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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso judicial do despacho da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (doravante DSEDT) que lhe recursou o registo para a marca SensorKit, que tomou o número N/XXXXXX, para assinalar produtos incluído na classe 9.
Por sentença proferida nos autos n.º CV1-22-0015-CRJ, o Exmo. Juiz do Tribunal Judicial de Base julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão da DSEDT.
Inconformada com a decisão, recorreu A para o Tribunal de Segunda Instância que, por acórdão proferido no Processo n.º 868/2022, decidiu negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Desse acórdão vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando nas suas alegações as seguintes conclusões:
- Da capacidade distintiva inerente da marca registanda e falta de verificação dos fundamentos de recusa
a. Entende o Luís Couto Gonçalves que “Um sinal descritivo não é distintivo na medida em que é comum aos objectos idênticos qualquer que seja a sua origem. Mas a marca só é efectivamente descritiva se, como referimos, for exclusiva e directamente descritiva.”
b. Assim, o registo APENAS deverá ser recusado se a marca tiver um significado descritivo que seja imediatamente óbvio para o consumidor médio.
c. Como é sabido, o registo apenas deverá ser recusado se a marca tiver um significado descritivo que seja imediatamente óbvio para o consumidor médio.
d. Adicionalmente, para a marca ser recusada, deverá a mesma designar de forma específica, precisa e objectiva as características essenciais dos produtos em questão.
e. Analisada a marca no seu conjunto, é, em primeiro lugar, óbvio que a marca registanda é composta por uma única palavra imaginária, não corresponde ao nome originário dos produtos ou serviços que a marca distingue, pelo que não corresponde a uma marca genérica.
f. É igualmente óbvio que não é um sinal descritivo destes produtos ou serviços, nem indica qualquer qualidade, característica ou função dos produtos ou serviços.
g. Mesmo considerando (sem conceder e por mero dever de patrocínio) que a marca possa ser descritiva de alguns produtos, como “software para sensores” ou “produtos relacionados com sensores”, não é obviamente descritiva de software de computador e software para o desenvolvimento de programas informáticos.
h. É importante reconhecer que o software de computador constitui uma categoria única de produtos com possibilidades infinitas de utilização, desde tarefas simples, como criar um calendário do utilizador, até tarefas complexas, como pilotar um avião.
i. Por outro lado, como em situação que se nos afigura semelhante, entendido pelo Tribunal ad quem, é passível de registo ““frases”, (ou expressões), que contenham determinadas “características”, e que, ainda que se possam considerar “simples”, (dade a sua natureza, composição, referência, etc….), não são “comuns”, ao ponto de, à partida, e de imediato, se (poder) excluir qualquer (necessidade de) análise e reflexão, ou qualquer “esforço de interpretação” por parte do público consumidor.”
j. In casu, a marca “” é simultaneamente arbitrária e fantasiosa, com óbvia capacidade distintiva.
k. Esta expressão apenas existe no léxico comercial com referência EXCLUSIVA à Recorrente e aos seus produtos e serviços.
l. Adicionalmente, a Recorrente registou mais de 48 registos de marcas compostas com o elemento “-KIT”, isto é, da família “KIT” em Macau, incluindo “METRICKIT” (registo de marca n.º N/XXXXXX); “HealthKit” (registo de marca n.º N/XXXXX); “PhotoKit” (registo de marca n.º N/XXXXX), “CloudKit” (registo de marca n.º N/XXXXXX), e “ReplayKit” (registo de marca n.º N/XXXXXX) – marcas que que transmitem conceitos semelhantes ao transmitido por “”.
m. É assim absolutamente natural que os consumidores reconheçam “” como parte da mesma família de marcas da Recorrente.
n. É também demonstrativo da distintividade inerente da marca registanda que a Recorrente utiliza o mesmo tipo de letra (“San Francisco”) como o seu tipo de letra oficial no interface de todos os seus produtos, incluindo nos softwares da Recorrente nos macOS, iPadOS, iOS, watchOS etc.
o. Com todo o supra exposto, a marca registanda é passível de cumprir a sua função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos e serviços da Recorrente.
p. Consequentemente, não se poderá recusar a marca registanda com fundamento nas alíneas b) e c), do n.º 1 do art. 199.º do RJPI.
q. Independentemente do já exposto, não podemos deixar de relembrar e reforçar (até porque o Tribunal a quo o omitiu na sua análise) que marcas “sugestivas” ou “alusivas” também são registáveis.
r. Recorde-se que “uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa”.
s. Ora, o significado da marca registanda pode, eventualmente, ser ambíguo, aberto a interpretação e apelar à imaginação do consumidor. Não descreve ao consumidor os produtos e serviços que assinala.
t. Neste sentido, quando muito a marca será considerada como sugestiva e, consequentemente, registável.
u. A marca registanda “” foi registada em várias jurisdições em todo o mundo, tão como Estados Unidos da América, Nova Zelândia, Reino Unido e Hong Kong, jurisdições que aplicam os princípios constantes das Convenções Internacionais na matéria e de que Macau é signatária.
v. Foi igualmente registada em Portugal, jurisdição-raiz do sistema jurídico de Macau com normas e princípios aqui aplicáveis.
w. Concordamos com o entendimento do Tribunal a quo de que “não é menos correcto que cada jurisdição tem as suas regras próprias e segue padrões diferentes (ainda que tais diferenças não sejam grandes nesta matéria), não podemos olhar a justiça apenas com os “óculos” de outrem sem acautelar devidamente as regras básicas e próprias do ordenamento jurídico a que pertencemos”.
x. Ora quando as regras básicas e próprias do nosso sistema jurídico são semelhantes e o próprio Tribunal a quo admite não existir nesta matéria grande diferença, é surpreendente que a decisão não seja semelhante à adoptada em todas as outras jurisdições referidas.
y. No mesmo sentido e em situação que se nos afigura semelhante, entende o próprio Tribunal ad quem que a “marca registando em questão, (com as mesmíssimas expressões), encontra-se já registada em várias jurisdições que, tal como a R.A.E.M., são partes de idênticas Convenções Internacionais sobre a matéria – como, v.g., o Brasil, a R.P. da China, países da União Europeia, India, Japão, etc. ... ; ( ... ) afigurando-se-nos, desta forma, válido e razoável considerar, (sem prejuízo da relevância nesta matéria do “princípio da territorialidade”; cfr., art. 4.º do R.J.P.I.), que se a dita marca é tida como (suficientemente) “distintiva” noutras jurisdições com regimes legais (e costumes) semelhantes aos de Macau, razão (séria) não parece haver para a decidida recusa (colocando-se a R.A.E.M. de “costas voltadas” ou, “à margem” da comunidade internacional).”
z. Deste modo, e tendo em consideração todo o exposto supra, a marca cujo registo ora se solicita é, no entendimento da Recorrente, inerentemente distintiva e deve ser registada em Macau, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos no 214.º, n.º 1, a), 9.º, n.º 1, a) e 199.º, n.º 1, al. b) e c) do RJPI.

Oportunamente notificado das alegações, veio o Senhor Director da DSEDT oferecer o merecimento dos autos, mantendo o despacho de recursa da marca em causa.
Após os vistos dos Exmo.s Juízes-Adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Os Factos
Nos autos foi dada por assente a seguinte factualidade:
- Em 28 de Setembro de 2020, a recorrente apresentou à então Direcção dos Serviços de Economia o pedido de registo da marca n.º N/XXXXXX, cujo sinal é .
- A mencionada marca destina-se a assinalar os seguintes produtos da classe 09: Computadores; hardware de computadores; hardware de computador utilizável; computadores portáteis; computadores de tablete; aparelhos e instrumentos de telecomunicações; telefones; telemóveis; telefones inteligentes; dispositivos de comunicação sem fios para transmissão de voz, dados, imagens, áudio, vídeo, e conteúdo multimédia; aparelhos de comunicação para redes; dispositivos electrónicos digitais portáteis capazes de proporcionar acesso à Internet e para o envio, recepção e armazenamento de chamadas telefónicas, correio electrónico e outros dados digitais; dispositivos electrónicos digitais utilizáveis capazes de proporcionar acesso à internet para enviar, receber e armazenar chamadas telefónicas, correio electrónico e outros dados digitais; relógios inteligentes; rastreadores utilizáveis para actividades físicas; pulseiras (instrumentos de medição); leitores de livros electrónicos; software de computador; software informático para instalação, configuração, operação ou controle de dispositivos móveis, telefones móveis, dispositivos portáteis, computadores, periféricos para computador, codificadores / descodificadores (set-top boxes), televisões, e leitores de áudio e vídeo; software informático para a concepção, descarregamento, recepção, edição, visualização, armazenamento e organização de livros electrónicos, publicações electrónicas, e documentos; software para o desenvolvimento de programas informáticos; software de jogos de computador; áudio, vídeo e conteúdo multimédia pré-gravado descarregável; dispositivos periféricos de computador; dispositivos periféricos para computador, telemóveis, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, auriculares, auscultadores, codificadores / descodificadores (set-top boxes), e leitores e gravadores de áudio e vídeo; periféricos de computador utilizáveis; periféricos de computador utilizáveis para uso com computadores, telemóveis; dispositivos electrónicos móveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, televisões, codificadores / descodificadores (set-top boxes), leitores e gravadores de áudio e video; acelerómetros; altímetros; aparelhos para medição de distâncias; aparelhos para gravação de distâncias; pedómetros; aparelhos para medição da pressão; indicadores de pressão; monitores, ecrãs de exibição, ecrãs de exibição montados e fones de ouvido para uso com computadores, telefones inteligentes, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, televisões, e codificadores / descodificadores (set-top boxes), e leitores e gravadores de áudio e vídeo; óculos inteligentes; óculos 3D; óculos; óculos de sol; lentes para óculos; vidro óptico; artigos ópticos; aparelhos e instrumentos ópticos; câmaras; flashes para máquinas fotográficas; ecrãs para computadores, telefones móveis, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, e leitores e gravadores de áudio e vídeo; teclados, ratos, almofadas para rato, impressoras, unidades de disco, e discos rígidos; aparelhos para gravar e reproduzir sons; leitores e gravadores digitais de áudio e vídeo; altifalantes; amplificadores e receptores de áudio; aparelhos de áudio para veículos motorizados; aparelhos de gravação de voz e reconhecimento de voz; auriculares, auscultadores; microfones; televisões; televisores e ecrãs de televisão; codificadores / descodificadores (set-top boxes); rádios; transmissores e receptores de rádio; aparelhos de sistemas de posicionamento global (GPS); instrumentos de navegação; aparelhos de controlo remoto para controlar computadores, telemóveis, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, leitores e gravadores de áudio e video, televisões, altifalantes, amplificadores, sistemas teatrais domésticos, e sistemas de entretenimento; dispositivos utilizáveis para controlar computadores, telefones móveis, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, leitores e gravadores de áudio e video, televisões, altifalantes, amplificadores, sistemas teatrais domésticos, e sistemas de entretenimento; aparelhos para armazenamento de dados; chips de computador; baterias; carregadores de bateria; conectores, acopladores, fios, cabos, carregadores, acopladores, estações de acoplamento e adaptadores eléctricos e electrónicos para utilização com todos os produtos atrás referidos; interfaces para computadores, periféricos para computador, telemóveis, dispositivos electrónicos digitais móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, televisões, codificadores / descodificadores (set-top boxes), e leitores e gravadores de áudio e vídeo; protector de ecrã adaptados a monitores de computador; capas, sacos, estojos, capas protectoras, correias e cordões para computadores, telemóveis, dispositivos electrónicos digitais móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, auriculares, auscultadores, codificadores / descodificadores (set-top boxes), e leitores e gravadores de áudio e vídeo; varas para selfies (monopods manuais); carregadores de bateria para cigarros electrónicos; colares electrónicos para treinar animais; agendas electrónicas; aparelhos para verificar a selagem de correio; caixas registadoras; mecanismos para aparelhos operados com moedas; máquinas para ditar; marcadores de bainhas para a costura; máquinas de votar; etiquetas electrónicas para bens; máquinas de escolha de prémios; máquinas de telefax; aparelhos e instrumentos de pesagem; medições; quadros de avisos electrónicos; aparelhos de medir; pastilhas de silício [para circuitos integrados]; circuitos integrados; amplificadores; ecrãs fluorescentes; controlo remote; fios condutores de raios luminosos [fibras ópticas]; instalações eléctricas para o controlo remoto de operações industriais; pára-raios; electrolisadores; extintores de incêndio; aparelhos radiológicos para fins industriais; aparelhos e equipamentos salva-vidas; avisadores de apito de alarme; desenhos animados; ensaiadores [aparelhos para o controlo] de ovos; apitos para chamar os cães; ímanes decorativos; vedações electrificadas; retardadores de carro com controlo remoto portáteis; peúgas aquecidas electricamente; aparelhos electrónicos de comando e reconhecimento de voz para controle de operações dispositivos electrónicos de consumo e sistemas residenciais; assistentes digitais pessoais; aparelhos para regular o calor; termóstatos; monitores, sensores, e controles para dispositivos e sistemas de ares condicionados, aquecimento, e ventilação; aparelhos eléctricos para regularização; reguladores de luz eléctrica (reguladores de intensidade da luz eléctrica); aparelhos de controle da electricidade; tomadas elétricas; interruptores eléctricos e electrónicos; alarmes, sensores de alarme e sistemas de monitorização de alarmes; detectores de fumo e monóxido de carbono; fechaduras e fechos eléctricos e electrónicos para portas e janelas; controles eléctricos e electrónicos para portas de garagem; sistemas de segurança e de vigilância residencial.
- O referido pedido foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, n.º 1, Série II, de 6 de Janeiro de 2021.
- Por despacho de 26 de Janeiro de 2022, a Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da DSEDT decidiu recusar o pedido de registo de marca n.º N/XXXXXX (despacho constante no processo administrativo n.º N/XXXXXX, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- O despacho supra referido foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, n.º 7, Série II, de 16 de Fevereiro de 2022.

3. O Direito
No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso interposto pela ora recorrente por entender que a expressão “SensorKit”, de carácter descritivo e sem elemento figurativo, não tem capacidade distintiva para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar, nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido por via do registo como marca, pelo que se deve recusar o respectivo pedido de registo; daí que decidiu manter a sentença recorrida que por sua vez confirmou a decisão da entidade administrativa recorrida, ao abrigo do disposto nos art.ºs 9.º, n.º 1, al. a), 199.º, n.º 1, al. b) e 214.º, n.º 1, al. a) do RJPI.
E sustenta a recorrente que a marca cujo registo pretende é inerentemente distintiva e deve ser registada na RAEM, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos no art.º 214.º, n.º 1, al. a), no art.º 9.º, n.º 1, al. a) e no art.º 199.º, n.º 1, al.s b) e c) do RJPI.
Vejamos se assiste razão à recorrente.

Nos presentes autos, a marca pretendida pela recorrente é “SensorKit”, composta por 2 palavras inglesas de cor preta “Sensor” e “Kit”, desacompanhadas de quaisquer outros elementos, tais como desenhos gráficos ou outras cores.
Nos presentes autos, está em discussão a capacidade distintiva dessa marca.
Constata-se no despacho da DSEDT que o pedido de registo da marca apresentado pela recorrente foi recusado ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 214.º, conjugado com a al. b) do n.º 1 do art.º 199.º, ambos do RJPI, pois na óptica daquela entidade a marca em causa é apena o sinal assinalador da espécie de produtos, sem função de fazer distinguir o mesmo tipo de produtos fabricados por empresas diferentes, faltando-lhe a capacidade distintiva.
E tanto o Tribunal Judicial de Base como o Tribunal de Segunda Instância também entendem que a marca registanda não possui capacidade distintiva, não merecendo a protecção legal nos termos dos art.ºs 9.º, n.º 1, al. a), 197.º e 199.º, n.º 1, al. b) do RJPI.
Salvo o muito respeito por entendimento diferente, achamos que deve ser outra a resposta dada à questão posta em discussão.

Como se sabe, a marca é um dos direitos de propriedade industrial, que confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei – art.º 5.º do RJPI.
Nos termos do art.º 197.º do RJPI, que prevê o objecto da protecção da marca, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Daí que a marca deve ser adequada a distinguir produtos ou serviços, sendo ela “um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
No que respeita à recusa do registo de marca, é previsto como um dos fundamentos “o objecto não ser susceptível de protecção” – art.ºs 9.º, n.º 1, al. a) e 214.º, n.º 1, al. a) do RJPI.
E dispõe o art.º 199.º o seguinte:
“Artigo 199.º
(Excepções e limitações à protecção)
1. Não são susceptíveis de protecção:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3. A pedido do requerente ou de reclamante, a DSE indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de utilização exclusiva do requerente.”

Por outras palavras, não obstante a liberdade de que as empresas e pessoas gozam na constituição da morca, certo é que só são registados como marca e merecem a proteção legal os sinais que tenham capacidade distintiva, susceptíveis de fazer distinguir de forma adequada os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras.
Prevê o art.º 199.º do RJPI as excepções e limitações à protecção das marcas, estipulando expressamente que não são susceptíveis de protecção “os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos” bem como “os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio” – al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 199.º.
E nos termos do n.º 3 do art.º 214.º do mesmo diploma legal, “o facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo”.

No ensinamento do Professor Luís Couto Gonçalves, “A marca deve, por definição e no cumprimento da sua função própria, ter capacidade distintiva o que significa que deve ser apta, por si mesma, a individualizar uma espécie de produtos e serviços.
A capacidade distintiva da marca, sendo um pressuposto essencial da função da marca, concretiza-se e garante-se, mas não se esgota, nas proibições que a lei expressamente consagra.”
“Sinal Descritivo (do Produto ou Serviço) é, normalmente, a denominação que indica, exclusiva e diretamente, a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação de serviços, ou outras características dos mesmos ….
Um sinal descritivo não é distintivo na medida em que é comum aos objetos idênticos qualquer que seja a sua origem.
Mas a marca só é efetivamente descritiva se, como referimos, for exclusiva e diretamente descritiva.
Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for diretamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa.
As marcas sugestivas, que tanto podem sugerir o nome do produto ou serviço como as respetivas características, são marcas perfeitamente válidas embora o regime de proteção seja mais ténue, especialmente no tocante ao juízo de confundibilidade.
É, na verdade, útil, sob o ponto de vista comercial, que a marca possa, por si mesma, sugerir ou deixar adivinhar o objeto assinalado. Mas é igualmente necessário acautelar o princípio da igualdade entre os concorrentes.
É com base na ponderação e procura do melhor equilíbrio entre esses interesses divergentes que se deve orientar a decisão de casos concretos.”2
Para o Professor Ferrer Correia, «não possuem eficácia distintiva “as marcas exclusivamente compostas de sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época de produção” …. Referem-se aqui os chamados sinais descritivos dos produtos. Trata-se de denominações genéricas indispensáveis à identificação das mercadorias, ou de expressões (ou sinais) necessárias para a indicação das suas qualidades ou funções, que, em virtude do seu uso generalizado e como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizadas (exs.: não poderão registar-se como marca para os produtos correspondentes, quando usadas exclusivamente, as expressões “frigorífico”, “vinho de mesa”, “pasta dentífrica”)3.
Importa, todavia, salientar que os sinais descritivos dos produtos só não poderão preencher, de per si, o conteúdo da marca se forem usados sem modificação. A proibição já não valerá quando, através de alterações gráficas e fonéticas, se lhes atribua um conteúdo original e distintivo. Como escreve FERRARA JUNIOR4, todo o empresário “tem interesse em que no conteúdo ideológico da marca transpareça, de qualquer modo, o nome do produto, ou uma das suas qualidades, ou a respectiva função, e isto porque, assim, a marca fixar-se-á mais facilmente na memória dos consumidores e terá, por consequência, maior eficácia. Ora se tal objectivo pode ser alcançado sem prejuízo do interesse que simultâneamente têm as demais pessoas no uso do sinal comum, não há motivo para impedir que seja realizado”.
As marcas assim constituídas – de uso, aliás, muito frequente – são designadas na doutrina por marcas significativas ou expressivas (exs.: “laranjina”, para uma bebida com base na laranja; “dentol”, para uma pasta dentífrica; “betic” para um medicamento contra a diabetes; “frigeco”, para um frigorífico). Observe-se, no entanto, que o direito à marca só abrange aqui, rigorosamente, o conteúdo original da expressão adoptada. Poderão, por consequência, outros empresários, para distinguir os seus produtos, adoptar os elementos da marca que se tenham retirado da expressão descritiva de uso comum.»5
Postas tais considerações e atenta a marca que está em causa nos presentes autos, afigura-se-nos que não está preenchida a previsão na al. b) do n.º 1 do art.º 199.º, sem perder de vista o “subjectivismo” que naturalmente intervém na matéria respeitante à capacidade distintiva da marca.
Na verdade, não obstante o uso na linguagem corrente das duas palavras que compõem a marca registanda, consideradas em separado, certo é que, com a “junção” ou “associação” dessas palavras numa só expressão, a marca em discussão não deixa de ter a necessária capacidade distintiva que justifica a sua protecção legal.
Convém relembrar aqui um acórdão recentemente proferido pelo Tribunal de Última Instância em que, chamados a pronunciar-se sobre a capacidade distintiva da marca “APP CLIPS”, fizemos consignar o seguinte6:
«In casu, (como se deixou relatado), a “marca” cujo registo pretende a recorrente é “APP CLIPS”, para os bens e serviços da “classe 9” atrás já referenciados.
E, se certo se apresenta que uma “frase – puramente – descritiva”, eventualmente, com características “promocionais”, (que se limita a elogiar as qualidades dos produtos ou serviços), não é passível de registo, o mesmo já não sucede com “frases”, (ou expressões), que contenham determinadas “características”, e que, ainda que se possam considerar “simples”, (dada a sua natureza, composição, referência, etc…), não são “comuns”, ao ponto de, à partida, e de imediato, se (poder) excluir qualquer (necessidade de) análise e reflexão, ou qualquer “esforço de interpretação” por parte do público consumidor.
Ora, ponderando na aludida “marca registanda” – composta pela junção das expressões: “APP” e “CLIPS” – somos de opinião que a mesma possui (a necessária) “capacidade distintiva”, pois que as expressões aí empregues, (e muito especialmente pela sua “junção” ou “associação”), não deixam de “instigar a reflexão”, desencadeando e sugerindo, por sua vez, um “processo cognitivo na mente do público” ao qual se dirige, sendo, por isso, passível de (mais fácil) “memorização”, o que a torna capaz de “distinguir” os produtos a que diz respeito dos produtos de empresas concorrentes.
Nesta conformidade, mostra-se pois de considerar que a dita marca registanda, (que em nossa opinião, “não descreve”, mas apenas “sugere”), tem – suficiente – originalidade e impacto, desencadeando, no público relevante um “processo cognitivo” que implica, por sua vez, um “esforço de interpretação”, o que, por si, justifica a sua reclamada “capacidade distintiva”; (a este respeito, veja-se a concepção de Paul Mathély apud Américo da Silva Carvalho in, “Direito de Marcas”, Coimbra, pág. 211, e ainda, Pedro Sousa Silva in, “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, pág. 152 a 154).
Compreende-se, e, obviamente, respeitam-se outras opiniões sobre a matéria.
Porém, temos como adequada a solução que se deixou adiantada.
Na verdade, em matérias como a ora em causa, adequado não se mostra de adoptar perspectivas – digamos que algo – “redutoras” das circunstâncias (e outras realidades) que sustentam e esclarecem o pedido apresentado.
…»
Tendo em consideração a composição da marca registanda, entendemos que as considerações supratranscritas também são válidas para o caso vertente, sendo de manter a posição acima exposta.
Concluindo, é de conceder provimento ao recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se as decisões das duas instâncias inferiores e determinando-se o registo da marca pretendida pela recorrente.
Sem custas.

30 de Junho de 2023
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
2 Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2019, 8.ª edição, pag.s 211-212.
3 Tratando-se de marcas figurativas, não poderá, por exemplo, uma folha de videira ser adoptada como marca de vinhos, ou um limão como marca de certa limonada.
4 Ob. cit., pág. 214.
5 Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, pág.s 324 e 325.
6 Cfr. Ac. do TUI proferido no Processo n.º 129/2022, de 19 de Abril de 2023, seguido pelo acórdão de 26 de Abril de 2023, Processo n.º 123/2022.
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13
Processo n.º 51/2023