Processo nº 894/2022
(Recurso Contencioso)
Data do Acórdão: 20 de Setembro de 2023
ASSUNTO:
- Questão prejudicial
- Desligamento automático do serviço
- Faltas por doença
SUMÁRIO:
- Perante a existência de uma questão prejudicial da competência de outro órgão administrativo ou de um tribunal, o órgão competente deverá suspender o procedimento, não estando, no entanto, vinculado a fazê-lo, podendo decidir a questão prejudicial, nomeadamente, quando se verifique o pressuposto da parte final do n.º 1 do artigo 33.º do CPA, sem que, no entanto, essa decisão produza efeitos fora do procedimento (artigo 33.º, n.º 3 do CPA);
- O desligamento automático do serviço previsto na norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM tem lugar findo que esteja o período de 18 meses de faltas por doença, a que se reporta o n.º 1 do artigo 106.º do mesmo Estatuto;
- No entanto, como expressamente se prevê nesta última norma, não relevam para este efeito quaisquer períodos de doença, mas apenas aqueles a que se refere o n.º 3 do artigo 105.º do ETAPM, o que significa que no período de 18 meses a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM apenas entram as faltas por doença que tenham sido verificadas pela Junta de Saúde.
- Se a Junta de Saúde, através dos seus diversos pareceres, jamais determinou que o Recorrente devesse continuar em situação de falta por doença, não lobrigamos fundamento legal para que se possa considerar que a sua situação chegou a integrar o pressuposto da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º, conjugada com as normas do n.º 1 do artigo 106.º e do n.º 3 do artigo 105.º, todas do ETAPM, não havendo que ter sido desligado automaticamente do serviço por ter atingido os 18 meses em situação de falta por doença.
___________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 894/2022
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 20 de Setembro de 2023
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 09.11.2022 que aplicou o Recorrente por infracção disciplinar na pena de demissão, formulando as seguintes conclusões:
a) No presente caso, tal como concorda a entidade recorrida, se o arguido já atingiu o limite máximo de faltas por doença antes do período de faltas injustificadas aqui acusado, por corresponder ao disposto sobre a aposentação pelo ETAPM, devendo estar em situação de desligação do serviço para efeitos de aposentação, então não se coloca a questão de faltas injustificadas desta vez acusadas de 02/09 a 19/11/2020 (vd. os autos administrativos a fls. 1068). Portanto, é necessário verificar se o recorrente correspondia ao disposto pelo ETAPM antes de aplicar-se-lhe a demissão desta vez.
b) Na realidade, de 05/07/2018 a 01/09/2020, o recorrente faltava ao serviço por doença e entregava sempre os atestados médicos (anexo 2). Em 11/11/2020 o recorrente foi acusado de falta injustificada (referente a 18/05/2019 a 12/09 do mesmo ano e 02-15/09/2020) e aplicou-se-lhe a primeira pena de demissão (doravante “1.ª demissão”). A decisão foi anulada pelo acórdão do TSI (n.º 10/2021, anexo 4), acórdão esse foi confirmado depois pelo TUI (n.º 42/2022, anexo 5).
c) Os acórdãos já transitaram em julgado (anexo 6). Os acórdãos indicam sobretudo o seguinte: como o parecer da Junta de Saúde não era “acto administrativo”, só depois de ter notificado o recorrente do acto confirmativo do Director dos SS é que a falta de regresso ao serviço constitui “falta injustificada”; então as faltas do recorrente de 18/05/2019 a 12/09 do mesmo ano eram justificadas por doença.
d) Dispõe o art.º 122.º, n.º 2, alínea h) do CPA, “os actos que ofendam os casos julgados” são actos nulos. Um dos acórdãos relevantes neste caso indicou o seguinte: “segundo a doutrina de Direito Administrativo de autorizada, para além de não ofender os vícios já declaradamente existentes segundo as decisões do tribunal, o acto de renovação da Administração deve ainda respeitar o efeito preclusivo complementar da sentença anulatória. Ou seja, respeitar o enquadramento factual e as regras jurídicas já consideradas e verificadas pelo tribunal no momento de proferir a sentença… A atribuição de força exclusiva suplementar à sentença anulatória tem como objectivo, precisamente, evitar que a Administração afugente a qualificação jurídica que jaz na base da sentença, a fim de não praticar acto de renovação com base em fundamentos nunca invocados antes no procedimento administrativo.” (vd. os parágrafos 1 e 2 a fls. 5 No acórdão n.º 151/2022 do TSI).
e) O despacho recorrido não praticou acto de renovação completamente directa à 1.ª decisão de demissão (há coincidência parcial entre algumas faltas em causa na demissão desta vez e as da primeira demissão). Apesar disso, ao aplicar a presente demissão, sobretudo ao julgar se o recorrente já satisfazia o disposto pelo ETAPM sobre a aposentação obrigatória, ficam envolvidas necessariamente a análise e a qualificação das faltas examinadas na 1.ª pena de demissão. Então devia-se ter respeitado o enquadramento factual e as regras jurídicas já consideradas e verificadas pelo TSI e pelo TUI nas sentenças.
f) Portanto, segundo o critério de juízo de facto e de direito sobre as faltas contido nos acórdãos acima referidos do TSI e do TUI já transitados em julgado, é de qualificar as faltas por doença do recorrente de 17/05/2019 a 19/11/2020 como justificadas. Na realidade, ao consultar o FP, o CPSP também indicou explicitamente que no que toca ao recorrente, “…Os períodos de falta por doença não confirmados pela Junta de Saúde, segundo os acórdãos do TUI e do TSI, foram considerados ‘faltas justificadas’…” (vd. a parte no meio a fls. 2 do anexo 3).
g) O despacho recorrido, porém, somente com base no parecer do FP constante do ofício, entendeu que o recorrente não satisfazia o disposto sobre a aposentação obrigatória pelos art.º 106.º, n.º 1, art.º 107.º, n.º 1, alínea a) e art.º 262.º do ETAPM. No entanto, o parecer do FP baseia-se simplesmente no registo de verificação da Junta de Saúde, sem considerar nem respeitar a decisão dos tribunais (vd. o anexo 3 a fls. 9v e 10).
h) Então o parecer do FP ofendeu evidentemente os casos julgados pelo TSI e pelo TUI sobre a 1.ª pena disciplinar. O despacho recorrido enferma do vício de nulidade previsto pelo art.º 122.º, n.º 2, alínea h) do CPA, de “ofender os casos julgados”.
i) Se se discordar da opinião acima referida sobre o vício de nulidade, então o despacho recorrido violou o art.º 33.º, n.º 1 do CPA, que dispõe, “Se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos.”
j) Tal como dito atrás, para a aplicação da pena disciplinar aqui em causa, é de confirmar se o recorrente já devia ter estado em situação de desligação do serviço para efeitos de aposentação antes do período de faltas injustificadas acusado por satisfazer o art.º 106.º, n.º 1 e o art.º 107.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM, Nos termos do art.º 267.º do ETAPM, o FP é competente para verificar a situação de aposentação obrigatória.
k) Por isso, salvo se da não punição imediata do recorrente resultar graves prejuízos (que, na realidade, não existem), a decisão definitiva final do FP sobre a aposentação obrigatória do recorrente constitui a questão prejudicial prevista pelo art.º 33.º, n.º 1 do CPA no presente procedimento disciplinar. Então a Administração deve suspender o procedimento disciplinar até ao resultado final da questão prejudicial.
l) Apesar do facto de que o despacho recorrido citou o parecer do FP no ofício de resposta (vd. o penúltimo parágrafo a fls. 2 do anexo 1), indicando que o recorrente não satisfazia o disposto sobre a aposentação obrigatória, tal como resulta do relatório nos autos administrativos, se o recorrente “já entrou ou está no estado de aposentação obrigatória, na falta de decisão final dos órgãos administrativos ou judiciais, tem-se ainda dúvidas…” (vd. os autos administrativos a fls. 1052v).
m) Depois do acompanhamento em seguida da queixa apresentada pelo recorrente sobre o procedimento de aposentação obrigatória, segundo a resposta do CPSP à Comissão de Gestão do Tratamento de Queixas Apresentadas por Trabalhadores dos Serviços Públicos, o procedimento estava por instaurar-se (vd. o anexo 8). Ou seja, ainda não há conclusão final se o recorrente já estava em situação de desligação do serviço para efeitos de aposentação por satisfazer o disposto sobre a aposentação obrigatória antes do período de faltas injustificas acusadas no presente procedimento disciplinar (02/09/2020).
n) Então, o despacho recorrido, simplesmente com base no ofício de resposta do FP, decidiu não suspender o presente procedimento disciplinar e aplicar a pena de demissão ao recorrente. Enferma do vício previsto pelo art.º 33.º, n.º 1 do CPA. Deve ser anulado.
o) Se não se concordar com a suspensão do presente procedimento disciplinar, o recorrente precisa de indicar ainda que é decisivo para a pena disciplinar aqui em discussão se já a partir de 01/2020 ele já devia estar em situação de desligação do serviço para efeitos de aposentação, por satisfazer os requisitos legais. Por isso, a entidade recorrida pode sim julgar sobre a questão no procedimento disciplinar, Apesar disso., devia ter analisado o presente caso de maneira cautelosa e concreta, devendo sobretudo decidir correctamente sobre as faltas em discussão, segundo os acórdãos do TSI e do TUI.
p) No entanto, ao analisar a questão ora em apreço, o despacho recorrido citou simplesmente o parecer do FP no ofício de resposta de o recorrente não satisfazia o disposto relacionado. Resulta do ofício de resposta do FP (vd. os autos administrativos a fls. 1080v a 1081) que o FP considerava que o recorrente não correspondia ao disposto pelos art.º 106.º, n.º 1, art.º 107.º, n.º 1, alínea a) e art.º 262, n.º 2 do ETAPM, simplesmente porque as faltas por doença concedidas pela Junta de Saúde não atingiram o limite estabelecido pela lei.
q) É de indicar o seguinte: nos termos do art.º 174.º, n.º 3 do CPAC sobre o cumprimento das sentenças e a jurisprudência respeitante (o acórdão n.º 1153/A do TSI), visto que os tribunais já proferiram acórdãos anulatórios, a Administração deve respeitá-los rigorosamente e executar todas as obrigações provenientes da anulação do acto administrativo.
r) No presente caso, tanto o TSI como o TUI conheceram do caso da 1.ª pena de demissão, com as decisões já transitados em julgado. Os acórdãos julgaram em termos explícitos que as faltas por doença do recorrente de 18/05/2019 a 12/09 do mesmo ano eram justificadas.
s) Os acórdãos analisaram factual e juridicamente as faltas do recorrente, indicando que o parecer da Junta de Saúde não tem natureza de acto administrativo. Dado que o acto confirmativo do Director dos SS não foi notificado ao recorrente, e este, por sua vez, entregava sempre os atestados médicos, as faltas naquele período não devem ser consideradas injustificadas (vd. o anexo 5 a fls. 15 e 16).
t) Portanto, com base nos acórdãos acima referidos, as faltas por doença do recorrente de 17/05/2019 a 01/09/2020 (ou pelo mesmo a 18/06 do mesmo ano), faltas essas não confirmadas pela Junta de Saúde, devem ser consideradas como todas justificadas.
u) Na realidade, a Administração, conforme os acórdãos, já confirmou ao recorrente as faltas por doença de 17/05/2019 a 19/11/2020 e por isso procedeu á calculação e ao pagamento adicional de vencimento e subsídios, entre outros (vd. o anexo 9).
v) Resulta do ofício do FP (vd. os autos administrativos a fls. 1073) que o FP considerava que o recorrente não correspondia ao disposto sobre a aposentação obrigatória simplesmente porque as faltas por doença concedidas pela Junta de Saúde não atingiram o limite estabelecido pela lei. Obviamente não executou rigorosamente o resultado do caso julgado acima referido.
w) É de mencionar ainda que para com os casos semelhantes, Os SS responderam ao CPSP que como os tribunais já tinham considerado como justificadas as faltas por doença antes não confirmadas dos trabalhadores, a Junta de Saúde não considerava necessária a sua própria intervenção, examinando os mesmos trabalhadores (vd. os autos administrativos a fls. 1072). No ofício de consulta do CPSP dirigido ao FP, o CPSP indicou que os SS não voltariam a pronunciar-se sobre as faltas por doença julgadas como justificadas através dos acórdãos (vd. o anexo 3 a fls. 2v, ou seja, os autos administrativos a fls. 1073v).
x) Obviamente, a Administração conhecia claramente que as faltas por doença do recorrente antes não confirmadas já tinham sido julgadas como justificadas pelos tribunais.
y) No presente caso, segundo resulta dos autos, a partir de 05/07/2018, o recorrente não conseguia regressar ao serviço por faltas por doença e apresentava sempre os atestados médicos nos termos legais (anexo 2 e os autos administrativos, fls. 115-309, 842-852 e informações no seu arquivo pessoal). Até 05/01/2020, já estava findo o período de 18 meses previstos pela lei. Então corresponde ao disposto pelo art.º 106.º (sic – N. da T.), n.º 1, alínea a) do ETAPM sobre o limite máximo de faltas por doença.
z) O recorrente ingressou no CPSP em 29/05/1999. Em 2014 já tinha completado 15 anos de serviço (os autos administrativos, fls. 1057). Então corresponde ao disposto pelo art.º 107.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM. Findo o período de 18 meses de falta por doença e tendo completado 15 anos de serviço, é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação. Então corresponde ao disposto sobre a aposentação obrigatória pelo art.º 262.º, n.º 1, alínea b) do ETAPM.
aa) Em Janeiro de 2020, o recurso contencioso da 1.ª pena de demissão do recorrente ainda estava pendente. Então a Administração não deu início de imediato ao procedimento de aposentação obrigatória. No entanto, depois do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo TUI, é de proceder ao tratamento oficioso. O recorrente, notificado, regressou ao serviço e logo apresentou o seu pedido em termos explícitos para isso (vd. os autos administrativos a fls. 1039).
ab) Obviamente, o caso do recorrente satisfaz cabalmente o disposto pelo ETAPM sobre aposentação obrigatória. O despacho recorrido, porém, citando o parecer do FP, julgou erradamente. Ofendeu obviamente o art.º 174 do CPAC, nem respeitou o art.º 106.º, n.º 1, do art.º 107.º, n.º 1, alínea a), do art.º 262, n.º 1, alínea b) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
ac) Por fim, visto que o recorrente satisfaz os pressupostos para a aposentação obrigatória, o despacho recorrido aplicou erradamente o art.º 13.º, n.º 2, alínea a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, por ter considerado que o recorrente violou o dever de assiduidade pelas faltas injustificadas de 02/09 a 19/11/2020.
Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, não apresentando, contudo, conclusões.
Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, estas silenciaram.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando para que se julgasse improcedente o recurso.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
Dos autos consta a seguinte factualidade com relevância para a decisão da causa:
a) Pelo Senhor Secretário para a Segurança em 09.11.2022 foi aplicada a pena de demissão ao Recorrente tendo o respectivo despacho o seguinte teor:
«Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
Despacho n.º 062/SS/2022
Assunto: procedimento disciplinar
Autos n.º 206/2019 do CPSP
Arguido: guarda n.º 106 991, A
Segundo as informações contidas nos autos, sobretudo os relatórios internos e a lista de turno de serviço do Departamento de Controlo Fronteiriço, bem como as alegações do arguido, já está suficientemente apurado os factos acusados: de 02/09 a 19/11/2020, o arguido faltou ao serviço sem justificação durante 79 dias consecutivos. O arguido alegava estar indisposto naquele tempo e portanto não conseguiu ir a trabalhar; no entanto, não foi ao médico. O seu acto violou o dever de assiduidade previsto pelo art.º 13.º, n.º 2, alínea a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M (correspondente ao art.º 93.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 13/2021 – Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança).
Na contestação escrita o arguido invocou ter faltado ao serviço por doença por mais de 18 meses até Janeiro de 2020 e além disso, ter prestado mais de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação. Nos termos do art.º 262.º, n.º 1, alínea b) do ETAPM, conjugado com o art.º 106.º, n.º 1 e o art.º 107.º, n.º 1, alínea a), é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação. Além disso, o arguido já levantou a questão por escrito em 08/06/2022; pediu, portanto, suspender o presente procedimento disciplinar à espera da decisão a pronunciar-se no processo de aposentação relacionado.
No entanto, segundo o que consta do ofício de resposta do Fundo de Pensões, que já analisou o caso do arguido, chegou-se à conclusão de que não está satisfeito o pressuposto previsto pelo art.º 106.º, n.º 1, n.º 2 e pelo art.º 107.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, pelo que não se aplica o disposto no art.º 262, n.º 2 sobre aposentação obrigatória.
No caso do arguido, concorrem as circunstâncias previstas pelo art.º 200.º, n.º 2, alíneas b) e h) (correspondentes ao art.º 156.º, n.º 2, alíneas 2) e 8) da Lei n.º 13/2021), sem qualquer circunstância agravante, nem dirimentes ou ainda excludentes de responsabilidade disciplinar.
Em 14/09/2022, o Conselho disciplinar do CPSP procedeu à apreciação obrigatória nos termos do art.º 202.º, n.º 1, alínea 6) da Lei n.º 13/2021, Aprovou-se unanimemente aplicar a pena de demissão ao arguido.
Sem justificação, o arguido faltou ao serviço por 79 dias consecutivos. O seu acto já violou gravemente o dever de assiduidade dos agentes das Forças de Segurança. Portanto, nos termos do art.º 204.º, n.º 2 da Lei 13/2021. Por isso, o Secretário para a Segurança, usando da faculdade conferida pela tabela Anexo G a que se refere o n.º 1 do artigo 211.º do EMFSM e pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 182/2019 e nos termos dos art.º 219.º, alínea g), art.º 224.º, art.º 228.º, art.º 238.º, n.º 1, n.º 2, alínea i) e art.º 240.º, alínea c) do EMFSM (correspondentes, respectivamente, aos art.º 135.º, alínea 2), subalínea (2), art.º 140.º, art.º 144.º, art.º 153.º, n.º 1, n.º 2, alínea 9) e art.º 155.º, alínea 3) da Lei n.º 13/2021), decide aplicar a pena de demissão ao arguido.
Notifique-se o arguido de que pode interpor recurso contencioso ao TSI do presente despacho no prazo de 30 dias.
09/11/2022, Gabinete do Secretário para a Segurança RAEM.
O Secretário para a Segurança,
(ass.: vd. o original)
Wong Sio Chak»
– cf. fls. 12 e 13 traduzido a fls. 101 a 103 -;
b) Em 10.11.2022 o ora Recorrente foi notificado daquele despacho – cf. fls. 11 traduzido a fls. 99 e 100 -;
c) Este recurso foi apresentado em 09.12.2022 - cf. fls. 2 -;
b) Do Direito
É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança em 9 de Novembro de 2022 que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, pedindo a respectiva anulação.
Foi apresentada contestação pela Entidade Recorrida nela se tendo pugnado pela improcedência do recurso.
2.
(i)
Está em causa no presente recurso um acto praticado pelo Secretário para a Segurança que decretou a demissão do Recorrente com fundamento na violação do dever de assiduidade previsto pelo artigo 13.º, n.º 2, alínea a), do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, por se ter demonstrado no procedimento administrativo que o arguido faltou sem justificação durante 79 dias consecutivos, entre 2 de Setembro e 19 de Novembro de 2020.
(ii)
Começa o Recorrente por invocar para fundamentar a sua pretensão impugnatória, a violação de caso julgado e a nulidade do acto daí decorrente prevista na norma da alínea h) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), segundo a qual são nulos os actos que ofendam os casos julgados.
A verdade, todavia, é que, em nosso modesto entender, tal nulidade não ocorre.
O caso julgado que se formou com a decisão final anulatória proferida pelo Tribunal de Última Instância no processo de recurso contencioso que aí foi instaurado pelo Recorrente e correu termos sob o n.º 10/2021, cingiu-se ao acto praticado pela Entidade Recorrida que demitiu aquele com fundamento no facto de o mesmo se ter constituído em situação de ausência ilegítima entre 17 de Maio e 12 de Setembro de 2019.
Na base da decisão judicial anulatória esteve o entendimento de que as faltas dadas pelo Recorrente naqueles dias deviam ser consideradas justificadas e, como tal, não se verificava a alegada situação de ausência ilegítima.
A Entidade Recorrida, em execução do julgado anulatório, reintegrou o Recorrente no dia 8 de Junho de 2022, como se lhe impunha. Acontece que, por ter constatado que este faltou injustificadamente entre os dias 2 de Setembro e 19 de Novembro de 2020, foi desencadeado um novo processo disciplinar que culminou com a decisão de demissão que agora é objecto de recurso.
Ora, esta decisão punitiva não ofendeu o caso julgado anterior pela simples razão de que, ao fundar a sua decisão em factos novos que não integraram o objecto do processo anterior, a Administração não reincidiu nos vícios anteriormente verificados pelo Tribunal. Aliás, nem sequer se tratou de um acto renovador do acto anteriormente anulado, mas de um acto novo praticado com base em pressupostos de facto diversos daqueles que fundaram o acto anterior.
Não ocorre, pois, segundo cremos, a invocada ofensa do caso julgado.
(iii)
O segundo vício suscitado pelo Recorrente é o da violação do artigo 33.º, n.º 1 do CPA.
Segundo alega, a decisão disciplinar punitiva aqui impugnada dependia da decisão de uma questão prejudicial, qual seja a de saber se, antes das faltas dadas pelo Recorrente e que justificaram a sua demissão, o mesmo já havia sido automaticamente desligado do serviço nos termos previstos no artigo 106.º, n.º 1 e 107.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM). Como tal, diz o Recorrente, devia ter sido ordenada a suspensão do procedimento nos termos impostos pelo referido n.º 1 do artigo 33.º do CPA, pelo que, ao não o fazer, a Administração incorreu em ilegalidade susceptível de justificar a anulação do acto recorrido.
Parece-nos que também neste ponto a pretensão do Recorrente não colhe.
Vejamos.
De acordo com a referida norma legal, «se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos».
Desta norma resulta, portanto, que perante a existência de uma questão prejudicial da competência de outro órgão administrativo ou de um tribunal, o órgão competente deve suspender o procedimento. Não está, no entanto, vinculado a fazê-lo, podendo decidir a questão prejudicial, nomeadamente, quando se verifique o pressuposto da parte final do n.º 1 do artigo 33.º do CPA, sem que, no entanto, essa decisão produza efeitos fora do procedimento (artigo 33.º, n.º 3 do CPA).
Por outro lado, da decisão que, expressa ou implicitamente, não suspenda o procedimento com fundamento em questão prejudicial, não cabe impugnação, uma vez que essa decisão, em si mesma, é insusceptível de lesar interesse procedimentalmente relevante do particular (assim, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 202).
No caso em apreço, verifica-se que a Administração, ao menos implicitamente, entendeu que não era de suspender o procedimento que culminou com o acto administrativo recorrido e tenha, ela própria, apreciado e decidido a questão prejudicial, embora, como os autos documentam, não tenha deixado de obter junto do Fundo de Pensões a informação necessária para conhecer dessa questão, ou seja, a de saber se o Recorrente, em Janeiro do ano de 2020 foi automaticamente desligado do serviço, pelo que, entre Setembro e Novembro do mesmo ano não poderia ter falta injustificadamente ao serviço.
Ora, ao Recorrente, perante esta actuação da Administração, abre-se apenas a possibilidade de questionar a legalidade da decisão da Administração relativamente à questão prejudicial; não já a possibilidade de questionar a própria decisão da Administração de não suspender o procedimento e conhecer a dita questão, como, de resto, o Recorrente não deixou de fazer.
Daí que, em nosso modesto entender deve improceder este fundamento do recurso.
(iv.)
A última questão colocada pelo Recorrente é, justamente, se bem interpretamos a douta petição inicial, o que nem sempre se afigura tarefa fácil, é a de saber se a Administração incorreu em ilegalidade ao considerar que não ocorreu o desligamento automático do serviço por si invocado.
A nosso modesto ver essa ilegalidade não ocorre. Pelas breves razões que seguem.
Para o que agora interessa, o desligamento automático do serviço previsto na norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM), tem lugar findo que esteja o período de 18 meses de faltas por doença, a que se reporta o n.º 1 do artigo 106.º do mesmo Estatuto.
No entanto, como expressamente se prevê nesta última norma, não relevam para este efeito quaisquer períodos de doença, mas apenas aqueles a que se refere o n.º 3 do artigo 105.º do ETAPM, no qual se preceitua o seguinte: «quando a Junta de Saúde considere que o trabalhador não se encontra em condições de retomar a actividade, pode determinar a permanência na situação de faltas por doença por períodos sucessivos de 30 dias, até ao limite legal, e marcar a data de submissão a nova Junta».
Significa isto, se bem vemos, que no período de 18 meses a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM apenas entram as faltas por doença que tenham sido verificadas pela Junta de Saúde, reporta-se, dizendo de outro modo, a situações em que foi a própria Junta de Saúde que determinou a permanência do trabalhador em situação de falta por doença, não abrangendo, portanto, os casos em que as faltas são justificadas por atestado médico, nos termos gerais que decorrem da norma da alínea a) do artigo 100.º do ETAPM.
No caso, verifica-se que as faltas ao serviço por doença dadas pelo Recorrente não resultaram de determinação da Junta de Saúde e, como tal, não se mostra preenchido o pressuposto a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM, pelo que falece igualmente a possibilidade de considerar que ocorreu o desligamento do serviço do Recorrente por aplicação da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do mencionado Estatuto.
Uma nota final, apenas para referirmos que, em nosso modesto entendimento, o Recorrente labora num equívoco ao pretender extrair consequências da anulação do acto de demissão que foi impugnado no processo de recurso contencioso que correu termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 10/2021, para o efeito de considerar estar verificado o pressuposto do desligamento do serviço a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM.
Na verdade, naquele recurso contencioso e, depois no recurso jurisdicional interposto pela Entidade Recorrida perante o Tribunal de Última Instância, o que se apreciou e decidiu foi apenas a questão de saber se as faltas por doença dadas pelo Recorrente entre 17 de Maio e 1 de Setembro de 2019 deviam ou não considerar-se justificadas, tendo sido decidido que tais faltas seriam de considerar justificadas em virtude de o Recorrente ter apresentado os respectivos atestados médicos, tendo, por isso, anulado o acto de demissão do Recorrente. Tanto o Tribunal de Segunda Instância como o Tribunal de Última Instância, limitaram-se a apreciar, no essencial, a questão da justificação das faltas na perspectiva da sua relevância disciplinar e nada mais. Deste modo, não pode, pois, extrair-se dessas decisões, contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, que este tenha estado durante 18 meses em situação de falta por doença que, embora não tenha sido determinada pela Junta de Saúde, valeria como se o tivesse sido, de tal modo que devesse considerar-se que, uma vez completado esse período de tempo, o mesmo se desligou automaticamente do serviço. São, manifestamente, coisas diferentes.
Aliás, se naqueles recursos se considerou que os actos praticados pela Junta de Saúde eram ineficazes, por falta de homologação do Director dos Serviços de Saúde, e, como tal, não podia, com base, neles, fundar-se a responsabilidade disciplinar do Recorrente que a Entidade Recorrida pretendia efectivar, o certo é que, a Junta de Saúde, através dos seus diversos pareceres, jamais determinou que o Recorrente devesse continuar em situação de falta por doença e, portanto, repetimos, não lobrigamos fundamento legal para que se possa considerar que a sua situação chegou a integrar o pressuposto da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º, conjugada com as normas do n.º 1 do artigo 106.º e do n.º 3 do artigo 105.º, todas do ETAPM.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
Apenas um reparo a fazer ao Douto parecer que antecede no sentido de que a decisão proferida por este tribunal no processo que correu termos no sob o nº 10/2021 não assenta na falta de homologação do parecer da Junta pelo Director dos Serviços de Saúde, mas sim, na falta de notificação dessa homologação ao ali e aqui Recorrente. Bem como que, no processo anterior apenas se consideraram justificadas as faltas dadas pelo Recorrente e justificadas com atestado médico após a realização da Junta médica por omissão daquela notificação, sendo certo que, na Junta médica nem a doença foi verificada, pelo que, em face da não verificação da doença pela Junta não estariam preenchidos os pressupostos da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º, conjugada com as normas do n.º 1 do artigo 106.º e do n.º 3 do artigo 105.º, todas do ETAPM.
Em tudo o mais, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
De realçar também que a decisão impugnada naquele processo não versava sobre as faltas agora subjacentes ao despacho objecto deste processo, embora ali a determinado passo se desse notícia disso, mas não eram objecto de decisão alguma, tanto mais que quanto às faltas subjacentes a estes autos não se punha sequer a questão de ter sido apresentado atestado médico – porque não foi – e ser irrelevante tudo quanto ali se decidiu das faltas serem consideradas justificadas face aos atestados médicos juntos porque o cidadão nunca havia sido notificado da decisão de homologação do parecer da junta médica.
Logo, como bem se refere no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público não há identidade de factos “que fundamentam as decisões objecto dos recursos (daquele e deste)”.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente fixando a taxa de justiça em 6 UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 20 de Setembro de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1° Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2° Juiz-Adjunto)
Fui presente
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenado do M°P°)
894/2022 REC CONT 1