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Processo nº 122/2022
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





1. Relatório

Nos Autos de Processo Comum Colectivo no 3° Juízo do Tribunal Judicial de Base registado como CR3-19-0235-PCC – e na parte que agora releva – julgou-se improcedente o “pedido de indemnização civil” pelo demandante A (甲), deduzido contra:
(1°) B (乙);
(2ª) “C”, (“丙”);
(3°) D (丁);
(4ª) “E”, (“戊”), demandados, todos com os restantes sinais dos autos; (cfr., fls. 111 a 129, 164 a 165, 168 a 169 e 478 a 493-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o assim decidido, o referido demandante recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 28.09.2022, (Proc. n.° 602/2021), negou provimento ao recurso, confirmando, integralmente, a pelo Tribunal Judicial de Base decidida absolvição dos (4) demandados; (cfr., fls. 624 a 650).

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Ainda Inconformado, traz o mesmo demandante o presente recurso, insistindo na procedência do pedido de indemnização civil que deduziu; (cfr., fls. 666 a 673-v).

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Adequadamente processados que foram os autos, importa apreciar.

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Realizada a conferência, passa-se a expor a solução que relativamente ao presente recurso se nos mostra de adoptar.

2. Fundamentação

O presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, como se referiu, (e na parte que agora interessa), confirmou o Acórdão do Tribunal Judicial de Base que decidiu pela total absolvição dos atrás referidos (4) demandados do “pedido civil” pelo ora recorrente deduzido e onde peticionava a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor global de MOP$2.468.468,58 por “danos patrimoniais” e “não patrimoniais” que alegou ter sofrido em resultado de um acidente (de viação) que ocorreu no dia 19.10.2018, na Ponte da Amizade.

Nada parecendo obstar, cumpre conhecer, começando-se por se expor a “matéria de facto dada como provada” e relevante para a decisão do presente recurso, onde, antes de mais, e em síntese, se mostra de apurar se correcta foi a conclusão no sentido de ser o demandante, ora recorrente, o “único e exclusivo” culpado do aludido acidente, pois que, a se confirmar o assim entendido, prejudicada fica a apreciação de qualquer outra questão suscitada no presente recurso, imperativa sendo uma decisão de confirmação do Acórdão recorrido que, com este fundamento, absolveu os demandados ora recorridos do pedido de indemnização civil enxertado nos presentes autos.

Nesta conformidade, a tanto se passa.

Dos factos

2.1 Do Acórdão do Tribunal Judicial de Base (confirmado pelo do Tribunal de Segunda Instância objecto do presente recurso) extrai-se a seguinte factualidade dada como “provada” (com relevo para a apreciação da dita questão da “culpa” do acidente) e que de seguida se passa a elencar:
1. em 19.10.2018, por volta das 11:15, o 1° demandado, (arguido), B (乙), conduzia o camião com reboque de matrícula n.° XX-XX-XX, circulando na faixa da esquerda da Ponte da Amizade, no sentido Macau-Taipa;
2. na altura, o referido camião não estava carregado, levando no reboque um bloco de madeira de cerca de 20cm X 30cm que, por não estar fixo, (preso), rolava de um lado para outro como efeito do balancear causado pela condução e circulação do veículo;
3. o 1° demandado não se apercebeu que o referido bloco de madeira, (por não se encontrar fixo), poderia acabar por cair do reboque para a via e causar perigo a outros veículos que nela circulavam;
4. a dado momento do referido percurso na dita Ponte da Amizade, o referido bloco de madeira caiu na faixa do lado direito sem que o 1° demandado se tivesse apercebido;
5. vários veículos automóveis que seguiam atrás do camião passaram por cima dele, fazendo com que o mesmo fosse rebolando do um lado para outro e mudando de lugar;
6. por volta das 11:23, o demandante A, (ora recorrente), conduzia o motociclo de matrícula n.° XX-XX-XX, circulando na faixa do lado direito;
7. ao fazer uma manobra de ultrapassagem pela esquerda de um motociclo que se encontrava a circular à sua frente, e pretendendo conduzir o seu motociclo para faixa do lado esquerdo (da Ponte), veio a embater no dito bloco de madeira que, naquele momento, encontrava-se (sensivelmente) no meio da faixa de rodagem, passando por cima dele;
8. esta “transposição” do bloco de madeira fez com que (o demandante) perdesse o equilíbrio e o controlo do motociclo que conduzia, acabando por cair junto da berma da faixa do lado esquerdo;
9. o demandante, antes do acidente, conduzia o seu motociclo perto do motociclo da frente, o que lhe reduziu a visibilidade sobre o que podia haver na faixa de rodagem;
10. quando (o demandante) se apercebeu da presença do referido bloco de madeira, apenas pôde passar por cima dele por já não ter tempo para o contornar (evitando a colisão com o mesmo);
11. o 1° demandado, motorista profissional, ao não fixar o bloco de madeira, deixando-o solto em cima do reboque, agiu com falta de cuidado a que estava obrigado e de que era capaz; (cfr., fls. 481 a 485, com tradução nossa).

Do direito

2.2 Insurge-se o referido demandante contra o decidido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que – na parte agora em questão – confirmou a absolvição dos (4) demandados da sua peticionada condenação no pagamento de uma indemnização nos termos já referenciados.

Sendo a atrás retratada “matéria de facto” dada como “provada” a que se nos apresenta como a relevante para a apreciação da questão que, desde já, se mostra de começar por decidir, ou seja, da “culpa do acidente”, vejamos.

Pois bem, percorrendo o Acórdão recorrido, assim como (analisando) a decisão do Tribunal Judicial de Base, verifica-se que, ponderando-se na matéria de facto que do julgamento efectuado resultou “provada” (e “não provada”), entendeu-se ser o demandante, ora recorrente, o “único” e “exclusivo” culpado pelo acidente de viação matéria dos presentes autos, assim se decidindo pela improcedência do pedido de indemnização deduzido com a (total) absolvição dos demandados.

Com efeito, e abreviadamente, entendeu-se que o facto de a “colisão” do motociclo pelo demandante conduzido com o bloco de madeira ter ocorrido pelas 11:23, e, desta forma, (vários) “minutos” após a sua “queda” na faixa de rodagem, (que terá ocorrido pouco depois das 11:15), implicava que se devesse considerar como “interrompido”, ou “quebrado”, o necessário “nexo de causalidade” (ou “relação de causa e efeito”) entre a dita “queda” do bloco de madeira – “causa” – e a referida (posterior) “colisão”, (“efeito”, ou “consequência”).

Por sua vez, considerou-se, igualmente, que a “condução” pelo demandante imprimida no seu motociclo, não foi, em face das descritas “circunstâncias”, (ou seja, da “manobra de ultrapassagem” e de seguir “perto da traseira do motociclo da frente”), a mais “adequada”, e que, desta forma, à mesma se deveu a ocorrência – “causa” – do acidente que sofreu.

Ora, sem prejuízo do muito respeito devido a melhor opinião, (começa-se por dizer que) não se nos mostra de acompanhar este entendimento.

A nosso ver, o “tempo (entretanto) decorrido” entre a “queda” do bloco de madeira e a (posterior) “colisão”, não se apresenta, (de forma alguma) – tão – relevante, o mesmo se nos mostrando de dizer relativamente ao facto de o bloco de madeira em questão ter rebolado na faixa de rodagem de um lado para o outro em “consequência” da circulação e colisão de outos veículos que também lhe passaram por cima, encontrando-se, por assim dizer, fruto de “outras intervenções”, no “local do embate” com o motociclo conduzido pelo demandante, (não se nos afigurando assim colocar-se desta forma uma questão de “relevância positiva ou negativa de eventual causa virtual”; sobre o tema, cfr., v.g., Iok Teng Wong in, “A relevância negativa da causa virtual na responsabilidade delitual em Portugal e na R.P. de China)”, F.D.U.L., 2021).

Outrossim, igualmente não se nos apresenta – tão – decisiva, a “condução do motociclo” pelo demandante que, ainda que se possa admitir que não tenha sido “imaculada”, não cremos que justifique o (total) afastamento (e exclusão de qualquer percentagem) de “culpa” (e “responsabilidade”) do 1° demandado relativamente à sua cometida “falta de cuidado” em transportar o dito bloco de madeira sem que o mesmo estivesse adequadamente preso e sem possibilidade da sua queda na via, o que veio efectivamente a suceder, fazendo assim que os veículos que estivem a circular atrás do camião que conduzia tivessem que fazer manobras (de recurso) para dele se esquivarem, ou passar por cima, com o natural risco de acidentes (e colisões), como, no caso, foi o que – infelizmente – acabou por suceder com o demandante, (não sendo de olvidar, também, que em matéria de trânsito rodoviário vigora, sob pena de total inoperacionalidade de qualquer sistema de tráfego, o “princípio da confiança”, segundo o qual, os utilizadores da via pública devem partilhar o “respeito” pelas normas de circulação rodoviária, na recíproca confiança de que todos o façam de forma rigorosa e adequada, não lhes sendo exigível que contem com “obstáculos ou surpresas anormais e súbitas”, como se nos mostra ser a situação dos autos, cabendo ainda referir que, in casu, a descrita “conduta” do 1° demandado foi considerada uma infracção ao art. 17°, n.° 1 do D.L. n.° 70/95/M de 26.12, onde se prescreve que “Nas Pontes e Viadutos de acesso é proibido o trânsito de veículos que derramem líquidos ou que transportem materiais de forma a poderem ser deslocados por acção da marcha ou do vento”, pela qual, e como resulta de fls. 60 dos autos, até paga já foi a respectiva multa, valendo igualmente a pena atentar no prescrito no art. 52°, n.° 3, al. 2 da “Lei do Trânsito Rodoviário”).

Passa-se a (tentar) explicitar (melhor) o “porquê” deste nosso ponto de vista.

Pois bem, como é sabido, constitui “princípio geral” em matéria de “responsabilidade civil”, (por “factos ilícitos”), o enunciado no art. 477° do C.C.M. que prescreve que:

“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

Com efeito, no domínio da “responsabilidade civil extracontratual”, (como se apresenta constituir a situação que se aprecia), a “obrigação de indemnizar” pressupõe, (em princípio), a existência de:
- um “facto voluntário ilícito”, (isto é, controlável pela vontade do agente que infrinja algum preceito legal, direito ou interesse de outrem legalmente protegido);
- “censurável” do ponto de vista ético-jurídico, (ou seja, que lhe seja “imputável” a título de dolo ou culpa);
- de um “dano” ou “prejuízo reparável”; e, ainda,
- de um “nexo de causalidade” (adequada) entre este dano e aquele facto; (cfr., art°s 477°, n.° 1, 480°, n.° 2, 556°, 557° e 558°, n.° 1 do C.C.M., podendo-se, ainda, ver, v.g., o Ac. deste T.U.I. de 01.04.2022, Proc. n.° 10/2022, onde, no sumário, se considerou, nomeadamente, que “1. Nos termos do art.º 477.º n.º 1 do Código Civil, são pressupostos da responsabilidade civil de indemnização o facto ilícito, a culpa do lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. 2. No âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, todos os pressupostos da responsabilidade (ilicitude do facto, culpa, dano e nexo de causalidade) devem ser provados pelo lesado, autor da acção de responsabilidade, na medida em que são factos constitutivos do direito alegado. 3. Na determinação da obrigação de indemnização é actualmente adoptada a teoria de causalidade adequada entre o facto e o dano, segundo a qual o facto tem de ser adequado para produzir o dano, sendo este efeito adequado daquele facto”).

Tratando da matéria respeitante ao “nexo de causalidade” – “aspecto” que, in casu, merece especial atenção, pois que o mesmo cumpre uma “dupla função”, com base nele se determinando o “autor do dano”, assim como a sua “extensão”, servindo de “medida da indemnização” – e, consagrando a referida “teoria da causalidade adequada”, prescreve o art. 557° do C.C.M. que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, afastando-se, assim, a ideia de que “qualquer condição constitui causa do dano”, e clarificando-se, também, que adequado não é considerar como “causa”, (em sentido jurídico), toda e qualquer “condição”, sendo esta de se restringir, tão só, àquelas que se encontrem para com o “resultado”, (ou “efeito”), numa relação mais “estreita” ou “próxima”, constituindo desta forma uma “relação” tal que torne “aceitável”, (“razoável” e “sem excesso”), considerar, e impor ao agente, (autor da dita “causa”), a responsabilidade por esse mesmo “resultado”.

Na verdade, e como sem esforço se apresenta de compreender, (e, como em tudo na vida), há que haver “limites”, não se podendo aceitar uma “cadeia causal infinita, irrestrita e ilimitada”, (cfr. v.g., sobre o tema, Guilherme H. Lima Reinig in, “A Teoria da Causalidade Adequada no Direito Civil Alemão”, Rev. de Direito Civil Contemporâneo, Vol. 18, 2019, pág. 215 a 248), pois que não seria “razoável”, (ou “justo”), responsabilizar quem quer que fosse pelos resultados para cuja produção a sua conduta não foi a “adequada”, tão só se podendo, (e devendo), imputar ao agente, os “danos” que, a sua “conduta”, segundo a natureza (geral) das coisas e das regras (ordinárias) da experiência, podia causar, pois que apenas relativamente a estes (mesmos) “danos” podia ele prever como “resultado” ou “consequência” (possível) da sua conduta, (cabendo também salientar que o aludido “nexo causal” deve ser objecto de prova tanto nos casos de “responsabilidade objectiva”, como nos de “natureza subjectiva”, pois que em ambos os casos, só haverá responsabilização quando devidamente comprovado o “nexo de causalidade”, constituindo diferença a demonstração do “elemento subjectivo” – a culpa – na segunda hipótese, bastando a presença da conduta, do dano e do nexo causal entre uma e outra, na primeira).

Com efeito, e como da mesma forma se nos mostra evidente, por mais previdente que seja – deva, ou possa ser – o Ser Humano, natural, (ou, pelo menos, obrigatório e/ou exigível), não é, (certamente), que, como resultado (normal) da sua conduta preveja e anteveja a ocorrência de consequências “extraordinárias”; (note-se, pois, que a teoria da causalidade adequada foi inicialmente formulada para o direito penal, podendo-se, v.g., e entre outros, encontrar a sua consagração legal no texto dos art°s 9°, 13°, 14° e 17° do C.P.M.).

Constata-se, pois, que a dita “teoria da causalidade adequada” selecciona de entre as várias “condições” que produzem o “resultado danoso”, (tão só) aquelas que justificam, (juridicamente), a sua atribuição a determinadas pessoas, adoptando-se um critério “objectivo”, assente na “normalidade” ou “probabilidade” para a produção do dano, atentas, sempre, as “regras da experiência”.

Por sua vez, é ainda comum considerar que, nesta “concepção”, há uma formulação (apelidada de) “positiva”, (mais “restrita”), entendendo-se que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada (ou idónea) a produzi-lo, e não por força de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas, e, uma outra, “negativa”, (mais “ampla”), em que a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre, “inteiramente inadequada” (ou totalmente “indiferente”) para aquele resultado que, só se produziu, devido a circunstâncias – “anómalas” ou “excepcionais” – pelo agente desconhecidas e não previstas.

Ora, esta última – cuja autoria é atribuída ao jurista alemão H. Lehmann Enneccerus, que afirmava que “o dano não pode ser considerado em sentido jurídico como consequência do fato em questão quando este, dada a sua natureza genérica, for totalmente indiferente para o nascimento de semelhante dano e somente se tornou condição do dano por consequência de outras circunstâncias extraordinárias”, in “Derecho de obligationes”, Vol. 1, pág. 70 – (cremos nós), constitui a “posição” que, (tanto quanto julgamos saber), têm sido a que é maioritariamente adoptada sobre a matéria; (cfr., v.g., para além do citado Ac. do T.U.I. de 01.04.2022, o de 15.12.2016, Proc. n.° 41/2016, assim como os do T.S.I. de 23.05.2002, Proc. n.° 77/2022, de 24.07.2003, Proc. n.° 3/2003, de 30.01.2003, Proc. n.° 236/2002, de 27.09.2012, Proc. n.° 403/2012, de 16.12.2014, Proc. n.° 782/2014, de 29.09.2016, Proc. n.° 799/2014 e de 04.04.2019, Proc. n.° 1144/2018, e, entre outros, Pereira Coelho in, “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 1955, pág. 20; Adriano Paes da Silva Vaz Serra in, “Fundamentos da responsabilidade civil (em especial, responsabilidade por acidentes de viação terrestre e por intervenções lícitas)”, 1959; Inocêncio Galvão Telles in, “Direito das Obrigações”, 1980, pág. 364; Rui de Alarcão in, “Direito das Obrigações”, pág. 278 e segs.; Antunes Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 1991, pág. 885 e segs.; Almeida Costa in, “Direito das Obrigações”, 1991, pág. 632; Pessoa Jorge in, “Ensaios sobre os Pressupostos de Responsabilidade Civil”, 1999, pág. 411 e segs., e, mais recentemente, com referência às várias posições sobre a questão, Guilherme H. Lima Reinig in, ob. cit.; e Bernardo Monteiro Ferraz in, “Do nexo de imputação na responsabilidade civil objectiva”, F.D.U.L., 2020, podendo-se, ainda ver Pires de Lima e Antunes Varela, que afirmam, claramente, que “o nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia da causalidade indirecta que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste”, in “Código Civil Anotado”, Tomo I, nota 3 ao art. 563°).

Com efeito, importa pois ter presente que:
- para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, e sem a colaboração de outros, tenha “produzido” o dano, sendo antes, apenas essencial que o facto seja “condição do dano”, nada obstando a que, (como frequentemente sucede), ele seja apenas “uma das condições desse dano”; pois que,
- a “causalidade adequada” não se refere ao facto e ao dano “isoladamente considerados”, mas ao “processo factual” que, em concreto, conduziu ao dano.

Nesta conformidade, tem-se pois considerado que o transcrito normativo do art. 577° do C.C.M. (em questão) consagrou a “doutrina da causalidade adequada”, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada quando, dada a sua natureza geral, se mostrar, de “todo indiferente” para a verificação do mesmo, pois que (este), não pressupõe a “exclusividade da condição” no sentido de que esta tenha determinado, só por si, o referido resultado, admitindo-se a “causalidade indirecta” de forma que suficiente é que o “facto condicionante”, desencadeie “outro” que, (directamente), “suscite o dano”; (cfr., sobre o tema, Inocêncio Galvão Telles que considera também que “Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela irrelevância quando, dentro deste condicionalismo, a acção não se apresenta de molde a agravar o risco de verificação do dano. (…) Numa palavra, a acção que é condição ou pressuposto de um dano deixa de ser, e só deixa de ser, sua causa, sob o prisma do Direito, quando com ela concorra, para a produção desse dano, uma circunstância anómala ou extraordinária, sem a qual não haveria um risco, maior do que o comum, de o prejuízo se verificar”, in ob. cit., pág. 404 e segs.).

Assim, mostra-se pois de se entender que existe “nexo de causalidade (adequada)” entre uma “acção” e um “evento” quando, a acção do agente coloca, no “processo causal” que desembocou (no evento), uma condição sem a qual esse processo causal não se teria formado, desde que a condição posta pelo agente, (segundo a regra “id quod plerumque accidit”, ou seja, “aquilo que geralmente acontece”), contribua, juntamente com as outras condições existentes, para a produção desse resultado, (apenas assim não se mostrando de considerar se a condição introduzida pelo agente for, na prática e em concreto, totalmente inadequada para o resultado verificado, que só se produziu devido a uma outra ou outras condições, anómalas ou excepcionais, não conhecidas e previstas, e, por isso, por aquele, não controláveis).

Na verdade, e como igualmente já considerou A. Varela, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, pois que, “nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”; (in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 2ª ed., 1973, pág. 744 e 756), havendo, assim, que se considerar que o “facto” que actuou como “condição do dano” só deixará de ser considerado como “causa adequada” se, dada a sua natureza geral, se mostrar de “todo indiferente” para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude de “circunstâncias excepcionais”, “anormais”, “extraordinárias” ou mesmo “anómalas” que, no caso concreto, intercederam, não sendo pois de pressupor a “exclusividade da condição”, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado, (nem que a “causalidade” tenha de ser “directa” e “imediata”), admitindo-se, antes, não só a ocorrência de “outros factos condicionantes”, (contemporâneos ou não), como a “causalidade indirecta”, bastando que o “facto condicionante” desencadeie outro que directamente dê origem ao dano; (podendo-se, também sobre o tema, ver o Ac. do S.T.J. de 14.03.2019, Proc. n.° 2411/10).

Ora, atento o exposto, e ponderando, essencialmente, na (própria) “dinâmica das coisas” demonstrada pela “factualidade dada como provada” e atrás retratada – e, muito especialmente, na referenciada sob a “ponto 11°”, onde consta que “o 1° demandado, motorista profissional, ao não fixar o bloco de madeira, deixando-o solto em cima do reboque, agiu com falta de cuidado a que estava obrigado e de que era capaz”, (cfr., pág. 6 e 7 deste aresto), visto estando também que o dito bloco de madeira acabou por cair para a via, vindo o demandante a colidir com o mesmo – cremos que se impõe concluir que a conduta do referido 1° demandado constitui “causa adequada” do acidente que o demandante sofreu, pelo mesmo devendo, assim, ser responsabilizado.

Como sobre a matéria nota o Prof. Manuel Trigo – parecendo-nos, inteiramente, aplicável ao caso dos autos: “Devemos partir do momento da prática do facto e das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis para o agente como pessoa normalmente experimentada: não haverá adequação quando um processo causal é interrompido por circunstâncias de todo anormais, porque não fosse provável que de um determinado facto resultasse aquele dano de acordo com a experiência da vida – fazendo um juízo de prognose posterior objectiva”, acrescentando, ainda, que “Mais se entende haver causalidade adequada, embora se trate de causalidade indirecta, nos casos em que factos concomitantes ou posteriores contribuem para a produção de um resultado danoso”; (in “Lições de Direito das Obrigações”, F.D.U.M., 2014, pág. 294 a 295).

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Aqui chegados, deparamo-nos com uma outra “questão”.

É a seguinte, (relativamente à “matéria de facto não provada”, e que atrás se referiu).

Com efeito, após dar como “provados” os factos atrás retratados, e indicando os factos que resultaram “não provados”, consignou-se no Acórdão do Tribunal Judicial de Base confirmado pelo do Tribunal de Segunda Instância que não se tinha provado que:
1. o demandante não se apercebeu do bloco de madeira por, na altura, haver muitas viaturas a circular na Ponte;
2. o 1° demandado agiu, livre e conscientemente, provocando com a sua conduta o acidente dos autos e as lesões e danos do demandante;
3. o 1° demandado sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei; (cfr., fls. 485, com tradução nossa).

E, nesta conformidade, eis o que se nos mostra de consignar.

Quanto ao “facto não provado” descrito no “n.° 1”, afigura-se-nos ter-se incorrido em manifesto “erro notório na apreciação da prova”, (sobre o sentido e alcance deste vício, cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022, de 13.01.2023, Proc. n.° 108/2022 e de 03.03.2023, Proc. n.° 97/2022), pois que, as imagens captadas pelas câmaras de vídeo instaladas na Ponte da Amizade e de onde se extraíram as “fotografias” que constam a fls. 29 a 37 dos autos demostram, claramente, o inverso, ou seja, que na altura (do acidente), a via – que, no caso, (apenas) tem duas faixas de rodagem em cada sentido – estava (bastante) “movimentada”, (com autocarros, veículos automóveis e motociclos a circular), sendo, assim, (perfeitamente) natural que a (grande) circulação de viaturas que, no momento, se verificava, tivesse (ou pudesse ter) impedido que o demandante se apercebesse da presença do bloco de madeira na via (em virtude de aquela mesma circulação obstruir a visibilidade do mesmo).

Por sua vez, e como repetidamente temos vindo a afirmar, o vício de “contradição insanável da fundamentação” ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”, havendo “contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 05.05.2021, Proc. n.° 40/2021, de 11.03.2022, Proc. n.° 8/2022 e de 04.11.2022, Proc. n.° 79/2022).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém “posições antagónicas” ou “inconciliáveis”, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

In casu, e relativamente aos “factos não provados” (atrás) referenciados com os “n°s 2 e 3”, cremos haver manifesta “contradição” com o que – até mesmo pela própria “lógica das coisas” – antes se considerou como tendo resultado “provado”, em especial, o já referido “ponto 11°”; (cfr., v.g., o citado Ac. de 04.11.2022, Proc. n.° 79/2022).

Ora, em causa não estando a possibilidade de uma “renovação da prova” ao abrigo do art. 415° do C.P.P.M., (por não se ter requerido, nem sendo caso para a tal se proceder), vista cremos que está a solução.

Com efeito, (e ainda que se pudesse alterar o “facto não provado n.° 1”), os assinalados “vícios”, (e, especialmente, os restantes – notando-se que são de “conhecimento oficioso”; cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 31.07.2020, Proc. n.° 45/2020 e de 23.07.2021, Proc. n.° 67/2021) – não deixam de contaminar fatalmente a necessária e imprescindível coerência e harmonia do decidido como agora sucede com a decisão proferida pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base quanto à matéria da “culpa do acidente”, e que foi confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, (ficando-se sem se saber o que foi bem, ou mal julgado), havendo, assim, que se decretar o “reenvio dos autos” para, nada obstando, se efectuar um novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M., (que não incluirá a “matéria crime” da acusação pública pelo Ministério Público deduzida, pois que transitado em julgado está o sobre a mesma decidido), proferindo-se, seguidamente, nova decisão sobre o pedido civil pelo ora recorrente deduzido, prejudicada ficando a apreciação de qualquer outra questão pelo mesmo recorrente colocada em sede do presente recurso, (nomeadamente, quanto aos seus “danos” e “quantias indemnizatórias” reclamadas).

Dest’arte, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir como segue.

3. Decisão

Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam decretar o reenvio dos presentes autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..

Custas pelo vencido a final.

Registe e notifique.

Macau, aos 05 de Julho de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei [Com o muito respeito pelo douto entendimento exposto no acórdão, afigura-se-me não verificados os vícios indicados que implicam o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art.º 418.º do CPP.].
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