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Processo nº 42/2023
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, apresentou no Tribunal Judicial de Base, recurso judicial – CV2-17-0032-CRJ – da decisão da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que concedeu o registo da marca com o n.° N/104347 para a “classe 43” à recorrida “B”, (ambas, sociedades comerciais com os restantes elementos dos autos), pedindo a sua revogação e que fosse determinada a recusa do registo da dita marca; (cfr., fls. 2 a 25-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, proferiu a Mma Juiz do Tribunal Judicial de Base sentença de 02.03.2022, julgando improcedente o apresentado recurso judicial; (cfr., fls. 266 a 274-v).

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Inconformada, a dita sociedade “A” recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 14.12.2022, (Proc. n.° 674/2022), confirmou a sentença recorrida; (cfr., fls. 353 a 374-v).

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Traz agora a mesma sociedade o presente recurso, alegando para produzir as conclusões seguintes:

“1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido em 14 de Dezembro de 2022 pelo Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ora Recorrente e que, consequentemente, confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base e, bem assim, a decisão do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico de Macau, nos termos da qual foi concedido a favor da Recorrida B, o registo da marca N/104347 (CROWNE PLAZA / WONG KUN (C.C.) / 皇冠) (a "Marca Recorrida");
2. Com o presente recurso pretende a ora Recorrente que a decisão recorrida - o acórdão proferido pelo venerando Tribunal de Segunda Instância que confirmou a sentença do Tribunal Judicial de Base - seja revertida, por entender que esta procedeu a uma errada interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, designadamente os artigos 214.° e 215.° do RJPI;
3. De facto, crê a Recorrente que a Marca Recorrida consubstancia imitação das marcas da Recorrente, o que constitui fundamento de recusa de registo, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 214.° e 215.° do RJPI;
4. Quanto à prioridade das Marcas da Recorrente, refira-se que o n.° 1 do artigo 15.° do RJPI determina quem detém prioridade, sendo indiscutível que as Marcas da Recorrente gozam de prioridade, porquanto todas elas foram pedidas e concedidas à Recorrente antes da apresentação do pedido de registo da Marca da Recorrida, ou seja, antes de 25 de Setembro de 2015, tal como, de resto, é confirmado pela Decisão Recorrida;
5. Por outro lado, a Marca Recorrida destina-se a assinalar serviços ou produtos afins ou idênticos às marcas da Recorrente, estando registadas para produtos e serviços relacionados, directa ou indirectamente, com a sua actividade e a das respectivas subsidiárias na RAEM, no âmbito do sector turístico, hoteleiro e do jogo, nomeadamente na classe 43 (anterior classe 42);
6. Com efeito, os serviços que a Marca da Recorrida se destina a assinalar coincidem, quase na totalidade, com os serviços assinalados pelas Marcas da Recorrente aqui referidas, encontrando-se, assim, relativamente a estas, preenchido o requisito da identidade de serviços;
7. Acresce que, para além da notória identidade entre os produtos e serviços que a Marca Recorrida pretende assinalar e os produtos e serviços assinalados pelas supra enunciadas marcas da Recorrente, as marcas da Recorrente encontram-se também registadas para produtos e serviços relacionados, directa ou indirectamente, com a sua actividade e a das respectivas subsidiárias na RAEM, nomeadamente no âmbito do sector turístico, hoteleiro e do jogo;
8. Donde resulta que a identidade ou afinidade de serviços com a Marca Recorrida não se verifica apenas relativamente às marcas registadas para a classe 43 (e anterior classe 42), mas também em relação a todas as que assinalem serviços de utilidade próxima e que sejam habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos;
9. É o que sucede, por exemplo, com as marcas Crown Towers, Crown Macau e Crown Casino para serviços integrados na classe 39 (em matéria de acompanhamento e transporte de viajantes, organização de excursões, organização de viagens, reservas de viagens, reservas de transportes e visitas guiadas) e, bem assim, para serviços integrados na classe 41 (serviços de jogo e casino, diversões; entretenimento, incluindo cinemas, teatros, clubes nocturnos, casinos; e instalações de entretenimento e recreio, providenciando instalações e organização e condução de conferências, congressos e seminários, apresentação de espectáculos ao vivo e ginásios; patrocínio e organização de serviços de entretenimento, incluindo exposições de arte, eventos e concursos desportivos, musicais, culturais e recreativos; organização de eventos e espectáculos desportivos, teatrais, musicais, culturais e recreativos);
10. Também em relação a estas se verifica a aludida identidade ou afinidade de serviços, pois estes serviços enquadram-se no mesmo sector de actividade e serão prestados nos mesmos circuitos comerciais que os serviços que a Recorrida pretende assinalar com a Marca Recorrida;
11. Cabe recordar que a Recorrida é uma sociedade sediada em Atlanta, nos Estados Unidos da América, que é operadora e franquiadora de várias cadeias de hotéis a nível internacional, pelo que, todos os serviços assinalados, quer pelas Marcas da Recorrente, quer pela Marca da Recorrida serão prestados precisamente nos mesmos circuitos de comercialização, e ao mesmo público consumidor, sendo que a ora Recorrente (e as suas subsidiárias na RAEM) e a Recorrida são concorrentes directas no sector turístico e hoteleiro;
12. No que diz respeito à possibilidade de indução do consumidor em erro ou risco de associação, negado pelo Tribunal de Segunda Instância, há que dizer, em primeiro lugar, que a diferença relativamente aos elementos acessórios ou descritivos das marcas não obsta a que estas sejam consideradas confundíveis entre si, dado que tais componentes genéricas ou descritivas são irrelevantes na análise da semelhança entre as marcas, uma vez que não comportam, em si, carácter distintivo - tal como é maioritariamente defendido e propugnado pela doutrina e jurisprudência sobre a matéria;
13. De facto, é importante salientar a este respeito que, não obstante ter citado vária jurisprudência do TSI para sustentar a sua posição, esse -mesmo venerando Tribunal, não destacou um acórdão do Tribunal de Última Instância que, a propósito de um conflito entre as mesmas partes e com um objecto extremamente semelhante ao dos presentes autos, foi decidido em sentido favorável à ora Recorrente - no âmbito do processo n.° 84/2016;
14. No referido acórdão, o TUI concluiu o seguinte: "O que fica retido no espírito dos consumidores chineses dos serviços em questão são os caracteres 皇冠, por estar em causa uma marca para serviços de hotelaria e restauração e similares. Já não seria assim se os caracteres mencionados, que significam, crown ou coroa, pretendessem ser marca para qualquer venda de crowns ou coroas.";
15. Crê a ora Recorrente que o supra referido acórdão pode ser aplicado ipsis verbis ao caso dos presentes autos;
16. Senão vejamos,
17. A Marca Recorrida é composta por uma expressão em língua inglesa e outra em língua e caracteres chineses, assim como as marcas da Recorrente, que também são compostas por expressões em língua inglesa e em língua e caracteres chineses;
18. Ora, atentando sobretudo na semelhança fonética e visual, nota-se, desde logo, que a Marca Recorrida Crowne Plaza 皇冠 reproduz a parte essencial das marcas 澳門皇冠 e 皇冠貴賓會, designadamente através da utilização dos caracteres 皇冠, que significam "crown", em inglês, ou "coroa", em português;
19. Da mesma forma, a expressão em inglês Crowne Plaza coincide com as marcas Crown, Crown Towers, Crown Macau, Crown Casino, Crown VIP Club, Crown Club e Crown Club Macau da Recorrente, quer em termos ideográficos e fonéticos, no seu elemento essencial, "CROWN", quer em chinês ("皇冠" ou "wong kun", que significa " crown" , em inglês, ou "coroa", em português), quer em inglês - "crown";
20. Ademais, o elemento "PLAZA" configura um mero elemento descritivo, completamente desprovido de capacidade distintiva de per si e, como tal, é insusceptível de protecção;
21. Acresce que o facto de a Marca Recorrida acrescentar a letra "E" ao elemento essencial "CROWN" é, nesta sede, perfeitamente irrelevante porquanto não lhe confere qualquer capacidade distintiva adicional;
22. A diferença existente quanto aos elementos acessórios ou descritivos das marcas não obsta a que estas sejam consideradas confundíveis entre si, dado que tais componentes genéricas ou descritivas são irrelevantes na análise da semelhança entre as marcas, uma vez que não comportam, em si, carácter distintivo, pois o elemento "皇冠" não só constitui manifestamente a parte leonina da marca da Recorrente - o seu verdadeiro coração - como se reveste, outrossim, de indiscutível eficácia identificativa;
23. E a referida eficácia distintiva resulta do facto de tal expressão não consubstanciar um sinal genérico, nem sequer um sinal descritivo do produto ou serviço, detendo, na verdade, natureza verdadeiramente fantasiosa, apta a distinguir a vasta gama de produtos e serviços que a Recorrente comercializa sob tais marcas, o que lhe confere capacidade distintiva forte;
24. Por outro lado, o facto de o elemento "Crown" ser o elemento distintivo fulcral na marca da Recorrente, por via do qual esta é uma marca notória e de prestígio na RAEM, fruto dos constantes esforços de publicidade e investimentos comerciais de divulgação e promoção da Recorrente, durante mais de uma década, confere-lhe capacidade distintiva adicional e, nessa medida, um âmbito mais alargado de protecção jurídica;
25. O elemento "皇冠" / "Crown" constitui o núcleo essencial e primacial das marcas da Recorrente, configurando a expressão que perdura na memória do consumidor médio;
26. Note-se que, o risco de confusão (e de associação) é tanto maior pelo facto de as Marcas da Recorrente deterem grande notoriedade e prestígio na RAEM, sendo conhecida e identificada por uma franja muito considerável de consumidores precisamente por aquela expressão - aliás, na maior parte das vezes é conhecida apenas por ela;
27. Acresce que é inegável a semelhança fonética e gráfica entre as marcas da Recorrente e a marca recorrida, dado que o núcleo destes sinais são exactamente iguais – CROWN /皇冠;
28. Sendo a Marca Recorrida e a maior parte das Marcas da Recorrente em confronto nominativas, haverá desde logo que atentar na sua semelhança fonética, donde resulta que as marcas em confronto apresentam tais semelhanças que induzirão facilmente o consumidor em erro ou confusão, tal é a similitude fonética entre elas;
29. A Marca Recorrida apresenta na sua caracterização elemento de referência alheio que é susceptível de gerar nos consumidores uma imediata e espontânea convicção de que se trata de uma marca pertencente à organização empresarial da Recorrente, ou do seu grupo de empresas, as quais utilizam na sua denominação a expressão "皇冠" / "Crown", única expressão pela qual, como supra se disse, na maior parte das vezes, a Recorrente é associada imediata e exclusivamente;
30. Ora, o registo do sinal distintivo a favor da Recorrente confere à mesma o direito de uso exclusivo sobre a expressão "皇冠" / " Crown", no respectivo âmbito de mercado, pelo que o registo da marca recorrida integrando tal expressão, logo em primeiro lugar, deixará esvaziado de conteúdo os direitos decorrentes do registo da Recorrente, sobretudo se tivermos em conta que Recorrente e Recorrida são concorrentes;
31. Contudo, a concessão da Marca Recorrida à B potencia o já elevadíssimo risco de o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, vir a confundir a Marca Recorrida com as Marcas da Recorrente, bem como a origem dos produtos ou serviços prestados ao abrigo das marcas em causa;
32. Mais, tal referenciação deceptiva torna a marca recorrida inábil a uma eficiente e verdadeira distinção no mercado, pois a recondução dos respectivos serviços à Recorrente será inevitável, será imediata e impossível de esclarecer;
33. Com efeito, analisando as marcas da Recorrente e a marca recorrida, existe a altíssima probabilidade de confusão por parte do consumidor em contratar com a Recorrida na convicção absoluta de que está a contratar com a Recorrente;
34. Além disso, tendo em conta que o elemento principal da Marca Recorrida é o mesmo que o das Marcas da Recorrente, existe também risco de associação com os serviços prestados pela Recorrente e pelas suas subsidiárias na RAEM.
35. Esta circunstância vem sendo considerada pela jurisprudência como fundamento de recusa de marca e, in casu, é de molde a fundamentar uma decisão de revogação do acórdão de que ora se recorre e, nesse sentido, que recuse o registo da Marca Recorrida;
36. Importa a este propósito recordar que a B é operadora e franqueadora de várias cadeias de hotéis alguns dos quais de uma gama ligeiramente inferior à dos hotéis detidos pela Recorrente um pouco por todo o mundo;
37. Assim, ao utilizar a palavra Crown / 皇冠, que é associada na RAEM exclusivamente aos serviços que foram prestados pela Recorrente, o público consumidor será naturalmente levado a crer que a unidade hoteleira da Recorrida em que se utiliza aqueles caracteres, é uma unidade operada no âmbito de um contrato de distribuição ou de outro qualquer tipo de relação comercial com a Recorrente. Sucede que, tal utilização pode também fazer parecer que se trata de um empreendimento da Recorrente dirigido a um público-alvo ligeiramente diferente, dentro do mesmo sector de mercado - o sector do turismo, hotelaria;
38. Em suma, uma análise atenta das marcas da Recorrente faz concluir, desde logo, que o elemento distintivo por excelência, o coração da marca, porque tem de per si capacidade de identificar e individualizar os produtos e serviços comercializados pela Recorrente e que, de facto, se constitui como o seu elemento essencial, quase exclusivo, é o sinal "Crown/皇冠";
39. De facto, do cotejo entre a Marca Recorrida e as marcas da Recorrente vemos que a tal sinal são acrescentados outros elementos, normalmente descritivos ou genéricos, que, apesar de isoladamente não serem susceptíveis de ter capacidade distintiva, em conjunto com o sinal "Crown", consubstanciam marcas aptas a identificar os produtos e serviços comercializados pela Recorrente.
40. É também essa a percepção do público seu consumidor quando confrontado com qualquer sinal distintivo composto dessa forma, ou seja, iniciado com o sinal "Crown/皇冠", na medida em que o público em questão irá imediata e automaticamente criar a convicção de que se trata de uma marca da Recorrente, dirigida à comercialização dos produtos e serviços daquela;
41. Ou seja, o sinal "Crown/皇冠" consubstancia, quase em exclusivo, o sinal que identifica os produtos e serviços disponibilizados pela Recorrente na RAEM, sendo como tal identificado e associado pela franja do público relevante como pertencendo à Recorrente, razão pela qual é tal sinal merecedor de especial tutela jurídica neste território;
42. É indesmentível que quando, na RAEM, surge um sinal distintivo nos moldes que caracterizam as marcas da Recorrente, i.e., iniciados pelo vocábulo "Crown/皇冠" e depois acompanhado de outros termos que desempenham funções descritivas ou genéricas, o público relevante associa imediatamente tais marcas à Recorrente;
43. Facto sustentado ainda pela circunstância de a firma da sociedade Recorrente ser composta pela expressão "Crown/皇冠" e, também por essa razão, ser conhecida na RAEM apenas e só por "CROWN";
44. Nesse sentido, note-se, em particular, que as marcas da Recorrente são compostas nesses moldes: 皇冠貴賓會; 澳門皇冠; Crown Macau; Crown Vip Club; Crown; Crown Towers; Crown Towers Macau; Crown Macau; Crown Casino Macau; Crown Casino and Hotel Macau; Crown VIP Club; Crown Global Resorts; Crown Club; Crown Club Macau;
45. O público-alvo, quando confrontado com estas marcas associa-as imediatamente à Recorrente, sobretudo porquanto esta tem vindo a desenvolver, há já largos anos, uma política de divulgação e promoção da sua imagem e marca na RAEM;
46. Ou seja, sendo introduzido um sinal na RAEM nestes termos, é manifesto que o público-alvo dos produtos e serviços a que tal marca se dirija associe instintivamente a marca "Crown Plaza 皇冠" à Recorrente, que é, sem margem para dúvidas, uma entidade de referência e que granjeia grande reputação no território;
47. Aqui chegados, resta isento de dúvidas que, permitindo-se o registo da Marca Recorrida, e contra o qual a ora Recorrente luta, a existência de confusão e associação entre a Marca Recorrida e as marcas da Recorrente é um dado adquirido;
48. Com efeito, a Marca Recorrida é uma marca composta nos mesmos termos em que as marcas da Recorrente são constituídas e, dessa forma, o modo pelo qual são conhecidas pelo público seu consumidor e pelo qual circulam no tráfego comercial e jurídico;
49. Pelas razões acima expostas, ter-se-á de concluir que existe um risco elevadíssimo de o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, vir a confundir a Marca Recorrida com as Marcas da Recorrente, bem como a origem dos produtos ou serviços prestados ao abrigo das marcas em causa;
50. Por outro lado, mesmo que o risco de indução do consumidor em erro ou confusão não se considerasse forte, em sentido estrito, o que não se concede e somente se admite por mero dever de patrocínio, é por demais evidente que o consumidor é sempre levado a associar a Marca Recorrida às marcas da Recorrente que contêm as expressões CROWN, prioritariamente registadas, e em cujas marcas aquelas expressões constituem o seu elemento quase exclusivo;
51. Com efeito, o consumidor médio que olha para a marca registada será levado a considerar que esta marca dirá respeito a produtos e/ou serviços comercializados pela Recorrente, ou seja, o consumidor médio poderá ser levado a considerar que se trata de um produto e/ou serviço que provém da mesma origem empresarial, com natureza, características e qualidade semelhantes, até porque os produtos e/ou serviços se situam, em ambos os casos, num patamar de excelência;
52. Ora, do que se vê, o entendimento do Tribunal Judicial de Base e, bem assim, do Tribunal de Segunda Instância não se encontra em consonância com o entendimento doutrinal e jurisprudencial dominante, pois na verdade existe um risco elevadíssimo de o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, vir a confundir a Marca da Recorrida com as marcas da Recorrente, bem como a origem dos produtos ou serviços prestados ao abrigo das marcas em causa;
53. Em suma, na modesta opinião da ora Recorrente crê ser evidente e indiscutível a confusão existente entre as suas marcas e a Marca Recorrida, pelo que se encontram preenchidos os pressupostos para a recusa da Marca da Recorrida, por consubstanciar reprodução ou imitação de marca registada anterior, nos termos do n.° 2 do artigo 214.° do RJPI;
54. Além disso, e contrariamente à decisão recorrida, crê a ora Recorrente que a Marca Recorrida constitui ainda reprodução de marcas notórias e de prestígio na RAEM registadas a favor da Recorrente;
55. Com efeito, apesar de hoje em dia a Recorrente já não estar juridicamente associada aos reputados empreendimentos do grupo "C", certo é que, durante vários anos, as marcas da Recorrente estiveram intimamente associadas ao hoje designado [Hotel(1)] e ao complexo "D", ao ponto de ainda aos dias de hoje serem identificados como o hotel "Crown";
56. De resto, a presença das marcas da Recorrente e, em particular, do vocábulo "Crown" pelo qual aquelas são sobejamente reconhecidas, tinha uma indiscutível e literal visibilidade quer no Cotai, onde no topo de uma das torres se via sob a forma de anúncio luminoso a palavra "Crown", quer na baixa da Taipa onde a mesma palavra iluminava destacadamente o hoje [Hotel(1)];
57. Além disso, para a prova do prestígio e notoriedade das marcas da Recorrente, convém recordar que a Recorrente e as suas antigas subsidiárias na RAEM realizaram múltiplas campanhas publicitárias em vários meios de comunicação, incluindo a televisão e o cinema, como é o caso, por exemplo, o spot publicitário divulgado aquando da abertura do Crown Macau, que contou com a participação do conhecidíssimo actor de Hong Kong, E;
58. Também o complexo D, em que se situava o hotel e casino Crown Towers, foi publicitado com grande intensidade através de distribuição de materiais publicitários, anúncios em transportes e locais públicos, anúncios na imprensa escrita e através de meios audiovisuais. A cerimónia de inauguração do referido complexo atraiu um grande número de pessoas, contou com a presença de várias celebridades e um grande espectáculo de fogo de artifício;
59. A abertura do então C Crown [Hotel(2)] contou com a presença de celebridades a nível mundial, tendo sido publicitado de forma intensa nos media de Macau e dos países e regiões mais próximas (Hong Kong, China Continental, Filipinas, E.U.A, etc);
60. Ademais, os meios de comunicação social de Macau e internacionais também dedicaram bastante atenção aos projectos de que a Recorrente foi co-responsável em Macau, e em que foram utilizadas as Marcas da Recorrente;
61. Acresce que as Marcas da Recorrente ainda se encontram associadas à qualidade dos serviços prestados nos empreendimentos acima referidos, reputação essa que sobretudo se formou aquando da abertura do então Crown Macau;
62. Tal reputação decorre também do prestígio internacional das Marcas da Recorrente, nomeadamente do empreendimento de luxo que a Recorrente opera em Melbourne;
63. Por tudo isto, as Marcas da Recorrente são sobejamente conhecidas pelo público-alvo dos serviços então prestados pelas subsidiárias da Recorrente e imediatamente associadas a estes;
64. Porém, com base em tudo o que acima se descreveu relativamente ao carácter célebre das Marcas da Recorrente, resulta claro que não é apenas o público-alvo dos serviços prestados pela Recorrente que imediatamente reconhece as respectivas marcas e as associa a tais serviços. A verdade é que a generalidade dos consumidores reconhece as marcas da Recorrente, o que as torna, não só marcas notórias, como igualmente marcas de prestígio, nos termos das alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 214.° do RJPI;
65. Conforme acima se referiu, a celebridade de que gozam as marcas da Recorrente decorre, em grande parte, da actividade de promoção das mesmas levada a cabo pela Recorrente e pelas suas então subsidiárias, o que envolveu gastos anuais de vários milhões de patacas. Por esta razão, a reprodução das marcas da Recorrente pela Marca Recorrida constitui também um aproveitamento indevido desse esforço de promoção, bem como dos gastos realizados pelas subsidiárias da Recorrente na prestação e promoção dos seus serviços de elevada qualidade;
66. Pelo que, estão preenchidos os pressupostos para a recusa da Marcada Recorrida, por reproduzir marcas notórias e também de prestígio, independentemente do tipo de serviços a que se destinem, nos termos das acima citadas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 214.° do RJPI;
67. Finalmente, sob o fundamento da concorrência desleal, entendeu o venerando Tribunal de Segunda Instância - na esteira do Tribunal Judicial de Base - não se estar perante um acto de concorrência desleal ao permitir-se o registo e a consequente utilização da Marca Recorrida - mal na opinião da Recorrente;
68. Na verdade, o registo da Marca Recorrida e a consequente utilização da mesma pela B, suas subsidiárias, ou ao abrigo de relações comerciais de qualquer tipo, nomeadamente em actividades de promoção e marketing dos seus serviços, constitui um acto de concorrência desleal, ao abrigo da alínea c) do n.° 1 do Artigo 9.° do RJPI;
69. Ainda, nos termos dos artigos 156.° e ss. do Código Comercial e, em especial, do disposto nos artigos 158.° e 159.° daquele diploma legal, constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica, nomeadamente os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, sendo que é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática comercial o risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço;
70. Ora, tendo em conta que quer a Recorrente e as suas subsidiárias quer a B operam nos mesmos circuitos, partilhando o público-alvo, e dirigem-se ao mesmo tipo de clientela, cuja preferência pretendem captar, bem como a identidade acima demonstrada entre os serviços a que se destinam por um lado a Marca Recorrida e por outro as marcas da Recorrente, não restam dúvidas que as entidades em causa serão concorrentes directas na RAEM;
71. Assim, o registo da Marca Recorrida na RAEM constitui um acto de concorrência contrário às normas e usos honestos, porquanto através do referido registo, a ora Recorrida está a fazer um aproveitamento indevido da reputação empresarial da Recorrente em benefício de si própria e de qualquer entidade que venha a utilizar tal marca na RAEM, visto que esta é em tudo semelhante às Marcas da Recorrente;
72. A ora Recorrente e as suas subsidiárias despenderam e despendem anualmente somas avultadas na promoção dos seus produtos, serviços e marcas, em Macau e a nível internacional, não sendo razoável que os serviços prestados pela B venham a beneficiar dessa mesma publicidade e promoção;
73. Nessa medida, a Recorrente não deseja ver as suas marcas associadas a uma concorrente, como é o caso da B;
74. Ademais, como acima se demonstrou, existe um forte risco de confusão e de associação entre a Marca Recorrida e as Marcas da Recorrente. Essa circunstância é idónea a interferir na posição concorrencial dos agentes económicos, assim como nas opções dos consumidores, podendo mesmo efectivamente conduzir a um desvio de clientela. A qualificação do referido acto como concorrência desleal encontra suporte na jurisprudência portuguesa;
75. Ora, havendo, como se disse, o receio de se vir a verificar confusão entre as marcas em oposição e respectivos produtos, são pois possíveis actuações menos correctas por parte da concorrente (a recorrida) que poderá aproveitar-se do prestígio alcançado pela marca "CC" ainda que não haja intenção de prejudicar a proprietária da marca, pois como se viu, a mera possibilidade de concorrência desleal põe em causa a validade do registo, consoante atrás se referiu;
76. Estão, portanto, reunidos todos os pressupostos para a recusa do pedido de registo de marca por constituir um acto de concorrência desleal, que constitui um fundamento geral de recusa, nos termos previstos na alínea c) do n.° 1 do artigo 9.° do RJPI.
77. Assim, face à imitação das suas marcas e manifesto risco de associação com aquelas, a ora Recorrente é séria e gravemente prejudicada, sobretudo tendo em conta a diluição do poder impressivo das suas marcas na RAEM, devendo ser recusado o registo da marca registanda, mediante a revogação do Acórdão recorrido.
78. Por último, a ora Recorrente não pode deixar de apelar a este venerando Tribunal de Última Instância que, em consonância com o referido Acórdão proferido no âmbito do processo n.° 84/2016, decida de modo favorável à ora Recorrente, dado que existe entre as mesmas partes e sobre um objecto bastante semelhante - para não dizer igual - caso julgado”; (cfr., fls. 385 a 408).

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Respondendo, diz a recorrida “B” o que segue:

“1.ª A Recorrente requer que o Venerando Tribunal ad quem julgue o seu recurso jurisdicional procedente e em consequência revogue o douto Acórdão recorrido determinando-se a recusa do registo da marca número N/104347, para a classe 43, porquanto: a) é uma reprodução de marcas anteriormente registadas por outrem para serviços afins e poderá induzir em erro ou confusão o público, o que constitui fundamento geral de recusa, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 214.° do RJPI; b) constitui reprodução de marcas notórias e de prestígio da Recorrente, o que constitui fundamento de recusa, nos termos das alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 214.° do RJPI e c) constitui um meio idóneo para criar confusão com os serviços associados às marcas da Recorrente, podendo ainda resultar num aproveitamento indevido da reputação dos serviços associados à marca da Recorrente em favor da Recorrida, o que constitui fundamento geral de recusa nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 9.° do RJPI, isto é, pretende que sejam reapreciados os argumentos esgrimidos em sede da Reclamação e em sede do recurso judicial.
2.ª A Recorrente, em sede de recurso jurisdicional para o TSI, não impugnou a matéria de facto dada por provada pelo TJB, e, consequentemente, fixada que se mostra a mesma pelas Instâncias, não pode a Recorrente pedir ao Venerando Tribunal ad quem que seja apreciada a notoriedade e o prestígio das suas marcas, pelo que, o objecto do presente recurso passa pela verificação dos requisitos de dois fundamentos de recusa alegados pela Recorrente: (i) o previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 214.° e (ii) o mencionado na alínea c) do n.° 1 do art.° 9.°, ambos do RJPI.
3.ª A Recorrida limita a sua intervenção nesta sede recursotória à questão da coexistência das marcas das partes (Recorrente e Recorrida), uma vez que subscreve o Despacho de concessão da DSEDT de 26 de Abril de 2017, acolhido pela Sentença do TJB de 2 de Março de 2022 e pelo douto Acórdão do TSI de 14 de Dezembro de 2022, ora em impugnação, que considera que não se verificam os requisitos dos dois mencionados fundamentos de recusa.
4.ª A Recorrida apresenta no texto das presentes Alegações uma informação actual sobre as marcas da Recorrida que integram os sinais "CROWNE PLAZA" e "皇冠", que se encontram validamente registadas em Macau e aqui delas é feita uma utilização séria, de onde se extrai que é incontornável a conclusão de que tais marcas coexistem com as marcas da Recorrente que integram os sinais "CROWN" e "皇冠" e, assim, essa Alta Instância pode apreciar a afirmação da Recorrida no sentido de que "não é perceptível a razão de ser do presente recurso".
5.ª A marca nominativa em apreciação no presente processo é uma variante da marca mista ,cujo elemento nominativo é integrado pelas expressões inglesa e chinesa CROWNE PLAZA/HOTELS & RESORTS /皇冠假日酒店及度假村, que se encontra registada em Macau, em nome da Recorrida, sob o n.° N/118538, para serviços da classe 43, concedida por despacho de 11 de Dezembro de 2018 e pese o facto de ter havido oposição na fase administrativa, a decisão da sua concessão não foi impugnada judicialmente, o que demonstra que a Recorrente aceita a coexistência das marcas de que são titulares Recorrente e Recorrida que integram os sinais "CROWN", "CROWNE PLAZA" e "皇冠"; aqui, também, se identifica uma razão para a Recorrida afirmar que não é perceptível a motivação da Recorrente para a interposição do presente recurso.
6.ª Como se fez consignar na fundamentação do Despacho de concessão da DSEDT de 26 de Abril de 2017, despacho esse que foi acolhido na íntegra pelo Tribunal de Primeira Instância e pelo Tribunal de Segunda Instância, ora Tribunal a quo, "(…) A Reclamante não pode pretender que a marca registanda mantenha em relação a si uma maior distância do que aquela que observou relativamente a outras marcas contendo aquelas expressões e que coexistem na mesma classe".
7.ª Pese o facto de a questão fulcral a ser apreciada pelo Venerando Tribunal ad quem resida na "semelhança entre sinais" que compõem as marcas em confronto e na constatação da coexistência das marcas no Mercado da RAEM, interessa fazer uma pequena ressalva quanto às datas em que os sinais "CROWNE" (da Recorrida), "CROWN" (da Recorrente) e "皇冠" (de ambas) foram apresentados a registo em Macau, uma vez que o TJB na sua factualidade, expressamente, indicou as datas a partir das quais cada uma das marcas se encontra registada e não as datas em que as mesmas foram apresentados a registo.
8.ª Os sinais "CROWNE PLAZA", que integram a marca HOLIDAY INN CROWNE PLAZA, da titularidade da aqui Recorrida, com o n.° P/10425, para serviços da classe 42, foram apresentados para registo em Macau, pela Recorrida, em primeiro lugar, isto é, a mencionada marca foi requerida em 03-08-1990 junto do INPI, deu entrada na DSEDT em 16-1-1991, o aviso foi publicado em 13-05-1991 e o registo foi concedido em 7-11-1997.
9.ª A marca 皇冠假日酒店 da Recorrida, que corresponde à expressão inglesa "CROWNE PLAZA", com o n.° P/10655, para serviços da classe 42, foi requerida em 04-12-1990 junto do INPI, deu entrada na DSEDT em 11-2-1991, o aviso foi publicado em 2-09-1991 e o registo foi concedido em 10-10-1997.
10.ª O sinal "CROWN", que, por si só, é uma marca da Recorrente e integra outras marcas suas, foi apresentado em Macau, pela primeira vez, em 07-02-1996, tendo sido reivindicada a prioridade internacional com base em pedido idêntico formulado em Hong Kong em 26-10-1995, para serviços das classes 39, 41, 42 e veio a ser concedida em 16-7-1996.
11.ª A primeira marca da Recorrente contendo a expressão chinesa 澳門 (que integra a marca 澳門皇冠, que tomou os n.°s N/18553 a N/18555, para as classes 39, 41, 42) foi apresentada em 05-09-2005 e concedida em 25-02-2008.
12.ª O douto Acórdão dessa Alta Instância proferido no âmbito do Processo n.° 84/2016 a que a Recorrente faz um apelo - como se estivesse em causa uma excepção dilatória de "caso julgado" - representa uma situação de caso julgado formal que, unicamente, tem força no processo onde foi explicitada a decisão, pelo que, no modesto entendimento da Recorrida, não tem que ser suscitada neste processo”; (cfr., fls. 415 a 446).

*

Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base (e Tribunal de Segunda Instância) foram considerados como provados os factos seguintes:

“A) Em 25 de Setembro de 2015, a parte contrária apresentou o pedido de registo junto da DSEDT da marca que tomou o n.° N/104347, para serviços da classe 43, quais sejam, "restaurantes; agência de alojamento (hotéis, pensões e pensões); preparação de banquetes; cafés; restaurantes; aluguer de alojamento temporário; reserva de pensão; serviço de bar; reserva de alojamento temporário; aluguer de sala de conferências; casas de repouso; creches (creche); acolhimento de animais; aluguer de cadeiras, mesas, toalhas de mesa e copos; aluguer de equipamento de cozinha; aluguer de bebedouros; aluguer de equipamento de iluminação" (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
B) A marca a registar consiste em “”.
C) Em 16 de Novembro de 2015, a parte contrária apresentou reclamação à ex-DSE, tendo invocado e juntado documentos para prova do direito de prioridade (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
D) O pedido acima referido foi publicado no Boletim Oficial, II Série, n.° 1/2016, de 6 de Janeiro de 2016.
E) Em 8 de Março de 2016, a requerente da marca apresentou a contestação à reclamação e documentos relativos à ex-DSE (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
F) Em 15 de Março de 2016, a recorrente apresentou um requerimento à ex-DSEDT (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
G) Em 23 de Março de 2016, a ex-DSE notificou a parte contrária da impugnação à sua reclamação (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
H) Em 25 de Abril de 2016, a parte contrária apresentou contestação à ex-DSE (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
I) Em 28 de Abril de 2016, a ex-DSE notificou a requerente desta contestação (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
J) Em 26 de Abril de 2017, a entidade recorrida emitiu o despacho concordando com a número: 134/DPI, com o conteúdo do relatório, número de aprovação: N/104347 Pedido de registo de marcas (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
K) O despacho de concessão do registo foi publicado no B.O., II Série, n.° 20/2007, de 17 de Maio de 2017 (constante do processo administrativo e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido).
L) Em 16 de Junho de 2017, a requerente interpôs este recurso judicial para este tribunal (ver fls. 2 dos presentes autos).
M) A recorrente é titular das seguintes marcas registadas:
No. da Marca
Imagem da Marca
No. da Classe
Data do Registo
Validade até
N/18553 a N/18555

39,41,42
2008-02-25
2022-02-25
N/28654 a N/28657

35,39,41,43
2008-02-25
2022-02-25
N/106 a N/108

39,41,42
1996-07-16
2024-02-07
N/29803 a N/29824

16,17,20,21,22,24,25,26,28,29,30,32,33,34,35,36,37,38,40,42,44,45
2008-02-25
2022-02-25
N/109 e N/110

39,41
1996-07-16
2024-02-07
N/29849 a N/29872

16,17,18,20,21,22,24,25,26,27,28,29,30,32,33,34,35,36,37,38,40,42,44,45
2008-02-25
2022-02-25
N/100332 a N/100336

3,6,8,9,14
2015-12-11
2022-12-11
N/100337 a N/100367

3,6,8,9,14,16,17,18,20,21,22,24,25,26,27,28,29,30,32,33,35,36,37,38,39,40,41,42,43,44,45
2015-12-11
2022-12-11
N/17832 e N/17833

39,41
2005-11-09 e 2008-02-25
2026-11-09 e 2022-02-25
N/17829 e N/17830

39,41
2005-11-09 e 2008-02-25
2026-11-09 e 2022-02-25
N/29825 a N/29848

16,17,18,20,21,22,24,25,26,27,28,29,30,32,33,34,35,36,37,38,40,42,44,45
2008-02-25
2022-02-25
N/17835 e N/17836

39,41
2008-05-26
2022-05-26
N/17838 e N/17839

39,41
2008-05-26
2022-05-26
N/28658 a N/28661

35,39,41,43
2008-02-25
2022-02-25
N/22592 e N/22593

41,43
2008-02-25
2022-02-25
N/22598 e N/22599

41,43
2008-02-25
2022-02-25
N/28244 a N/28247

35,39,41,43
2008-02-25
2022-02-25
N/100426 a N/100456

3,6,8,9,14,16,17,18,20,21,22,24,25,26,27,28,29,30,32,33,35,36,37,38,39,40,41,42,43,44,45
2015-12-11
2022-12-11

N) A parte contrária é titular das seguintes marcas registadas:
No. da Marca
Imagem da Marca
No. da Classe
Data do Registo
Validade até
P/10655

42
1997-10-10
2028-10-10
P/10425

42
1997-11-07
2028-11-07
N/21598

42
2008-02-25
2029-02-25
N/55883

43
2016-04-28
2023-04-28
N/84408

43
2016-04-28
2023-04-28
N/84409

43
2016-07-13
2023-07-13
”; (cfr., fls. 266-v a 268-v e 365 a 367 com tradução nossa).

Do direito

3. Pela sociedade “A” vem interposto o presente recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 14.12.2022, (Proc. n.° 674/2022), que negou provimento ao seu anterior recurso que interpôs da sentença do Tribunal Judicial de Base com a qual se confirmou a decisão de concessão do registo da marca “”, com o n.° N/104347, para a “classe 43”, à “B”, ora recorrida.

Na decisão em questão, e na parte que agora releva, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“Analisado a douta sentença que antecede, louvamos a acertada e perspicaz decisão com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC e, em consequência, negamos provimento ao recurso.
Na verdade, a questão suscitada neste recurso não é nova, tendo sido já apreciada em vários processos congéneres neste TSI.
A título exemplificativo, temos o Acórdão do Processo n.º 963/2017, deste TSI, em que se referiu o seguinte:
“Sucede, e tal como o concluiu a sentença recorrida, que a única semelhança se situa no vocábulo “Crown”. Mas, quanto ao resto, as diferenças são assinaláveis. Começa pela adição da palavra “Towers” e pelo símbolo figurativo representativo de uma coroa real, e todos estes elementos colocados no interior de uma elipse, o que contrasta com os sinais marcários de Crown Plaza, hotels and resorts.
Há, portanto, dissemelhança de elementos bastante, salvo no nominativo referido, mas que, no conjunto dos restantes, acaba, no caso concreto, por se diluir e não apresentar o perigo de provocar confusão.
Alias, não faz sentido que a recorrida particular não possa registar esta marca “Crown Towers”, por causa, precisamente, da palavra “Crown”, se ela mesma já registadas na RAEM inúmeras marcas, com a inclusão do mesmo vocábulo “Crown”, isto sem esquecer que até já possui outras com os mesmos dizeres associados “Crown Towers”, ainda que para produtos da classe 42, e de que também é titular de outra “Crown Club”, muito parecida com aquela que agora está em discussão, e também para produtos da classe 43.
Enfim, sem necessidade de mais delongas, somos a concluir que não existe aqui o risco, por parte da recorrida, de reprodução, imitação ou tradução de marcas da recorrente e, consequentemente, de confusão.
Quanto a este aspecto, então, somos a pensar que o recurso não pode proceder.”

No mesmo sentido, decidiu-se no âmbito do Processo n.º 931/2017, deste TSI:
“A questão fundamental do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a marca registanda (N/100454) é ou não uma marca que imita, ou reproduz, ainda parcialmente, as marcas da ora Recorrente.
Olhamos para a marca registanda, o que sobressai desde logo à vista é a palavra inglesa “Crown”.
As marcas registadas a favor da ora Recorrente têm a palavra semelhante “Crowne”.
Não temos qualquer dúvida de que aquelas duas palavras constituem parte essencial tanto da marca registanda como das marcas já registadas da ora Recorrente.
Será que esta semelhança é suficiente para concluir pela existência da imitação ou reprodução da marca já registada da Recorrente?
Como é sabido, coexistem na RAEM as marcas de “Crown” e “Crowne”, ambos em chinês “皇冠”, registadas a favor da ora Recorrida e da ora Recorrente, respectivamente, para assinalarem as mesmas espécies de produtos e serviços, ou afins.
Nesta medida, a simplesmente semelhança entre as palavras inglesas “Crown” e “Crowne” deixa de constituir imitação ou reprodução das marcas registadas a favor da ora Recorrente por parte da ora Recorrida.
No mesmo sentido, veja-se os Acs. deste Tribunal, de 14/05/2015 e de 23/06/2016, proferidos nos Procs. nº 239/2015 e 860/2015, respectivamente.
Também não se verifica qualquer situação de concorrência desleal, visto que a ora Recorrida já é titular da marca registada “Crown Global Resorts” para assinalar os serviços e produtos de classe 35, 39, 31 e 43.
Ora, a marca registanda “Crown Resorts” é composta por sinais quase idênticos a da marca registada supra referida.
Face ao expendido, o recurso não deixará de se julgar improcedente.”

Também no recente Acórdão deste TSI, no Processo n.º 109/2018, abordou-se a questão e pronunciou-se no mesmo sentido:
“Como é sabido, coexistem na RAEM as marcas de “Crown” e “Crown Plaza”, ambos em chinês “皇冠”, registadas a favor da ora Recorrida e da ora Recorrente, respectivamente.
Como se vê, aquelas duas palavras chinesas não são de uso exclusivo da ora Recorrente, pois a ora Recorrida, na qualidade de titular das marcas registadas Crowne Plaza e 皇冠假日酒店, também tem o direito de usá-las.
Nesta medida, não se pode, simplesmente com base no uso daquelas duas palavras chinesas, concluir pela existência da imitação ou reprodução das marcas registadas a favor da ora Recorrente por parte da ora Recorrida.
No mesmo sentido, veja-se os Acs. deste Tribunal, de 14/05/2015 e de 23/06/2016, proferidos nos Procs. nº 239/2015 e 860/2015, respectivamente.
Temos assim de analisar os restantes elementos que compõem a marca registanda.
Além dos dois caracteres chineses “皇冠”, a marca registanda apresenta mais palavras chinesas “假日度假酒店”.
Estas palavras chineses não têm qualquer coincidência ou semelhança, quer fonética, quer gráfica, quer nominativa, quer ideológica, com os demais elementos componentes das marcas registadas da ora Recorrente.
Ora, não podendo a partir do simples uso das palavras “皇冠” para afirmar a existência da situação de imitação ou reprodução e não tendo os restantes elementos componentes da marca registanda qualquer coincidência ou semelhança com os das marcas registadas da ora Recorrente.
Além disso, também não se verifica qualquer situação de concorrência desleal.”

Acompanhando as razões constantes dos doutos arestos acima expostos, sem necessidade de delongas considerações, nega-se provimento ao recurso.
(…)”; (cfr., fls. 372 a 374-v).

Ponderando e reflectindo sobre o “decidido” assim como no pela ora recorrente e recorrida “alegado” e “concluído”, e cabendo-nos emitir pronúncia sobre as “pretensões” que nos vem trazidas, vejamos.

Pois bem, esta Instância tem sido chamada a decidir “questões análogas” à agora colocada (relacionada com o “direito de registo de uma marca”), e, como já tivemos oportunidade de considerar, em causa estando uma questão de “Direito da Propriedade Industrial” (em grande parte) regulada pelo D.L. n.° 97/99/M que aprovou o “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, (R.J.P.I.), útil se mostra de atentar que em sede do seu preâmbulo se consignou que:

“A propriedade industrial é assumida, no mundo contemporâneo, como um factor fundamental de promoção do desenvolvimento económico.
Efectivamente, ela contribui de forma decisiva para o estímulo da actividade inventiva, uma vez que, face à considerável mobilização de recursos que a investigação tecnológica implica, só a protecção assegurada pelo sistema da propriedade industrial tende a garantir a compensação económica adequada aos investimentos efectuados na busca de novos produtos e de novos processos.
Por outro lado, a propriedade industrial constitui um factor favorável à transferência de tecnologia, na medida em que os detentores de conhecimentos tecnológicos, no exterior, estarão muito mais abertos a efectuar essa transferência se existir em Macau um adequado sistema de protecção dos seus direitos de exclusividade sobre essa tecnologia.
(…)
Quanto às marcas e outros sinais distintivos, a sua importância também não pode ser contestada: elas tendem a garantir a identificação do produto com o produtor, significando essa identificação uma determinada garantia de qualidade ou de origem e, consequentemente, criam a segurança na manutenção das qualidades e características do produto. Estes sinais distintivos contêm em si, portanto, um factor muito relevante de estímulo à diferenciação das empresas pela qualidade e uma fonte de segurança dos consumidores.
(…)”.

Por sua vez, importa ter presente que nos termos do art. 1° deste referido R.J.P.I.:

“O presente diploma regula a atribuição de direitos de propriedade industrial sobre as invenções e sobre as demais criações e os sinais distintivos nele previstos, tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção da criatividade e do desenvolvimento tecnológicos, da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores”.

Daí que se diga que a “Propriedade Industrial” seja a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.

Cabendo-nos agora apreciar de um reclamado (direito de) “registo de uma marca”, e decidir se (mais) acertada foi – no caso – a sua “concessão”, (ou se se devia antes decidir pela sua “recusa”), vejamos que solução adoptar.

Nos termos do art. 197° do aludido R.J.P.I.: “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.

E, assim, não obstante de um ponto de vista “económico”, a uma marca caiba essencialmente desempenhar as funções de “indicação da origem” dos produtos ou serviços, de “garantia de qualidade” e ainda a função “publicitária”, (cfr., v.g., Luís M. Couto Gonçalves in, “Direitos de Marcas”, pág. 15), atento ao preceituado no referido art. 197° é de se concluir que a “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, devendo assim ser entendida como “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”; (cfr., v.g., O. Ascensão in, “Direito Comercial”, Vol. II, “Direito Industrial”, pág. 139, assim como, entre outros, os Acs. deste T.U.I. de 18.11.2020, Proc. n.° 174/2020, de 21.04.2021, Proc. n.° 42/2021, de 28.01.2022, Proc. n.° 159/2021, de 02.03.2022, Proc. n.° 3/2022, de 18.05.2022, Proc. n.° 48/2022, de 17.06.2022, Proc. n.° 49/2022, de 19.04.2023, Proc. n.° 129/2022 e de 26.04.2023, Proc. n.° 172/2020).

Por sua vez, (em face da “natureza” da questão a tratar), importa aqui atentar, especialmente, no estatuído no art. 214° do dito R.J.P.I., onde se preceitua que:

“1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) Medalhas de fantasia ou desenhos susceptíveis de confusão com as condecorações oficiais ou com as medalhas e recompensas concedidas em concursos e exposições oficiais;
d) Brasões ou insígnias heráldicas, medalhas, condecorações, apelidos, títulos e distinções honoríficas a que o requerente não tenha direito, ou, quando o tenha, se daí resultar o desrespeito e o desprestígio de semelhante sinal;
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) Sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial.
3. O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.
4. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea b) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa.
5. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea c) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo para os produtos ou serviços que lhe deram grande prestígio, ou o faça simultaneamente com a reclamação”.

E pronunciando-se sobre “questão idêntica” à ora em apreciação, igualmente já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de considerar (nomeadamente) que:

“(…)
A marca é um dos direitos de propriedade industrial.
O direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei [artigo 5.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI)].
(…)
A marca destina-se a distinguir produtos ou serviços. Sendo ela “… um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Como se sabe, vigora em matéria de marcas o princípio da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
(…)
Como explica FERRER CORREIA2 “A marca não pode, portanto, ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado. Mas não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins, nessa conformidade tendo substituído ao sistema do registo por classes o sistema de registo por produtos”.
(…)
Na lição de FERRER CORREIA3 “… a imitação de uma marca por outra existirá, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”.
Relembra CARLOS OLAVO4 que, da constatação de que a comparação das marcas não é simultânea, mas sucessiva, decorrem os seguintes corolários, “Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam.
Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam”.
Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas5”; (cfr., v.g., os Acs. de 20.05.2015, Proc. n.° 19/2015, de 23.10.2015, Proc. n.° 64/2015, de 07.02.2017, Proc. n.° 77/2016, de 27.09.2018, Proc. n.° 36/2018, de 19.06.2019, Proc. n.° 130/2014, de 19.07.2019, Proc. n.° 42/2015, de 18.09.2019, Proc. n.° 84/2016, de 28.01.2022, Proc. n.° 159/2021, de 17.06.2022, Proc. n.° 49/2022, de 19.04.2023, Proc. n.° 129/2022 e de 03.05.2023, Proc. n.° 16/2023).

No fundo, e como igualmente já tivemos oportunidade de consignar:

“A marca não pode ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada.
O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido pela possibilidade de confusão de uma com outra no mercado.
(…)
A imitação de uma marca por outra existirá quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas também existirá quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.
Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos.
Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista, (em regra), as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo.
Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”; (cfr., v.g., os Acs. de 31.07.2020, Proc. n.° 9/2018, de 09.09.2020, Proc. n.° 64/2019, de 18.11.2020, Proc. n.° 174/2020, de 28.01.2022, Proc. n.° 159/2021 e de 17.06.2022, Proc. n.° 49/2022).

Atento o que até aqui se deixou exposto, assim como a “matéria de facto dada como provada”, (e adiantando-se, desde já, que na sua apreciação, intervém, sempre, algum subjectivismo), quid iuris?

Ora, como vem referenciado no Acórdão ora impugnado, o “litígio” que opõe a ora recorrente e recorrida não constitui propriamente uma “novidade”, e foi já por diversas vezes objecto de apreciação e decisão no Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância; (cfr., entre outros, os Acs. de 12.10.2017, Proc. n.° 239/2015, de 01.02.2018, Proc. n.° 689/2017, de 08.02.2018, Proc. n.° 441/2015, de 23.05.2019, Proc. n.° 109/2018 e de 12.09.2019, Proc. n.° 931/2017).

Afigura-se-nos de aqui realçar a ponderação que se efectuou no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 12.10.2017, (Proc. n.° 239/2015), cujo excerto que se passa a transcrever, merece, em nossa opinião, atenta e especial reflexão.

Nesse Acórdão, (onde figurava como recorrente e recorrida as mesmas sociedades dos presentes autos, e em que a recorrente se batia contra a concessão da marca “Crown Great Hall”, para a classe 43, à ora recorrida), consignou-se (especialmente) o seguinte:

“E sabemos também que entre algumas marcas da recorrente e a registanda, também avistamos a identidade parcial dos caracteres, em especial os dois primeiros 皇冠, precisamente aqueles que visam destacar as palavras Crown ou Crowne, pois que foneticamente não se detectam variações entre elas (ainda que a segunda, além de não existir no léxico inglês, também pareça não ter nenhum especial significado).
Verdade seja dita que, na sua compleição holística – e servindo-nos agora da versão inglesa –, “Crown Great Hall” não é a mesma coisa que 皇冠貴賓會 (“Crown VIP Club” ou “Wong Kun Kuai Pan Wui”), ou que “Crown Global Resorts”, por exemplo.
Mas, geralmente, o que conta mesmo é o elemento essencial, aquele que pode destacar-se dos demais, de forma a individualizar o sentido da marca e a estabelecer a sua correlação com o seu titular. Será até por isso que, por exemplo, a titular da “Mercedes” provavelmente jamais permitirá, segundo cremos, que outrem utilize uma marca do género “Mercedes Refrigerators”. Por mais complexa que seja uma marca, por mais sinais gráficos de que ela se sirva (palavras, letras, linhas cores, desenhos, etc.) o que se destacará será sempre o seu elemento primordial, aquele à volta do qual gira tudo o resto, e ao qual se dá o enfoque distintivo, de maneira a sobre ele, dele ou por causa dele se capte a atenção do consumidor médio6.
Contudo, o “elemento essencial” nem sempre é singular, antes é por vezes composto de mais do que um sinal (plural, portanto). A análise da confusão deve ter, nesses casos, essa pluralidade em consideração.
Quando a lei quer evitar a confusão de marcas, não está senão a pensar na semelhança, na parecença, nos pontos comuns ou de contacto e, portanto, na primeira impressão ou na impressão do momento que se colhe de uma e doutra, mais do que nas suas dissemelhanças. E isso tanto irá depender do aspecto gráfico, nominativo, figurativo como também do fonético dos seus elementos (art. 215º, nº1, al. c), RJPI). Por essa razão, o juiz, para avaliar da eventual afinidade, não deve colocar as marcas uma ao lado da outra, mas examiná-las em tempos sucessivos, primeiro uma, depois outra7.
Ora, no caso em apreço, os dois primeiros caracteres da marca registanda 皇冠 (“Crown” ou “Wong Kun”) repetem-se em vários outros da recorrente. E o problema está aí, precisamente. Por se repetir esta noção de algo associado à “Crown” estar-se-á já perante uma possibilidade de imitação ou reprodução?
A uma primeira análise, poderíamos dizer que sim, protegidos pela existência de arestos deste mesmo tribunal (atrás citados) onde tema similar (até com referência à ora recorrida particular) foi tratado a respeito da essencialidade de um dos elementos de qualquer marca, nomeadamente estes de que ora cuidamos, de “Crown” e “Plaza”8.
A essencialidade tem uma importância subida quando uma marca tenha notoriedade9. E assim, embora as marcas devam, geralmente, ser encaradas pelo seu todo holístico, pelo conjunto dos seus componentes, e não dissecadas10, a verdade é que tudo pode mudar se estivermos a comparar marcas em que uma delas adquiriu notoriedade e em que, justamente, dessa notoriedade, sobressai um determinado elemento ou – o que vai dar ao mesmo - em que foi um dos seus elementos que à marca conferiu a sua notoriedade.
Não interessa ir mais longe sobre este assunto. Porquê? Porque estas marcas são ambas notórias e a dificuldade que em abstracto poderia advir deste conflito concreto se esbate pela circunstância de também a própria recorrida ser titular de marcas na RAEM, igualmente com uma composição similar, concretamente “Crowne Plaza”, e uma outra somente em escrita chinesa onde os mesmos elementos 皇冠 se inscrevem e até sobressaem.
Portanto, se olharmos para os dois primeiros caracteres, tanto na língua chinesa皇冠, como na sua romanização Wong Kun, logo veremos que se detectam identidades fonéticas com algumas da recorrente. Nesse sentido, estaríamos perante alguma confundibilidade, reconhecemo-lo. Confundibilidade que, além de fonética, também o é na sua significação na sua versão inglesa “Crown” (em português, “coroa” enquanto substantivo, ou “real”, quando adjectivada: por exemplo, “crown palace” com o sentido de “palácio real”).
Mas há que considerar também os dois restantes caracteres. A sua tradução para o inglês não tem um significado unívoco, isto é, não significa somente “Great Hall”, ao contrário do que o afirmou a recorrente.
É certo que a recorrente, sobre o segundo grupo de caracteres, fez a tradução para inglês como sendo “Great Hall”, mas a recorrida particular fez a sua tradução para “Plaza”. E eis-nos, agora, perante um problema. É que “Plaza” é palavra de origem espanhola, enquanto “Great Hall” é expressão inglesa. Ou seja, aqueles caracteres anexados aos primeiros conduzem (induzem) o consumidor para “Great Hall” ou para “Plaza”?
Parece isto não ter importância, mas a verdade é que tem. Com efeito, o que está subjacente numa marca é o seu aspecto gráfico, o elemento significante, o elemento visível (objectivo)? Ou o seu sentido (subjectivo), o seu significado? Ou ambas as coisas?
É que se pudermos considerar aqueles dois últimos caracteres 广庭 como grande espaço, grande pátio, grande vestíbulo ou grande átrio, ou simplesmente grande praça, então verdadeiramente o que conta é mesmo o sentido subjectivo, aquele que esteve na mente do criador da marca. Nesse plano, não custa admitir que a recorrida tivesse querido compor uma marca que, em chinês, reproduzisse as que habitualmente já tem registadas em todo o mundo, nomeadamente em Macau, como “Crowne Plaza”. E, sim, isso é compreensível. E, portanto, tal estaria na linha da sua conduta registral nas diversas latitudes do mundo. Poderia dizer-se, a este nível, que a interessada no registo não teria “culpa” de em Macau não ter melhor forma de caracterizar em chinês o vocábulo “Plaza” com que habitualmente se distingue nas marcas que tem registado habitualmente. Não haveria mal nenhum na sua conduta registral.
Se assim for, então a marca em apreço, 皇冠广庭, tem as seguintes consequências:
- Em chinês, foneticamente, lê-se “Wong Kun Kuong Teng”;
- Na sua significação para inglês, a partir da sua fonética, pode apresentar-se como “Crown Great Space” ou até mesmo “Crown Great Square”;
- Intencionalmente, e na sua tradução para inglês, pode aceitar-se que o seu sentido seja, precisamente, o da correspondência para a língua chinesa da sua marca internacional “Crowne Plaza”.
Ora, se a recorrida já tem registada em Macau a marca “Holiday inn Crowne Plaza” e “Crowne Plaza Hotels & Resorts”, por que não há-de verter para chinês a mesma ideia-base de “Crowne Plaza”? Por que motivo se há-de dizer que, com isso, está a fazer imitação do vocábulo forte da marca da recorrente “Crown”?
Dizer isso equivaleria a reconhecer que nunca ela poderia registar em Macau, em caracteres chineses, uma marca semelhante às que já possui, apenas devido ao facto de, gráfica e foneticamente, não poder representar o vocábulo “Crowne”, mas apenas “Crown”. Seria o mesmo que dizer, enfim, que está refém das suas próprias marcas em língua inglesa, quando o certo é que, ela mesma já possui em língua chinesa uma marca com aqueles mesmos dois caracteres.
Neste sentido, “Crowne” associada a “Kuong Teng” ou “Plaza”, não deixa de gerar uma fantasia nova que decididamente se afasta das marcas da recorrente, cuja ênfase se situa apenas na palavra “Crown”.
Sendo assim, por não nos parecer que exista risco de reprodução, imitação ou tradução de outras da recorrente e, consequentemente, de confusão, somos a pensar que o recurso não pode proceder.
(…)”.

Ora, cabe consignar que o entendimento que se deixou transcrito se nos apresenta razoável e válido, não se mostrando de olvidar – sendo até de salientar – que, também no caso dos autos, a marca ora em questão – – constitui tão só uma variante da marca mista cujo elemento nominativo integrado pelas ditas expressões, inglesa e chinesa, já se encontra registada em Macau em nome da ora recorrida para os mesmos serviços da classe 43ª; (cfr., matéria de facto).

E, nesta conformidade, e sem prejuízo do respeito devido a diverso entendimento, cremos que se deve manter a decisão ora recorrida.

Não se olvida também que em sede do recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23.06.2016, (Proc. n.° 860/2015), proferiu este Tribunal de Última Instância Acórdão onde teve oportunidade de se pronunciar sobre questão “análoga”, igualmente discutida entre ora recorrente e recorrida; (cfr., Ac. de 18.09.2019, Proc. n.° 84/2016).

Todavia, como se deixou referenciado, cremos que o caso dos autos apresenta “elementos” que justificam uma solução que lhes dê adequada relevância.

Com efeito, verificando-se que a recorrida já possui sinais marcários (para a mesma classe 43ª), com – exactamente – as mesmas “expressões” que agora estão em causa, motivos não se nos mostram existir para se censurar o Acórdão recorrido.

Tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 31 de Maio de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
2 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
3 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
4 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Volume I, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2005, p.101 e 102.
5 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102. No mesmo sentido, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2003, Volume I, p. 375.
6 Em sentido próximo, por exemplo, o Ac. deste TSI, de 21/06/2012, Proc. nº 273/2012, onde curiosamente se travava um litígio marcário entre duas marcas, uma registanda em nome de Las Vegas Sands, “City Plaza”, e outra da aqui recorrida, “Crowne Plaza, Hotels & Resorts”.
Sobre a essencialidade da palavra “crown” na composição de uma marca, ver ainda o Ac. do TSI, de 12/01/2012, Proc. nº 539/2010.
7 Neste sentido, em Portugal, o Ac. do STJ, de 25/03/2004, Proc. nº 03B3971, in http://www.dgsi.pt
8 Por exemplo, Ac. TSI, de 12/01/2012, Proc. nº 539/2010 (onde se deu ênfase especial à palavra “Crown”) e Ac. do TSI de 21/06/2012, Proc. nº 273/2012(onde se considerou essencial a palavra “Plaza”
9 Sobre o conceito, ver Ac. deste TSI, de 25/04/2013, Proc. nº 842/2012, entre outros.
10 Neste sentido, o Ac. TSI, de 27/10/2011, Proc. nº 1022/2009
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