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Processo nº 62/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 6 de Julho de 2023

ASSUNTO:
- Danos causados em fracção autónoma contígua
- Responsabilidade civil por factos ilícitos

SUMÁRIO:
- Apurando-se na instrução e discussão da causa que a existência de humidade no tecto da fracção dos Autores se deve ao facto da Ré ter na sua fracção instalada uma sala de refrigeração cujas baixas temperaturas arrefecem a placa que divide os dois andares causando por efeito da diferença de temperaturas que no tecto da fracção inferior – a dos Autores – se gere condensação de água, é perfeitamente acertado o decidido ao impor à Ré que diligencie no interior da sua fracção de maneira que esta diferença de temperaturas não afecte a fracção inferior.

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Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 62/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Julho de 2023
Recorrente: Companhia de Produtos Congelados A Limitada
Recorridos: B e C
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
I. RELATÓRIO

  B, e a sua esposa, C, com os demais sinais dos autos,
  vêm instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
  Companhia de Produtos Congelados A Limitada, também, com os demais sinais dos autos,
  Pedindo que:
1. Seja a Ré condenada a realizar reparação necessária da parte da infiltração de água no prazo de 30 dias, acabando com o problema de fuga de água, no sentido de garantir a segurança pessoal e patrimonial;
2. Seja a Ré condenada a pagar a quantia de MOP2.125.580,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais dos Autores e a quantia de MOP80.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais dos Autores, acrescidas de juros legais até ao seu integral pagamento.
  A fls. 288 a 289v vêm os Autores pedir redução dos danos patrimoniais para MOP1.311.468,00 o que foi deferido pelo Tribunal a quo.
  Proferida sentença, foi julgada parcialmente procedente a acção intentada pelos Autores e em consequência, decidiu-se que:
1. Seja a Ré condenada a resolver o problema ocorrido no tecto da fracção D do 5º andar dos Autores no prazo de 30 dias contados da data do presente acórdão;
2. Seja a Ré condenada a pagar aos Autores a quantia de MOP1.231.468,00, acrescida de juros de mora legal contados a partir da data do presente acórdão até ao seu integral pagamento;
3. Sejam julgados improcedentes os restantes pedidos formulados pelos Autores e absolve a Ré desses pedidos.
  Não se conformando com a decisão proferida vem a Ré e agora Recorrente interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
1. A Recorrente não se conforma com o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal em 25 de Julho de 2022, ou seja, o “acórdão recorrido”, cujo conteúdo é o seguinte:
“V. Decisão:
Pelos acima expostos, é parcialmente procedente a acção intentada pelos dois Autores contra a Ré e em consequência:
1. Condena a Ré a resolver o problema ocorrido no tecto da fracção D do 5.º andar dos dois Autores no prazo de 30 dias contados da data do presente acórdão;
2. Condena a Ré a pagar aos dois Autores a quantia de MOP$1.231.468,00, acrescida de juros de mora legal contados a partir da data do presente acórdão até ao seu integral pagamento.
3. Condena improcedentes os restantes pedidos formulados pelos dois Autores e absolve a Ré desses pedidos.
Custas pelos dois Autores e pela Ré conforme a proporção do decaimento, sendo 15% para os dois Autores e 85% para a Ré.”.
2. A Recorrente entende que existem a “questão de direito” e o “erro no reconhecimento de facto” nas seguintes partes do acórdão recorrido: I. “Erro no reconhecimento de facto”: Comprovabilidade do conteúdo constante do ponto 12 dos factos provados (quesito 8.º dos factos a provar); II. Questão de direito: Excesso do âmbito de pedido e falta de praticabilidade concreta: resolver o problema ocorrido no tecto da fracção D do 5.º andar dos dois Autores no prazo de 30 dias.
3. Quanto ao i) “erro no reconhecimento de facto”: Comprovabilidade do conteúdo constante do ponto 12 dos factos provados (quesito 8.º dos factos a provar): Consta do ponto 12 dos factos provados do acórdão recorrido (quesito 8.º dos factos a provar): “Conforme estipulado no contrato de arrendamento, entre 12 de Maio de 2017 e 11 de Maio de 2019, a renda mensal é de HKD$31.000,00 e entre 12 de Maio de 2019 e 11 de Maio de 2022, a renda mensal é de HKD$34.500,00. (resposta dada ao quesito 8.º dos factos a provar)” Quanto a isso, salvo o devido respeito, a Recorrente não pode dar a sua concordância.
4. Conforme o “contrato de arrendamento” a fls. 65 e 65v dos autos, a Recorrente tem entendido se existiu verdadeiramente uma relação de arrendamento e para tal a Recorrente já alegou isso várias vezes no presente processo. Existem as seguintes contradições nas cláusulas do referido contrato de arrendamento: i. A cláusula 3.ª do contrato referiu que o arrendamento é feito a partir de 12 de Maio de 2017 até 11 de Maio de 2022 e também estipulou que o prazo de arrendamento é de “4 anos”; ii. A cláusula 7.ª do contrato referiu que “o 2.º outorgante só pode cessar o arrendamento depois de completar, pelo menos, 2 anos de arrendamento (a partir de 12 de Maio de 2017 até 11 de Maio de 2019), senão, o 1.º outorgante não restituirá a caução ao 2.º outorgante.” Porém, do ponto 1 das observações consta também que “Entre 12 de Maio de 2019 e 11 de Maio de 2022, a renda mensal é de HKD$34.500,00”; iii. Do ponto 2 das observações do contrato consta que: “A aludida fracção livre e desocupada de pessoas e bens é entregue ao 2.º outorgante conforme a situação actual para o uso do 2.º outorgante e o 1.º outorgante concede ao 2.º outorgante um período de isenção de renda entre 12 de Maio de 2017 e 11 de Julho de 2017 para efeito de decoração, durante o qual ficarão a cargo do 2.º outorgante as despesas de fornecimento de água, electricidade, condomínios e ligação de caixa de contador da fracção.”
5. Conforme o aludido conteúdo, já existe vício no próprio contrato de arrendamento pois se o prazo de arrendamento é de 2 anos? 4 anos? 5 anos? Isto já é um facto controvertido.
6. Durante a audiência de julgamento, o arrendatário e o funcionário da referida Companhia de Fomento Predial D responsável pelo tratamento do referido contrato de arrendamento, ambos arrolados no rol de testemunhas apresentado pelos autores, não compareceram à audiência de julgamento e só um amigo dos autores esteve presente na audiência de julgamento, então, como é que o Tribunal Colectivo fez a convicção do ponto 12 dos factos provados?
7. Conforme os fundamentos dos factos provados acima referidos, o vício do “prazo de arrendamento” existente no referido contrato de arrendamento não foi apreciado nem foram suscitados os respectivos fundamentos de facto.
8. Os depoimentos prestados pelas testemunhas E, F e E (sic) também não deram resposta a isso.
9. A Recorrente entende que este vício é muito importante pois não só faz a Recorrente entender que não existe o referido contrato de arrendamento, como também afectará o cálculo da diferença das rendas entre o original contrato de arrendamento e o novo contrato de arrendamento e a exactidão e a correcção do valor indemnizatório que deve pagar.
10. Depois de tomar conhecimento dos factos provados acima referidos, a Recorrente apresentou imediatamente a reclamação ao Tribunal, referindo que o contrato de arrendamento em causa padece do vício de veracidade.
11. Em 26 de Abril de 2022, o Tribunal Colectivo proferiu a decisão da reclamação contra o resultado dos quesitos 7.º e 8.º apresentada pela recorrente: Após análise, os fundamentos suscitados pela Ré põem em causa, na sua essência, o resultado dado pelo Tribunal Colectivo aos quesitos 7.º e 8.º. Conforme o seu entendimento, as provas dos autos não são suficientes para dar como provados os factos mencionados nos referidos dois quesitos. A questão suscitada pela Ré excede o âmbito que a reclamação pode tratar. Pelo acima exposto, o Tribunal Colectivo julga improcedente a reclamação dos Autores (sic).
12. Quanto a isso, a Recorrente entende ser manifesto que existe desconformidade entre a aludida decisão e o conteúdo do acórdão recorrido.
13. Além disso, a Recorrente tem insistido em invocar a dúvida sobre a veracidade do contrato de arrendamento em causa e se o “prazo de arrendamento” é de 4 anos ou de 5 anos, porém, até à prolação do acórdão recorrido, tal “dúvida” suscitada pela recorrente ainda não foi apreciada.
14. É de saber que o vício da determinação do prazo de arrendamento é invocado pelos Autores (Recorridos), pelo que, cabe-lhes o ónus da prova e quando não consigam oferecer quaisquer provas de facto objectivas e convincentes, esta parte é indeterminada, o que também afecta a indemnização peticionada pelos Autores uma vez que falta o período para calcular a indemnização que é um dos requisitos do cálculo de indemnização.
15. Pelo que, existe nesta parte o “erro no reconhecimento de facto”, conduzindo à revogação da decisão na parte em que foi declarado procedente o recurso.
16. Ou deve ser devolvida esta parte aos Tribunais de Primeira Instância para novo julgamento, no sentido de apurar a veracidade do “prazo de arrendamento”.
17. Porém, isto não significa que a Recorrente já concordou com o facto da existência do contrato de arrendamento a fls. 65 a 65v dos autos suscitado pelos Autores, pelo contrário, a Ré tem tido dúvida do referido arrendamento.
18. Tal como já acima referido e em conjugação com a prática comum sobre o tratamento do contrato de arrendamento pelas agências imobiliárias de Macau, a Ré tem invocado por que razão é que no caso em apreço não existem as seguintes provas documentais: i. Título de pagamento do imposto de selo do contrato de arrendamento; ii. Título de pagamento da caução do contrato de arrendamento, porém, a cláusula 2.ª do contrato em causa referiu que: “a renda mensal é fixada em HKD$31.000,00, cujo pagamento é efectuado com a antecipação de um mês e o pagamento de renda não pode ser feito em atraso por qualquer motivo. A caução é de HKD62.000,00, não podendo compensar a renda. Na data em que assina o presente contrato, o 2.º outorgante deve pagar ao 1.º outorgante a renda do primeiro mês e a caução no montante total de HKD93.000,00, enquanto o 1.º outorgante declara receber o aludido montante. As despesas de fornecimento de água, electricidade e telefone durante o prazo de arrendamento ficam a cargos do 2.º outorgante. As despesas de condomínio, contribuição predial, foro, imposto de selo do arrendamento (prestar a declaração do imposto de selo junto da DSF no prazo de 15 dias contados a partir da data da celebração do presente contrato) ficam a cargos do 1.º outorgante”; iii. Contrato e declaração de cessação do contrato de arrendamento celebrados entre os Autores e o arrendatário G em Macau respectivamente em 12 de Maio de 2017 e 31 de Maio de 2017 – cfr. fls. 65 a 67 dos autos
19. Em conjugação com as regras de experiência comum, as circunstâncias acima referidas violaram o senso comum sobre a prática da celebração do contrato de arrendamento, do pagamento da renda do primeiro mês e da caução e da assinatura e recepção dos respectivos títulos pelo nosso sector de mediação imobiliária: i. Porquê é que não há qualquer prova documental para suportar a entrega pecuniária da renda do primeiro mês e da caução, no montante total de HKD$93.000,00? ii. Foi expressamente estipulado que os Autores se obrigaram a pagar o imposto de selo no prazo de 15 dias contados a partir da data da celebração do contrato, porém, a declaração de cessação do contrato de arrendamento foi assinada 20 dias após a celebração do referido contrato, por outras palavras, conforme as regras de experiência comum e o senso comum, os Autores deviam já ter pago o imposto de selo junto da DSF após a celebração do contrato e ter entregue à DSF o modelo M/4 para comprovar o registo do referido arrendamento, porém, perante a dúvida repetidamente suscitadas no presente processo, porquê os Autores nunca entregaram os referidos documentos? iii. Porquê é que ao assinarem a declaração de cessação do contrato de arrendamento, os Autores e o arrendatário não assinaram os documentos de devolução da caução e da renda do primeiro mês e entregaram tais documentos ao presente processo? iv. Mais ainda, do ponto 2 das observações do referido contrato de arrendamento consta que “a aludida fracção livre e desocupada de pessoas e bens é entregue ao 2.º outorgante conforme a situação actual da fracção para o uso do 2.º outorgante”, por outras palavras, em 12 de Maio de 2017, o arrendatário G devia saber claramente a situação da fracção dos Autores e este ainda estava disposto a assinar tal contrato de arrendamento? Porém, após 20 dias, os Autores e o arrendatário assinaram a declaração de cessação do contrato de arrendamento onde se constava que a razão da cessação do contrato é a de “fuga de água no tecto da fracção”. Face a isso, não será isso uma coisa muito estranha? Será que o arrendatário nunca entrou na referida fracção para verificar a situação antes de 12 de Maio de 2017? Será que não houve o problema de condensação quando o arrendatário efectuou a verificação da fracção antes de 12 de Maio de 2017 e assim o arrendatário estava disposto a assinar o contrato de arrendamento na Companhia de Fomento Predial D? Porém, porquê é que os Autores e o arrendatário conseguiram assinar a declaração de cessação do contrato de arrendamento num curto prazo de 10 a 20 dias? Parece-se que ambas as partes já combinaram assinar a declaração de cessação do contrato de arrendamento sem necessidade de o arrendatário reflectir ou perguntar sobre o problema de queda de gotas de água? v. A questão mais estranha é que a celebração do referido contrato de arrendamento foi concluída através da Companhia de Fomento Predial D, então, conforme as regras de experiência comum, ao celebrar o contrato de arrendamento em 12 de Maio de 2017, os Autores precisaram de pagar as comissões ao mediador imobiliário, porém, no presente processo, os Autores nunca entregou ao tribunal o documento de pagamento de comissões para comprovar a veracidade do referido arrendamento, mesmo que a Recorrente duvidasse várias vezes da veracidade do referido arrendamento; vi. O mais estranho é que na audiência de julgamento do presente processo, as testemunhas arroladas pelos Autores incluem o arrendatário G e uma pessoa que possivelmente é o mediador imobiliário, porém, no fim, os Autores desistiram de todas as testemunhas envolvidas no referido arrendamento, pelo que, exceptas as provas já apresentadas aos autos, os Autores não juntaram aos autos quaisquer outros documentos objectivos com força probatória.
20. A Recorrente tem rica experiência na actividade de investimento imobiliário e de arrendamento e a actividade de arrendamento também é um negócio muito comum em Macau. Certo é que todos nós temos certa experiência na vida e também temos rica experiência na actividade de arrendamento, pelo que, em conjugação com as regras de experiência comum, há absolutamente razão suficiente para duvidar que existe falsidade do documento a fls. 65 a 67 dos autos.
21. Obviamente, ao apreciar e fazer o juízo do conteúdo do arrendamento em causa, o acórdão recorrido incorreu em “erro no reconhecimento de facto”, o que é suficiente para servir de fundamento para revogar a decisão nesta parte.
22. A segunda questão de direito: Excesso do âmbito de pedido e falta de praticabilidade concreta: resolver o problema ocorrido no tecto da fracção D do 5.º andar dos dois Autores no prazo de 30 dias: O ponto 1 da decisão do acórdão recorrido referiu: “condenar a Ré a resolver o problema ocorrido no tecto da fracção D do 5.º andar dos dois Autores no prazo de 30 dias contados da data do presente acórdão” , conforme os factos que fundamentaram o acórdão recorrido, entendeu que a decisão foi proferida dentro do âmbito do pedido dos Autores.
23. Os pedidos formulados na petição inicial dos Autores incluem: “Realizar reparação necessária da parte da infiltração de água no prazo de 30 dias, acabando com o problema de fuga de água, no sentido de garantir a segurança pessoal e patrimonial;”
24. A Recorrente entende que é evidente que o conteúdo do ponto 1 da decisão do acórdão recorrido não tem qualquer relação com o ponto 1 dos pedidos formulados na petição inicial dos autores.
25. Conforme o ponto 1 dos pedidos formulados na petição inicial dos autores, após apreciação, não existe a situação de “infiltração de água” nem é necessário “acabar com o problema de fuga de água” nem constitui o problema de “segurança pessoal e patrimonial”, nomeadamente após uma inspecção visual à fracção D do 5.º andar em causa, verificou-se que tal fracção já foi arrendada pelo novo arrendatário, não há qualquer queixa escrita durante três anos nem ocorreu a cessação imediata do arrendatário dentro de 20 dias tal como aconteceu com o anterior arrendatário G.
26. Por outras palavras, não é necessário proferir o conteúdo do ponto 1 da decisão do acórdão recorrido nem o mesmo corresponde ao ponto 1 dos pedidos formulados pelos autores na petição inicial, pelo que, o conteúdo do ponto 1 da decisão do acórdão recorrido excede manifestamente o âmbito do ponto 1 dos pedidos formulados pelos Autores na petição inicial, violando o “princípio do dispositivo das partes”, pelo que, deve ser rejeitada a decisão nesta parte.
27. Por outro lado, conforme o conteúdo do ponto 1 da decisão do acórdão recorrido, a Recorrente entende que existem a questão de direito e a questão de realidade da falta de praticabilidade concreta, isto é, como se deve compreender e concretizar a decisão de “resolver o problema ocorrido no tecto da fracção D do 5.º andar dos dois Autores no prazo de 30 dias”!
28. A Recorrente entende que actualmente não existe a queda de gotas de água na fracção D do 5.º andar nem há qualquer queixa apresentada pelo arrendatário da fracção D do 5.º andar, então, o que significa o chamado “problema ocorrido no tecto”? É a diferença de temperatura? Caso seja assim, como se pode fazer desaparecer a diferença de temperatura das paredes, como se pode resolver? É efectivamente difícil para a Recorrente compreender uma vez que há inevitavelmente diferença de temperatura desde que cada uma das duas fracções contíguas tenha diferente ponto quente ou ponto frio.
29. Dado que é possivelmente surgir a situação de difícil praticabilidade da decisão, isto pode envolver a falta de praticabilidade, constituindo decisão inexequível ou que não pode ser precisamente executada, conduzindo a que enferme de vício resultante da questão de direito ou de realidade, e em consequência, deve ser revogada pelo tribunal superior nos termos legais.
Pelos acima expostos, por serem dados como provados os fundamentos de facto e de direito invocados pela Recorrente, solicita ao tribunal superior julgue procedente o recurso, revogue os pontos 1 e 2 da decisão do despacho (sic) recorrido e julgue procedentes os pedidos formulados pela Recorrente por serem suficientes os factos provados.
  Contra-alegando vieram os Autores/Recorridos apresentar as seguintes conclusões:
A Recorrente entendeu que existe erro no reconhecimento de facto no acórdão recorrido
1. Em primeiro lugar, quanto ao reconhecimento do prazo de arrendamento do contrato de arrendamento, nos pontos 3 a 12 (nomeadamente no ponto 5) da conclusão da petição de recurso, a Recorrente entendeu que o contrato de arrendamento padece de vício, pelo que, não se pode provar se o prazo de arrendamento é de 2 anos, 4 anos ou 5 anos, e o Tribunal a quo não apreciou tal questão, pelo que, existe “erro no reconhecimento de facto”.
2. No ponto 12 dos factos provados do acórdão recorrido, o Tribunal a quo deu como provado: Conforme estipulado no contrato de arrendamento, entre 12 de Maio de 2017 e 11 de Maio de 2019, a renda mensal é de HKD$31.000,00 e entre 12 de Maio de 2019 e 11 de Maio de 2022, a renda mensal é de HKD$34.500,00.
3. Caso entenda que existe erro no reconhecimento de facto, a Recorrente deve indicar quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham, sobre esse ponto da matéria de facto, decisão diversa da recorrida nos termos do artigo 599.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil.
4. Porém, a Recorrente só indicou que os meios probatórios nos autos não são suficientes para o Tribunal a quo dar como provado o ponto 12 dos factos provados do acórdão recorrido, não indicando quais os documentos concretos e quais os depoimentos testemunhais concretos constantes dos autos que podem fazer o Tribunal a quo proferir uma decisão contrária ou diversa do ponto 12 dos factos provados do acórdão recorrido.
5. Pelo contrário, o Tribunal a quo deu como provado o ponto 12 dos factos provados depois de apreciar as provas escritas e os depoimentos testemunhais. Então, o que a Recorrente põe em causa não é o erro no reconhecimento de facto por parte do Tribunal a quo mas sim a convicção do juiz.
6. Ao abrigo do artigo 558.º do Código de Processo Civil, no conhecimento da causa, o juiz aprecia as provas segundo o princípio da livre convicção, só se pode alterar quando haja desvio, violação das normas legais do valor de prova legal ou violação das regras de experiência comum na apreciação de provas pelo tribunal a quo (cfr. acórdãos do TSI nos processos n.ºs 162/2013 e 35/2016).
7. No caso em apreço, não se pode negar que existe efectivamente um lapso escrito no conteúdo do contrato de arrendamento (cfr. Doc. 11 da petição inicial), porém, depois de apreciar todo o contrato de arrendamento, pode-se provar de forma razoável que o arrendamento é feito a partir de 12 de Maio de 2017 até 11 de Maio de 2022.
8. Além disso, o Tribunal a quo deu como provado o ponto 12 dos factos provados do acórdão recorrido depois de apreciar o aludido contrato de arrendamento segundo as regras de experiência comum e em conjugação com os depoimentos prestados pelas testemunhas F e E.
9. Não se vislumbra que o Tribunal a quo, ao dar como provado o aludido facto, violou as regras de experiência comum ou quaisquer normas da prova legal, pelo que, a convicção do Tribunal a quo não deve nem pode ser impugnada.
10. As alegações do recurso da Recorrente violam os artigos 599.º e 629.º do Código de Processo Civil.
11. Ao abrigo do artigo 599.º n.º 1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão de facto proferida pelos tribunais de primeira instância, a Recorrente deve cumprir o ónus previsto no artigo 599.º n.º 1 alíneas a) e b), sob pena de rejeição do recurso nesta parte.
12. O aludido disposto legal exige à Recorrente que deva indicar quais os factos concretos constantes do despacho saneador que devem ser dados como provados ou não provados.
13. A Recorrente deve indicar quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida, em vez de invocar meramente a sua impugnação.
14. A Recorrente só reiterou a verão factual por si apresentada na contestação em vez de indicar os factos a provar constantes do despacho saneador.
15. Pelo que, a Recorrente não cumpriu o ónus previsto no artigo 599.º n.º 1 do Código de Processo Civil, devendo ser rejeitado o recurso nesta parte.
16. Quanto à veracidade do contrato de arrendamento.
17. Além disso, nos pontos 17 a 21 da conclusão da sua petição de recurso, a Recorrente entendeu ser falso o referido contrato de arrendamento, porém, o acórdão recorrido não provou isso, existindo, assim, o “erro no reconhecimento de facto”.
18. Quanto ao reconhecimento dos factos sobre a existência e a cessação do referido arrendamento, o Tribunal a quo provou os referidos factos também conforme as provas constantes dos autos e em conjugação com os depoimentos prestados pelas testemunhas. Dado que as provas são idênticas às dos aludidos pontos 9 a 10, a Recorrente não as repete mais.
19. Igualmente, nesta parte, a Recorrente também nunca indicou quais os concretos meios probatórios que podem fazer o Tribunal a quo provar que o referido contrato de arrendamento é falso, ou seja, ao entender que a decisão do Tribunal a quo enfermar do vício de “erro no reconhecimento de facto”, a Recorrente não cumpriu o artigo 599.º do Código de Processo Civil.
20. A Recorrente limitou-se a impugnar, na petição de recurso, os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, e igualmente, o que a Recorrente impugna é apenas a convicção do Tribunal a quo. Não se vislumbra que ao dar como provados os aludidos factos, o Tribunal a quo violou as regras de experiência comum ou quaisquer normas da prova legal, pelo que, a livre convicção do Tribunal a quo não deve nem pode ser impugnada.
21. Quanto à forma legal do contrato de arrendamento, o referido contrato de arrendamento foi celebrado em Maio de 2017, e nos termos do artigo 1032.º do Código Civil em vigor em 2017, o contrato de arrendamento do imóvel produz efeito quando for celebrado por escrito particular.
22. A Recorrente invocou que um documento cujo efeito é legalmente produzido é falso, então, deve caber à Recorrente o ónus da prova (artigo 335.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil).
23. Os Recorridos que invocaram a existência do contrato de arrendamento já apresentaram, na petição de recurso, o contrato de arrendamento que corresponde à forma legal e produz o seu efeito, e também apresentaram a declaração de cessação do contrato de arrendamento, mesmo na audiência de julgamento, as testemunhas também referiam ter sabido que o contrato de arrendamento da fracção dos Recorridos cessou em 2007, pelo que, cumpriram o seu ónus da prova.
24. Por sua vez, a Recorrente invocou ser falso o contrato de arrendamento celebrado entre os Recorridos e o arrendatário, sendo isso um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito, pelo que, nos termos do artigo 335.º n.º 2 do Código Civil acima referido, deve caber à Recorrente apresentar provas para comprovar a sua invocação.
25. No entanto, em primeira instância do presente processo, a Recorrente não apresentou quaisquer provas documentais ou testemunhais para comprovar que o arrendamento é falso, e no ponto 19 da conclusão da petição de recurso, a Recorrente limitou-se a expor muitos fundamentos, porém, nenhum deles é o meio probatório previsto na lei.
26. Os Recorridos não compreendem porque é que ao suscitar muitas dúvidas sobre a relação de arrendamento, a Recorrente não apresentou quaisquer provas para comprovar a sua invocação, pelo contrário, imputou que os Recorrentes não apresentaram provas documentais ou documentos comprovativos?
27. Os fundamentos suscitados pela Recorrente no ponto 19 da conclusão da petição de recurso também são muito fracos. Quanto ao pagamento e à recepção da renda do primeiro mês e da caução, os Recorridos já declararam ter recebido tal montante na cláusula 2.ª do contrato de arrendamento;
28. No que diz respeito ao imposto de selo do arrendamento e à entrega do Modelo M/4 junto da DSF, a produção do efeito do contrato de arrendamento depende da vontade de ambas as partes contratuais e do preenchimento da forma legal, o cumprimento ou não da responsabilidade fiscal não é o requisito da produção do efeito do contrato;
29. Na declaração de cessação do contrato de arrendamento, ambas as partes também declararam a devolução, pelos Recorridos, da caução ao arrendatário; conforme o ponto 8 dos factos provados do acórdão recorrido e o Doc. 4 da petição inicial, pode-se saber que o gerente da Recorrente, H, fez uma promessa escrita em 19 de Maio de 2017, comprometendo-se a tratar a situação de queda de gotas de água ocorrida na fracção dos Autores no prazo de 10 a 15 dias, porém, até 31 de Maio do mesmo ano, ainda não se verificou qualquer melhoramento, o que levou a que o arrendatário escolhesse a cessação do arrendamento;
30. A existência ou não do recibo de pagamento de comissões ao mediador imobiliário não tem nada a ver com a veracidade do contrato de arrendamento. A Recorrente impugnou a veracidade do contrato de arrendamento sem oferecer quaisquer provas, pelo contrário, exigiu aos Recorridos que apresentassem provas para comprovar que o contrato de arrendamento não é falso, isto, manifestamente, violou o ónus da prova.
31. O mais importante é que na última parte do ponto 20 da conclusão da petição de recurso, a Recorrente referiu: “… em conjugação com as regras de experiência comum, há absolutamente razão suficiente para duvidar que existe falsidade do documento a fls. 65 a 67 dos autos”. (sublinhado nosso)
32. Ou seja, a Recorrente referiu expressamente que não existem nos autos as provas que podem comprovar que o contrato de arrendamento e a declaração de cessação do contrato de arrendamento são falsos.
A Recorrente referiu que a decisão excedeu o âmbito do pedido e não tem praticabilidade
33. No que diz respeito a que a decisão excedeu o âmbito do pedido, nos pontos 23 a 26 da conclusão da petição de recurso, a Recorrente referiu que a decisão do Tribunal a quo excedeu o âmbito do pedido dos Recorridos.
34. Em primeiro lugar, na petição inicial, a Recorrente (sic) formulou o seguinte pedido: “Realizar reparação necessária da parte da infiltração de água no prazo de 30 dias, acabando com o problema de fuga de água, no sentido de garantir a segurança pessoal e patrimonial”, ou seja, quanto ao conteúdo do aludido pedido dos Recorridos, os Recorridos pretendem recorrer ao meio judicial para cessar a referida situação de infiltração e fuga de água.
35. No acórdão recorrido, o Tribunal a quo referiu que: … De facto, a reparação necessária peticionada pelos dois Autores é o “meio” da solução do problema enquanto o problema existente na fracção dos Autores é resolvido, isto é o “efeito” do pedido a alcançar. O que o Tribunal condena é satisfazer parcialmente o pedido dos dois Autores, ou seja, o “efeito” do pedido. (cfr. 2.ª a 5.ª linhas do texto principal do acórdão a fls. 458 dos autos)
36. Os Recorridos concordam inteiramente com o dito entendimento do Tribunal a quo. O 1.º pedido dos Recorridos é diferente da maior parte dos pedidos cíveis, como pagamento de uma quantia ou entrega/devolução de coisa determinada, peticionando os Recorridos a cessação do acto lesivo do direito (infiltração e fuga de água ou água condensada).
37. Assim sendo, no 1.º pedido, os Recorridos peticionam que seja condenada a Ré a realizar a reparação necessária, isto é apenas o meio ou o método para cessar o dano causado pela infiltração e fuga de água ou pela água condensada enquanto a cessação do dano causado pela infiltração e fuga de água ou pela água condensada é a finalidade do referido pedido, ou seja, o “efeito” referido pelo Tribunal a quo, sendo isso também o “objecto” mencionado no artigo 564.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
38. Pelo que, a decisão do Tribunal a quo não excedeu ou é diversa do que é peticionado pelos Recorridos e preenche o princípio do dispositivo e o artigo 564.º do Código de Processo Civil.
39. A Recorrente também apontou que no caso em apreço não existe a situação de “infiltração de água” nem sequer existe o problema de “acabar com o problema de fuga de água” nem constitui o problema de “segurança pessoal e patrimonial”, pelo que, é desnecessário proferir a referida decisão.
40. Porém, conforme o ponto 10 dos factos provados do acórdão recorrido, provou-se que a água condensada existente na fracção D do 5.º andar dos Recorridos foi provocada pela diferença de temperatura entre a fracção D do 5.º andar e a fracção D do 6.º andar causada pela sala de refrigeração instalada na fracção D do 6.º andar, e na inspecção realizada à fracção dos recorridos, o Tribunal Colectivo do Tribunal a quo também notou que foi instalado desumidificador no tecto da referida fracção (cfr. última parte da decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal Colectivo a fls. 5 dos autos).
41. Evidentemente, tal situação foi provocada pelo problema de água condensada resultante da diferença de temperatura causada pela sala de refrigeração da fracção da Recorrente, e tal problema ainda existe.
42. Por outro lado, no ponto 16 dos factos provados do acórdão recorrido, provou-se que o problema de queda de gotas de água no tecto pode afectar a segurança da estrutura do edifício.
43. Pelo que, o ponto 25 da conclusão da petição de recurso da Recorrente é manifestamente infundado.
No que toca à falta de praticabilidade do acórdão
44. Por fim, quanto à falta de praticabilidade do acórdão, esta invocação da Recorrente também é manifestamente infundada. Por enquanto não se falam os exemplos dados pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido para a referência da Recorrente, de forma que a fracção dos Recorridos deixe de ser afectada.
45. De facto, no caso em apreço, a Recorrente referiu ter realizado a obra de manutenção de temperatura na plataforma das fracções C e D do 6.º andar, a fim de prevenir a produção da água condensada provocada pela diferença de temperatura excessiva.
46. Isto quer dizer que a Recorrente sabe como pode evitar ou impedir a produção da água condensada provocada pela diferença de temperatura excessiva, só que a qualidade da referida obra não é ideal, ou nunca realizou a referida obra e só procedeu a um tratamento simples para responder à acção.
47. Pelo que, o ponto 1 da decisão do acórdão recorrido não é inexequível ou não tem praticabilidade.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos
  
  Vem interposto recurso da decisão do tribunal “a quo” quanto ao quesito 8º da Base instrutória o qual foi dado como provado nos seguintes termos:
  «8º facto a provar:
  Ficou provado: Conforme o contrato de arrendamento, a partir de 12 de Maio de 2017 até 11 de Maio de 2019, a renda mensal era de HKD31.000,00 e a partir de 12 de Maio de 2019 até 11 de Maio de 2022 seria HKD34.500,00.».
  
  A convicção do Tribunal “a quo” quanto a esta matéria é a seguinte:
  «Relativamente ao quesito sobre a cessão do contrato pelo locatário. Primeiro, quando um imóvel arrendado sofre de grave infiltração de água ou humidade, pode prever-se que o locatário vai exigir que o proprietário resolva o problema e até pode cessar o contrato de arrendamento e procurar outra fracção se o proprietário não conseguir resolver isso. As fls. 74, 75 e 76 dos autos podem comprovar que, em Maio de 2017, os Autores tinham um locatário, o qual recusou-se a iniciar a obra em virtude do problema de infiltração sofrido pela fracção autónoma, depois, até considerou cessar o contrato de arrendamento. Acresce que o contrato de arrendamento e a declaração de cessação de contrato de arrendamento (a fls. 65 a 67 dos autos) invocados pelos Autores são suficientes para provar tal situação. Ademais, a testemunha, F, admitiu ter emitido o documento a fls. 68 dos autos, em que interpelou a Ré para tratar o problema da infiltração no tecto da fracção autónoma em questão. E a mesma testemunha e outra testemunha E também tinham conhecimento, através dos Autores, do facto de que o contrato de arrendamento original foi cessado em 2017. O depoimento prestado pela testemunha I (proprietário da fracção autónoma do 7º andar “D”) é suficiente para revelar que havia locatário da sua fracção que rescindiu o contrato de arrendamento por as suas mercadorias serem afectadas pela humidade por condensação. Analisando o depoimento de tal testemunha, os das testemunhas F e J e a área da fracção em causa com base nas regras da experiência, são suficientes para provar que os valores da renda listados em fls. 65 a 66 dos autos eram próximos aos valores de renda no mercado nas correspondentes alturas.
  Os motivos indicados nos dois parágrafos anteriores são suficientes para convencer este Tribunal do facto de que os Autores assinaram, em 12 de Maio de 2017, o “contrato de arrendamento” a fls. 65 a 66 dos autos, relativo à fracção autónoma 5º andar “D”, tendo fixado ambas as partes as rendas nos valores indicados no contrato. No entanto, a infiltração no tecto da fracção dos autores tornou inutilizável o imóvel, assim sendo, sob a exigência do locatário, ambas as partes assinaram em 31 de Maio de 2017 a declaração de cessação do contrato de arrendamento a fls. 67 dos autos. Além disso, os motivos mencionados nos anteriores parágrafos, conjugados com o contrato de arrendamento assinado em 13 de Março de 2019 que se encontra em fls. 285 a 286 dos autos e as fotografias a fls. 260 a 265 dos autos, são suficientes para provar o facto de que a infiltração de água tornou inutilizável a fracção autónoma dos Autores e não foi possível arrendá-la antes de 14 de Maio de 2019 (primeiro dia do período de arrendamento indicado no contrato a fls. 285 a 286 dos autos).».
  Nas suas alegações e conclusões do recurso a Recorrente limita-se a invocar os elementos de prova que entendia que deveriam ter sido apresentados para demonstrar que o contrato havia sido realizado e não o foram.
  Contudo, em momento algum remete para os depoimentos das testemunhas, não indica quais as passagens das gravações dos depoimentos, nem concretiza qual o documento, que impunham uma decisão diversa da recorrida, o que de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 599º do CPC, impõe que se negue provimento ao recurso.
  Em sentido idêntico veja-se Acórdão deste tribunal de 09.05.2019 proferido no processo nº 240/2019 em cujo sumário se pode ler:
  «I – Em matéria de impugnação de matéria de facto, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
  II - para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.».
  Ao tribunal de recurso não cabe fazer um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas apenas apreciar se no julgamento feito no tribunal “a quo” houve erro grosseiro na apreciação da prova, ou se a prova produzida impunha uma conclusão diversa o que pressupõe que a Recorrente indique os elementos de prova que levariam a outra conclusão como se referiu supra ou se foram violadas regras de prova tarifada, o que não é o caso dos autos.
  A Recorrente entende que por se estabelecer que o contrato de arrendamento era de 12.05.2017 a 11.05.2022 e se escreve o prazo de 4 anos que se suscitam dúvidas de qual o prazo de arrendamento. Ora tal argumento falece em face dos sinais do contrato pois estabelecendo-se as datas e havendo erro na quantificação dos anos o que releva são as datas sendo este elemento inócuo em termos de convicção.
  De igual modo o pagamento inicial pode ter sido feito em numerário e a sua devolução em numerário. Do documento de fls. 69 a 77 resulta que já em 15.05.2017 a pessoa que arrendou a fracção dos Autores se começa a queixar da humidade no tecto, sendo que o tribunal “a quo” se convenceu pela resolução do contrato com base no diálogo a fls. 74 a 76 o qual acontece no dia 20.05.2017 e seguintes, pelo que, é perfeitamente possível que nem tenha chegado a ser feita participação alguma para efeitos fiscais, nem paga a comissão e haja sido devolvido o que foi prestado, uma vez que se acordou pela cessação do contrato sem que o mesmo haja produzido efeitos alguns, sendo assim inócuo para afectar a convicção do tribunal o que se invoca a respeito, dado o curto espaço de tempo em que tudo aconteceu.
  A fundamentação apresentada pelo tribunal “a quo” mostra-se coerente e suficiente para extrair a conclusão a que ali se chegou.
  Sobre esta matéria veja-se também Acórdão deste Tribunal de 15.10.2021 proferido no processo nº 240/2021:
  «Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
  Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
  “1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
  2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
  Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
  Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
  A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
  Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
  Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
  Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
  Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão aos autores.».
  
  Destarte, não resultando da fundamentação do tribunal “a quo” quanto às respostas dadas à Base Instrutória, erro grosseiro e manifesto, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 599º do CPC, impõe que se negue provimento ao recurso.
  
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Desde 25 de Novembro de 2004 que os Autores são proprietários da fracção autónoma D do 5.º andar, do Edifício … (Bloco …) sito na Avenida…, descrito na Conservatória do Predial sob o n.º … e inscrito na matriz predial sob o n.º …. (alínea A dos factos provados)
2. A Ré, Companhia de Produtos Congelados A, Limitada, é proprietária da fracção autónoma D do 6.º andar, do referido Edifício, onde pratica a sua actividade de “Armazém de refrescos, comércio por grosso e a retalho de carnes, peixes, mariscos e aves frescos ou congelados” (alínea B dos factos provados)
3. Em 13 de Março de 2019, os Autores deram de arrendamento a fracção em causa a K para fábrica de depósito de madeiras (cfr. “contrato de arrendamento da fracção” a fls. 285 a 286 dos autos). (alínea C dos factos provados)
4. O arrendamento inicia-se em 14 de Maio de 2019 e termina em 13 de Maio de 2024. Durante o período compreendido entre 14 de Maio de 2019 e 13 de Maio de 2021, a renda mensal é de HKD$21.000,00; entre 14 de Maio de 2021 e 13 de Maio de 2023, a renda mensal é de HKD$24.000,00; entre 14 de Maio de 2023 e 13 de Maio de 2024, a renda mensal é de HKD$27.000,00 (cfr. cláusula 4.ª do aludido “contrato de arrendamento da fracção”). (alínea D dos factos provados)
- Factos dados como provados após audiência de julgamento: (fundamentação dos factos provados vide fls. 426 a 429v dos autos)
5. Por volta de 2016, os Autores verificaram a queda de gotas de água no tecto da sua fracção autónoma (alínea A dos factos assentes). (resposta dada ao quesito 1.º dos factos a provar)
6. Desde 2016, através da sala de porteiros do edifício, os dois Autores pediram à Ré o tratamento da queda de gotas de água ocorrida no tecto da sua fracção, porém, a Ré não fez nada para tratar o referido problema. (resposta dada ao quesito 2.º dos factos a provar)
7. Por volta de Março de 2017, os Autores contactaram directamente com o gerente geral da Ré, H, tendo discutido várias vezes com este para resolver a queda gotas de água ocorrida no tecto da fracção dos Autores. H comprometeu-se a proceder ao tratamento mas este não fez nada para tratar o referido problema. (resposta dada ao quesito 3.º dos factos a provar)
8. Em 19 de Maio de 2017, os Autores deslocaram-se à fracção da Ré para observar a situação da sala de refrigeração e discutiram com H sobre o tratamento da queda de gotas de água ocorrida no tecto da fracção dos Autores. H assinou uma promessa escrita aos Autores, comprometendo-se a tratar a queda de gotas de água ocorrida na fracção dos Autores, porém, posteriormente, também não fez nada. (resposta dada ao quesito 4.º dos factos a provar)
9. Em 15 de Junho de 2017, através do advogado Dr. X, os Autores enviaram uma carta à Ré, pedindo-lhe que resolvesse o problema existente na fracção dos Autores. (fls. 49 a 50) (resposta dada ao quesito 5.º dos factos a provar)
10. A queda de gotas de água ocorrida no tecto da fracção dos Autores é provocada pela diferença de temperatura entre a fracção D do 5.º andar e a fracção D do 6.º andar causada pela sala de refrigeração da fracção D do 6.º andar. (resposta dada ao quesito 6.º dos factos a provar)
11. Em 12 de Maio de 2017, os Autores celebraram o “contrato de arrendamento” da fracção D do 5.º andar a fls. 65 e 66 dos autos, porém, por ter sido afectada pelo facto de queda de gotas de água ocorrida no tecto da fracção dos Autores, a referida fracção não podia ser usada normalmente, pelo que, a pedido do arrendatário, ambas as partes assinaram a declaração de cessação do contrato de arrendamento a fls. 67 dos autos em 31 de Maio de 2017. (resposta dada ao quesito 7.º dos factos a provar)
12. Conforme estipulado no contrato de arrendamento, entre 12 de Maio de 2017 e 11 de Maio de 2019, a renda mensal é de HKD$31.000,00 e entre 12 de Maio de 2019 e 11 de Maio de 2022, a renda mensal é de HKD$34.500,00. (resposta dada ao quesito 8.º dos factos a provar)
13. Por ter sido afectada pelo facto de queda de gotas de água no tecto, a fracção dos Autores não podia ser usada normalmente e, antes de 14 de Maio de 2019, os Autores ainda não conseguiram dar de arrendamento a referida fracção com sucesso. (resposta dada ao quesito 9.º dos factos a provar)
14. Dado que a queda de gotas de água ocorrida no tecto da fracção dos Autores não foi tratada, os Autores contrataram advogado para deduzir a presente acção, devendo, para tal, pagar os honorários a advogado na quantia não apurada. (resposta dada ao quesito 10.º dos factos a provar)
15. Os Autores dirigiram-se ao Instituto de Habitação para pedir ajuda e inspecção, e também procuraram opiniões junto do pessoal técnico, o que lhes causou danos no tempo. (resposta dada ao quesito 11.º dos factos a provar)
16. O problema de queda de gotas de água no tecto pode afectar a segurança da estrutura do edifício. (resposta dada ao quesito 12.º dos factos a provar)

b) Do Direito

É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «O Tribunal deve analisar concretamente os factos dados como provados no presente processo e aplicar a lei, de modo a dirimir o litígio entre as partes.
  Do conteúdo da primeira parte do presente acórdão resulta que os dois Autores formularam três pedidos com fundamento em que a sua fracção foi afectada:
  - 1) Realizar reparação necessária da parte da infiltração de água no prazo de 30 dias, acabando com o problema de fuga de água, no sentido de garantir a segurança pessoal e patrimonial;
  - 2) Pagar a quantia de MOP$1.311.468,00 a título de danos patrimoniais;
  - 3) Pagar a quantia de MOP$80.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
*
  O artigo 1325.º do Código Civil prevê:
  “1. Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas, respectivamente, aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.
  2. É especialmente vedado aos condóminos:
  a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio;
  b) Dar à fracção uso diverso do fim a que a mesma é destinada;
  c) Praticar quaisquer actos ou actividades que estejam proibidos no título constitutivo.
  3. O título constitutivo da propriedade horizontal, o regulamento e os órgãos do condomínio não podem impor limitações abusivas aos direitos dos condóminos, quanto às partes próprias ou comuns; consideram-se abusivas as limitações que não sejam justificadas pela especial destinação, localização ou características do prédio, ou por exigências de utilização comum ou convivência.”
  O artigo 1266.º do Código Civil aplicável por força do n.º 1 do aludido artigo estipula:
  “O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio alheio, sempre que tais factos importem para o uso do imóvel um prejuízo que exceda os limites da tolerância que deve existir entre vizinhos; deve atender-se, nomeadamente, aos usos e à situação e natureza dos imóveis.”
  Os pontos 5, 6, 10 e 13 dos factos provados do presente processo revelam respectivamente:
  “- Por volta de 2016, os Autores verificaram a queda de gotas de água no tecto da sua fracção autónoma (alínea A dos factos assentes).
  - Desde 2016, através da sala de porteiros do edifício, os dois Autores pediram à Ré o tratamento da queda de gotas de água ocorrida no tecto da sua fracção, porém, a Ré não fez nada para tratar o referido problema.
  - A queda de gotas de água ocorrida no tecto da fracção dos Autores é provocada pela diferença de temperatura entre a fracção D do 5.º andar e a fracção D do 6.º andar causada pela sala de refrigeração da fracção D do 6.º andar.
  - Por ter sido afectada pelo facto de queda de gotas de água no tecto, a fracção dos Autores não podia ser usada normalmente e, antes de 14 de Maio de 2019, os Autores ainda não conseguiram dar de arrendamento a referida fracção com sucesso.”
  Dos dados do registo predial resulta que o prédio em causa se destina à finalidade industrial, pelo que, não existe, em princípio, qualquer razão de proibir a Ré, proprietária da fracção D do 6.º andar, de usar a fracção para sala de refrigeração. Porém, dado que as fracções autónomas do regime de propriedade horizontal são contíguas, para um equilíbrio razoável quanto ao gozo das fracções autónomas pelos proprietários, o artigo 1266.º aplicável por remissão do artigo 1325.º n.º 1 do Código Civil proíbe a emissão invisível que impede o uso das fracções de outros proprietários e excede os limites da tolerância que deve existir entre vizinhos.
  No caso concreto em apreço, o uso da fracção D do 6.º andar em causa para sala de refrigeração num edifício industrial não pode ser considerado como uso anormal, porém, quando a baixa temperatura da sala de refrigeração provoca diferença de temperatura entre a fracção D do 5.º andar e a fracção D do 6.º andar, causando assim a queda de gotas de água no tecto da fracção D do 5.º andar (sob a circunstância de não praticar outros actos adicionais, como instalação dos equipamentos de temperatura constante ou desumidificadores), isto, sem dúvida, impede o uso da fracção D do 5.º andar pelo seu proprietário e também excede os limites da tolerância que deve existir entre vizinhos.
  Os dois Autores e a Ré são interessados vizinhos com a natureza de direito real, pelo que, os dois Autores têm direito a opor-se à diferença de temperatura causada pela fracção da Ré, pedindo à Ré a cessação da situação que causa a queda de gotas de água no tecto da fracção D do 5.º andar ou causa a situação de humidade que excede os limites da tolerância que devem existir.
  O presente processo não envolve a fuga ou a infiltração de água, pelo que, os dois Autores não têm direito a peticionar o acto de reparação. De facto, sendo a proprietária da fracção D do 6.º andar, a Ré pode usar e gozar da fracção conforme a sua vontade, como decidir instalar os equipamentos de isolamento de temperatura necessários para que a fracção dos dois Autores deixe de ser afectada, mesmo deixar de usar a fracção D do 6.º andar para sala de refrigeração, desde que o tecto da fracção D do 5.º andar deixe de ser afectado.
  Pelos motivos acima referidos, quanto ao 1.º pedido formulado pelos dois Autores, deve apenas condenar as duas Rés a resolver o problema ocorrido no tecto da fracção D do 5.º andar dos dois Autores no prazo de 30 dias contados da data do acórdão (decisão essa ainda está no âmbito do pedido dos dois Autores. De facto, a reparação necessária peticionada pelos dois Autores é o “meio” da solução do problema enquanto a solução do problema existente na fracção dos Autores é o “efeito” a alcançar com o pedido. O que o Tribunal condena é satisfazer parcialmente o pedido dos dois Autores, ou seja, o “efeito” com o pedido).
*
  No que toca ao pedido de indemnização dos dois Autores, os dois Autores invocaram que a Ré tomou uma atitude permissiva quanto à diferença de temperatura entre as fracções do edifício causada pela sua sala de refrigeração e quando ocorreu o presente caso de infiltrações e fuga de água, a Ré ainda não estava disposta a fazer reparação, caso os direitos dos Autores não fossem violados pela culpa e actos ilícitos da Ré, a fracção dos dois Autores (fracção D do 5.º) não poderia ser afectada, pelo que, a Ré deve assumir a responsabilidade civil extracontratual e pagar a correspondente indemnização pelos danos dos Autores.
  Ao abrigo do artigo 477.º n.º 1 do Código Civil, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
  Nos termos dos artigos 477.º, 556.º, 557.º e 560.º do Código Civil, a responsabilidade civil extracontratual depende da verificação cumulativa dos cinco requisitos: 1. Facto humano/facto lesivo; 2. Ilicitude; 3. Imputação do facto ao lesante (culpa); 4. Dano; 5. Nexo de causalidade entre o facto e o dano.
  Os factos dados como provados do presente processo são suficientes para suportar a verificação de todos os requisitos acima referidos.
  Em primeiro lugar, quanto à ilicitude, o artigo 477.º n.º 1 do Código Civil prevê duas situações da ilicitude:
  - 1. “Violar ilicitamente o direito de outrem”
  - 2. “Violar qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”.
  Os factos dados como provados revelam suficientemente que para além de que o gozo pleno do direito de propriedade da fracção pelos dois Autores foi afectado e perturbado, o acto da Ré também violou o artigo 1266.º aplicável por remissão do artigo 1325.º n.º 1 do Código Civil, o qual, sem dúvida, visa proteger que todos os proprietários das fracções autónomas do edifício em regime de propriedade horizontal podem ter gozo pleno das suas próprias fracções, limitando-se a ser afectados pela fracção vizinha dentro dos limites da tolerância que devem existir, pelo que, salvo melhor entendimento, este Tribunal entende que tal violação constitui a “violação da disposição legal destinada a proteger interesses alheios”1 prevista no artigo 477.º n.º 1 do Código Civil. Assim sendo, é ilícito quando o proprietário de uma fracção autónoma tenha praticado um acto que exceda os limites da tolerância que devem existir previstos no artigo 1266.º aplicável por remissão do artigo 1325.º n.º 1 do Código Civil, provocando que o proprietário de outra fracção autónoma não pode ter gozo normal da sua fracção e sofre prejuízos dos interesses económicos, e quando tal acto também preenche outros requisitos legais, o agente deve indemnizar o dano sofrido por este último.
  Os factos dados como provados também revelam que a Ré tem culpa e existe nexo de causalidade entre o acto da Ré e o dano dos dois Autores. Ao abrigo do artigo 480.º n.º 2 do Código Civil,  “a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”, e os pontos 5 a 9 dos factos provados revelam que desde 2016 ocorreu a queda de gotas de água no tecto da fracção dos dois Autores, e através da sala de porteiros do edifício, os dois Autores pediram à Ré o tratamento da queda de gotas de água ocorrida no tecto da sua fracção, e até Março de 2017, os dois Autores contactaram com o gerente geral da Ré, H (aqui, não é importante se este é ou não o administrador da Ré, o que é importante é que a Ré já tomou conhecimento da situação ocorrida na fracção dos dois Autores através de H), porém, apesar de ter recebido a carta de advogado que lhe foi enviada pelos dois Autores em 2017, a Ré ainda não fez qualquer acto para tratar o referido problema. Tais circunstâncias bastam para demonstrar que a Ré soube tal situação mas ainda não tomou a devida atitude para a tratar, pelo que, a Ré tem culpa.
  O ponto 11 dos factos provados também revela que “Em 12 de Maio de 2017, os Autores celebraram o “contrato de arrendamento” da fracção D do 5.º andar a fls. 65 e 66 dos autos, porém, por ter sido afectada pelo facto de queda de gotas de água ocorrida no tecto da fracção dos Autores, a referida fracção não podia ser usada normalmente, pelo que, a pedido do arrendatário, ambas as partes assinaram a declaração de cessação do contrato de arrendamento a fls. 67 dos autos em 31 de Maio de 2017.” Este facto demonstra que o problema de “queda de gotas de água no tecto” afectou o uso da fracção dos dois Autores, isto é a razão pela qual o arrendatário pediu a rescisão do contrato de arrendamento, pelo que, deve-se provar que existe nexo de causalidade adequado entre o acto da Ré e o dano dos dois Autores.
  A correspondente indemnização deve ser:
  - 1. A receita de renda perdida pelos dois Autores entre 12 de Maio de 2017 e 13 de Maio de 2019 devido à cessação do contrato de arrendamento até à celebração do novo contrato de arrendamento, isto é, a renda que os dois Autores poderiam receber durante o aludido período através do original contrato de arrendamento caso a fracção dos dois Autores não fosse afectada;
  - 2. A diferença da renda entre o original contrato de arrendamento e o novo contrato de arrendamento durante o período compreendido entre 14 de Maio de 2019 e 11 de Maio de 2022.
  O resultado da soma da liquidação das rendas referidas nos aludidos dois pontos é suficiente para suportar que os dois Autores podem receber da Ré a indemnização no montante total de MOP$1.231.468,00 conforme peticionado.
  Quanto às ditas indemnizações, é de suprir que os fundamentos suscitados pela Ré na contestação não podem impedir a procedência do dito pedido de indemnização. Na contestação, a Ré referiu que após a ocorrência do caso, a Ré também pediu ao mediador da Companhia de Fomento Predial D que se dirigisse pessoalmente à fracção D do 5.º andar para realizar uma observação e dizer ao proprietário que poderia comprar a referida fracção pelo preço de mercado ou tomar de arrendamento a mesma pela renda mensal mencionada no Doc. 11 da petição inicial, porém, quando a Companhia de Fomento Predial D disse que era a proposta do Réu, L, o proprietário recusou tal proposta via telefone; mesmo hoje, o Réu L ainda pode continuar a comprometer-se a tomar de arrendamento a fracção D do 5.º andar pela mesma renda mensal. Caso os Autores ainda não estejam dispostos a dar de arrendamento a fracção à Ré, os danos alegados pelos Autores são a sua escolha, não tendo nada a ver com a Ré. Salvo o devido respeito, nenhuma razão assiste à Ré. Em primeiro lugar, conforme o princípio de liberdade contratual previsto no artigo 399.º do Código Civil, os dois Autores têm liberdade de decidir celebrar ou não do contrato, com quem celebram o contrato e têm a faculdade de fixar o conteúdo e as cláusulas do contrato. Nesta circunstância, os dois Autores têm direito a vender ou não a fracção D do 5.º andar em causa, ninguém pode interferir na decisão deles. No que diz respeito a que a Ré referiu que está disposta a tomar de arrendamento a referida fracção, para além de que os factos alegados pela Ré de que a Ré pretendeu tomar de arrendamento a fracção D do 5.º andar mas a sua pretensão foi recusada não foram dados como provados após a audiência de julgamento (cfr. resultado dado aos quesitos 13.º e 14.º), é de referir que o pedido formulado pelos dois Autores é justo, legítimo e claro: pediram à Ré para tratar o problema existente no tecto da fracção D do 5.º andar. Sendo a proprietária da fracção D do 6.º andar que provocou a referida situação, o que a Ré deve fazer é apenas respeitar a fracção D do 5.º andar que se situa um andar abaixo e cumprir o artigo 1266.º aplicável por remissão do artigo 1325.º n.º 1 do Código Civil quanto aos interesses que devem ser tutelados e assim os interesses e os pedidos dos dois Autores podem ser satisfeitos. Caso não consiga provar que já tenha tomado medidas adequadas para tutelar de novo os interesses dos dois Autores legalmente tutelados, a Ré deve assumir a correspondente responsabilidade da indemnização.
  No que concerne à indemnização pelos honorários a advogado na quantia de MOP$80.000,00 e à indemnização pelos danos morais na quantia de MOP$80.000,00, peticionadas pelos Autores, este Tribunal entende que os referidos pedidos não são procedentes.
  Em primeiro lugar, quanto aos honorários a advogado, tal como refere o Venerando Tribunal de Segunda Instância (cfr. Acórdão proferido no processo n.º 77/2002, de 23 de Maio de 2002), não podem ser incluídos na indemnização, os honorários de advogados já que, - e sob pena de uma situação de “ne bis in idem” as despesas de patrocínio são sempre suportadas pela parte, podendo - em situações de lide temerária – virem a ser custeadas pela parte contraria, sem prejuízo, contudo, de um reembolso parcial e simbólico logrado em regra de custas. No caso em apreço, durante o julgamento, este Tribunal concorda que há certos indícios que revelam que a alegação feita pela Ré através do articulado a fls. 224 a 230 dos autos é falsa, conforme o qual, a Ré referiu ter realizado a obra de remodelação periódica do sistema de congelamento da referida fracção D do 6.º andar, cujo preço foi proposto pela Companhia de Design e Engenharia de Construção Jesse Limitada em 16 de Fevereiro de 2020 e a obra foi concluída em 3 de Maio de 2020, porém, mesmo que se suponha que o articulado a fls. 224 a 230 dos autos constitua litigância de má fé, não existe nexo de causalidade entre tal acto e as despesas gastas com a contratação de advogado para instaurar a presente acção (Quanto ao nexo de causalidade entre o dano e a actuação de má fé, vide Cândida Pires e Viriato Lima, Código de Processo Civil de Macau Anotado e Comentado, Volume II, páginas 367 a 368). Assim sendo, tendo em conta os motivos acima referidos, esta parte do pedido dos dois Autores também não é procedente.
  Em relação à indemnização moral no montante de MOP$80.000,00, o ponto 15 dos factos provados revela apenas que “os Autores dirigiram-se ao Instituto de Habitação para pedir ajuda e inspecção, e também procuraram opiniões junto do pessoal técnico, o que lhes causou danos no tempo.”. O artigo 489.º n.º 1 do Código Civil prevê, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” Tal como previsto no aludido disposto legal, a indemnização não patrimonial que deve ser considerada tem de ter certa gravidade e merecer a tutela do direito. A simples desgraça ou inconveniência na vida ou a perda de tempo na interacção social normal dentro dos limites da tolerância que devem existir não preenche o âmbito da tutela previsto no referido disposto legal. Nesta circunstância, esta parte do pedido dos dois Autores também não é procedente.».
  
  Entende a Recorrente que a condenação da Ré no ponto 1. da decisão não tem relação alguma com os pedidos formulados pelos Autores.
  
  Vejamos então.
  
  No ponto do pedido formulado na p.i. diz-se:
  «1. Seja realizada reparação necessária da parte da infiltração de água no prazo de 30 dias, acabando com o problema de fuga de água, no sentido de garantir a segurança pessoal e patrimonial;»
  Na sentença recorrida o ponto da decisão é:
  «1. Seja a Ré condenada a resolver o problema ocorrido no tecto da fracção D do 5º andar dos Autores no prazo de 30 dias contados da data do presente acórdão;».
  A decisão condenatória cabe perfeitamente dentro do pedido realizado.
  Apurando-se na instrução e discussão da causa que a existência de humidade no tecto da fracção dos Autores se deve ao facto da Ré ter na sua fracção instalada uma sala de refrigeração cujas baixas temperaturas arrefecem a placa que divide os dois andares causando por efeito da diferença de temperaturas que no tecto da fracção inferior – a dos Autores – se gere condensação de água, é perfeitamente acertado o decidido ao impor à Ré que diligencie no interior da sua fracção de maneira que esta diferença de temperaturas não afecte a fracção inferior.
  A solução técnica cabe aos técnicos especializados na matéria encontrá-la, admitindo-se que passe pelo isolamento do piso da sala de refrigeração de modo a que o frio não entre em contacto com a placa/chão da fracção da Ré, deixando de a arrefecer abruptamente e de causar a condensação provocada pela diferença de temperaturas no tecto da fracção dos Autores.
  Destarte, não só o decidido cabe dentro do pedido como se mostra perfeitamente adequado à situação, improcedendo o fundamento de recurso com base no excesso de pronuncia, assim como o que demais se invoca da não praticabilidade da decisão, sendo certo que se impõe uma obrigação de “facere”.
  Assim sendo, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da Douta decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Custas a cargo da Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 06 de Julho de 2023
Rui Pereira Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(Primeiro Juiz Adjunto)

Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz Adjunto)

1 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Tomo I, tradução de Tong Hio Cheng, SSAP, 2020, páginas 355 a 357, que refere que depende da satisfação dos três requisitos: 1. A lesão dos interesses particulares corresponde à violação de uma norma legal; 2. A tutela dos interesses particulares figura, de facto, entre os fins da norma violada; 3. O dano tenha-se registado no círculo de interesses particulares que a lei visa tutelar.
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62/2023 CÍVEL 4