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Processo nº 454/2023
(Suspensão de Eficácia)

Data do Acórdão: 13 de Julho de 2023

ASSUNTO:
- Revogação de autorização de residência permanente;
- Suspensão de eficácia.

SUMÁRIO:
- Resultando do despacho cuja suspensão de eficácia se pede que para a Requerente, da execução daquele, resulta ficar impossibilitada de continuar a viver com a sua família incluindo uma filha recém nascida, bem como a perda do emprego que tem em Macau, verifica-se estar preenchido o requisito do prejuízo de difícil reparação.


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Rui Pereira Ribeiro



Processo nº 454/2023
(Suspensão de Eficácia)

Data: 13 de Julho de 2023
Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, com os demais sinais dos autos,
  vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 17.05.2023 que declarou a nulidade da autorização de residência que foi concedida à Requerente em 24.11.2009.
  Para tanto alega a Requerente em síntese que em 13.04.2023 deu à luz a sua filha a qual desde que nasceu tem tido necessidade de tratamentos médicos, para além de que juntamente com o seu marido têm ainda a seu cargo a sogra da Requerente e a mãe da sogra da Requerente, sendo que a Requerente ajuda a sua sogra nos cuidados a prestar à mãe daquela dada a idade avança da mesma. Mais alega que trabalha na B, sendo que, com a execução do acto em causa será forçada a regressar à China Continental sem qualquer documento de identificação ficando impossibilitada de acompanhar a sua filha recém nascida que ainda está a amamentar e de dar apoio à sua família no que concerne aos cuidados a prestar à sua sogra e mãe desta, para além de perder o seu emprego.
  Invoca ainda que se levar a sua filha consigo para a China Continental considerando que já não é ali residente até voltar a ter documentos não poderá prestar à sua filha os cuidados médicos necessários o que poderá consistir numa situação de risco para a criança.
  Não podendo permanecer em Macau a família da Requerente será colocada numa situação difícil seja pela perda de rendimentos, seja porque não pode cuidar e acompanhar a filha, a sogra e a mãe desta, situações que serão dificilmente reparáveis.
  
  Citado o órgão administrativo requerido para contestar veio este fazê-lo impugnando a verificação do prejuízo invocado pela Requerente, bem como que a suspensão de eficácia do acto irá lesar gravemente o interesse público, pugnando pelo indeferimento do pedido.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  «1.
  A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança que declarou a nulidade da autorização de residência que lhe foi concedida em 24 de Novembro de 2009.
  A Entidade Requerida apresentou contestação.
  2.
  (i)
  Decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  (i) a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que estre defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
  (ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
  (iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
  (ii)
  No caso, o acto suspendendo, apesar de meramente declarativo, tem um evidente efeito positivo por isso que dele decorre uma efectiva alteração na prévia situação jurídica da Requerente.
  Além disso, salvo o devido respeito e contrariamente ao alegado pela Entidade Requerida na douta contestação, a ser decretada a suspensão de eficácia do acto não vemos que daí resulte grave lesão para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que se pode dizer preenchido o requisito da providência a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
  Do mesmo modo, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, mostrando-se assim verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
  Resta a questão de saber se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação ao Requerente.
  A nosso ver, a resposta a tal questão deve ser positiva.
  Na verdade, estamos em crer que a situação, embora não totalmente análoga, apresente significativas semelhanças com aquelas outras que já foram decididas pelos nossos Tribunais a propósito das suspensões de eficácia dos actos de cancelamento dos bilhetes de identidade de residentes permanentes.
  A Requerente é uma residente permanente da Região, que obteve a autorização de residência no ano de 2009, há cerca de 14 anos, portanto, e que desde então tem vivido em Macau, tido indica, de forma regular e contínua, aqui cresceu e se tornou adulta, aqui casou e constituiu família, aqui nasceu, há poucos meses, a sua filha, aqui trabalha, aqui tem os seus vínculos pessoas mais significativos.
  Parece-nos, por isso, que a imposição à Recorrente da sua expulsão de Macau, neste concreto contexto, com todas as implicações que daí com toda a probabilidade advirão, designadamente, mas não apenas, em matéria de perda de rendimento, mas também ao nível da relação com a sua filha que nasceu há menos de meio ano, constitui dano merecedor de tutela jurídica que integra o conceito de prejuízo de difícil reparação para efeitos do artigo 121º, n.º 1, al. a), do CPAC (cfr. em sentido que nos parece idêntico, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 13.1.2021, processo n.º 212/2020. No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 7.11.2019, tirado no processo n.º 1013/2019/A e, mais recentemente, os acórdãos proferidos nos processos n.º 155/2023/A, 163/2023 e 262/2023/A e, por último, no processo n.º 333/2023).
  Estão, pois, verificados, em nosso modesto entendimento, todos os requisitos de que o artigo 121.º, n.º 1 do CPAC faz depender o decretamento da suspensão de eficácia.
  3.
  Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser deferido o pedido de suspensão de eficácia.».
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos

a) Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança datado de 17.05.2023 foi declarada a nulidade da autorização de residência de A que lhe havia sido concedida em 24.11.2009 de acordo com o parecer da Informação do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do CPSP nº 200053/SRDARPA/2023P, cujo teor se transcreve:
1. Em 2009, a interessada, C, (titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º XXXXXXX), deslocou-se ao CPSP com a sua filha A (titular do salvo conduto para deslocação a Hong Kong e Macau), para requerer a fixação da residência em Macau, pelo fundamento do agrupamento familiar com o cônjuge / padrasto D. No mesmo ano, foram-lhes emitidos os certificados de residência.
2. Em 5 de Fevereiro de 2021, o Tribunal Judicial de Base julgou que C tinha cometido quatro crimes de falsificação de documento, condenou-a na pena conjunta de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na execução por 3 anos. A sentença acima referida transitou em julgado no dia 4 de Março de 2021. O tribunal de Macau deu como provado que C contraiu um casamento falso com um residente de Macau D, para ajudar a si e à sua filha a obterem os bilhetes de identidade de residente de Macau.
3. Uma vez que a interessada adquiriu a residência em Macau através da contracção do “casamento falso” com um residente de Macau, e cometeu o acto criminoso no procedimento do requerimento da fixação da residência, este Departamento pretende declarar a nulidade da “autorização da residência” que foi concedida pelo CPSP à interessada e à sua filha, pelo que é emitida uma notificação da audiência escrita às C e A, nos termos do disposto nos art.º 93.º e art.º 94.º do CPA.
4. Em 14 de Novembro de 2022, este Departimento recebeu as alegações escritas entregues pelo advogado constituído por C. E, até à data em que foi submetida a presente Informação, nunca recebeu qualquer parecer escrito entregue pela A relativo ao conteúdo da audiência.
5. Após a consideração integral, a relação matrimonial entre C e D é o requisito e o factor essencial antes que a Administração aprove a autorização de residência da interessada e da sua filha, mas, o tribunal de Macau determinou que a relação matrimonial entre C e D é falsa, pelo que o acto administrativo que foi concedida a autorização de residência às C e A padece do vício de erro, bem como C cometeu os actos criminosos referidos no ponto 2 durante o procedimento de realização deste acto administrativo. Pelo exposto, sugere-se declarar a nulidade das autorizações de residência que foram concedidas às C e A em 14 de Dezembro de 2009 e 24 de Novembro de 2009, respectivamente, nos termos do disposto no art.º 122.º, n.º 2, al. c) do CPA.
b) Em 13.04.2023 nasceu E filha da Requerente A e de F – cf. fls. 8 -;
c) E em 18.04.2023 foi submetida a exames médicos no Hospital Kiang Wu – cf. fls. 9 a 15 -;
d) A trabalha na B Limited desde 23.05.2011 auferindo o salário de MOP33.000,00 – cf. fls. 23 -;
  
  Não se provaram os demais factos invocados no requerimento inicial uma vez que não foi feita prova dos mesmos, nomeadamente, não foi junta certidão de casamento da Requerente e marido, nem certidões de nascimento do marido para se saber se as pessoas indicadas por mãe e avó o são, o mesmo se dizendo relativamente aos invocados pais e irmão da Requerente.
  
B) Do Direito.
  
  De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  a) Tenham conteúdo positivo;
  b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.».
  No caso dos autos o acto em causa, alterando a situação jurídica da Requerente é manifestamente de conteúdo positivo.
  Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
  1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.
  
  Vejamos então.
  
  No caso em apreço a Requerente obteve a autorização de residência em Macau para reunificação familiar com a sua mãe a quem havia sido concedida a autorização de residência por casamento.
  A declaração de nulidade da autorização de residência da Requerente resulta de se ter apurado que o casamento da mãe da Requerente com o residente de Macau era falso.
  Segundo alega terá casado com o pai da sua filha com quem vive.
  A Requerente foi mãe há menos de 3 meses.
  A Requerente tem um emprego onde aufere MOP33.000,00 mensais.
  Diz-se na contestação da entidade Requerida que a filha da Requerente e o pai desta são residentes de Macau.
  Da execução imediata do despacho cuja suspensão se pede inquestionavelmente resulta que a Requerente não mais pode comparecer ao trabalho o que implica a perda do emprego que tem há mais de 12 anos e cujo salário é de cerca de MOP33.000,00, para além de não poder continuar a acompanhar a sua filha recém nascida.
  É inquestionável a relevância que tem para o bom e são desenvolvimento das crianças nos primeiros anos de vida o acompanhamento por ambos os progenitores, em especial a mãe nos primeiros dois anos, e desfrutarem de um ambiente familiar calmo, tranquilo e estável, a ponto do legislador em matéria do direito de família, quando ocorre a separação dos pais privilegiar o regime de guarda conjunta de forma a minorar os efeitos nefastos da separação dos pais no desenvolvimento das crianças.
  Mais acresce os cuidados médicos que uma criança recém nascida tem de ter e aos quais a filha da Requerente sendo residente de Macau como se diz na contestação tem acesso, o que não acontecerá da mesma forma se para acompanhar a mãe tiver de se ausentar da RAEM.
  A indemnização que alguma vez possa ser arbitrada pela perda salarial não equivale a que quem perdeu o emprego o volte a recuperar, pelo que, o prejuízo resultante da perda do emprego nunca poderá ser completamente reparado através de uma indemnização em que se paguem os valores perdidos a título de salário, seja porque o emprego “já se perdeu” e muitas das vezes já não será recuperável, seja pela perca de realização profissional, valores que também têm de ser equacionados e não são completamente reparáveis em termos monetários, isto, sem falar no período que decorre entre a perda e a reparação e as carências associadas à perda de emprego e de rendimentos cujas consequências de modo algum podem ser reparadas.
  Destarte, não só os obstáculos criados à convivência da mãe com a sua filha recém nascida ser já suficientemente grave para considerarmos estar verificado o prejuízo de difícil reparação, como também, entendemos que a perda do emprego e a perda do percebimento mensal de um salário de cerca de MOP33.000,00 ainda que possa vir a ser reposto através de um indemnização futura de valor e em tempo incerto, mas cujo valor nunca poderá repor a situação laboral pré-existente, é também ele um prejuízo relevante para a economia do agregado familiar, agravado por existir uma criança recém nascida.
  Concluímos, assim, estar verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
  
  Acompanhamos o Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que estão verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 121º do CPAC, uma vez que não resultam indícios em sentido contrário.
  
  Destarte, estando preenchidos os requisitos cumulativos do nº 1 do artº 121º do CPAC impõe-se decidir em conformidade ordenando a suspensão de eficácia do acto como requerida.
  
IV. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos deferindo-se o requerido declara-se a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 17.05.2023 que declarou a nulidade da autorização de residência da Requerente.
  
  Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  RAEM, 13 de Julho de 2023
              
              Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
              (Relator)
              Fong Man Chong
              (1º Juiz-Adjunto)
              Tong Hio Fong
              (2º Juiz-Adjunto)
              
              Mׄ°P°
              Álvaro António Mangas Abreu Dantas
              (Delegado Coordenador)


454/2023 SUSPENSÃO 1