prazo de prescrição ordinária com base na relação jurídica contratual ao invés da prescrição prevista no nº 1 do artigo 491º do Código Civil para a responsabilidade civil extracontratual.
LXXIII. Em suma, a Recorrente entende que as normas jurídicas violadas pela Sentença em crise foram as constantes dos artigos 8º, 10º, 392º, 399º, 400º, 477º e 491º nº 1 do Código Civil, artigos 23º nº 3 e 52º da Lei nº 16/2001, o artigo 3º nº 3 da Lei nº 13/2009 e o artigo 29º do Regulamento Administrativo 6/2002, pelas razões alegadas no presente recurso.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida, proferindo Acórdão:
a) Que absolva a Recorrente dos pedidos apresentados pelo Autor, por o direito invocado pelo Autor contra esta já se encontrar extinto por via da prescrição.
Caso assim não se entenda,
b) Que absolva a Recorrente dos pedidos apresentados pelo Autor, por não se verificarem os pressupostos legais para a responsabilidade solidária da 2ª Ré previstos no artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Caso assim não se entenda,
c) Que absolva a Recorrente do pedido apresentado pelo Autor relativo ao segundo depósito, no montante de HKD5,100,000.00 (cinco milhões e cem mil dólares de Hong Kong), por não ter ficado provado que esse montante não foi levantado pelo Autor,

Contra-alegando veio o Autor e agora Recorrido pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, não apresentando, contudo, conclusões.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
1. Em 24 de Junho de 2002, a 2.ª Ré, A Resorts (Macau) S.A., celebrou com o Governo da RAE de Macau o contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar outros jogos em casino na RAE de Macau, na qualidade de concessionária, e tornou-se sociedade concessionária de jogos de fortuna ou azar em casino. (Facto assente A)
2. A 1.ª Ré é titular da licença de promotor de Jogos sob o n.º … emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) e era válida até 30 de Setembro de 2016. (Facto assente B)
3. Entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré celebrado um “contrato de promotor de jogo” e “Acordo de Concessão de Crédito” e abriram várias Salas VIP C no estabelecimento da 2.ª Ré. (Facto assente C)
4. Com a permissão e consentimento da 2.ª Ré, a 1.ª Ré abriu uma caixa individual na Sala VIP C para a troca gratuita, depósito e levantamento de fichas para os seus membros. (Facto assente D)
5. Conforme a licença do facto assente B que era válida até 30 de Setembro de 2016, a 1.ª Ré exercia actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar na 2.ª Ré. (Facto assente E)
6. Desde Março de 2014 até ao presente momento, a 1.ª Ré é detida exclusivamente por D, que é também o único administrador. (Facto assente F)
7. De acordo com os estatutos da 1.ª Ré, esta é responsável pelos documentos que contêm as assinaturas do administrador. (Facto assente G)
- Factos provados após a audiência de julgamento: (ver fls. 266 a 269 dos autos para a base do reconhecimento de facto relevantes)
8. O Autor era um cliente da Sala VIP C operada pela 1.ª Ré e tinha uma conta de jogo na Sala VIP C, número … (resposto ao quesito 1.º)
9. O objectivo da conta de jogo do Autor na Sala VIP C, gerida pela 1.ª Ré, era guardar dinheiro e/ou fichas de jogo para os levantar quando jogasse. (Resposta ao quesito 2.º)
10. A 19 de Maio de 2015, o Autor, através da assistência de E, depositou o equivalente a HKD$5.000.000,00 de fichas em dinheiro na conta de jogo da Sala VIP C aberta em nome do Autor (número de conta: 80530588) (Resposta ao quesito 3.º)
11. Depois de depositar a dita soma de verba, a 1.ª Ré emitiu um “recibo de depósito de fichas” com o número … que diz “Certifico que B (depositante), cliente n.º …, com o depósito em numerário de HKD$5,000,000.00”. (resposta ao quesito 4.º)
12. O “recibo de depósito de fichas” foi assinado pelo responsável da caixa da Sala VIP C e por uma testemunha da Sala VIP C para provar que o dinheiro foi depositado na conta de jogo aberta pelo Autor na Sala VIP C. (Resposta ao quesito 5.º)
13. A 30 de Junho de 2015, o Autor, com a ajuda de F, depositou HKD$5.100.000,00 em dinheiro numa conta de jogo (Conta n.º …) na Sala VIP C acima mencionada, em nome do Autor. (Resposta ao quesito 6.º)
14. Após o depósito ter sido efectuado, a 1.ª Ré emitiu um “recibo de depósito de fichas” com o número …, onde se lia “Certifico que (Depositante) B, cliente n.º …, com o depósito HKD$5,100,000( em dinheiro, com o observação: F depositou”. (Resposta ao quesito 7.º)
15. O “recibo de depósito de fichas” foi assinado pelo responsável da caixa da Sala VIP C e por uma testemunha da Sala VIP C para provar que o dinheiro foi depositado na conta de jogo aberta pelo Autor na Sala VIP C. (Resposta ao quesito 8.º)
16. O Autor depositou a dita quantia total de HKD$10.100.000,00 na Sala VIP C operada pela 1.ª Ré e ainda não levantou, pelo menos, a quantia de HKD$5.000.000,00 referida nas respostas aos quesitos 3.º e 4.º. (Resposta ao quesito 9.º)
17. A partir de Setembro de 2015 e depois disso, o Autor fez vários pedidos sem sucesso à 1.ª Ré para levantar o depósito de HKD$10.100.000,00. (Resposta ao quesito 10.º)

b) Do Direito

É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«O tribunal deve analisar os factos considerados provados no presente processo e aplicar a lei para resolver o litígio entre as partes.
Depois de analisar os fundamentos apresentados pelas partes, o processo foi tratado em relação às seguintes questões:
- 4.1. A caracterização jurídica da relação entre o Autor e a 1.ª Ré e uma análise da eventual responsabilidade da 1.ª Ré;
- 4.2. Uma análise da eventual responsabilidade da 2.ª Ré;
- 4.3. Uma vez apurado que a 2.ª Ré tem a obrigação de pagar ao Autor, é analisada a questão da prescrição levantada pela 2.ª Ré.
*
4.1.
Foi demonstrado nos pontos 9.º, 11.º e 14.º dos factos provados que o Autor era cliente da Sala VIP C operada pela 1.ª Ré e que ela abriu uma conta de jogo na Sala VIP C e depositou HKD$5.000.000,00 e HKD$5.100.000,00 em equivalente de fichas vivas com a ajuda de outros em 19 de Maio de 2015 e 30 de Junho de 2015, respectivamente.
Estes factos são suficientes para sustentar a existência de uma relação contratual de depósito irregular entre o Autor e a 1.ª Ré, indicada no artigo 1131.º do Código Civil.
Por conseguinte, a 1.ª Ré tinha o dever de entregar fichas de igual valor ao Autor, se este o solicitasse.
O ponto 18.º(sic.) dos factos provados mostra que “A partir de Setembro de 2015 e depois disso, o Autor fez vários pedidos sem sucesso à 1.ª Ré para levantar o depósito de HKD$10.100.000,00.”.
Conforme o ponto 17.º(sic.) dos factos provados, “O Autor depositou a dita quantia total de HKD$10.100.000,00 na Sala VIP C operada pela 1.ª Ré e ainda não levantou, pelo menos, a quantia de HKD$5.000.000,00 referida nas respostas aos quesitos 3.º e 4.º.”
Com base nos dois factos acima referidos, é claro que a 1.ª Ré tem a obrigação de devolver ao Autor a soma de HKD$5.000.000,00 em fichas vivas ou o seu equivalente em 19 de Maio de 2015.
No que diz respeito ao montante de HKD$5.100.000,00 depositado pelo Autor em 30 de Junho de 2015, embora o ponto 17 dos factos provados (os factos probatórios constam da petição inicial do Autor) apenas demonstre que pelo menos um dos montantes não foi levantado pelo Autor, de acordo com a regra do ónus da prova prevista no artigo 335.º do Código Civil, o Tribunal é de opinião que, o facto de o depositante ter recuperado o depósito é um facto extintivo na acepção do n.º 2 do referido artigo e deve ser indicado e provado pela 1.ª Ré. No presente caso, como nenhum dos factos provados confirma a existência de tal facto extintivo, devem ser julgados procedentes as partes correspondentes relativas aos pedidos 1 e 2 da petição inicial do Autor contra a 1.ª Ré.
*
4.2.
O Autor entende que a 2.ª Ré é responsável pelos actos da 1.ª Ré que causaram o prejuízo do Autor, nos termos do n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 (versão não alterada) e do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
Nos termos do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administraCs e colaboraCs destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis.”.
A aplicação desta disposição foi analisada de forma persuasiva pelo Honorável Tribunal de Última Instância no proc. n.º 45/2019, de 19 de Novembro de 2021, e em vários outros casos semelhantes. No ponto de vista do Honorável Tribunal de Última Instância, com o mesmo se pretendeu estatuir que as concessionárias são (também) “solidariamente responsáveis” com os (seus) promotores de jogo para com “terceiros” pela actividade por estes desenvolvida nos casinos.
Na sequência do entendimento do Tribunal de Última Instância, e tendo em conta os pontos 3, 4 e 9 a 13 dos factos provados, o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 impõe à 2.ª Ré a mesma responsabilidade que à 1.ª Ré.
Uma vez que a 2.ª Ré tinha levantado a questão da prescrição, o Tribunal tinha ainda de analisar se a questão impedia a procedência do pedido apresentado pelo Autor contra a 2.ª Ré.
*
4.3.
A 2.ª Ré considera que, mesmo que o Tribunal considerasse que era responsável perante o Autor, o prazo de prescrição que deveria ser aplicado em relação à sua dívida era o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 491.º do Código Civil.
Para resolver as questões suscitadas pela 2.ª Ré, é necessário começar por analisar e qualificar a doutrina do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
Em primeiro lugar, uma análise intuitiva das disposições supracitadas, tendo em conta a verba depositada pelo Autor junto da 1.ª Ré e o disposto no n.º 2 do artigo 400.º do Código Civil, pareceria, à primeira vista, não impedir a conclusão preliminar do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, que estabelece uma responsabilidade civil extracontratual para as sociedades concessionárias ou subconcessionárias.
Contudo, esta conclusão não é uma consequência, uma vez que o n.º 2 do artigo 400.º do Código Civil permite expressamente a extensão dos efeitos de um contrato a terceiros nos casos previstos na lei.
Com o devido respeito pelas opiniões divergentes, o Tribunal considera que o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 pertence à situação prevista no n.º 2 do artigo 400.º do Código Civil.
Antes de começar a desenvolver os fundamentos subjacente a conclusões, o Tribunal considera necessário limitar o âmbito da análise: será discutida a situação em que existe uma relação contratual entre um promotor de jogo e um cliente, mas em que o primeiro tem obrigações contratuais que não foram cumpridas. Se as condições dos pressupostos do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 tiverem sido integralmente preenchidas e forem suficientes para que o concessionário ou subconcessionário de jogo seja igualmente responsável perante o referido cliente, a responsabilidade do concessionário ou subconcessionário de jogo será caracterizada como decorrente de um contrato (ou seja, um contrato entre o promotor de jogo e o cliente) ou como uma responsabilidade civil extracontratual.
Por outras palavras, ultrapassa o âmbito do presente acórdão considerar se o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 ou certas cláusulas específicas do contrato de concessão entre a Administração e a sociedade concessionário ou subconcessionário de jogos impõem a mesma responsabilidade ao concessionário ou subconcessionário quando um promotor de jogo viola os direitos de um cliente e incorre, por conseguinte, em responsabilidade civil extracontratual.
Deixemos que este Tribunal aclarou o ponto de vista.
O princípio da relatividade dos contratos significa que, em geral, apenas as partes de um contrato estarão vinculadas aos efeitos decorrentes do contrato enquanto objecto do contrato, podendo assim usufruir dos direitos ou estar sujeitas às obrigações decorrentes do contrato.
No entanto, como já foi referido, o n.º 2 do artigo 400.º do Código Civil permite expressamente a extensão dos efeitos de um contrato a terceiros nos casos previstos na lei.
Por exemplo, como situação em que um terceiro, que não a parte contratante, pode beneficiar do contrato, os artigos 437.º a 445.º do Código Civil regulam os “contratos de pagamento a terceiros”. Nestes contratos, uma vez aceite a promessa por um terceiro, este tem o direito de exigir o pagamento directamente ao promitente da obrigação contratual.
Além disso, como produto da doutrina e da jurisprudência, existem também contratos de protecção dos interesses de terceiros (a título meramente exemplificativo, veja-se decisão colegial do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, com o processo n.º 561/18.8TCSC.L1.S1, de 3 de Novembro de 2020, veja-se também, Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão da posição contratual, Almedina, p. 419 e ss., e Manuel A. Carneiro da Frada, Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65 - Vol. II - Set. 2005, também disponível em https://portal.oa.pt/, entre os quais o ponto 7).
É claro que o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é diferente da situação acima mencionada porque não confere direitos a terceiros, mas impõe obrigações.
No sistema jurídico de Macau, e mesmo no direito comparado, não falta a discussão sobre a responsabilidade (contratual ou extracontratual) de terceiros por contratos celebrados por outrem.
É o caso da teoria dos “grupos de contratos” ou das “cadeias de contratos” (Les groupes de contrats; Les chaines de contrats), uma das situações desenvolvida no século passado pela doutrina e pela jurisprudência francesas. A respectiva teoria centra-se num certo número de contratos que se sucedem por ordem cronológica, mas que têm o mesmo objecto ou finalidade, ou que estão relacionados entre si. Em suma, trata-se de saber se as partes de um dos contratos a jusante (ou a montante) da “cadeia de contratos” podem invocar os efeitos decorrentes dos outros contratos da “cadeia de contratos”.
Um exemplo da teoria acima referida pode ser encontrado nos artigos 1147.º a 1149.º e 1151.º do Código Civil de Macau (que é semelhante ao n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil de 1966, que não foi alargado a Macau). A doutrina defende que as disposições legais do Código Civil acima mencionadas prevêem que a relação contratual entre o dono da obra e o empreiteiro, no âmbito da qual o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a reparação, a eliminação dos defeitos e o pedido de indemnização, seja alienada para o subadquirente através de um direito de crédito nos termos da imposição da lei. (Conforme, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª Edi.,--- o termo utilizado na página 195 em relação ao fenómeno é “cessão de créditos resultantes da responsabilidade contractual, imposta por lei”; A teoria francesa foi descrita como “transfert de garantie des vice caches” ou “transfert des actiones contratuelle” ).
Outro exemplo de direito comparado pode ser encontrado no regime jurídico português de protecção dos consumiCs. O n.º 1 do artigo 40.º do mais recente regime jurídico de protecção dos consumiCs em Portugal, o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, estabelece que: “1 - Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o profissional, o consumidor que tenha adquirido um bem, conteúdo ou serviço digital que apresente uma falta de conformidade pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado, tendo em conta o valor que o bem, conteúdo ou serviço digital teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.” Esta disposição prevê igualmente que o consumidor pode contornar o contrato de compra e venda entre o consumidor e o comerciante e solicitar directamente ao fabricante a reparação ou substituição dos bens. Salvo ratio legis mais fortes, deve considerar-se que se aplica ao distribuidor (ou seja, o sujeito de uma relação contratual directa com o consumidor) e ao fabricante o mesmo prazo de prescrição curto para tratar dos defeitos dos bens de consumo, em vez do prazo de prescrição curto para o distribuidor e do prazo de prescrição da responsabilidade civil extracontratual para o fabricante. Note-se que a referida responsabilidade do fabricante pela reparação ou substituição do bem é dirigida ao objecto da transacção contratual entre o distribuidor e o consumidor, e não aos “danos extra rem” de natureza pessoal ou patrimonial causados ao consumidor pelo objecto de venda defeituoso, que já se encontram protegidos pelo regime de responsabilidade objectiva do fabricante (ver, por exemplo, o artigo 91.º do Código Comercial de Macau). (No direito comparado, a seguinte discussão sobre a “acção directa” (acção directa/action dirccte), ao dispor dos consumiCs foi feita pelo Tribunal Intermédio de Coimbra, em 1 de Março de 2016, no processo n.º 1684/08.7TBCBR.C1 com a descrição adequada da natureza contratual inerente: “A Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31/7, alterada pelo DL n.° 67/2003, de 8/4) ao conferir ao consumidor o direito à reparação da coisa ou à sua substituição está a pressupor relação contratual directa com o fornecedor remetendo a responsabilidade objectiva do produtor para os "termos da lei (o n.° 5 do artigo12.º na versão primitiva), ou seja para o DL n.° 383/89.
O DL n.° 67/2003, de 8 de Abril (que transpôs a Directiva n.° 1999/44/CEE), veio consagrar, pela primeira vez, medidas jurídicas relativas às garantias voluntariamente assumidas pelo vendedor, fabricante ou por qualquer intermediário (artigo 9.°), bem como a responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, pela reparação ou substituição da coisa defeituosa (artigo 6.°), visando com isto - como se afirma no preâmbulo – “estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor pelos defeitos de segurança, já hoje prevista no DL n.° 383/89 de 6 de Novembro”.
O artigo 6.º do diploma legal faculta ao consumidor, sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, a chamada “acção directa” contra o produtor ou seu representante, a fim de reclamar a reparação ou substituição da coisa defeituosa, mas já não a anulação ou resolução do contrato.
A acção directa, como excepção ao princípio da relatividade dos contratos, situa-se no âmbito da “teoria do grupo de contratos”, pela sua íntima conexão, em especial nos contratos translativos sucessivos de propriedade, e traduz-se no benefício concedido a certos creCs permitindo que demandem directamente os deveCs dos seus deveCs imediatos. E esta a situação prevista no artigo 6.° do DL n.° 67/2003, em que através da “acção directa” se pretende estender a responsabilidade contratual do produtor perante terceiros, configurando, segundo determinado entendimento, na esteira do direito francês, uma cessão da garantia por vícios emergentes do contrato firmado entre o produtor e o primeiro adquirente, aos adquirentes sucessivos da coisa defeituosa.
Daí que, no quadro legislativo vigente, a responsabilidade civil do produtor perante terceiros assuma uma dupla natureza, conforme os respectivos pressupostos: por um lado, a natureza de responsabilidade delitual objectiva, por outro, a natureza de responsabilidade contratual (acção directa).”)
Outro domínio de preocupação, tanto na doutrina como na jurisprudência, é o da cadeia de contratos na relação entre uma empreitada e uma subempreitada. Por exemplo, quando um dono da obra celebra um contrato de com um empreiteiro e este, posteriormente, adjudica a totalidade da obra a um subempreiteiro ou subdivide a obra e a adjudica outra vez a vários subempreiteiros. O que está em causa é saber se o dono da obra pode intentar uma “acção directa” contra o subempreiteiro, ou se o subempreiteiro pode intentar uma “acção directa” contra o dono da obra se não receber os pagamentos contratuais devidos pelo empreiteiro (este exemplo é dado apenas para salientar que o princípio da relatividade dos contratos não é dotado da natureza absoluta) e não pretendemos afirmar a nossa posição sobre a questão; com efeito, existem diferentes pontos de vista sobre a questão, aceitando uma “acção directa” sujeita à condição de pressupostos e sustentando que o dono da obra ou subempreiteiro só pode exercer o direito de crédito possuído pelo empreiteiro através do mecanismo da sub-rogação do credor. Sobre esta questão, ver, Romano Martinez, Subcontrato, p. 176 e 177, e Direito das Obrigações (Parte Especial) do autor, 2.ª Edi., p. 417 a 419; para a jurisprudência, o Tribunal Intermédio de Lisboa, de 16 de Dezembro de 2003, no processo n.º 9602/2003-7, citadas as decisões colegiais do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Janeiro de 1999 e do Tribunal Intermédio do Porto, de 3 de Dezembro de 2001, referidas nessa decisão, e a decisão colegial do Tribunal Intermédio de Coimbra, de 31 de Maio de 2005, no processo n.º 585/05). No direito comparado, embora no âmbito do direito público, o artigo 267.º do Decreto-Lei n.º 59/99 (2 de Março; já revogado) de Portugal constitui um exemplo da possibilidade de um subempreiteiro exigir directamente a prestação ao dono da obra, mediante determinadas condições.
Estes numerosos exemplos destinam-se a mostrar que, tal como expressamente permitido pelo n.º 2 do artigo 400.º do Código Civil, numa série de relações contratuais conexas (por exemplo, quando A e B tinham celebrarado um contrato e posteriormente, B e C celebraram um contrato sobre uma questão conexa), os terceiros de ambos os contratos (ou seja, C no caso do contrato de A com B; A no caso do contrato de B com C) podem ser afectados pelos efeitos de um contrato em que não interviessem.
A fonte do fundamento a partir da qual o terceiro acima referido só pode pretender direito ou assumir obrigação desta forma baseia-se no princípio da autonomia ou, em conformidade com a lei, nas disposições legais.
O Tribunal está convencido de que, quando um promotor de jogo exerce uma actividade típica num casino em benefício do concessionário (ver a decisão do Tribunal Colectivo do TUI acima referida) e celebra um contrato com o cliente durante essa actividade, o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, em conjugação com o n.º 2 do artigo 400.º do Código Civil, é suficiente para constituir uma base válida para que o concessionário seja solidariamente responsável pelo contrato sem ser parte no contrato entre o promotor de jogo e o cliente.
Quando existe uma relação contratual entre um promotor de jogo e um cliente, mas o promotor de jogo não cumpre as suas obrigações contratuais, o promotor de jogo é, na maior parte dos casos, contratualmente responsável. No caso em apreço, existia um contrato de depósito irregular entre a 1.ª Ré, na qualidade de promotor de jogos, e o Autor e, os factos provados não demonstram que o comportamento da 1.ª Ré tenha violado qualquer direito subjectivo do Autor, nos termos do n.º 1 do artigo 477.º do Código Civil (o entendimento prevalecente é o de que o direito subjectivo nesta disposição se refere a um direito absoluto e não inclui um direito relativo, como uma dívida) ou violado qualquer interesse jurídico destinado a proteger terceiros, e que a 1.ª Ré tinha uma dívida para com o Autor decorrente de uma relação contratual. Especificamente, é obrigado a satisfazer o crédito do Autor quando este o exigisse, ou seja, de lhe entregar um depósito de substituição de valor equivalente.
Não existindo responsabilidade civil extracontratual por culpa ou risco do agente directo (a 1.ª Ré), o Tribunal considera que é mais difícil argumentar que a responsabilidade civil da 2.ª Ré, nos termos do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, é extracontratual. Como já foi referido, o direito do Autor contra 1.ª Ré é uma dívida (um direito relativo, não um direito absoluto). Quando 1.ª Ré não cumpriu a sua dívida, agiu de forma contratualmente ilícita e, neste caso, é questionável se a responsabilidade criada pelo artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um risco na acepção do n.º 2 do artigo 477.º --- Qual foi o tipo do direito absoluto do Autor neste caso que foi violado? (Note-se que, embora a jurisprudência tenha considerado a violação de uma dívida por um terceiro como um acto ilícito em determinadas circunstâncias - ver, por exemplo, a decisão colegial do Tribunal de Última Instância, de 19 de Julho de 2002 no processo n.º 2/2002 -, mas a responsabilidade de terceiro parece basear-se no artigo 326.º do Código Civil e não apenas no n.º 1 do artigo 477.º)
Tendo em conta as razões expostas no parágrafo anterior, o Tribunal considera que uma melhor leitura deste caso específico é a de que o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 alarga a responsabilidade contratual da 1.ª Ré e vincula a 2.ª Ré da mesma forma, com a respectiva consequência de que este último é solidariamente responsável pela responsabilidade contratual da 1.ª Ré.
Para além dos fundamentos acima referidos, o Tribunal pretende analisar a relação de facto entre o concessionário, o promotor de jogo e o cliente.
É incontestável que a sociedade concessionária é uma entidade autorizada a exercer a actividade de jogo de fortuna ou azar ao abrigo de um contrato de concessão. No decurso do cumprimento das suas obrigações e da abertura das actividades ao abrigo do contrato de concessão, a sociedade concessionária pode recrutar promotor de jogo qualificado, para lhe prestarem serviços, sob reserva dos requisitos legais aplicáveis. Isto significa que os beneficiários efectivos das actividades do promotor de jogo no casino serão, sem dúvida, a sociedade concessionária, que tem uma relação contratual com o promotor de jogo. Imaginem que: se o promotor de jogo conseguir angariar clientes para o casino da sociedade concessionária, incluindo a Sala VIP, para jogos de sorte, os resultados da operação nas mesas de jogo beneficiam, naturalmente, de forma directa a sociedade concessionária. Do ponto de vista do cliente, este aceita o serviço prestado pelo promotor de jogo, em grande parte devido à reputação da sociedade concessionária por detrás do promotor de jogo e à confiança que esta transmite aos seus clientes. Pode mesmo considerar-se que o que o cliente pretende patrocinar e usufruir é o serviço de jogos de fortuna ou azar prestado pelo casino e que os restantes serviços prestados pela sociedade concessionária ou pelo promotor de jogo são apenas parte integrante da actividade de jogo para o cliente. (Em termos de direito comparado, existe alguma semelhança de objectivo com o artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 e não há falta de valor de referência, pode verificar-se que o n.º 3 do artigo 311.º do actual Código Civil alemão prevê expressamente que “uma relação de dívida constituída pelas obrigações previstas no n.º 2 do artigo 241.º pode igualmente surgir em relação a uma pessoa que não deva ser parte no contrato. Tal relação de dívida pode ocorrer, em particular, se o terceiro invocar especificamente a confiança em si próprio e, consequentemente, afectar significativamente a negociação ou a celebração do contrato.” - Texto da tradução chinesa de Chen Weizuo através da Editora de Lei)
Isto mostra que a natureza do promotor de jogo contratado por contrato pela sociedade concessionária, no decurso do cumprimento do contrato de concessão, é semelhante à dos auxiliares de cumprimento previstos no n.º 1 do artigo 789.º do Código Civil. O Tribunal considera, por conseguinte, o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 tem em conta as facilidades e benefícios que a sociedade cessionária pode obter quando utiliza um “auxiliar” (tal como previsto no n.º 1 do artigo 789.º do Código Civil, tendo em conta “ubi commode, ibi incommoda”--- vide, Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, Maria da Graça Trigo, Coimbra Editora, 2009, p. 239) e, pelo que, exige que, quando um “auxiliar” causa responsabilidade contratual a outra pessoa, a sociedade concessionária seja quase igualmente responsável pela responsabilidade causada pelo “auxiliar”, como se esta tivesse sido causada pelos seus próprios actos, tal como previsto no n.º 1 do artigo 789.º.
Pelas razões expostas, o Tribunal crê que a responsabilidade solidária da 2.ª Ré perante o autor, neste caso, não está sujeita ao prazo de prescrição de três anos previsto no regime da responsabilidade civil extracontratual, mas deve ser calculada da mesma forma que o prazo de prescrição devido pelo devedor inicial na relação contratual subjacente. Por outras palavras, se o devedor do contrato subjacente estiver sujeito a um prazo de prescrição curto (por exemplo, um ano), tal como previsto num contrato típico de um determinado tipo, aplicar-se-á o mesmo prazo de prescrição curto para alargar e vincular a responsabilidade contratual do terceiro e, inversamente, se o devedor do contrato subjacente estiver sujeito a um prazo de prescrição ordinária de quinze anos, o prazo de prescrição do terceiro será também um prazo de prescrição ordinária de quinze anos.
Com efeito, a aplicação a terceiros do mesmo prazo de prescrição que ao devedor no contrato subjacente resolveria satisfatoriamente a situação em que, por exemplo, nas circunstâncias específicas deste caso, se o devedor inicial (a 1.ª Ré) tivesse uma matéria de excepções que o tribunal não fosse competente para apreciar por força da lei ou do contrato, o terceiro poderia invocar as mesmas excepções contratuais que o devedor inicial tinha, porque o terceiro também era contratualmente responsável, mas, mais uma vez, a responsabilidade contratual do terceiro estaria sujeita ao prazo de prescrição do direito dos contratos.
Em suma, considerando que à 1.ª Ré se aplica o prazo de prescrição ordinária, a responsabilidade da 2.ª Ré, nos termos do artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, está também sujeita ao prazo de prescrição ordinária. Tendo em conta a situação de prescrição pessoal da 2.ª Ré, é evidente que o prazo de prescrição em causa ainda não decorreu.».

Nas suas conclusões de recurso vem a Recorrente impugnar a decisão, com os seguinte fundamentos:
- Nulidade da sentença por haver contradição entre a matéria de facto e a decisão;
- Prescrição da eventual responsabilidade da Recorrente;
- Erro na aplicação do direito no que concerne à responsabilidade solidária da Ré A e agora Recorrente;

Vejamos então.
Da nulidade da decisão recorrida.

Vem a Recorrente invocar que a condenação em HKD10.100.000 equivalente a MOP10.418.150,00 é nula por estar em contradição com a matéria de facto face à resposta dada ao quesito 9º da Base Instrutória.

Analisemos,

No artigo 25º da sua p.i. vem o Autor invocar a matéria que foi levada ao quesito 9º da Base Instrutória e que traduzido para língua Portuguesa é:
O Autor depositou a dita quantia total de HKD$10.100.000,00 na Sala VIP C operada pela 1ª Ré e ainda não a levantou?
Não consta da Base Instrutória um quesito idêntico mas formulado no sentido positivo, ou seja, perguntando-se se o Autor havia levantado aqueles valores.
O Autor não precisava de alegar este facto de que não levantou os depósitos feitos.
Tal como numa relação de mútuo o mutuante apenas tem de invocar e demonstrar que entregou o capital mutuado. Num depósito o depositante tem de invocar e demonstrar que depositou. Estes são os factos constitutivos do seu direito.
Ao mutuário e ao depositário, se o mutuante ou depositante estiver a faltar à verdade, cabe-lhes alegar e demonstrar que não receberam ou que já pagaram ou devolveram, sendo isto, excepção peremptória impeditiva ou extintiva do direito do Autor.
O erro no caso dos autos é que se levou à Base Instrutória um facto inútil para a decisão da causa, uma vez que o facto haveria de ter sido invocado e demonstrado pela positiva.
Levantar o depósito é um facto impeditivo do direito do Autor ao exigir que lhe seja devolvido o que depositou, mas não é um facto constitutivo do seu direito. O seu direito constitui-se quando invoca e prova que depositou.
Quesitando-se o facto pela negativa acaba por se decidir em erro sobre algo inútil.
Vejamos melhor,
Se se quesitar pela positiva:
O Autor levantou o valor de X que entregou?
Se a resposta do tribunal for Provado, conclui-se que levantou.
Se a resposta do Tribunal for Não Provado, não se prova nada e uma vez provado o depósito há que devolver o valor pago porque a excepção peremptória impeditiva do direito do Autor que seria o levantamento não aconteceu.
Quesitando pela negativa temos:
O Autor não levantou o valor de X que entregou?
Se a resposta do tribunal for Provado, conclui-se que não levantou. Neste caso a excepção peremptória impeditiva do direito do Autor que seria o levantamento não aconteceu.
Se a resposta do Tribunal for Não Provado não se prova nada o que não significa que levantou.
Assim sendo a formulação do facto pela negativa e pela positiva não é inócua.
A formulação do facto pela positiva ou pela negativa tem a ver com a matéria que está em causa e sobre quem impende o ónus da prova.
O credor só tem de invocar o seu crédito, não precisa de demonstrar que não foi pago.
O devedor é que para se desonerar da sua obrigação tem de demonstrar que a cumpriu.
Está correcta a asserção na decisão recorrida quando se diz «No que diz respeito ao montante de HKD$5.100.000,00 depositado pelo Autor em 30 de Junho de 2015, embora o ponto 17 dos factos provados (os factos probatórios constam da petição inicial do Autor) apenas demonstre que pelo menos um dos montantes não foi levantado pelo Autor, de acordo com a regra do ónus da prova prevista no artigo 335.º do Código Civil, o Tribunal é de opinião que, o facto de o depositante ter recuperado o depósito é um facto extintivo na acepção do n.º 2 do referido artigo e deve ser indicado e provado pela 1.ª Ré. No presente caso, como nenhum dos factos provados confirma a existência de tal facto extintivo, devem ser julgados procedentes as partes correspondentes relativas aos pedidos 1 e 2 da petição inicial do Autor contra a 1.ª Ré.».
No entanto tal raciocínio não haveria de ter sido feito em sede de decisão de direito mas aquando da decisão da matéria de facto, concluindo o tribunal por não responder ao facto em causa, uma vez que não foi invocado por quem o devia ter feito sendo inócuo.
Contudo, não foi isso que se fez, mas respondeu-se ao quesito 9º na forma indicada.
Havendo sido respondido que se provou que não levantou parte e quanto à outra parte nada se provou que facto temos?
Na parte que se provou que não levantou como já se disse ficou demonstrado que a quantia em dinheiro ali referida não foi levantada.
Na parte em que não se provou que não levantou, nada se provou, uma que a NÃO PROVA do quesito não significa haver ficado demonstrado o contrário.
Aliás, a evidência de que nada se provou quanto à quantia de HKD5.100.000,00 resulta não só da fundamentação à resposta como dos termos da resposta ao usar a expressão “pelo menos” o que significa que HKD5.000.000,00 não foram levantados e dos outros HKD5.100.000,00 nada se sabe, por estar o tribunal na dúvida.
Logo, embora nunca se houvesse ter quesitado a matéria do artigo 25º da p.i. uma vez que não era facto constitutivo do direito do Autor, ou não se houvesse de responder ao quesito pelos mesmos motivos e também porque essa matéria, sendo de excepção havia de ter sido invocada pelas Rés e na formação positiva – levantou? -, a resposta dada pelo tribunal não permite extrair conclusão alguma de que esse valor haja sido levantado.
Destarte, pese embora a forma como se respondeu não seja a correcta e pareça haver contradição com a fundamentação de direito da decisão, essa contradição não existe, uma vez que por não se ter provado que não levantou não resulta demonstrado que levantou e o que se diz na sentença é que não havendo sido demonstrado por quem devia que foi levantado, demonstrado que estão os depósitos e que não foram devolvidos como resulta do facto 17 da sentença impõe-se condenar na sua devolução, como se fez.
Assim sendo, deve improceder o recurso no que concerne à invocada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos da matéria de facto e a decisão.

Da prescrição.

Sobre esta matéria já nos pronunciámos no Acórdão de 9 de Junho de 2022 proferido no processo que correu termos sob o nº 192/2022, ali dizendo:
«Nas suas conclusões de recurso entendem os Autores que aos deveCs solidários se aplica a mesma regra da prescrição que à relação subjacente independentemente da causa responsabilidade, excluindo que a responsabilidade da Ré A o seja pelo risco, mas que, se não fosse pelo risco nem contratual, então como o legislador do regulamento Administrativo nº 6/2002 não fixou prazo de prescrição, este seria o ordinário.
Invocam os Autores/Recorrentes e bem, que o devedor solidário pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores, nos termos do nº 1 do artº 507º do C.Civ., mas, não faz correcta aplicação do conceito.
A circunstância dos meios de defesa pessoais entre os condevedores poderem não ser iguais decorre, entre muitas causas, precisamente de a fonte da obrigação poder não ser a mesma para todos.
Invocam os Autores como fonte da obrigação da Ré A o disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Óbvio fica que a responsabilidade civil da 2ª Ré não decorre de qualquer contrato pois nada se alega que haja sido celebrado entre si e os Autores, igualmente não se invoca que decorra da prática de factos ilícitos.
Logo, estão excluídas a responsabilidade contratual e a extracontratual.
A ser assim, apenas nos resta a responsabilidade objectiva, que mais não é do que uma forma de responsabilidade pelo risco prevista em legislação especial avulsa para além das que resultam nos artº 492º e seguintes do C.Civ..
A responsabilidade objectiva resulta de se entender que determinadas actividades pela sua natureza envolvem um risco para terceiros que justifica a responsabilização independentemente de culpa.
Veja-se Antunes Varela em Das Obrigações em Geral Vol. I, 4ª Ed. pág. 557 a 562:
«Há largos e importantes sectores da vida em que as necessidades sociais de segurança se têm mesmo de sobrepôr às considerações de justiça, alicerçadas sobre o plano das situações individuais.
Torna-se necessário, quando assim seja, temperar o pensamento clássico da culpa com certos ingredientes sociais de carácter objectivo.
Foi no domínio dos acidentes de trabalho que primeiro se chegou a tal conclusão.
(…)
Ao lado da doutrina clássica da culpa, um outro princípio aflorou assim neste sector: o da teoria do risco.
Quem utiliza em seu proveito coisas perigosas, quem introduz na empresa elementos cujo aproveitamento tem os seus riscos; nunca palavra, quem cria ou mantém um risco em proveito próprio, deve suportar as consequências prejudiciais do seu emprego, já que deles colhe o principal benefício (ubi emolumentum, ibi ónus; ubi commodum ibi incommodum). Quem aufere os (principais) lucros da exploração industrial, justo é que suporte os encargos dela, entre os quais se inscreve, como fenómeno normal e inevitável, o dos acidentes no trabalho.
A imposição desta responsabilidade constituirá, por outro lado, um estímulo eficaz ao aperfeiçoamento da empresa, tendente a diminuir o número e a gravidade dos riscos na prestação de trabalho, bem como a segurar os empregados contra os acidentes a que continuamente se encontram expostos.
(…)
A partir da evolução registada nestes dois sectores, muitos foram os autores que pretenderam ampliar o domínio da responsabilidade objectiva a outras actividades também consideradas perigosas, transplantando para o âmbito delas o mesmo critério de justiça distributiva (ubi commoda ibi incommoda), que serve de fundamento ao regime excepcional da responsabilidade no capítulo dos acidentes de trabalho e dos acidentes de viação.».
É essa a situação dos autos quanto à Ré A.
A sua responsabilidade é meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco.
Nos termos do artº 492º do C.Civ. aplicam-se à responsabilidade pelo risco as regras da responsabilidade pelos factos ilícitos (na falta de disposição legal em contrário) a qual no artº 491º do mesmo diploma legal consagra que o prazo de prescrição do direito à indemnização prescreve no prazo de 3 anos a partir do momento que o Autor teve conhecimento do direito e da pessoa do responsável.
É este o sentido da decisão recorrida, a qual pelas razões expostas nenhum reparo nos merece, aderindo-se mais uma vez à fundamentação que da mesma consta.
Não desconhecemos que há jurisprudência comparada que tem vindo a sustentar que respondendo o comitente nos mesmos termos do comissário a responsabilidade daquele se deve manter durante todo o tempo que este estiver obrigado a indemnizar.
No entanto para se estender este entendimento à situação sub judice pressupõe que a responsabilidade emergente do artº 29º do regulamento Administrativo nº 6/2002 é análoga à responsabilidade do comitente, posição com a qual não concordamos.
A responsabilidade objectiva ou responsabilidade pelo risco, já definida supra, está prevista no Código Civil para várias situações, vg. danos causados por animais, acidentes causados por veículos, danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás, também em direito especial do trabalho no caso dos acidentes de trabalho, mas nada impede que o modelo de responsabilidade sem culpa se estenda a outras actividades ou eventos.
Quer com isto dizer-se que não têm de se fazer corresponder a situação do indicado artº 29º a qualquer um dos modelos do Código Civil, mas apenas extrair da responsabilidade pelo risco as regras gerais que se aplicarão a outras tantas situações que possam ser criadas em legislação avulsa de responsabilidade objectiva, isto é, que não seja contratual nem por factos ilícitos.
Se não vejamos o que se diz a respeito da responsabilidade do comitente no C.Civ. artº 493º:
Artigo 493.º
(Responsabilidade do comitente)
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 490.
Ora, na situação dos autos o promotor de jogo, de acordo com a actual legislação, para o poder ser tem de estar autorizado pelo governo no âmbito de uma licença especialmente emitida para o efeito e mediante a verificação de determinados requisitos.
O mesmo governo que como se explica no Acórdão do TUI de 19.11.2021 proferido no processo nº 45/2019 através de um contrato administrativo – o contrato de concessão – concede a um ente particular a autorização para o exercício de uma actividade que apenas à RAEM é permitida.
Veja-se no indicado Acórdão quando se diz: «é ter igualmente presente que, o que em bom rigor agora em causa está, não consiste em apurar tão só e apenas dos “efeitos patrimoniais” de uma (mera) “relação jurídica do foro – puramente – pessoal”, mas sim, de ponderar e decidir da existência, (ou não), da atrás já referida “responsabilidade solidária”, tendo-se presente que a mesma diz respeito a “factos” ocorridos no âmbito do (normal) exercício de uma “actividade” que, (como se viu, para além de essencial ao turismo, economia e finanças da R.A.E.M.), tem “características” (especiais e muito) “próprias”: precisamente, a actividade de “promoção de jogo”, necessariamente – licenciada e – exercida no âmbito e em “conexão” com uma “concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino”.
Nesta conformidade, oportuno e pertinente se afigura desde já de convocar – e salientar – o estatuído no art. 7°, n.° 1 da (atrás referida) Lei n.° 16/2001, onde se prescreve que “A exploração de jogos de fortuna ou azar é reservada à Região Administrativa Especial de Macau e só pode ser exercida por sociedades anónimas constituídas na Região, às quais haja sido atribuída uma concessão mediante contrato administrativo, nos termos da presente lei”, sendo de se ter igualmente presente que – como já afirmava Marcello Caetano – uma “concessão” traduz-se na “transferência de poderes próprios de uma pessoa administrativa para um particular”, (…), que por isso, pela sua própria natureza, não pode deixar de ser “temporária” e “parcial”, conservando, necessariamente, o órgão administrativo concedente “poderes de vigilância e de defesa do interesse público”; (cfr., Marcello Caetano in, “Estudos de Direito Administrativo, Subsídios para o estudo da teoria da concessão de serviços públicos”, pág. 92 e segs.).
A propósito do tema, e em nossa opinião, com plena aplicabilidade ao regime localmente estabelecido, escrevem também Freitas do Amaral e Lino Torgal que:
“(…)
No ordenamento jurídico-positivo português, a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar perfila-se, inequivocamente, como um contrato administrativo, isto é, como um acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
É-o, em primeiro lugar, por determinação de lei (…)
E é-o, depois, por natureza: tem por objecto a transferência (temporária e parcial) para um particular do exercício de um direito legalmente reservado à Administração, que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas no interesse geral. Trata-se, pois, de uma concessão em sentido técnico: por seu intermédio, fica um sujeito privado habilitado a exercer temporariamente uma actividade de interesse público por lei integrada na esfera de atribuições do concedente. (…)”; (in “Estudos sobre Concessões e outros actos da administração, Concessão de Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar: da Prorrogação do Prazo e outras alterações do contrato”, pág. 533 e 534).».
De igual modo, e no âmbito da mesma reserva à Administração de exercício da actividade, apenas os promotores autorizados pelo governo nos termos do artº 6º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 podem exercer a actividade.
E podem exercer essa mesma actividade com várias concessionárias e subconcessionárias.
O exercício de uma actividade que fazem em nome próprio.
Destarte, os promotores de jogo embora colaborem, contribuam para o exercício da actividade da concessionária/subconcessionária não o fazem porque hajam sido encarregues por estas de uma “comissão”, isto é, de uma incumbência ou encargo1.
Veja-se ainda o nº 2 do artº 493º do C.Civ. em que é claro que o “comissário” actue segundo as “instruções” do comitente e no exercício da “função” que lhe foi confiada.
Ainda sobre a relação de comissão veja-se Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., pág. 564/565:
«Para que haja responsabilidade objectiva deste, o primeiro requisito é que haja comissão – que alguém tenha encarregado outrem de qualquer comissão (art. 500.º, I).
O termo comissão tem aqui o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc..
A comissão pressupõe uma relação de dependência (droit de direction, de surveillance et de controle, na expressão da jurisprudência francesa) entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. É o caso do criado em face do patrão, do operário ou empregado em relação à entidade patronal, do procurador quanto ao mandante ou do motorista perante o dono do veículo.
Por falta de tal relação não podem considerar-se comissários do dono da obra as pessoas que o empreiteiro contrata para execução desta, nem o empreiteiro em face do proprietário, nem o motorista de táxi em face do cliente ou passageiro. Também o médico que trata o doente não é comissário deste, mas já pode funcionar como tal, relativamente ao dono da casa de saúde em que preste serviços.
A relação de subordinação pode ter carácter permanente ou duradouro, como quando provém de um contrato de prestação continuada ou periódica, ou ser puramente transitória, ocasional, limitada a actos materiais ou jurídicos de curta duração (condutor que é encarregado de levar o veículo de um local para outro; operário que se manda executar um conserto ou fazer uma reparação).».
Ora, não é a esta a situação do promotor de jogo.
A actividade de promoção de jogo está definida no artº 2º do Regulamento nº 6/2002 e «considera-se de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, adiante designada por promoção de jogos, a actividade que visa promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de jogaCs, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, em contrapartida de uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária.».
O promotor de jogo não actua no âmbito de uma incumbência previamente definida pela concessionária, mas no exercício de uma actividade de angariação de clientes que lhe é própria e gerida por si autónoma e independentemente da concessionária.
Veja-se a propósito o indicado Acórdão do TUI: «Regulamento Administrativo n.° 6/2002, (que nos termos do art. 1°, e quanto ao seu “Âmbito” preceitua que “O presente regulamento administrativo regula a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, nomeadamente os processos de verificação da idoneidade e de licenciamento dos promotores de jogo de fortuna ou azar em casino, adiante designados por promotores de jogo, o registo destes junto de concessionárias para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, adiante designadas por concessionárias, bem como o pagamento das comissões ou outra remunerações que sejam pagas aos promotores de jogo”).
Em face do consignado, evidente (e inquestionável) se nos apresenta a acentuada relevância (e directa influência) que o “direito público”, em especial, o “administrativo”, tem sobre a “matéria” (e “questão”) a tratar na presente lide recursória, (não se mostrando assim de todo adequada uma sua abordagem como se de uma pura (e mera) “relação de direito-privado” se tratasse), pois que não se pode olvidar que em causa não deixa de estar o “interesse público” (e de toda uma colectividade), e que, nos termos do art. 2°, n.° 1, alínea 6), da dita Lei n.° 16/2001, os “promotores de jogo”, (no caso, a 1ª R.), são definidos como “«agentes» de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, (…)”, (no mesmo sentido, vd., art. 2° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002), e que, preceitua o art. 6°, n.° 1 deste (mesmo Regulamento Administrativo n.° 6/2002) que: “O acesso à actividade de promoção de jogos depende da atribuição pelo Governo, através da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, de uma licença de promotor de jogo”, prescrevendo também o seu art. 24°, n.° 1 que: “Os promotores de jogo exercem a sua actividade nos termos do contrato celebrado entre si e uma concessionária”».
Porém, dadas as características da actividade em si, da relevância para a economia e do interesse público em causa, impende sobre a concessionária/subconcessionária que contrata com o promotor de jogo o dever/obrigação de fiscalização da forma como a actividade é exercida vindo a ser responsabilizada pelas obrigações que o promotor de jogo assumir e não cumprir por lhe estar subjacente o benefício da actividade deste, isto é, a máxima da responsabilidade objectiva “ubi commodum, ibi incommodum”.
O princípio subjacente à responsabilidade da concessionária na situação subjudice é o mesmo que subjaz à responsabilidade da entidade patronal no acidentes de trabalho, ambas porque não podem ser imputáveis a título de culpa e ambas sem que tenha de haver equiparação a alguma das situações previstas no Código Civil como de responsabilidade pelo risco, mormente a relação comitente/comissário.
Como resulta do Acórdão do TUI supra indicadao «“Perante o Governo, é sempre uma concessionária a responsável pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, seus administraCs e colaboraCs e pelo cumprimento por parte deles das normas legais e regulamentares, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade”.
(…)
Por sua vez, dispõe o art. 29° do mencionado Regulamento Administrativo, (que tem como epígrafe “Responsabilidade das concessionárias”) que:
“As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administraCs e colaboraCs destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”.
(…)
Assentando em “motivos objectivos” e “razões de partilha dos benefícios e riscos”, tem – essencialmente – em vista, beneficiar o “ofendido”, permitindo-lhe a faculdade de eleger, de entre os “responsáveis”, aquele que se lhe apresente com maior resistência económica para suportar o encargo ressarcitório que reclama e pretende vir a obter, equiparando-se, por assim dizer, “quem fez” com “quem não fez e devia fazer”, “quem deixou de fazer e não se importou que se fizesse”, “quem financiou para que se fizesse”, ou ainda, “quem beneficia quando os outros fazem”…
Porém, como já se referiu, (e no que para aqui, agora, especialmente releva), impõe-se ter presente que necessária não é uma “identidade de causa” – “fonte” – para que se possa estar perante uma “obrigação solidária”.».
Aqui chegados temos por assente a situação prevista no artº 29º do indicado Regulamento Administrativo sendo de responsabilidade pelo risco ou objectiva, como se entenda chamar-lhe, não carece de ser equiparada à relação comitente/comissário, a qual vai muito para além do dever de fiscalização que impende sobre as concessionárias sobre os promotores de jogo.
Pelo que, não descurando que há jurisprudência comparada que sustenta que o comitente responde independentemente do decurso do prazo enquanto a obrigação for exigível do comissário, entendemos que, a situação dos autos não se enquadra naquele quadro, cabendo ao devedor escolher e decidir o tempo em que o faz, quando no caso em apreço quiser exigir o cumprimento da obrigação não só daquele com quem contratou mas também daquele que por força da responsabilidade objectiva é solidariamente responsável.
À semelhança do que ocorre com a situação prevista no artº 514º do C.Civ., deixando o devedor decorrer o tempo em que pode exigir o cumprimento da obrigação de quem é solidariamente responsável nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, apenas a si (devedor) se lhe pode imputar a inércia, nada justificando em nosso modesto entender que se estenda o prazo de prescrição sem que tal encontre suporte na letra da lei, sempre sem prejuízo de em termos de direito a constituir se vir optar por essa solução, mas que não cabe no direito constituído.».

Algumas referências naquela decisão estão agora desactualizadas dada a publicação e entrada em vigor que entretanto ocorreu da Lei nº 7/2022 e da Lei 16/2022 que inclusivamente revogou o Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Pese embora a Lei 16/2022 não se aplique ao caso em apreço dado que quer a decisão sobre a matéria de facto quer a sentença foram anteriores à entrada em vigor daquela, inclusive a norma interpretativa do seu artº 63º quanto ao artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2022, não pode deixar de se referir que dessa norma se pode retirar que no caso em apreço nunca esteve no espírito do legislador equiparar a relação entre as concessionárias e os promotores de jogo no que concerne à responsabilidade solidária à relação comitente/comissário.
Destarte, pelos fundamentos atrás aduzidos entendemos que o prazo de prescrição aplicável à concessionária é o de três anos previsto no artº 491º do C.Civ..
No caso em apreço está provado (facto nº 17) que a partir de Setembro de 2015 o Autor vem a pedir sem sucesso para levantar o valor depositado.
Como resulta dos sinais dos autos a página 2 a acção foi instaurada em 17.12.2018, ou seja, depois de se completar o prazo de prescrição de 3 anos.
Assim sendo, prescreveu o direito do Autor relativamente à concessionária aqui 2ª Ré, impondo-se revogar a decisão recorrida nesta parte, declarando procedente a invocada excepção da prescrição.
- Erro na aplicação do direito no que concerne à responsabilidade solidária da Ré A e agora Recorrente;

Fica prejudicada a apreciação desta questão uma vez que se concluiu pela procedência da excepção da prescrição quanto à 2ª Ré.

III. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos concedendo-se parcial provimento ao recurso decide-se julgar procedente a excepção da prescrição invocada pela 2ª Ré e absolve-la de todos os pedidos, mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida.

Custas pela 1ª Ré na 1ª Instância e pelo Autor nesta instância.

Registe e Notifique.

RAEM, 06 de Julho de 2023
Rui Pereira Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz Adjunto)

Ho Wai Neng
(Segundo Juiz Adjunto)

1 Veja-se Dicionário da Língua Portuguesa, 2009, Dicionários Editora
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192/2023 CÍVEL 1