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Processo nº 408/2023/A
(Suspensão de Eficácia)

Data do Acórdão: 24 de Julho de 2023

ASSUNTO:
- Acto negativo com vertente positiva
- Suspensão de eficácia

SUMÁRIO:
1. A suspensão do acto que decide de um concurso público tem um evidente interesse para o candidato preterido e é efectivamente possível. Com a suspensão, a adjudicação não pode tornar-se efectiva, o que corresponde ao interesse do candidato preterido na manutenção do statu quo, até à decisão final do recurso contencioso que decida da adjudicação, só assim se garantindo o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
2. Não basta que a situação que existiria se o acto nulo não houvesse sido praticado não possa ser reconstituída para se concluir que já se verificou o prejuízo de difícil de reparação, havendo que invocar factos e demonstrar que não só a situação não pode ser reconstituída, como também que, os prejuízos que daí resultam não podem ser reparados ou que, podendo a situação ser reconstituída, os prejuízos que resultam de ter sido praticado o acto nulo ou anulável até ser expurgado não podem ser reparados.
3. Os indícios de ilegalidade do recurso não se confundem com indícios de improcedência, uma vez que em sede de suspensão de eficácia não cabe fazer qualquer juízo sobre a validade do acto e aparência do direito do requerente.
4. Quando se fala da ilegalidade do recurso é no sentido de haver indícios fortes da “ilegalidade de interposição do recurso” em termos processuais, isto é, de haver indícios do recurso ser liminarmente indeferido ou vir a ser rejeitado.


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Rui Pereira Ribeiro





Processo nº 408/2023/A
(Suspensão de Eficácia)

Data: 24 de Julho de 2023
Requerente: Consórcio composto pelas A, B e C
Requerido: Chefe do Executivo da RAEM
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

Consórcio composto pelas A, B e C, com os demais sinais dos autos,
vem requerer a suspensão de eficácia do Acto de 4 de Abril de 2023 do Chefe do Executivo que adjudicou a Empreitada de Concepção e Construção do Segmento Norte da Linha Leste do Metro Ligeiro ao concorrente nº 5 – “D, E e F,
em que são contra-interessados:
1. Concorrente nº 1, Consórcio:
a. G,
b. H,
c. I.
2. Concorrente nº 2, Consórcio:
a. J,
b. K,
c. L.
3. Concorrente nº 3, Consórcio:
a. M,
b. N,
c. O.
4. Concorrente nº 5, Consórcio:
a. D,
b. E,
c. F.
5. Concorrente nº 6, Consórcio:
a. P,
b. Q,
c. R.
todas, também, com os demais sinais dos autos.
Para tanto invoca o Requerente que o acto em causa embora seja de conteúdo negativo tem uma vertente positiva estando preenchidos os requisitos do artº 121º do CPAC.
Citado o órgão administrativo requerido e os contra-interessados, vieram, S. Exª o Chefe do Executivo e as empresas que constituem o 5º Concorrente, D, E e F, contestar, pugnando pelo indeferimento do pedido, invocando que o acto é de conteúdo negativo e que o Requerente não demonstra que da execução do acto resulta prejuízo de difícil reparação nem que com a suspensão de eficácia não há grave lesão do interesse público dado estar em causa a construção de parte da rede de transportes públicos, invocando ainda as companhias indicadas que resultam indícios da ilegalidade do recurso.

Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
«1.
A, e B, sociedades comerciais em consórcio, melhor identificadas nos autos, vieram instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Chefe do Executivo que adjudicou o contrato de empreitada de concepção e construção do segmento da linha leste do metro ligeiro às sociedades comerciais em consórcio, D; E e F.
A Entidade Requerida, devidamente citada, apresentou contestação e nela, entre o mais, alegou que o decretamento da suspensão de eficácia causa grave lesão do interesse público e concluiu no sentido do indeferimento da providência requerida.
Também as Contra-interessadas foram citadas, tendo as adjudicatárias apresentado contestação.
2.
(i)
Decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do CPAC, que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
o a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
o a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
o do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa, tal como tem vindo a ser decidido uniformemente pelos nossos Tribunais, bastando, por isso, a não verificação de um deles para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
(ii)
(ii.1)
Um acto negativo puro é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior.
Como sabemos, o Tribunal de Segunda Instância tem vindo a decidir, nemine discrepante, que um acto administrativo de adjudicação de um contrato administrativo, nomeadamente de empreitada de obra pública ou de aquisição de bens ou da prestação de serviços, ao primeiro classificado do concurso aberto para o efeito é um acto puramente negativo sem vertente positiva e, portanto, não é susceptível de suspensão (assim, por exemplo, acórdão de 30.3.2017, processo n.º 181/2017/A, acórdão de 3.11.2016, processo n.º 660/2016, acórdão de 19.12.2013, processo n.º 29/2005 e acórdão de 22.11.2012, processo n.º 839-A/2012. Contra, no entanto, decidiu o Tribunal de Última Instância no acórdão de 13.11.2019, processo n.º 112/2019. Neste último sentido, já anteriormente, cfr. VIRIATO LIMA – ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, RAEM, 2015, p. 341).
No caso, está precisamente em causa um acto de adjudicação do contrato de empreitada de concepção e construção do segmento da linha leste do metro ligeiro às Contra-interessadas em consórcio D; E e F, pelo que, a seguir-se a dita jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância será de considerar que o acto suspendendo é, relativamente à Requerente, puramente negativo, por ter deixado intocada a sua situação anterior e daí que não seja susceptível de suspensão de eficácia face ao disposto no artigo 120.º do CPAC.
(ii.2.)
Acautelando o entendimento diverso, que é, aliás, como anotámos, o do Tribunal de Última Instância e já era o nosso, estamos modestamente em crer que, no caso, salvo o devido respeito, e contrariamente ao alegado pela Entidade Requerida na douta contestação, a ser decretada a suspensão de eficácia do acto não vemos que daí resulte grave lesão para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que se pode dizer preenchido o requisito da providência a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC. Parece pacífico, na verdade, que da suspensão da eficácia de um acto administrativo sempre resultará, em maior ou menor medida, algum prejuízo para o interesse público, uma vez que a Administração sempre actua na prossecução do interesse. O ponto está, todavia, na exigência da lei de que o prejuízo para o interesse público resultante da suspensão da eficácia do acto seja grave. E no caso, a alegação da Entidade Requerida constante dos artigos 20.º e 21.º da douta contestação, com todo o respeito, não nos parece que sejam susceptíveis de subsumir-se à previsão legal em causa.
(ii.3.)
Do mesmo modo, parece-nos incontroverso que do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, tendo em que que, de acordo com o entendimento dominante e que se nos afigura de acompanhar, do que aqui se trata é da apreciação da existência de fortes indícios da inviabilidade do recurso num plano meramente formal, nomeadamente por falta de um pressuposto processual (assim, por exemplo, acórdão do Tribunal de Última Instância de 8.8.2012, processo n.º 56/2012). Mostra-se, pois, verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
(ii.4.)
(ii.4.1.)
Resta a questão de saber se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação ao Requerente, ou seja, ocorre o requisito positivo do decretamento da suspensão de eficácia que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
A este propósito, importa considerar que, como referiu o Tribunal de Última Instância (TUI) na sua decisão de 14.11.2009, tirada no processo n.º 33/2009, «não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação» e sobre o que deva entender-se por prejuízo de difícil reparação, o nosso mais alto Tribunal, no mesmo acórdão, procedeu à seguinte densificação: «mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto» (o destacado é da nossa responsabilidade).
Deste modo, de acordo com o entendimento jurisprudencial que vimos de enunciar, e que acompanhamos, importa sublinhar que a questão da irreparabilidade do prejuízo que previsivelmente possa resultar da execução do acto, na perspectiva da aferição do preenchimento do pressuposto do decretamento da providência a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, não se coloca apenas, contrariamente ao que vem doutamente defendido no requerimento inicial, no plano da previsível impossibilidade da reconstituição da situação hipotética na sequência da decisão anulatória (cfr. artigo 174.º, n.º 3 do CPAC), mas também no plano de uma previsível impossibilidade de ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo interessado em consequência da prática do acto ilegal por parte da Administração através do mecanismo indemnizatório, a efectivar no quadro da própria execução do julgado anulatório e/ou através da acção de responsabilidade civil extracontratual.
(ii.4.1.)
No caso, no douto requerimento inicial não se vislumbra a alegação de qualquer facto susceptível de ser reconduzido ao conceito de prejuízo de difícil reparação que antes referimos.
Além disso, em tese, não vemos que, ainda que venha a ocorrer a impossibilidade de execução de eventual decisão anulatória do acto suspendendo, se mostre inviável o total ressarcimento dos danos que as Recorrentes, eventualmente, venham a sofrer, seja em consequência da inexecução da sentença, seja, mesmo, como consequência do próprio acto ilegal.
Isto basta, sem necessidade de maiores considerandos, para podermos concluir no sentido da inverificação do requisito positivo a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, de que dependia o decretamento da providência da suspensão de eficácia requerido nos presentes autos.
3.
Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser indeferido o presente pedido de suspensão de eficácia.».

II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.

III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

1. Por anúncio publicado no BO nº 43 de 26.10.2022 foi aberto concurso público para Empreitada de Concepção e Construção do Segmento Norte da Linha Leste do Metro Ligeiro;
2. Os agora Recorrentes concorreram ao concurso público referido na alínea anterior;
3. Em 04.04.2023 S.Exª o Senhor Chefe do Executivo adjudicou a empreitada ao Concorrente nº 5 - Consórcio de D, E e F, tudo conforme consta de fls. K00142 a K00151 do PA.

b) Do Direito

De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente».

Sustentando o Requerente que o acto cuja suspensão se pede apesar de ter conteúdo negativo tem uma vertente positiva, vem a entidade recorrida invocar que o acto em causa tem conteúdo negativo.
Para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva há que avaliar se o mesmo introduz alguma alteração na esfera jurídica do interessado.
No caso dos concursos públicos os candidatos têm a perspectiva de que no final venha a ser proferido acto de adjudicação a seu favor, contudo, tal mais não é do que uma mera expectativa, pelo que, se tal não vier a acontecer não decorreu daí alteração alguma na esfera jurídica do interessado.
São várias as decisões em que a Jurisprudência concluiu que no caso dos concursos públicos a adjudicação a determinado sujeito, para o concorrente a quem não foi feita a adjudicação é um acto neutro uma vez que a sua esfera jurídica em nada se altera1.
Este tem sido o entendimento deste Tribunal.
Contudo, tem vindo, também, a entender-se que a vertente positiva dos actos negativos se pode traduzir no efeito útil do recurso contencioso.
Como muito bem se invoca no requerimento inicial, se é certo que o acto de adjudicação não inova na esfera jurídica do interessado a quem não é feita a adjudicação, não é menos certo que a adjudicação retira qualquer efeito útil ao recurso contencioso ao impedir que obtido provimento nesse venha a ser alterada a esfera jurídica do interessado sendo-lhe adjudicado o objecto do concurso.
Nesta medida, tem vindo a ser sustentado que o acto apesar de negativo tem uma vertente positiva.
Sobre esta matéria já se pronunciou o TUI no Acórdão de 13.11.2019 proferido no processo que correu termos sob o nº 112/2019:
«Acto de conteúdo negativo.
Ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, a eficácia do acto administrativo dos autos pode ser suspensa porque ela tem utilidade evidente para o recorrente. “Na verdade, a suspensão do acto que decide de um concurso público tem um evidente interesse para o candidato preterido e é efectivamente possível. Com a suspensão da eficácia do acto, o candidato retira uma vantagem. Com esta suspensão, a adjudicação não pode tornar-se efectiva, o que corresponde ao interesse do candidato preterido na manutenção do statu quo, até à decisão final do recurso contencioso que decida da adjudicação. Só assim se garante o princípio da tutela jurisdicional efectiva, a que se refere o artigo 2.º”2.
Destarte, acompanhando aquela que é a jurisprudência do TUI e que melhor garante o principio da tutela jurisdicional efectiva, entendemos que no caso em apreço estamos perante um acto negativo que apresenta uma vertente positiva, sendo possível a suspensão nos termos da al. b) do artº 120 do CPAC, julgando-se improcedente a excepção da insusceptibilidade da suspensão de eficácia suscitada pela Entidade Requerida.».
Destarte, acompanhando a decisão do TUI, também aqui se conclui que o acto de adjudicação apesar de conteúdo negativo tem uma vertente positiva.

Assim sendo, impõe-se apurar da eventual existência dos demais requisitos.
Reza o artº 121º do CPAC o seguinte:
«1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.».

Estes requisitos são de verificação cumulativa, salvo as situações previstas nos nºs 2, 3 e 4.

Vejamos então.

Citando Fernanda Maçãs, A Suspensão, pág. 175, a par de outros autores, vem o Requerente sustentar que “sempre que o juiz, ao apreciar a suspensão, concluir que, quando for decidido o recurso, já não é possível garantir uma reconstituição específica, mas apenas uma compensação pelo dano já causado, está em presença de um dano irreparável e, como tal, susceptível de obter a suspensão”.
Ou seja, sempre que não fosse possível a reconstituição específica, isto é a reconstituição da situação que existiria se o acto que se vem a apurar ser nulo não tivesse sido praticado, o prejuízo seria sempre irreparável.
Ora, salvo melhor opinião não é esse o sentido da alínea a) do artº 121º do CPAC.
Como refere José Cândido de Pinho na obra indicada a pág. 215 na anotação 10 ao artº 121º “por muito merecedores de consideração que todos possam ser, o legislador só toma em boa conta os prejuízos que dificilmente possam ser reparados pelas vias normais ressarcitórias”, o que significa que o legislador na densificação do conceito “prejuízos de difícil reparação” não tinha em vista a reconstituição específica, mas a possibilidade de reparação através de compensação.
Caso assim não fosse haveria de se ter usado outra expressão que não “reparação” mas “reconstituição”, sendo certo que, temos sempre de presumir que o legislador se exprimiu da forma mais correcta de acordo com o pensamento e a intenção legislativa.
Assim sendo, não basta que a situação que existiria se o acto nulo não houvesse sido praticado não possa ser reconstituída para se concluir que já se verificou o prejuízo de difícil de reparação, havendo que invocar factos e demonstrar que não só a situação não pode ser reconstituída, como também que, os prejuízos que daí resultam não podem ser reparados ou que, podendo a situação ser reconstituída, os prejuízos que resultam de ter sido praticado o acto nulo ou anulável até ser expurgado não podem ser reparados.
Ora, no caso dos autos o Requerente limita-se a invocar que se for praticado o acto de adjudicação ainda que venha a obter ganho de recurso contencioso a situação já não pode ser reconstituída e daí resulta um prejuízo irreparável o que, não só não é evidente, como também ficamos sem saber – porque nada se diz a respeito – que prejuízos sejam esses que resultam para o Requerente por ainda que venha a obter ganho do recurso contencioso, eventualmente já não lhe possa ser adjudicada a empreitada.
Destarte, não está demonstrado o requisito da alínea a) do artº 121º do CPAC.
Em igual sentido se decidiu no citado Acórdão do TUI onde se diz:
«3. Prejuízos de difícil reparação
No caso dos autos é requisito da concessão da suspensão de eficácia do acto administrativo recorrido que a execução deste cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso [alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso].
Como dissemos no acórdão de 14 de Novembro de 2009, no Processo n.º 33/2009, “Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto”.
A anulação de um acto que decide a atribuição de licenças em número fixo, no âmbito de um concurso público, tem sempre inconvenientes, mais fáceis ou mais difíceis de serem ultrapassados.
No caso dos autos, se o recurso contencioso interposto pelo ora recorrente fosse procedente, não haveria qualquer inconveniente que a Administração, em vez de 40 licenças de notário privado, atribuísse 41, para remediar um erro seu: bastava a alteração do Despacho do Chefe do Executivo n.º 231/2017.
Mas ainda que assim não fosse, não alegou o ora recorrente no recurso contencioso qualquer prejuízo de difícil reparação da execução do acto para o recorrente, como se vê da leitura dos mencionados artigos 24.º e 25.º, únicos dedicados ao tema.».

Também invoca a entidade Recorrida que não se demonstra que a suspensão não determina grave lesão do interesse público dado que está em causa a construção de parte da rede de transportes públicos.
Ora, sendo evidente o esforço que tem sido feito em toda a RAEM para implantar uma rede de metro ligeiro que ligue os principais pontos do Território de forma a poder contribuir para o descongestionamento do tráfico de veículos ligeiros e pesados de passageiros, acrescentar a todo esse processo um atraso que poderia ser de anos considerando o decurso normal de uma acção judicial desta complexidade e as instância de recurso a que poderá subir, dúvidas não subsistem que a suspensão de eficácia do acto de adjudicação iria colidir com o interesse público subjacente ao acto de adjudicação em causa.
Pelo que, também o requisito da alínea b) do artº 121º do CPAC não está verificado.

Também neste sentido veja-se o já citado Acórdão do TUI de 13.11.2019 proferido no processo 112/2019 quando está em causa a prestação de serviços à população.

No que concerne à invocada ilegalidade do recurso, confunde-se indícios de ilegalidade do recurso com indícios de improcedência.
Nesta sede não cabe apreciar do mérito do recurso, não cabendo em sede de suspensão de eficácia fazer qualquer juízo sobre a validade do acto e aparência do direito do Requerente.
Quando se fala da ilegalidade do recurso é no sentido de haver indícios fortes da “ilegalidade de interposição do recurso” em termos processuais, isto é, de haver indícios do recurso ser liminarmente indeferido ou vir a ser rejeitado, sem sequer ser apreciados em termos de direito substantivo.
Neste sentido Veja-se Cândido de Pinho na Ob. citada a pag. 220 e seguinte.
No caso em apreço, nada resulta dos autos que permita concluir pela existência de indícios fortes da ilegalidade do recurso.

Destarte, embora nada resulte no sentido de não estar verificado o requisito da alínea c) do artº 121º do CPAC, sendo os indicados requisitos de verificação cumulativa, à míngua de dois deles impõe-se indeferir a requerida suspensão de eficácia do acto.

IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos indefere-se o pedido de suspensão de eficácia do acto.

Custas a cargo da Requerente fixando-se a taxa de justiça em 4Uc´s.

Registe e Notifique.

RAEM, 24 de Julho de 2023

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Ho Wai Neng
(1º Adjunto)

Chan Kuong Seng
(2º Adjunto)

Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador do Ministério Público)



1 Nesse sentido veja-se José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, Vol. II, anotações ao artº 120º, pág. 191.
2 VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Macau, CFJJ, 2015, p. 341.
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