Processo nº 775/2022
(Autos de Recurso Contencioso)
Data do Acórdão: 19 de Julho de 2023
ASSUNTO:
- Não concessão da autorização de residência.
- Condenação pela prática de factos que constituem um tipo legal de crime.
- Poder discricionário.
SUMÁRIO:
- A condenação em pena pela prática de factos que constituem um tipo legal de crime é passível de permitir concluir pelo perigo para a segurança e ordem pública, fundamento da não concessão da autorização de residência;
- Só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável – art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC -;
- A intervenção do tribunal fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre o acto praticado e os interesses particulares sacrificados.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 775/2022
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 19 de Julho de 2023
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 09.09.2022 que indeferiu o requerimento de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do Despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança datado de 9 de Setembro de 2022, comunicado através do ofício do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau n.º 108153/CPSP-SRDARP/OFI/2022P, de 22 de Setembro de 2022, que indeferiu ao ora Recorrente o pedido de fixação de residência na RAEM por este apresentado, com fundamento em reunião familiar com a sua cônjuge B.
2. O Recorrente tem legitimidade e o presente Recurso é tempestivo.
3. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, autor do Acto Recorrido, é a Entidade Recorrida nos termos do disposto no artigo 37.º do CPAC.
I. Dos factos
4. O Recorrente apresentou junto do CPSP um pedido de fixação de residência na RAEM a título de reunião familiar com a sua cônjuge que é residente da RAEM.
5. Em 16 de Maio de 2022, foi o Recorrente notificado para uma audiência escrita, uma vez que, na opinião do CPSP o Recorrente tinha registo criminal e tal facto poderia ter impacto na aprovação do seu pedido de residência.
6. E, em conformidade, o Recorrente apresentou, no dia 31 de Maio de 2022, a sua resposta, nos termos do Artigo 94º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), através da qual, tentou dissipar as dúvidas quanto ao mérito do seu pedido de residência.
7. Não obstante, a Entidade Recorrida, através do Despacho indeferiu o seu pedido de fixação de residência com base em quatro argumentos que se sumarizam infra:
- o Requerente tem registo criminal;
- o Requerente cometeu; um crime de abuso de confiança por pelo menos quatro vezes entre entre 2017 e Maio de 2018;
- a conduta do Requerente causou danos à frutaria que o Requerente explorava com a sua ex-namorada; e
- por força do supra, o Requerente não conseguiu demonstrar que é uma pessoa cumpridora da lei e não oferece garantias de que não voltará a violar a lei vigente em Macau.
8. Sucede que, como melhor se exporá adiante, o Recorrente não pode concordar de todo com o teor do Despacho, o qual deve ser anulado.
i. Da não apreciação da situação familiar e sócio-económica do Recorrente e da sua efectiva ligação à RAEM
9. Ao focar-se apenas, na questão do registo criminal do Recorrente, o Despacho ignora por completo o motivo que preside ao pedido de fixação de residência na RAEM, i.e, a sua reunião familiar.
10. Ou seja, no processo de formação da sua decisão, a Entidade Recorrida ignorou a efectiva ligação que o Recorrente tem com Macau que aqui vive com a sua cônjuge, e aqui tem o centro da sua vida.
11. Ignorou também que o Recorrente gere dois negócios em Macau, de venda de produtos frutícolas, que empregam trabalhadores locais e contribuem para economia local, negócios esses que têm sido geridos em conformidade com a lei e com estabilidade.
12. Em suma, desde 2018 que o Recorrente não mais esteve envolvido em investigações ou processos criminais, aqui vivendo em cumprimento da lei há quase 5 anos.
13. No entanto, a única menção à vida familiar do Recorrente consta do Ponto 6 do Parecer, onde se refere que depois de terem sido feitos uns telefonemas se chegou à conclusão que o Recorrente não tem filhos com a sua cônjuge ou com a ex-namorada e que vive com a sua cônjuge.
14. Ora, a ausência de descendência não é (nem pode ser), motivo para negar a sua autorização de residência, nem para negar o direito à reunião familiar.
15. Em momento algum é aduzido qualquer argumento no Parecer ou no Despacho relativo à ponderação que foi dada à sua situação familiar e à sua integração na sociedade de Macau, o que era exigido por lei.
16. É que, recorde-se, tanto o n.º 2 do artigo 38.º da Lei 16/2021, como o n.º 2 do artigo 9.º da Lei 4/2003 (ambos citados no Despacho) exigem uma ponderação global de todos os requisitos expressos nessas disposições legais.
17. Todavia, em momento algum na fundamentação da decisão vertida no Despacho vem referido como foi feita tal ponderação, nem os critérios que presidiram a essa ponderação, mas tão-somente se veicula uma opinião subjectiva a respeito da possibilidade de o Recorrente poder voltar a cometer crimes.
18. E nessa medida, a decisão vertida pelo Despacho está indevidamente fundamentada e não aprecia correctamente os factos atinentes ao pedido do Recorrente.
ii. Da errónea interpretação dos factos relativos à condenação do Recorrente
19. O Recorrente foi condenado em multa no âmbito de um processo crime, pelo que essa condenação, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei 27/96/M, não deveria ser relevada para o efeito do presente pedido de fixação de residência.
20. Acresce que vem referido no ponto 4 do Parecer que o Recorrente causou danos à frutaria “D” que operava com a sua ex-namorada .
21. No entanto, é a própria sentença de condenação do Recorrente que refere que não foi possível provar quaisquer danos patrimoniais e, portanto, nunca foi o Recorrente condenado na restituição de quaisquer montantes e/ou na reparação de quaisquer danos.
22. São, portanto, desde já evidentes os erros manifestos de apreciação dos factos em que incorreram o Parecer e a decisão vertida no Despacho.
23. Ademais, o Parecer e o Despacho incorrem novamente num erro manifesto quando referem que o Recorrente não oferece garantias que não voltará a incumprir a lei.
24. Se assim fosse, determinaria o artigo 27.º do Decreto-Lei 27/96/M que a sua condenação tivesse sido transcrita para o seu registo criminal, que não foi.
25. Em suma, o Tribunal que teve um conhecimento imediato dos factos e que julgou a questão considerou que não havia perigosidade de reincidência e que os factos não assumiam gravidade de monta mas a Entidade Recorrida serve-se dessa mesma decisão para determinar que o contrário.
26. Por outro lado, apesar de o Recorrente ter sido condenado num único crime, ainda que de forma continuada, o Parecer repete por mais de uma vez que o Recorrente retirou dinheiro da Frutaria por quatro vezes.
27. Ou seja, está a valorar um único crime, de gravidade extremamente reduzida e que não gerou qualquer dano apurável pelo Tribunal, como se o Recorrente tivesse praticado quatro crimes, e com prejuízos- para a frutaria.
28. Se é verdade que a lei atribui à Entidade Recorrida discricionariedade na apreciação dos factos, tal não vale por dizer que essa apreciação pode ser arbitrária e em colisão directa com os factos apurados num processo judicial.
29. Por outro lado, tanto o Despacho como o parecer vão contra o espírito do DecretoLei 27/96/M e da Lei 16/2021.
30. Efectivamente, ambas as leis têm o intuito de permitir que as pessoas se reabilitem e que pequenos erros do seu passado não as impeçam de levar uma vida em sociedade.
31. É esse o espírito do artigo 27.º do Decreto-Lei 27/96/M quando estabelece a não transcrição de certas condenações para o registo criminal.
32. Mas é também esse o espírito da Lei 16/2021, pois caso o Recorrente fosse já residente não-permanente da RAEM, a condenação a que ora se alude não seria sequer motivo para lhe recusar a renovação da sua autorização de residência, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da aludida lei.
33. Ora, se tal condenação não é critério suficiente para recusar a renovação de uma autorização de residência, também não o deve ser para recusar a residência do Recorrente na RÀEM.
34. Pelo que, tudo sopesado, atendendo à perfeita integração do Recorrente na RAEM que aqui vive há cerca de 8 anos; a reduzida gravidade da sua condenação (em multa apenas) e o reduzido risco de repetição da conduta; e por fim o espírito do DecretoLei 27/96/M e da Lei 16/2021, que vão no sentido de não relevar condenações como a que ora se discute, afigura-se ao Recorrente que a mera afirmação de que “o Requerente [o ora Recorrente] não oferece garantias de cumprimento da lei”, não é consistente com uma correcta apreciação dos factos.
35. Repare-se que os factos que levaram à condenação do Recorrente datam de 2018, ou seja, há quase 5 anos.
36. Desde então, o Recorrente tem permanecido em Macau, aqui casou e abriu negócios, constituindo Macau o centro da sua vida, não impendendo sobre o Recorrente qualquer investigação, não sendo este Réu, arguido ou suspeito em qualquer caso.
37. Ou seja, há provas concretas que desde 2018 o Recorrente vive em Macau em cumprimento da lei, perfeitamente integrado na sociedade local.
38. Assim sendo, o juízo abstracto de que um dia poderá incumprir a lei não é suficiente para cimentar o indeferimento da sua autorização de residência.
39. A apreciação deste risco tem de ser feita com base em critérios objectivos e de razoabilidade, e não na mera opinião subjectiva de quem elaborou o Parecer.
40. E, para qualquer observador médio, se uma pessoa vive em Macau há quase cinco anos sem cometer ilegalidades, com grande probabilidade é um cidadão cumpridor da lei.
41. Repare-se que a Entidade Recorrida não estabelece qualquer limite temporal nem quaisquer limites para a formação da sua convicção, nem refere qualquer critério objectivo.utilizado para esse efeito, ficando o Recorrente até ao fim dos seus dias à mercê da opinião arbitrária da Entidade Recorrida que, poderá alegar o risco de reincidência ad aeternum.
42. Em suma, para além de ser uma interpretação manifestamente desrazoável, é também arbitrária, o que não é consentâneo com o ordenamento jurídico de Macau.
iii. Dos vícios do acto recorrido
43. Salvo melhor opinião, o acto recorrido enferma do vício de violação de lei por erro manifesto na apreciação dos factos que serviram de base ao despacho proferido pela Entidade Recorrida e pela manifesta desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários da administração.
44. Se é verdade que o deferimento do pedido de fixação de residência é um poder discricionário do órgão a quem compete essa decisão, o exercício de tais poderes discricionários continua ainda assim balizado por uma correcta apreciação dos factos que motivam esse exercício, não podendo ser exercidos arbitrariamente.
45. O Despacho assenta num Parecer que ignorou os argumentos apresentados pelo Recorrente, e não ponderou devidamente todos os factores que enformam o pedido do Réu, tal como exigido por lei.
46. Caso tivesse havido uma ponderação adequada, afigura-se evidente que não subsistiriam dúvidas de que o Recorrente tem permanecido em Macau, aqui vivendo perfeitamente integrado e contribuindo para o desenvolvimento da sociedade e economia locais, sem cometer quaisquer crimes desde 2018; e que a sua condenação passada não contribui para qualquer risco futuro de reincidência ou de incumprimento das leis de Macau.
47. Ao decidir como decidiu, o Despacho constitui uma declaração de que o Recorrente nunca poderá ser residente na RAEM, se a Entidade Recorrida assim o desejar, pois ainda que o Recorrente nunca mais cometa qualquer crime, a Entidade Recorrida poderá sempre arguir que ainda acredita que há uma remota possibilidade de o Recorrente um dia poder fazê-lo.
48. Em suma, a Entidade Recorrida apreciou grosseiramente e de forma truncada os factos da condenação do Recorrente, e fundamentou a “sua decisão exclusivamente nesta questão.
49. Ademais, decidiu com base em apreciações subjectivas formuladas no Parecer, sem qualquer critério objectivo.
50. Assim sendo, afiqura-se que o despacho da Entidade Recorrida que indefere o pedido de fixação de residência do Recorrente assenta em pressupostos errados, o que consequentemente conduziu a um exercício viciado e desrazoável do poder discricionário que assiste à Entidade Recorrida.
51. Neste sentido, estando em face de uma decisão fundada num erro manifesto e sendo a mesma completamente inadequada, estão reunidos os pressupostos para que o despacho em crise possa ser sindicado por este douto Tribunal.
Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, apresentando as seguintes conclusões:
I. O acto recorrido não enferma de vício de violação de lei por erro manifesto na apreciação-dos factos que lhe serviram de base;
II. Os factos que sirvam de fundamento ao acto administrativo são verdadeiros, e Administração considerou todos os aspectos que tinha que considerar, tendo decidido e praticado o acto impugnado face às provas junto ao processo administrativo;
III. A noção de residência em Macau é muito semelhante à de cidadania, de nacionalidade, dos Estados soberanos, e por isso a sua concessão é revestida de apertados critérios e imbuída de uma muito larga margem de discricionariedade, mas que parte de orientações claras, consagradas no artigo 38.º da Lei n.º 16/2021;
IV. A entidade competente para apreciação de cada caso concreto dispõe de margem de liberdade de actuação e de margem de discricionariedade na ponderação dos aspectos consagrados no citado artigo 38.º;
V. A razão da recusa do pedido baseou-se no incumprimento de disposições legais da RAEM e na existência de antecedentes criminais, entrando-se aqui num domínio caracterizado pela discricionariedade da Administração, que não está impedida de valorar, em nome dos superiores interesses da Segurança, o passado do Recorrente, para o projectar em termos de uma prognose comportamental;
VI. A Entidade Recorrida tinha toda a legitimidade para valorar a existência de uma condenação penal em sede de concessão de autorização de residência;
VII. Os valores e os interesses prosseguidos do ponto de vista penal são diferentes dos que são prosseguidos na perspectiva administrativa, onde sobrelevam preocupações de segurança e ordem públicas que têm que ser ponderadas no procedimento de concessão de autorização de residência;
VIII. A denegação da autorização de residência deixa o Recorrente exactamente na mesma situação em que se encontrava;
IX. A Entidade Recorrida não demonstrou manifesta desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários pois está em causa a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público, o que justifica o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.
X. A Entidade Recorrida considera que nenhum dos vícios invocados pelo Recorrente encontra qualquer suporte fáctico ou jurídico que os sustente, pelo que, no seu entender, os mesmos não poderão deixar de improceder.
Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, ambas silenciaram.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) No seguimento do pedido de autorização de residência em Macau formulado pelo Recorrente foi o mesmo indeferido por Despacho do Senhor Secretário para a Segurança datado de 09.09.2022, nos termos e com os fundamentos da informação elaborada pela PSP com o nº 300036/SRDARPFR/2022P a qual consta de fls. 17 a 21 e traduzida a fls. 91 a 103 e com o seguinte teor:
01-DARP.5264/2022/SR
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Polícia de Segurança Pública
Parecer:
Concordo com o parecer do Chefe subt.º do Dept.º para os Assuntos de Residência e Permanência.
À apreciação do Secretário para a Segurança.
O Comandante do CPSP
(Ass.-vide original)
18 de Agosto de 2022
1. O requerente, masculino, casado, com 44 anos de idade, nascido em Hong Kong, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong, veio requerer a autorização de residência em Macau, para que pudesse reunir com o cônjuge que é titular do «Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau».
2. De acordo com o acórdão do Tribunal Colectivo do TSI [Processo de Recurso Penal n.º 421/2021 (do conteúdo do acórdão dos autos de Processo Penal Comum Colectivo do TJB n.º CR5-20-0122-PCC), o requerente foi condenado a 9 meses da pena de prisão, pela prática, entre 2017 e Maio de 2018, do crime de abuso de confiança p. e p. pelos art.ºs 199.º, n.º 1 e 29.º, n.º 2 do CPM; suspensa a sua execução por um período de 2 anos. Posteriormente, recorreu e convolando de imputados em 7 de Abril de 2022: o foi condenado a 180 dias de multa a MOP$200,00 por dia, num total de MOP$36.500,00, ou 120 dias de prisão se não for paga qualquer multa e não for realizado trabalho em substituição. Foi iniciado um processo de audiência escrita em consideração do antecedente criminal do requerente.
3. Na audiência escrita (P. 131), o requerente apresentou as alegações escritas a este Dept.º. (para os detalhares mais pormenorizados, vide o ponto 4 da proposta)
(Volte atrás para continuar com os comentários)
... /… (ass. - vide original)
4. Após análise sintética, conforme o acórdão do proc. n.º CR5-20-0122-PCC do TJB e os factos dados como provados do acórdão do Tribunal Colectivo do TSI sobre o proc. n.º 421/2021, o requerente, não conforme com a disposição do exercício da loja de fruta [D Fruit Store]com a ofendida, agiu da forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o dinheiro na loja era propriedade da loja de fruta [D Fruit Store], e que só foi guardado temporariamente por ele de forma a não transferir o seu direito, ainda, pelo menos quatro ocasiões, o dinheiro foi indevidamente apropriado, o mesmo cometeu, em autoria material, na forma consumada e continuada do [crime de abuso de confiança]. É evidente que o caso não foi, eventualmente, um incidente individual e que os danos causaram à propriedade da loja de fruta.
5. Tendo em conta a insuficiência do fundamento das alegações e dos anexos pertinentes apresentados pelo advogada constituída pelo requerente, não refuta o ponto de vista deste Dept.º de que o requerente não é uma pessoa cumpridora da lei, o requerente foi condenado pelo TSI de Macau pela prática de um crime de “abuso de confiança” cometido continuamente entre 2017 e Maio de 2018 e, portanto, considerando a falta de confiança de que o mesmo irá cumprir as leis de Macau no futuro. Por conseguinte, tendo considerado todos os aspectos referidos no art.º 38.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2021, em particular, al. 8) e al. 9) (tendo em conta, ao mesmo tempo, todos os factores referidos no art.º 9.º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003) e a situação global do requerente, sugere-se que o pedido de residência do requerente seja indeferido.
À apreciação do Mm. Comandante.
O Chefe, Subt.º da Divisão de Autorização de Residência e Permanência,
(ass.-vide original)
XXX Subintendente
02 de Agosto de 2022
DESPACHO:
INDEFIRO
nos termos e com os fundamentos do
parecer constante desta informação.
O Secretário para a Segurança
(Ass. – vide original)
9 de Setembro de 2022
ASSUNTO: Pedido da autorização de residência
Proposta suplementar n.º 300036/SRDARPFR/2022P
Data: 1 de Agosto de 2022
1. Quanto ao requerente, Sr. A que veio requerer a residência em Macau em 13 de Setembro de 2019, a fim de reunir com o cônjuge B que é titular do BIRPM n.º 5207315(2), então nós, em 13 de Maio de 2022, elaborámos a proposta n.º 200224/SRDARPFR/2022P.
[Audiência escrita]
2. Visto que a intenção da apreciação do Dept.º sobre o pedido é o “indeferimento”, em 16 de Maio de 2022, o requerente foi devidamente notificado das razões específicas quanto à pretensão de não aprovação através de uma audiência escrita, em conformidade com os artigos 93.º e 94.º do Código de Procedimento Administrativo; o requerente podia, no prazo de dez dias a contar da recepção da notificação, exprimir por escrito a sua opinião sobre o conteúdo da proposta, para os melhores pormenores vide notificação de audiência n.º 200224/SRDARPFR/2022P. (P.131)
3. O requerente conferiu poderes aos advogados, C, G e H, e conceder todos os poderes permitidos por lei para actuar em processos penais, administrativos, civis e procedimentos penais no Ministério Público ou nos Tribunais e participar no acompanhamento de questões processuais perante qualquer departamento governamental. (P. 105)
[Apresentação dos factos]
4. Na audiência escrita, C, advogada representante do requerente, apresentou os seguintes documentos, que os dados são a seguir:
a. As alegações escritas de C, advogada representante do requerente, no sentido de que: “
B. Processo penal n.º CR5-20-0122-PCC e o seu acórdão relativo ao requerente
4-9. O requerente e a sua ex-companheira (“ofendida”) operavam a loja de fruta [D Fruit Store], em condições análogas às dos cônjuges, e o requerente era um dos sócios da loja de fruta e era responsável pelo funcionamento quotidiano da loja e pela importação e exportação de mercadorias, entre outros. Este é um caso em que a ofendida acusou o requerente de ter-se apropriado do dinheiro da loja de fruta e apresentou uma queixa à polícia, mas, de facto, era um conflito emocional entre o requerente e a sua ex-companheira. Na realidade, durante toda a investigação e julgamento, a ofendida não pôde indicar o montante do dano, excepto na gravação de vídeo da loja que mostrou o requerente a levar o dinheiro.
10-14.Em resumo, este caso surgiu porque o requerente estava envolvido na indústria frutícola com transacções diárias frequentes, isto é o resultado de que não efectuava registos completos e atempados dos assuntos como levantamentos, importação e transacções, nem cumpria rigorosamente os procedimentos de registos relevantes. Neste caso, a decisão baseou-se unicamente na imagem na loja que mostrava a retirada de dinheiro pelo requerente, a ofendida também não conseguiu identificar os danos causados à loja pelos comportamentos do requerente. O caso do requerente tende a ser de natureza pessoal, não ser prejudicial aos seus negócios exercidos e à comunidade nem causar qualquer prejuízo a qualquer pessoa.
15-18.O acórdão proferido pelo TSI de Macau no processo penal do requerente, “o tribunal colectivo considerou que as consequências da infracção de A, o grau de intenção criminosa e a ilicitude da sua conduta eram moderados, atendendo às exigências de prevenção do crime, condenar A na pena de multa de não privação de liberdade.” O TSI convolou de imputados do requerente, para uma pena de 180 dias de multa a MOP$200,00 por dia, o que perfaz no total de MOP$36.500,00, ou em alternativa, 120 dias de prisão se a pena de multa não for paga nem tenha sido substituída por trabalho. O TSI reconheceu a natureza menor do caso e a necessidade de alcançar o objectivo de prevenção geral, juridicamente.
C. O acórdão penal e registo criminal
19-21. O tribunal, no respectivo caso relativo ao requerente, tinha salientado que o grau de intenção criminosa e a ilicitude da sua conduta eram moderados, pelo que convolar de imputados, optou por substituir a pena do requerente por uma multa de não privação de liberdade. Com referência ao artigo 3.º, al. n) do Decreto-Lei n.º 27/96/M, as multas aplicadas ao requerente não serão incluídas no registo criminal e, por conseguinte, não foi feita nenhuma transcrição do acórdão relevante no actual pedido de certificado de registo criminal e portanto, o requerente será considerado como não tendo qualquer registo criminal.
22-23. Além disso, o art.º 20.º do respectivo D.L. prevê que um registo criminal completo só pode ser emitido se o sujeito do art.º 9.º, al. a), al. b) e al. c), assim o exigir, ao examinar as condições de residência do requerente, o requerente só deve apresentar o pedido ao abrigo do art.º 9.º, al. d), o que significa que o requerente deve ser considerado como não tendo qualquer registo criminal.
24-26.Salvo o processo penal acima referido que já tinha sido decidido, o requerente não tem qualquer registo criminal ou qualquer outro processo em curso, não é suficiente indeferir o pedido sem análise e consideração de qualquer decisão de registo criminal do requerente. Por conseguinte, deverá reconsiderar a aprovação do pedido de residência do requerente, tendo em conta a especialidade e as personalidades do caso em questão.
D. Relações sociais e vida estável do requerente em Macau - com Macau como o local de residência permanente e centro de vida
27-33. O requerente mudou-se de Hong Kong para Macau durante muitos anos e o requerente e o seu cônjuge, B, têm vindo a operar “E Limitada, desde 2019. O requerente é também um sócio na operação da “Jardim de F Limitada” e tem um bom relacionamento com a família do seu cônjuge em Macau. Por conseguinte, esperamos que reconsidere o seu pedido de residência em Macau com a devida consideração pelas suas condições de vida pessoais e laços sociais.
E. O fundamento jurídico dos pedidos de residência
34-42. Consideração dos factores do art.º 38.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2021 e do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, se o requerente tem qualquer antecedente criminal não é um impedimento à concessão de um pedido, mas é um factor que deve ser considerado. O caso do requerente não foi analisado em pormenor e nenhum documento do processo foi disponibilizado para indicar a base e justificação do indeferimento do pedido com base numa condenação penal. Ver a análise do projecto de texto da Lei n.º 16/2021, que estabelece que “os factores do art.º 38.º da Lei n.º 16/2001 não aparecem em todos os casos e a importância relativa de cada factor pode variar de acordo com a avaliação global do caso específico”. Contudo, é a vontade do legislador que a autoridade que toma a decisão integre e tenha em conta os factores específicos do caso e, além disso, que as razão e motivação para não conceder a aprovação sejam indicadas ao requerente quando tal for possível, caso contrário, nos termos do art.º 115.º do Código de Procedimento Administrativo, “Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”. Neste caso, o requerente só foi informado de que o seu pedido de residência deveria ser recusado devido a uma condenação penal, sem justificação suficiente. Ao mesmo tempo, foi um exercício inapropriado de discricionariedade por parte do V/ CPSP fazer um tal juízo único com base numa pena determinada.
43-48. Considerando que o requerente tem uma série de razões para ser considerada e adoptada quanto ao pedido de residência no presente pedido. Esperamos que o pedido do requerente possa ser reexaminado e seja decidida a concessão da autorização para se residir em Macau.
Em resumo, a causa penal do requerente é um incidente ocasionalmente pessoal, em que o grau de intenção criminosa e a ilicitude da conduta do requerente são moderados, sendo a causa leve. Nos casos em que não há danos específicos ao indivíduo ou à sociedade, o requerente é condenado a uma multa apenas, que não está transcrita no registo criminal, de acordo com o Decreto-lei n.º 27/96/M.」(P. 127-P. 130)
b. Certificado de registo criminal do requerente de Macau (sem antecedente criminal) (data de emissão: 24 de Maio de 2022); (P. 126)
c. Certidão de Registo Comercial de Macau da “E Limitada”, consta-se que um dos três sócios é A (requerente) (P. 121- P. 125)
d. Declaração da Contribuição Industrial para o ano de 2018 da “E Limitada”; (P. 118- P. 120)
e. Certidão de Registo Comercial de Macau da F Limitada, que declara que um dos dois sócios é A (requerente) (P. 107- P. 117)
5. Em 19 de Maio de 2022, a advogada, C constituída pelo requerente requereu a consulta do presente processo, o qual foi autorizado pelo supervisor no mesmo dia. Posteriormente, a advogada constituída pelo requerente providenciou a inspecção do processo em 23 de Maio de 2022 no nosso Dept.º. (P. 103- P. 106)
6. A 13 de Junho de 2022, esta Divisão soube por telefone da situação familiar do requerente que ele não tem filhos com o seu cônjuge e ex-namorada, e que está a viver com o cônjuge.
[Análise global do caso]
7. Conclusão:
- Em suma, advogada constituída pelo requerente concluiu e relatou que o processo penal do requerente era um incidente ocasionalmente pessoal que não causava danos específicos ao indivíduo ou à sociedade e que a pena não era transferida para o registo criminal. (P. 128v)
- De acordo com o acórdão do tribunal colectivo do TSI do [Processo de Recurso Penal n.º 421/2021 (do conteúdo do acórdão dos autos de processo penal comum do TJB n.º CR5-20-0122-PCC), o requerente foi condenado a 9 meses da pena de prisão, da prática, entre 2017 e Maio de 2018, do [crime de abuso de confiança] p. e p. pelos art.ºs 199.º, n.º 1 e 29.º, n.º 2 do CPM; suspensa a sua execução por um período de 2 anos (P. 85v-P. 86). Posteriormente, recorreu, e convolando de imputados em 7 de Abril de 2022: o foi condenado a 180 dias de multa a MOP$200,00 por dia, num total de MOP$36.500,00, em alterativa, 120 dias de prisão se não for paga qualquer multa ou não for realizado trabalho em substituição. (P. 75)
- Após amanálise sintética, conforme o acórdão do proc. n.º CR5-20-0122-PCC do TJB e os factos dados como provados do acórdão do Tribunal Colectivo do TSI sobre o proc. n.º 421/2021, o requerente, não conforme a disposição do exercício da loja de fruta [D Fruit Store] com a ofendida, agiu da forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o dinheiro na loja era propriedade da loja de fruta [D Fruit Store], e que só foi guardado temporariamente por ele de forma a não transferir o seu direito, ainda, pelo menos quatro ocasiões, o dinheiro foi indevidamente apropriado, o mesmo cometeu, em autoria material, na forma consumada e continuada, de um [crime de abuso de confiança]. É evidente que o caso não foi, eventualmente, um incidente individual e que os danos causaram à propriedade da loja de fruta.
- Tendo em conta a insuficiência do fundamento das alegações e dos anexos pertinentes apresentados pela advogada constituída pelo requerente, não refuta o ponto de vista do Dept.º de que o requerente não é uma pessoa cumpridora da lei, o requerente foi condenado pelo TSI de Macau pela prática de um crime de “abuso de confiança” cometido continuamente entre 2017 e Maio de 2018 e, portanto, considerando a falta de confiança de que o mesmo irá cumprir as leis de Macau no futuro. Por conseguinte, tendo considerado todos os aspectos referidos no art.º 38.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2021, em particular, al. 8) e al. 9) (tendo em conta, ao mesmo tempo, todos os factores referidos no art.º 9.º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003) e a situação global do requerente, sugere-se que o pedido de residência do requerente seja indeferido.
À consideração superior.
O elaborador,
(ass.-vide original)
XXX
Divisão de Autorização de Residência e Permanência,
Subdivisão de Residência,
(ass.-vide original)
XXX Comissário
b) O Recorrente foi notificado daquela decisão por carta registada expedida em 23.09.2022 – cf. fls. 15 -.
b) Do Direito
É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso contencioso do acto administrativo datado de 9 de Setembro de 2022 praticado pelo Secretário para a Segurança que indeferiu o seu pedido de autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida apresentou contestação na qual concluiu pela improcedência do recurso.
2.
(i.)
(i.1.)
O Recorrente requereu a autorização de residência na RAEM para se poder reunir à sua mulher, B. Esse pedido foi indeferido pela Entidade Recorrida com fundamento no facto de o Recorrente ter antecedentes criminais e, portanto, no entender da Administração, não oferecer garantias de ser uma pessoa cumpridora da lei.
Considera o Recorrente que, ao assim actuar, a Administração fez um exercício manifestamente desrazoável do poder discricionário que constitui violação de lei e que, portanto, gera a invalidade do acto recorrido.
Salvo o devido respeito, não nos parece que assim seja. Pelo seguinte.
(i.2.)
De acordo com a norma do n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021, «compete ao Chefe do Executivo decidir os pedidos de autorização de residência na RAEM». Trata-se, como se extrai da sua simples leitura, de uma norma de competência cuja configuração estrutural não é frequente, uma vez que lhe falta a parte da previsão ou da hipótese.
Na verdade, como sabemos, as normas de competência administrativa em particular, por isso que são normas com programação condicional, têm uma estrutura que comporta uma hipótese ou previsão, na qual se estabelecem os pressupostos, ou seja, os factos da vida real e as situações jurídicas cuja ocorrência vai desencadear a intervenção administrativa e uma estatuição, na qual se indica o conteúdo dessa intervenção, aquilo que a Administração pode ou deve fazer em face da situação verificada (cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Coimbra, 2019, p. 173).
Ora, como dissemos, à norma do n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021, falta a previsão dos pressupostos cuja verificação pode dar lugar à intervenção administrativa ali prevista, ou seja, à concessão da autorização de residência por parte do Chefe do Executivo. Estamos, pois, perante uma norma de competência que confere aquilo a que alguma doutrina designa de «discricionariedade aberta», uma vez que através dela, o Chefe do Executivo é investido no poder de proceder a uma «determinação substancial do interesse público», porquanto, embora nela tal não esteja expressamente dito, está, porém, implícito que aquele órgão administrativo pode, por razões de interesse público ou de conveniência, conceder a autorização de residência em Macau. Mas a substanciação desse interesse é deferida, integralmente, à Administração. É o Chefe do Executivo que, segundo o seu critério, tem o poder de determinar ou identificar a presença de um interesse, de uma razão de mérito ou de oportunidade e, na sequência disso, caso assim o entenda, conceder a autorização de residência a quem a tenha requerido (os «aspectos» referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021 não constituem verdadeiros pressupostos justificativos da intervenção administrativa em causa. Esta discricionariedade aberta, embora muito próxima da chamada «discricionariedade livre», não se confunde com esta e por isso, não obstante a sua elevada amplitude, o seu exercício não deixa de estar sujeito a critérios jurídicos e, portanto, nessa medida, a algum controlo judicial. Neste mesmo sentido, acolhendo o nosso entendimento e a propósito da norma do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, veja-se o Acórdão do Tribunal de Última Instância de 19.03.2021, processo n.º 8/2021).
No caso em apreço, e na parte concretamente questionada pelo Recorrente, a Administração entendeu ser de indeferir o pedido de autorização de residência por considerar que, os antecedentes criminais do Recorrente são de molde a justificar, quanto a ele, um juízo de prognose desfavorável relativamente à sua presença na Região, desaconselhando, desse modo, o deferimento da autorização de residência.
Significa isto, se bem interpretamos o acto administrativo recorrido, que, a Administração, na ponderação que fez e na concreta construção da norma do caso a que procedeu, deu prevalência a razões que se prendem com a salvaguarda da segurança e ordem públicas, em detrimento de razões relativas à reunião familiar do Recorrente com o seu cônjuge. No seu juízo de prognose, considerou a Administração que, estando demonstrando no procedimento administrativo que o Recorrente tem antecedentes criminais, a concreta prossecução do interesse público justificava, no caso, a negação da concessão da autorização de residência na RAEM (contrariamente ao que vem alegado pelo Recorrente, a norma do artigo 38.º da Lei 16/2021 não exige uma ponderação global de todos os «aspectos» que aí se enunciam. É legítimo à Administração, segundo nos parece, indeferir a autorização de residência com base, exclusivamente, em razões de segurança e ordem públicas, até porque, também ao contrário que refere o Recorrente, não pode falar, face à nossa lei, de um direito à reunião familiar).
(i.3.)
Ora, como se sabe, a intervenção sindicante do Tribunal relativamente a este juízo administrativo cinge-se à verificação da observância dos chamados critérios jurídicos do exercício da discricionariedade, nomeadamente, os princípios gerais da actividade administrativa e em especial os princípios da imparcialidade e da proporcionalidade e bem assim o respeito pelos direitos fundamentais dos interessados.
Tendo isto presente, estamos em crer que o acto recorrido não infringiu tais critérios, não se mostrando que o mesmo, de forma intoleravelmente desproporcionada ou parcial, tenha afectado direitos fundamentais do Recorrente.
Além disso, porque estamos no âmbito do exercício de um poder discricionário, é sabido que não cabe ao Tribunal sindicar o mérito da decisão administrativa que considerou não se justificar uma autorização de residência com base em razões de segurança e ordem pública, a partir de um juízo de prognose que só à Administração cabe fazer e em relação ao qual não nos parece que se possa dizer que o mesmo seja manifestamente erróneo ou desrazoável.
É à Administração e só a ela que, no exercício de valorações próprias e autónomas, compete avaliar, tendo em vista a concreta prossecução do interesse público, se, na situação em causa, se justifica ou não autorizar a residência. Por isso, parece-nos que não pode acolher-se a invocação do vício de violação de lei a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC que foi feita pelo Recorrente.
3.
Deve, pois, face ao exposto, ser julgado improcedente o presente recurso contencioso.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».
O Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público vem de acordo com aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal em situações idênticas.
Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 19 de Julho de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1° Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2° Juiz-Adjunto)
*
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
775/2022 REC CONT 66