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Processo nº 585/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 27 de Setembro de 2023

ASSUNTO:
- Poder jurisdicional

SUMÁRIO:
Proferida a decisão final no processo fica esgotado o poder jurisdicional não podendo o respectivo juiz suspender ou tomar qualquer decisão quanto ao efeito da decisão proferida para além daqueles que resultem do recurso que eventualmente haja sido interposto.


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Rui Pereira Ribeiro






Processo nº 585/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Setembro de 2023
Recorrente: A Limitada
Recorrida: B Limited
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, com os demais sinais dos autos,
  Vem interpor recurso do despacho a fls. 947 dos autos de arresto em que é Requerente a ora Recorrente e Requerida B Limited, igualmente com os demais sinais dos autos, apresentando as seguintes conclusões:
1. Sem dúvida, o pedido da recorrente, constante das fls. 941 a 942 dos autos, de suspender a execução do levantamento do arresto não é uma matéria de mero expediente, mas sim controvertido.
2. Nos termos do art.º 108.º n.º 1 do CPC, o Tribunal a quo devia fundamentar, mesmo sucintamente, o despacho recorrido.
3. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não fundamentou no despacho recorrido o seu indeferimento do pedido da recorrente.
4. Por isso, salvo o devido respeito, a recorrente entende que o despacho recorrido obviamente violou o art.º 108.º n.º 1 do CPC.
5. Deste modo, o despacho recorrido deve ser julgado nulo (art.º 571.º n.º 1 alínea b) do CPC).
6. Pelo exposto, pede-se que seja julgado procedente o recurso nesta parte e, em consequência, seja declarado nulo o despacho recorrido e ordenado o Tribunal a quo a proferir uma nova decisão fundamentada sobre o pedido.
7. A decisão do Tribunal a quo sobre o efeito do recurso é somente provisória, mas não definitiva, uma vez que, ao abrigo do art.º 623.º n.º 1 e 2 do CPC, compete ao Tribunal ad quem alterar, oficiosamente ou a pedido das partes, o efeito do recurso determinado pelo Tribunal a quo.
8. Assim sendo, nesta fase – ou seja, antes da subida para o TSI do recurso (contra a sentença que julgou procedente a oposição da requerida), a decisão do Tribunal a quo sobre o efeito do recurso é somente provisória, então, como pode o Tribunal a quo ordenar na fase não definitiva levantar imediatamente o arresto realizado?
9. A ordem do levantamento imediato do arresto realizado, emitida pelo Tribunal a quo nesta fase, viola evidentemente os art.º 594.º n.º 4 e 623.º do CPC.
10. Além disso, de acordo com os factos provados na sentença sobre o arresto, a requerente enfrenta realmente o risco de perder a garantia patrimonial, se no futuro tiver sido julgado procedente o recurso (contra a sentença que julgou procedente a oposição da requerida), como poderá a requerente apreender novamente, por meio de arresto, os mesmos bens da requerida que foram apreendidos? Salvo o devido respeito, a recorrente advinha que serão (dolosamente) perdidos ou transferidos os bens que o Tribunal a quo vai restituir à requerida.
11. Com base nisso, salvo o devido respeito, o despacho recorrido viola obviamente os art.º 594.º n.º 4 e 623.º do CPC, pelo que, deve ser julgado procedente o recurso nesta parte e, por conseguinte, ser revogado o despacho recorrido e ficar imediatamente suspensa a execução do despacho constante da fls. 938 dos autos, até à prolação da decisão final pelo TSI sobre a questão prévia relativa à rectificação do efeito do recurso (vide a fls. 897 dos autos), interposto pela requerente contra a sentença que julgou procedente a oposição ao arresto.
  
  Contra-alegando veio a Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
1. No tocante ao despacho, constante da fls. 947, no proc. n.º CV1-22-0043-CAO-B do Tribunal a quo, a recorrente suscitou duas questões: 1. Nulidade do despacho: 2. Inadequação do despacho recorrido.
2. Nas alegações do recurso, a recorrente suscitou a questão de atribuição do efeito suspensivo e pediu ao TSI alterar o efeito do recurso.
3. A recorrida entende que o efeito determinado pelo Tribunal a quo não é errado e não deve ser alterado.
4. Antes de mais, no pedido do recurso (fls. 897), a recorrente pediu expressamente que o recurso subisse imediatamente e em separado ao abrigo dos art.º 581.º n.º 1, 583.º, 585.º n.º 1, 591.º n.º 1, 593.º n.º 1 e 605.º alínea e) do CPC.
5. Ao abrigo do art.º 605.º alínea e) e conforme a interpretação “a contrario” do art.º 607.º do CPC, o recurso que suba imediatamente e em separado só o efeito meramente devolutivo.
6. O Tribunal a quo não incorreu em qualquer vício quando atribuiu ao presente recurso o efeito meramente devolutivo nos termos da lei.
7. Quanto ao pedido de atribuição do efeito suspensivo, apresentado pela recorrente, o Tribunal a quo decidiu no despacho subsequente (fls. 938) manter a decisão anterior de atribuição do efeito meramente devolutivo.
8. No documento constante da fls. 942, a recorrente indicou que, “pelas razões expostas, pede-se que seja deferida a suspensão da execução da ordem constante da fls. 938 dos autos, até à prolação da decisão definitiva pelo TSI sobre a questão do efeito do recurso.”
9. No que diz respeito à ordem a fls. 938 – “Execute o levantamento da penhora decretado a fls. 619 tal como foi emanado a fls. 892”, o Digno Juiz só proferiu essa decisão após ter ouvido a recorrente e a recorrida.
10. A recorrida entende que a recorrente não deduziu qualquer fundamento jurídico para apoiar o seu pedido e, de facto, não lhe assiste razão de forma nenhuma.
11. A recorrente apresentou da fls. 941 a 942 o “pedido de suspensão da execução do levantamento do arresto”, que não é apoiado por qualquer fundamento jurídico, nem é pedido controvertido.
12. Os estudiosos sustentam que, “quanto ao art.º 108.º n.º 1, esta disposição impõe ao juiz o dever da fundamentação da sentença. Atender-se-á ao disposto no art.º 8.º n.º 1 da Lei de Bases da Organização Judiciária – “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas, nos termos das leis de processo.”
13. Em face do pedido da recorrente que não é apoiado pela lei processual, como pode o Tribunal a quo fazer fundamentação requerida pela recorrente segundo as disposições da lei processual quando não lhe assiste qualquer fundamento da lei processual? (sic.) Obviamente, o despacho proferido pelo Tribunal a quo sobre a fls. 938 é válido e não viola o art.º 108.º n.º 1 do CPC.
14. Pelo que, o despacho proferido pelo Tribunal a quo sobre a fls. 938 é válido e não padece do vício da nulidade, portanto, deve ser mantido.
15. A recorrente entende que, a decisão do Tribunal a quo sobre o efeito do recurso é somente provisória, mas não definitiva, uma vez que, ao abrigo do art.º 623.º n.º 1 e 2 do CPC, compete ao Tribunal ad quem alterar, oficiosamente ou a pedido das partes, o efeito do recurso determinado pelo Tribunal a quo.
16. Salvo o devido respeito, a recorrida não concorda com esse entendimento.
17. A recorrida entende que, a interposição do recurso próprio pela recorrente contra o teor da fls. 938, que determinou a forma de subida e o efeito do recurso, viola o art.º 594.º n.º 4 do CPC.
18. Os estudiosos apoiam que, “o despacho de admissão do recurso, fixando a sua espécie e o efeito que lhe compete, não é impugnável por recurso, podendo as partes impugnar a decisão nas respectivas alegações, como questão prévia (art.º 594.º n.º 4).”
19. Pelo que, a recorrente não deve recorrer do despacho que admitiu o presente recurso, fixou a sua espécie e o efeito, por isso, o recurso deve ser rejeitado.
20. Além disso, em 27 de Março de 2023, a recorrente já entregou as alegações do recurso contra a decisão do levantamento do arresto, nas quais já impugnou o efeito do recurso em discussão.
21. Ao abrigo dos art.º 594.º n.º 4 e 619.º n.º 1 alínea b) do CPC, compete ao tribunal superior corrigir a qualificação dada ao recurso, o efeito atribuído à sua interposição ou o regime fixado para a sua subida.
22. Com base no princípio da economia e celeridade processual, não é necessário conhecer o presente recurso.
23. Pelo exposto, a interposição do recurso próprio pela recorrente contra o despacho que fixou a espécie e o efeito do recurso viola o art.º 594.º n.º 4 do CPC, já impugnou o efeito do recurso num outro recurso, portanto, o presente recurso deve ser rejeitado.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

  Compulsados os autos de arresto de onde este recurso sobe em separado, verifica-se que a fls. 804 a 892 foi julgada procedente a oposição deduzida à decisão que decretou o arresto e foi ordenado o levantamento da providência antes decretada.
  Não se conformando com aquela decisão veio a agora Recorrente interpor recurso da mesma, pedindo que ao Recurso seja fixado efeito suspensivo – cf. fls. 897 a 903 -.
  Por despacho de fls. 929 foi o recurso admitido com efeito meramente devolutivo, sendo a parte contrária notificada para ser ouvida quanto ao requerido efeito suspensivo.
  A fls.938 foi proferido despacho onde em síntese se justifica que ao recurso se tem de fixar o efeito meramente devolutivo e manda executar o levantamento da penhora que havia sido ordenado a fls. 892.
  A fls. 941 a 942 a ora Recorrente vem apresentar novo requerimento onde justifica as suas razões que justificam a suspensão de eficácia da decisão recorrida quando ao levantamento do arresto, pedindo que se suspenda a ordem de execução do levantamento do arresto.
  A fls. 946 a Requerida e Recorrida respondeu.
  A fls. 947 pelo Mmº Juiz do processo foi proferido o seguinte despacho:
  «Fls. 941 a 942 e 946:
  Indefiro o requerido, mantendo-se o efeito meramente devolutivo do recurso admitido a fls. 938.
  Caso a requerente não concordar com o decidido por este tribunal, deve levar mão pelo recurso nos termos do artigo 581º e ss do CPC.
  Com custas do incidente, fixa-se em 3 UC´s, a cargo dos requerentes.
  Notifique.».
  Notificada do despacho de fls. 947 vem a Requerente e ora Recorrente interpor recurso dos despachos de fls. 938 e 947 pedindo que aos mesmos seja fixado efeito suspensivo pelas razões já antes repetidamente invocadas nos autos.
  A fls. 961 foi proferido despacho em que não se admitiu o recurso interposto do despacho de fls. 938, porquanto o efeito meramente devolutivo fixado ao recurso só pode ser atacado nas alegações de recurso. E foi admitido o recurso do despacho de fls. 947 “na parte que diz respeito à decisão de indeferimento de pedido de suspensão de execução de ordem de fls. 938 até à decisão do TSI sobre o efeito do recurso”, ao qual por despacho de fls. 968 vem a ser fixado o efeito meramente devolutivo.
  
  Só para enquadrar a situação, requerida ao tribunal uma providência cautelar, este (o Tribunal) pode decidir conceder a providência sem ouvir a parte contrária, sem prejuízo de posteriormente e em consequência da oposição deduzida pelo requerido vir a concluir pela revogação da providência decretada. Se o tribunal concluir por revogar a providência decretada não há mais fundamento algum para manter a providência que inicialmente decretou. Em conclusão a situação de facto haverá de ficar igual a nunca ter sido concedida a providência e negada logo no início, ordenando-se o seu levantamento – vg. artº 329º, 330º, 331º nº 1, 332º, 333º, todos do CPC -.
  Dos recursos nos procedimentos cautelares temos:
  - Se a providência é negada sobe nos autos com efeito suspensivo (artº 605º a) e 607º, 1 do CPC);
  Assim acontece porque não se decidiu fazer o que quer que seja, pelo que nada justifica manter o processo na primeira instância e efeito suspensivo ou meramente devolutivo de ordem nenhuma é perfeitamente igual.
  - Se a providência é deferida sobe em separado e efeito meramente devolutivo (artº 605º b) e 607º, 1 “a contrario” do CPC);
  Aqui entendeu-se que havia perigo e aparência de direito, o recurso sobe em separado para na 1ª instância se executar o que se ordenou e devolutivo para garantir que se vai executando o que se ordenou porque já houve uma conclusão de perigo e de aparência de direito, sem prejuízo de posteriormente, em sede de recurso, se concluir em sentido contrário.
  - O recurso que ordene o levantamento da providência sobe imediatamente em separado e efeito meramente devolutivo (artº 605º e) e 607º, 1 “a contrario” do CPC);
  Aqui a situação é igual à primeira em que se concluiu não haver fundamento para a providência cautelar. Ainda que a providência haja sido decretada o Tribunal de 1ª instância, seja por força da oposição, seja porque se verificam os pressupostos para que seja levantada, conclui que a providência cautelar não se pode manter. Ou seja, a ratio do preceito é sempre que em 1ª instância se entenda ou que não há providência ou que ela não deve ser mantida, o que é o mesmo que dizer que em 1ª instância se entende que não há ou deixou de haver razão para cautelarmente proteger o direito, então o recurso sobe nos autos com efeitos suspensivo ou em separado com efeito meramente devolutivo de maneira a que, até que o Tribunal superior decida em sentido contrário, o efeito seja não haver ordem cautelar ou retirar o efeito à ordem cautelar dada.
  Sendo o pressuposto das providências cautelares a existência de uma aparência do direito e perigo na demora da decisão, isto é, não assentando já num direito definido, a ideia subjacente é que até à definição do direito na acção principal o Requerente não tem nada, sendo o procedimento cautelar uma excepção a essa regra, permitindo que em casos excepcionais esse direito possa ser acautelado (passo o pleonasmo) enquanto se discute se existe ou não.
  Mas sendo a regra o não existir o acautelamento, é sempre à ausência de acautelamento que se regressa sempre que a dúvida surja e não haja o mínimo de certezas legalmente exigíveis para o regime de excepção (o procedimento cautelar).
  Não cabe nestes autos concluir se o recurso interposto da decisão que julgou procedente a oposição e ordenou o levantamento do arresto foi bem ou mal admitido em separado e com efeito meramente devolutivo, até porque essa questão poderá eventualmente ter sido suscitada em sede de alegações de recurso nos termos do nº 4 do artº 594º do CPC não sendo objecto deste recurso, nem tão pouco sendo susceptível de recurso.
  
  Nestes autos o recurso foi só interposto do despacho de fls. 947 já supra transcrito na parte em que ao “indeferir o requerido” se indefere “a suspensão de execução de ordem de fls. 938 até à decisão do TSI sobre o efeito do recurso”.
  Antes de apreciarmos da invocada nulidade do despacho por falta de fundamentação cabe apreciar se o despacho podia ter sido proferido.
  Com a decisão de fls. 804 a 892 ficou esgotado o poder jurisdicional do Tribunal “a quo” nos autos de arresto a que estes respeitam – cf. artº 569º do CPC -.
  Daqui resulta que a ordem de levantamento do arresto foi dada a fls. 892, mais não sendo as demais repetições de execute-se o ordenado a fls. 892 uma reiteração do que já havia sido dito, não sendo possível ao tribunal “a quo” fora das situações do artº 570º, 572º e 573º do CPC alterar a decisão proferida.
  Quando o tribunal nos despachos que se seguem manda executar a ordem de fls. 892 está pura e simplesmente a dizer “cumpra-se o decidido”.
  Esgotado o poder jurisdicional a decisão apenas pode ser atacada em sede de recurso,
  e
  executa-se ou não, consoante o efeito suspensivo ou meramente devolutivo que o recurso tiver, caso tenha sido interposto.
  Não sendo legítimo nem tendo o juiz do processo poder jurisdicional para decidir o que quer que seja nos autos para além da decisão proferida, o que em consequência implica não ter competência para suspender seja porque razões forem a execução da decisão proferida que pôs termo à acção.
  Logo, sobre o pedido de suspensão da decisão proferida e objecto de recurso, ao Tribunal “a quo” não era possível dar outra decisão que não fosse a “estando esgotado o poder jurisdicional nada mais há a decidir, execute-se o decidido”.
  Assim, cabe revogar o despacho recorrido na medida que contém uma decisão sobre a matéria objecto dos autos quando o poder jurisdicional já se havia esgotado, o qual contudo não pode ser substituído por qualquer outro por nada se poder decidir quanto ao requerido pela agora Recorrente por estar esgotado o poder jurisdicional – artº 569º do CPC -.
  Em tudo o mais que se invoca nas conclusões de recurso não tem a Recorrente razão alguma, mais não fazendo do que tentar convencer o Tribunal de recurso a suspender a ordem de levantamento do arresto de maneira a tentar manter uma providência cautelar que lhe foi negada e obter um efeito de recurso que não foi o fixado no recurso interposto da decisão proferida, atropelando e adulterando todo o processado tentando levar o tribunal a proferir uma decisão contrária ao que decidiu e depois de esgotado o poder jurisdicional.
  Destarte, embora por razões diversas das contidas nas conclusões de recurso cabe revogar o despacho recorrido uma vez que estava esgotado o poder jurisdicional para o efeito, continuando as custas do recurso a ficar a cargo da Recorrente uma vez que quer o despacho recorrido quer o recurso são motivados pelas alegações desta no sentido de ser proferido um despacho depois de esgotado o poder jurisdicional no sentido que era do seu interesse.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos nega-se provimento ao recurso revogando o despacho recorrido não se tomando pronúncia alguma sobre a requerida suspensão da decisão por já estar esgotado o poder jurisdicional para o efeito e nada haver a decidir.
  
  Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça pelo incidente em 5 UC´s (artº15º do RCT).
  
  Registe e Notifique.
  RAEM, 27 de Setembro de 2023
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  Fong Man Chong
  (1° Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng
  (2° Juiz-Adjunto)


585/2023 CÍVEL 1