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Processo nº 410/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Setembro de 2023

ASSUNTO:
- Depósitos na Sala de VIP dos casinos
- Responsabilidade solidária
- Prescrição

SUMÁRIO:
- A responsabilidade solidária prevista no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 só existe quando os depósitos têm conexão com as actividades de jogo de fortuna e azar.
- O depósito só per si não é suficiente para comprovar a existência da conexão em referência.
- Se o depósito do Autor visa fazer aposta em casino, tem conexão com a actividade de jogo de fortuna e azar.
- O prazo de prescrição da responsabilidade solidária acima em referência é o de 3 anos previsto no artº 491º do C.C..
O Relator

Ho Wai Neng


Processo nº 410/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Setembro de 2023
Recorrente: A Resorts (Macau) S.A. (2ª Ré)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – RELATÓRIO
Por sentença de 14/11/2022, julgou-se improcedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela 2ª Ré A Resorts (Macau) S.A..
Dessa decisão vem recorrer a 2ª Ré, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
  Da errada decisão de condenação da 2.ª Ré em solidariedade com a 1.ª Ré no pagamento ao Autor do montante indemnizatório
1. A Recorrente entende que a decisão em crise é merecedora de censura na parte em que decidiu que a 2.ª Ré, ora Recorrente, é solidariamente responsável, com a 1.ª Ré, pelo pagamento ao Autor, ora Recorrido, do montante indemnizatório.
2. Errou o Tribunal recorrido quando decidiu que a ora Recorrente também era responsável pelo alegado incumprimento contratual da 1.ª Ré, tendo por base legal o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, fundamentando a sua decisão por mera remissão para uma decisão do TUI.
3. No Acórdão proferido naquele processo, o TUI debruçou-se extensamente sobre a responsabilidade solidária das concessionárias de jogo, perante terceiros, pela actividade desenvolvida pelos seus promotores de jogo.
4. Da douta análise dos elementos normativos que possam justificar a aplicabilidade do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 à responsabilidade das concessionárias perante terceiros, o TUI concluiu que:
“(…)
Desde logo, não nos parece que se possa (simplesmente) considerar o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 como um (mero) “regulamento complementar” no sentido que é dado pela (posterior) Lei n.º 13/2009 - apenas porque a Lei n.º 16/2001 estipula no seu art. 52º, (com a epígrafe “Regulamentação Complementar”) que “O Chefe do Executivo e o Governo aprovarão os diplomas complementares da presente lei”, (n.º 1), e que “Além de outras disposições necessárias à boa execução da presente lei, os diplomas complementares incluirão normas respeitantes à regulamentação do concurso público, ao contrato de concessão, à utilização e frequência das salas de jogo, ao funcionamento dos recintos afectos à exploração, à fiscalização das receitas brutas dos jogos, às pessoas afectas à exploração, à prática dos jogos em casino e às infracções administrativas”, (n.º 2), não nos parecendo, tão pouco, decisivo, o facto de aí se invocar, expressamente, o art. 52º da “Lei n.º 16/2001”.
5. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado e aplicado a Lei em sentido diverso.
6. Desde logo, tomando em consideração o que estatui o artigo 52º da Lei n.º 16/2001, a que o aludido Acórdão faz referência,
7. E, por outro lado, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, que regulava a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino à data da prolacção deste Acórdão, que prescrevia o seguinte:
“O Chefe do Executivo, depois de ouvido o Conselho Executivo, decreta, nos termos da alínea 5) do artigo 50.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e do artigo 52.º da Lei n.º 16/2001, para valer como regulamento administrativo, o seguinte:( ... )”.
8. Resulta evidente do sentido literal do extracto que ora se citou que o Chefe do Executivo decretou o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 nos termos do artigo 52º da Lei n.º 16/2001, que confere a possibilidade de o Chefe do Executivo e o Governo aprovarem diplomas complementares que incluam disposições necessárias à boa execução daquela lei.
9. Mesmo que a Lei n.º 13/2009 (que estabelece o regime jurídico de enquadramento das fontes normativas internas, nomeadamente as tipologias dos actos normativos e a sua hierarquia e prevalência) seja, como refere o Acórdão do TUI em análise, posterior à promulgação do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, o formulário do referido Regulamento Administrativo supra citado faz afastar quaisquer dúvidas que existissem quanto à questão eventual da sua complementaridade face à Lei n.º 16/2001.
10. Os regulamentos administrativos independentes podem criar disciplina primária e originária relativamente a matérias não disciplinadas por lei (cfr. artigo 4º, n.º 3 da Lei 13/2009), mas os regulamentos administrativos independentes não podem, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar preceitos constantes de leis (cfr. artigo 3º, n.º 3 da Lei 13/2009).
11. O que é suficiente para se afastar a posição defendida pelo TUI no Acórdão em análise, nomeadamente na referência que faz ao Acórdão proferido pela mesma Instância no Processo n.º 28/2006.
12. Donde, necessariamente se conclui que a actividade normativa constitutiva (onde se incluem os regulamentos administrativos independentes) permite ao órgão administrativo “legislar na ausência de correlativas disposições de leis e normas”, sendo “uma actividade independente e autónoma do órgão administrativo de normação relativa a matéria não regulada pela lei ou por outras normas”.
13. No que respeita ao conteúdo do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, essa matéria já se encontrava legislada pela Lei n.º 16/2001, concretamente, pelo seu artigo 23º, n.º 3, no qual, sob a epígrafe “Promotores de Jogo”, o legislador estipulou o seguinte:
“3. Perante o Governo, é sempre uma concessionária a responsável pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, seus administradores e colaboradores e pelo cumprimento por parte deles das normas legais e regulamentares, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade.” (negrito da Recorrente)
14. O legislador optou por atribuir responsabilidade solidária às concessionárias (pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo) apenas perante o Governo.
15. Devendo ser esse o sentido da decisão recorrida, i.e., considerando que a responsabilidade é apenas perante o Governo, até porque, estando a matéria da responsabilidade das concessionárias pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo já regulada na Lei n.º 16/2001, o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não poderá ter um alcance e sentido diferentes.
16. Tudo sem prejuízo de poder entender-se que o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 continha matéria de “normação primária”, eventualmente sobre o licenciamento e a actividade dos promotores de jogo, esse entendimento não poderá colher relativamente à matéria da responsabilidade das concessionárias pela actividade dos promotores de jogo, porquanto essa matéria já estava legislada (cfr. artigo 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001) de forma clara e inequívoca, nomeadamente no que toca perante quem a Recorrente (concessionária) é responsável solidariamente com a 1.ª Ré: o Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
17. A norma constante do referido artigo 29º é, portanto, uma norma regulamentar de uma outra, prevista num diploma de valor hierárquico superior - a Lei n.º 16/2001.
18. E, a previsão legal do artigo 52º da Lei n.º 16/2001 não inclui qualquer dispositivo para que o Chefe do Executivo ou o Governo legislem em matéria de responsabilidade civil da concessionária de jogos de fortuna ou azar em casino pelos actos praticados pelos promotores de jogo.
19. O Tribunal a quo deveria ter concluído que a responsabilidade solidária das concessionárias pela actividade dos promotores de jogo prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 diz respeito, tão só e apenas, à responsabilidade perante o Governo, tal como prevista no artigo 23º n.º 3 da versão original da Lei n.º 16/2001, em vigor à data da prática dos factos alegados pelo Autor e, bem assim, à data da prolacção da Sentença em crise, absolvendo a Ré, ora Recorrente, do pedido formulado pelo A., ora Recorrido.
20. A interpretação do Tribunal viola as regras estatuídas no artigo 8º do Código Civil de Macau e, em última análise, levaria a que o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 padecesse de vício que lhe retira efeitos.
21. O Tribunal a quo deveria ter considerado na sua análise o facto de o Recorrido não ter logrado provar qualquer facto que pudesse subsumir-se à falta de cumprimento dos deveres de fiscalização pela Recorrente da actividade da 1.ª Ré,
22. Concretamente, aqueles que estão previstos no artigo 30º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
23. Tal como ficou provado, a Recorrente sempre cumpriu os seus deveres de fiscalização da actividade da 1.ª Ré, não podendo, jamais, ser considerada solidariamente responsável pelos prejuízos decorrentes da actividade desta.
24. Tem vindo a ser entendimento unânime dos Tribunais de recurso da RAEM que a eventual responsabilidade solidária das concessionárias ao abrigo do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 tem ligação íntima com - e é dependente do - (in)cumprimento, por parte daquelas, dos seus deveres de fiscalização previstos no artigo 30º do mesmo diploma legal.
25. Errou também o Tribunal ao ter desconsiderado aquilo que a Recorrente referiu na sua Contestação (vide fls. 124 e seguintes dos autos), de que a 2.ª Ré, ora Recorrente, não possui quaisquer registos relativos aos depósitos alegadamente realizados pelo Autor, ora Recorrido, e que o mesmo reclamou.
26. Bem sabendo que à data da prolação da Sentença não estava ainda em vigor a Lei 16/2022, não deveria ter sido desconsiderado pelo Tribunal a quo que, dos registos existentes nos autos (vide fls. 61, 62 e 387 dos autos), não resultava qualquer prova de que os fundos depositados tenham sido trocados por fichas e, destarte, utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino ou ganhos nos referidos jogos (até porque, conforme o Autor confessou e resultou provado (vide quesito 11), esses fundos provieram de outra conta, aberta junto de outra promotora de jogo), e
27. Ainda que tais depósitos tenham existido, os mesmos não foram utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino nem foram ganhos nestes jogos, não se considerando uma actividade desenvolvida nos casinos, tal como prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
28. O artigo 29º refere que “as concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”. (negrito da responsabilidade da Recorrente).
29. O Legislador da RAEM elaborou muito recentemente a Lei n.º 16/2022, de 19 de Dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2023.
30. À luz do artigo 63º da Lei n.º 16/2022, os depósitos de fundos ou fichas só são considerados uma actividade desenvolvida nos casinos - daí podendo resultar a responsabilidade prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 - quando os fundos ou fichas foram utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino ou foram ganhos nestes jogos.
31. Nos termos do n.º 3 do referido artigo 63º, esta norma tem natureza interpretativa relativamente ao supra citado artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
32. Remete-se para aquilo que já se alegou relativamente ao processo legislativo e ao conteúdo do Parecer da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa da RAEM sobre a Proposta de Lei de que resultou a referida Lei n.º 16/2022, de 19 de Dezembro, em particular os seus pontos 71 a 80 (páginas 39 a 49), com destaque para os pontos 76 e 77,
33. Assim, atendendo ao conteúdo do artigo 63º da Lei n.º 16/2022 e ao que vem prescrito no artigo 12º do Código Civil, em conjugação com os doutos esclarecimentos prestados à Assembleia Legislativa da RAEM pelo proponente da Lei, não parecem restar dúvidas de que, na apreciação do presente recurso, o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 deverá ser interpretado em conjugação com a norma interpretativa prevista no artigo 63º da Lei n.º 16/2022.
34. Destarte, atendendo a que não existem quaisquer registos de que os depósitos alegadamente feitos pelo Autor na conta aberta junto da 1.ª Ré foram utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino ou foram ganhos nestes jogos (cfr. n.º 2 do artigo 63º da Lei n.º 16/2022), e a que, para além da inexistência de registos, o Autor, ora Recorrido, também não apresentou qualquer outra prova, nomeadamente a testemunhal, da utilização ou da proveniência dos referidos fundos em jogos de fortuna e azar,
35. Devem Vossas Excelências concluir que os depósitos alegadamente feitos pelo Autor não são - não podem ser - considerados uma actividade desenvolvida nos casinos à luz do artigo 63º da Lei n.º 16/2022, resultando que a (eventual) responsabilidade prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, interpretado de acordo com o n.º 3 do referido artigo 63º da Lei n.º 16/2022, fique, desde logo, afastada.
36. Errou, nesta medida, o Tribunal a quo, quando julgou procedentes os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrido, contra a ora Recorrente, visto não estarem verificados os pressupostos legais para a responsabilidade solidária da Recorrente previstos no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002,
37. Padecendo a Sentença recorrida de vício por errada interpretação e aplicação do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, quer na sua versão original quer com a redacção que lhe foi dada pela norma interpretativa do artigo 63º da Lei 16/2022, ao abrigo do artigo 12º do Código Civil, a qual, no entender do legislador, deve ser aplicável aos processos judiciais que ainda não têm sentença transitada em julgado, como no caso dos presentes autos.
  Da errada decisão quanto à excepção de prescrição invocada pela Recorrente:
38. Errou o Tribunal a quo ao considerar que a eventual responsabilidade da Recorrente pelo incumprimento contratual da 1.ª Ré - no que não se consente - tem natureza contratual.
39. A Recorrente não é parte no negócio alegadamente celebrado entre o Autor, ora Recorrido, e a 1.ª Ré e que terá sido incumprido.
40. O Tribunal a quo errou ao desconsiderar que o princípio da relatividade dos contratos impõe que estes só produzem efeitos entre as partes que os outorgam e que, apenas excepcionalmente, os contratos podem produzir efeitos em relação a terceiros, se essa situação estiver expressamente prevista na lei.
41. É esse o sentido do n.º 2 do artigo 400º do Código Civil: “em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.”
42. Nos termos do artigo 10º do Código Civil, “as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva”.
43. Errou o Tribunal a quo quando aplicou analogamente ou interpretou extensivamente uma norma que cria uma excepção aplicável apenas aos casos especialmente previstos na lei, e é dessa premissa que esta análise tem de partir, o que constitui violação do referido artigo 10º do Código Civil.
44. O Tribunal a quo deveria ter julgado procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela Recorrente, até porque não existe lei que preveja a extensão dos efeitos de um contrato de depósito celebrado entre um promotor de jogo e um jogador a uma concessionária para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino.
45. Apenas a 1.ª Ré estava vinculada ao cumprimento do contrato que celebrou com o Autor, conforme resulta do preceituado nos artigos 392º, 399º e 400º do Código Civil.
46. Ao contrário do que considerou o Tribunal recorrido na Sentença em crise, o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não pode ser considerado uma norma excepcional no sentido dado pelo n.º 2 do artigo 400º do Código Civil.
47. As normas do Código Civil não permitem ao intérprete retirar a conclusão de que no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 existe uma previsão legal, excepcional e especial, de extensão à concessionária dos efeitos de um contrato do qual aquela não é parte, até porque esse artigo nem sequer faz referência a um contrato específico sobre o qual, na opinião do Tribunal recorrido, a Recorrente haveria de arcar com responsabilidades.
48. Ao contrário do que sucede com os exemplos de outros contratos de que o Tribunal a quo lançou mão, e sempre com o devido respeito - que é muito! - o artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não encontra cabimento na norma excepcional e já citada do artigo 400º n.º 2 do Código Civil, a qual exige, prescreve e estatui, que a produção de efeitos em relação a terceiros esteja “especialmente prevista”, ou seja, especificada na lei.
49. A responsabilidade prevista no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 só pode ser, ao contrário do que interpretou e aplicou a decisão recorrida, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, delitual ou aquiliana, tal como prevista no artigo 477º do Código Civil.
50. A Lei n.º 16/2001 - quer na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2022, quer depois das alterações introduzidas por esta - que regula o regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino e o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 impõem (no caso do Regulamento, impunha) uma série de deveres de fiscalização às concessionárias que, caso não sejam cumpridos, poderão fazê-las incorrer na responsabilidade prevista no artigo 29º já sobejamente referido.
51. A responsabilidade em que as concessionárias, como a ora Recorrente, poderão incorrer em virtude do incumprimento dos deveres consagrados na legislação referida tem natureza extracontratual.
52. Mesmo que assim não fosse, havendo incertezas quanto à natureza jurídica da responsabilidade das concessionárias nos termos do artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 a solução do Tribunal sempre teria de considerar enquadramento apresentado pelo próprio Autor, ora Recorrido, em atenção aos princípios basilares do dispositivo e da estabilidade da instância.
53. O Autor, ora Recorrido, configurou a responsabilidade da Recorrente como extracontratual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 477º do Código Civil, e que, como referido, diz respeito à responsabilidade civil extracontratual.
54. Sufraga-se, a este propósito, a decisão proferida no douto Acórdão proferido por este Tribunal no Processo n.º 288/2010.
55. A (ir)responsabilidade da Recorrente em discussão nos presentes autos tem uma natureza extracontratual, pelo que o Tribunal a quo deveria ter decidido, em face dos factos apresentados, que o direito de indemnização invocado pelo Autor contra a Recorrente já prescreveu, nos termos do n.º 1 do artigo 491º do Código Civil, por já terem decorrido mais de 3 anos desde o “conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
56. O Autor, ora Recorrido, tenta, lançando mão a diferentes estratégias, criar a impressão de que só tomou conhecimento do direito que lhe compete em relação à ora Recorrente em 2018 ou mesmo em 2021, assim procurando esquivar-se à consequência legal prevista no n.º 1 do referido artigo 491º do Código Civil.
57. Como acima se referiu, as teses apresentadas pelo Recorrido, não têm cabimento e são desprovidas de fundamento legal e, inclusive, de suporte factual, tendo, pelo contrário, ficado provado documentalmente (vide Certidão do Auto de Inquirição do Autor junta a fls. 343 a 344v dos autos) que, pelo menos desde 9 de Novembro de 2015, o Autor tinha ou deveria ter conhecimento do direito que lhe competia em relação a ambas as Rés.
58. Em conclusão, a excepção peremptória de prescrição invocada pela Recorrente deveria ter sido julgada procedente, e, ao decidir de forma diversa, a Sentença recorrida padece de vício por errada interpretação da norma aplicável por ter concluído pelo prazo de prescrição ordinária com base na relação jurídica contratual ao invés da prescrição prevista no n.º 1 do artigo 491º do Código Civil para a responsabilidade civil extracontratual.
59. Em suma, a Recorrente entende que as normas jurídicas violadas pela Sentença em crise foram as constantes dos artigos 8º, 10º, 392º, 399º, 400º, 477º e 491 º n.º 1 do Código Civil, artigos 23º n.º 3 e 52º da Lei n.º 16/2001, o artigo 3º n.º 3 da Lei n.º 13/2009 e o artigo 29º do Regulamento Administrativo 6/2002, pelas razões alegadas no presente recurso.
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O Autor B respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 500 a 512v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. A 1.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas unipessoal, constituída em 12 de Julho de 2006, que tem por objecto a promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino (ver fls. 15 a 20 dos autos). (已證事實A項)
2. A 2.ª Ré é uma sociedade comercial anónima, constituída em 17 de Outubro de 2001, que tem por objecto a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino (ver fls. 21 a 36 dos autos). (已證事實B項)
3. Por contrato datado de 24 de Julho de 2002, celebrado com a Região Administrativa Especial de Macau, a 2.ª Ré obteve uma concessão para explorar jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (ver fls. 37 a 60 dos autos). (已證事實C項)
4. A concessão é válida pelo prazo de vinte anos, com início no dia vinte e sete de Junho do ano de dois mil e dois e termo no dia vinte e seis de Junho do ano de dois mil e vinte e dois (ver cláusula 8.ª do contrato de concessão referido na alínea C) dos Factos Assentes). (已證事實D項)
5. No âmbito da exploração da concessão, a 2.ª Ré explora o Casino A Macau, sito na Rua ...... NAPE, Macau, bem como o Casino A Palace, sito na Avenida ......, Cotai, Macau. (已證事實E項)
6. A 1.ª Ré iniciou a sua actividade como promotora de jogo em Macau no ano de 2005, com n.º da licença E089, que lhe foi concedida pela Direcção dos Serviços de Inspecção e Coordenação de Jogos, até 30 de Setembro de 2016. (已證事實F項)
7. A 1.ª Ré celebrou, com a 2.ª Ré, um contrato de promoção, mediante o qual a 2.ª Ré autorizou a 1.ª Ré a exercer a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar no Casino A Macau. (已證事實G項)
8. No cumprimento do contrato de promoção, a 1.ª Ré passou a explorar a sala D VIP CLUB, sita no Casino A Macau. (已證事實H項)
9. O Autor promoveu no passado dia 18 de Dezembro de 2020 a notificação judicial avulsa da 1.ª Ré, exigindo a devolução do capital depositado, não tendo o Tribunal procedido à notificação da 1.ª Ré na sua sede social (ver fls. 80 dos autos). (已證事實J項)
10. Os presentes autos foram instaurados no dia 17 de Março de 2021. (已證事實K項)
11. O Autor abriu junto da 1.ª Ré, na sala que esta explorava no Casino A Macau, uma conta a que foi atribuído o n.º 80050709. (對待證事實第1條的回答)
12. O Autor frequentava regularmente as salas operadas pela 1.a Ré, designadamente no Casino A Macau, onde se dedicava a actividades de jogo. (對待證事實第1-A條的回答)
13. O Autor possuía também uma conta de cliente aberta junto da C Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal, Limitada (C), outra sociedade dedicada à promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, onde depositou diversas quantias para fazer apostas em casino. (對待證事實第2條的回答)
14. Em 31 de Julho de 2014, o Autor deu instruções à C para que a 1ª Ré levantasse a quantia de HKD5.000.000,00 da sua conta aberta junto da C, levantamento que foi realizado. (對待證事實第3條的回答)
15. Em 01 de Agosto 2014, o Autor deu instruções à C para que a 1ª Ré levantasse a quantia de HKD5.000.000,00 da sua conta aberta junto da C, levantamento que foi realizado. (對待證事實第4條的回答)
16. Em 15 de Janeiro de 2015, o Autor deu instruções à C para que a 1ª Ré levantasse a quantia de HKD5.000.000,00 da sua conta aberta junto da C, levantamento que foi realizado. (對待證事實第5條的回答)
17. Em 17 de Janeiro de 2015, o Autor deu instruções à C para que a 1ª Ré levantasse a quantia de HKD3.000.000,00 da sua conta aberta junto da C, levantamento que foi realizado. (對待證事實第6條的回答)
18. O Autor possuía, nas datas acima referidas, suficiente saldo na conta aberta junto da C para que as suas instruções de levantamento fossem cumpridas. (對待證事實第7條的回答)
19. Com efeito, no dia 31 de Julho de 2014 o Autor creditou naquela sua conta a quantia de HKD5.000.000,00 em duas tranches, de HKD3.620.000,00 e de HKD1.380.000,00. (對待證事實第8條的回答)
20. No dia 01 de Agosto de 2014, o Autor creditou a mesma conta com outros HKD5.000.000,00, em duas tranches de HKD1.950.000,00 e HKD3.050.000,00. (對待證事實第9條的回答)
21. No dia 15 de Janeiro de 2015, o Autor creditou a sua conta aberta junto da C com HKD5.000.000,00 e, nos dias 16 e 17 de Janeiro de 2015, o Autor creditou mais HKD2.580.000,00 naquela conta. (對待證事實第10條的回答)
22. As instruções dadas pelo Autor foram cumpridas e foram levantados, no total, HKD18.000.000,00 da conta do Autor aberta junto da C, os quais passaram a ser depositados na conta do Autor aberta junto da 1ª Ré. (對待證事實第11條的回答)
23. Para comprovar o recebimento das referidas quantias pela 1ª Ré e o subsequente depósito das mesmas na conta do Autor aberta junto da 1ª Ré, foram emitidos ao Autor os recibos constantes a fls. 387 dos autos, no valor de HKD10.000.000,00 e HKD8.000.000,00, respectivamente, devidamente assinados por quem para o efeito tinha sido autorizado pela 1.ª Ré e carimbados. (對待證事實第12條的回答)
24. As operações de depósito junto da 1ª Ré são tituladas por talões de depósito emitidos pela mesma 1ª Ré. (對待證事實第15條的回答)
25. A 2ª Ré não intervém nas tarefas diárias da 1ª Ré. (對待證事實第16條的回答)
26. É do conhecimento geral da população de Macau que, em Setembro de 2015, houve frustração das tentativas de reembolso de créditos levadas a cabo pelos clientes da 1ª Ré. (對待證事實第19條的回答)
27. Os depósitos referidos na resposta dada ao quesito 11º são operações de valor elevado que, por força da legislação sobre combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, a que a 1.ª Ré está sujeita, obrigariam à 1ª Ré a elaboração dos respectivos Relatórios de Operação de Valor Elevado (ROVE) conforme determinado nas circulares da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos. (對待證事實第20條的回答)
28. A 2.ª Ré não fiscaliza transacções específicas de clientes da 1.ª Ré. (對待證事實第21條的回答)
29. Nem destaca pessoal seu para a tesouraria da 1.ª Ré. (對待證事實第22條的回答)
30. Nem acompanha funcionários da 1.ª Ré para que estes recolham fundos de outras salas VIP, quer no seu casino, quer, muito menos, nos casinos de outras concessionárias. (對待證事實第23條的回答)
31. A 2ª Ré não tem acesso à escrituração da 1ª Ré. (對待證事實第24條的回答)
32. De acordo com a prática geral das concessionárias, das sub-concessionárias e dos promotores de jogo, é permitido que os jogadores de salas VIP estabeleçam aí contas em seu nome. (對待證事實第25條的回答)
33. O Autor é um jogador habitual. (對待證事實第28條的回答)
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Da questão da prescrição da responsabilidade solidária:
Sobre a questão supra identificada, este Tribunal já tem oportunidade de se pronunciar, saber (Proc. nº 192/2023):
  “…
  Da prescrição.
  Sobre esta matéria já nos pronunciámos no Acórdão de 9 de Junho de 2022 proferido no processo que correu termos sob o nº 192/2022, ali dizendo:
  «Nas suas conclusões de recurso entendem os Autores que aos devedores solidários se aplica a mesma regra da prescrição que à relação subjacente independentemente da causa responsabilidade, excluindo que a responsabilidade da Ré A o seja pelo risco, mas que, se não fosse pelo risco nem contratual, então como o legislador do regulamento Administrativo nº 6/2002 não fixou prazo de prescrição, este seria o ordinário.
  Invocam os Autores/Recorrentes e bem, que o devedor solidário pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores, nos termos do nº 1 do artº 507º do C.Civ., mas, não faz correcta aplicação do conceito.
  A circunstância dos meios de defesa pessoais entre os condevedores poderem não ser iguais decorre, entre muitas causas, precisamente de a fonte da obrigação poder não ser a mesma para todos.
  Invocam os Autores como fonte da obrigação da Ré A o disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
  Óbvio fica que a responsabilidade civil da 2ª Ré não decorre de qualquer contrato pois nada se alega que haja sido celebrado entre si e os Autores, igualmente não se invoca que decorra da prática de factos ilícitos.
  Logo, estão excluídas a responsabilidade contratual e a extracontratual.
  A ser assim, apenas nos resta a responsabilidade objectiva, que mais não é do que uma forma de responsabilidade pelo risco prevista em legislação especial avulsa para além das que resultam nos artº 492º e seguintes do C.Civ..
  A responsabilidade objectiva resulta de se entender que determinadas actividades pela sua natureza envolvem um risco para terceiros que justifica a responsabilização independentemente de culpa.
  Veja-se Antunes Varela em Das Obrigações em Geral Vol. I, 4ª Ed. pág. 557 a 562:
  «Há largos e importantes sectores da vida em que as necessidades sociais de segurança se têm mesmo de sobrepôr às considerações de justiça, alicerçadas sobre o plano das situações individuais.
  Torna-se necessário, quando assim seja, temperar o pensamento clássico da culpa com certos ingredientes sociais de carácter objectivo.
  Foi no domínio dos acidentes de trabalho que primeiro se chegou a tal conclusão.
  (…)
  Ao lado da doutrina clássica da culpa, um outro princípio aflorou assim neste sector: o da teoria do risco.
  Quem utiliza em seu proveito coisas perigosas, quem introduz na empresa elementos cujo aproveitamento tem os seus riscos; nunca palavra, quem cria ou mantém um risco em proveito próprio, deve suportar as consequências prejudiciais do seu emprego, já que deles colhe o principal benefício (ubi emolumentum, ibi ónus; ubi commodum ibi incommodum). Quem aufere os (principais) lucros da exploração industrial, justo é que suporte os encargos dela, entre os quais se inscreve, como fenómeno normal e inevitável, o dos acidentes no trabalho.
  A imposição desta responsabilidade constituirá, por outro lado, um estímulo eficaz ao aperfeiçoamento da empresa, tendente a diminuir o número e a gravidade dos riscos na prestação de trabalho, bem como a segurar os empregados contra os acidentes a que continuamente se encontram expostos.
  (…)
  A partir da evolução registada nestes dois sectores, muitos foram os autores que pretenderam ampliar o domínio da responsabilidade objectiva a outras actividades também consideradas perigosas, transplantando para o âmbito delas o mesmo critério de justiça distributiva (ubi commoda ibi incommoda), que serve de fundamento ao regime excepcional da responsabilidade no capítulo dos acidentes de trabalho e dos acidentes de viação.».
  É essa a situação dos autos quanto à Ré A.
  A sua responsabilidade é meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco.
  Nos termos do artº 492º do C.Civ. aplicam-se à responsabilidade pelo risco as regras da responsabilidade pelos factos ilícitos (na falta de disposição legal em contrário) a qual no artº 491º do mesmo diploma legal consagra que o prazo de prescrição do direito à indemnização prescreve no prazo de 3 anos a partir do momento que o Autor teve conhecimento do direito e da pessoa do responsável.
  É este o sentido da decisão recorrida, a qual pelas razões expostas nenhum reparo nos merece, aderindo-se mais uma vez à fundamentação que da mesma consta.
  Não desconhecemos que há jurisprudência comparada que tem vindo a sustentar que respondendo o comitente nos mesmos termos do comissário a responsabilidade daquele se deve manter durante todo o tempo que este estiver obrigado a indemnizar.
  No entanto para se estender este entendimento à situação sub judice pressupõe que a responsabilidade emergente do artº 29º do regulamento Administrativo nº 6/2002 é análoga à responsabilidade do comitente, posição com a qual não concordamos.
  A responsabilidade objectiva ou responsabilidade pelo risco, já definida supra, está prevista no Código Civil para várias situações, vg. danos causados por animais, acidentes causados por veículos, danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás, também em direito especial do trabalho no caso dos acidentes de trabalho, mas nada impede que o modelo de responsabilidade sem culpa se estenda a outras actividades ou eventos.
  Quer com isto dizer-se que não têm de se fazer corresponder a situação do indicado artº 29º a qualquer um dos modelos do Código Civil, mas apenas extrair da responsabilidade pelo risco as regras gerais que se aplicarão a outras tantas situações que possam ser criadas em legislação avulsa de responsabilidade objectiva, isto é, que não seja contratual nem por factos ilícitos.
  Se não vejamos o que se diz a respeito da responsabilidade do comitente no C.Civ. artº 493º:
Artigo 493.º
(Responsabilidade do comitente)
  1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
  2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
  3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 490.
  Ora, na situação dos autos o promotor de jogo, de acordo com a actual legislação, para o poder ser tem de estar autorizado pelo governo no âmbito de uma licença especialmente emitida para o efeito e mediante a verificação de determinados requisitos.
  O mesmo governo que como se explica no Acórdão do TUI de 19.11.2021 proferido no processo nº 45/2019 através de um contrato administrativo – o contrato de concessão – concede a um ente particular a autorização para o exercício de uma actividade que apenas à RAEM é permitida.
  Veja-se no indicado Acórdão quando se diz: «é ter igualmente presente que, o que em bom rigor agora em causa está, não consiste em apurar tão só e apenas dos “efeitos patrimoniais” de uma (mera) “relação jurídica do foro – puramente – pessoal”, mas sim, de ponderar e decidir da existência, (ou não), da atrás já referida “responsabilidade solidária”, tendo-se presente que a mesma diz respeito a “factos” ocorridos no âmbito do (normal) exercício de uma “actividade” que, (como se viu, para além de essencial ao turismo, economia e finanças da R.A.E.M.), tem “características” (especiais e muito) “próprias”: precisamente, a actividade de “promoção de jogo”, necessariamente – licenciada e – exercida no âmbito e em “conexão” com uma “concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino”.
  Nesta conformidade, oportuno e pertinente se afigura desde já de convocar – e salientar – o estatuído no art. 7º, n.º 1 da (atrás referida) Lei n.º 16/2001, onde se prescreve que “A exploração de jogos de fortuna ou azar é reservada à Região Administrativa Especial de Macau e só pode ser exercida por sociedades anónimas constituídas na Região, às quais haja sido atribuída uma concessão mediante contrato administrativo, nos termos da presente lei”, sendo de se ter igualmente presente que – como já afirmava Marcello Caetano – uma “concessão” traduz-se na “transferência de poderes próprios de uma pessoa administrativa para um particular”, (…), que por isso, pela sua própria natureza, não pode deixar de ser “temporária” e “parcial”, conservando, necessariamente, o órgão administrativo concedente “poderes de vigilância e de defesa do interesse público”; (cfr., Marcello Caetano in, “Estudos de Direito Administrativo, Subsídios para o estudo da teoria da concessão de serviços públicos”, pág. 92 e segs.).
  A propósito do tema, e em nossa opinião, com plena aplicabilidade ao regime localmente estabelecido, escrevem também Freitas do Amaral e Lino Torgal que:
  “(…)
  No ordenamento jurídico-positivo português, a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar perfila-se, inequivocamente, como um contrato administrativo, isto é, como um acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
  É-o, em primeiro lugar, por determinação de lei (…)
  E é-o, depois, por natureza: tem por objecto a transferência (temporária e parcial) para um particular do exercício de um direito legalmente reservado à Administração, que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas no interesse geral. Trata-se, pois, de uma concessão em sentido técnico: por seu intermédio, fica um sujeito privado habilitado a exercer temporariamente uma actividade de interesse público por lei integrada na esfera de atribuições do concedente. (…)”; (in “Estudos sobre Concessões e outros actos da administração, Concessão de Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar: da Prorrogação do Prazo e outras alterações do contrato”, pág. 533 e 534).».
  De igual modo, e no âmbito da mesma reserva à Administração de exercício da actividade, apenas os promotores autorizados pelo governo nos termos do artº 6º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 podem exercer a actividade.
  E podem exercer essa mesma actividade com várias concessionárias e subconcessionárias.
  O exercício de uma actividade que fazem em nome próprio.
  Destarte, os promotores de jogo embora colaborem, contribuam para o exercício da actividade da concessionária/subconcessionária não o fazem porque hajam sido encarregues por estas de uma “comissão”, isto é, de uma incumbência ou encargo.
  Veja-se ainda o nº 2 do artº 493º do C.Civ. em que é claro que o “comissário” actue segundo as “instruções” do comitente e no exercício da “função” que lhe foi confiada.
  Ainda sobre a relação de comissão veja-se Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., pág. 564/565:
  «Para que haja responsabilidade objectiva deste, o primeiro requisito é que haja comissão – que alguém tenha encarregado outrem de qualquer comissão (art. 500.º, I).
  O termo comissão tem aqui o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc..
  A comissão pressupõe uma relação de dependência (droit de direction, de surveillance et de controle, na expressão da jurisprudência francesa) entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. É o caso do criado em face do patrão, do operário ou empregado em relação à entidade patronal, do procurador quanto ao mandante ou do motorista perante o dono do veículo.
  Por falta de tal relação não podem considerar-se comissários do dono da obra as pessoas que o empreiteiro contrata para execução desta, nem o empreiteiro em face do proprietário, nem o motorista de táxi em face do cliente ou passageiro. Também o médico que trata o doente não é comissário deste, mas já pode funcionar como tal, relativamente ao dono da casa de saúde em que preste serviços.
  A relação de subordinação pode ter carácter permanente ou duradouro, como quando provém de um contrato de prestação continuada ou periódica, ou ser puramente transitória, ocasional, limitada a actos materiais ou jurídicos de curta duração (condutor que é encarregado de levar o veículo de um local para outro; operário que se manda executar um conserto ou fazer uma reparação).».
  Ora, não é a esta a situação do promotor de jogo.
  A actividade de promoção de jogo está definida no artº 2º do Regulamento nº 6/2002 e «considera-se de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, adiante designada por promoção de jogos, a actividade que visa promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de jogadores, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, em contrapartida de uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária.».
  O promotor de jogo não actua no âmbito de uma incumbência previamente definida pela concessionária, mas no exercício de uma actividade de angariação de clientes que lhe é própria e gerida por si autónoma e independentemente da concessionária.
  Veja-se a propósito o indicado Acórdão do TUI: «Regulamento Administrativo n.º 6/2002, (que nos termos do art. 1º, e quanto ao seu “Âmbito” preceitua que “O presente regulamento administrativo regula a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, nomeadamente os processos de verificação da idoneidade e de licenciamento dos promotores de jogo de fortuna ou azar em casino, adiante designados por promotores de jogo, o registo destes junto de concessionárias para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, adiante designadas por concessionárias, bem como o pagamento das comissões ou outra remunerações que sejam pagas aos promotores de jogo”).
  Em face do consignado, evidente (e inquestionável) se nos apresenta a acentuada relevância (e directa influência) que o “direito público”, em especial, o “administrativo”, tem sobre a “matéria” (e “questão”) a tratar na presente lide recursória, (não se mostrando assim de todo adequada uma sua abordagem como se de uma pura (e mera) “relação de direito-privado” se tratasse), pois que não se pode olvidar que em causa não deixa de estar o “interesse público” (e de toda uma colectividade), e que, nos termos do art. 2º, n.º 1, alínea 6), da dita Lei n.º 16/2001, os “promotores de jogo”, (no caso, a 1ª R.), são definidos como “«agentes» de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, (…)”, (no mesmo sentido, vd., art. 2º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002), e que, preceitua o art. 6º, n.º 1 deste (mesmo Regulamento Administrativo n.º 6/2002) que: “O acesso à actividade de promoção de jogos depende da atribuição pelo Governo, através da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, de uma licença de promotor de jogo”, prescrevendo também o seu art. 24º, n.º 1 que: “Os promotores de jogo exercem a sua actividade nos termos do contrato celebrado entre si e uma concessionária”».
  Porém, dadas as características da actividade em si, da relevância para a economia e do interesse público em causa, impende sobre a concessionária/subconcessionária que contrata com o promotor de jogo o dever/obrigação de fiscalização da forma como a actividade é exercida vindo a ser responsabilizada pelas obrigações que o promotor de jogo assumir e não cumprir por lhe estar subjacente o benefício da actividade deste, isto é, a máxima da responsabilidade objectiva “ubi commodum, ibi incommodum”.
  O princípio subjacente à responsabilidade da concessionária na situação subjudice é o mesmo que subjaz à responsabilidade da entidade patronal no acidentes de trabalho, ambas porque não podem ser imputáveis a título de culpa e ambas sem que tenha de haver equiparação a alguma das situações previstas no Código Civil como de responsabilidade pelo risco, mormente a relação comitente/comissário.
  Como resulta do Acórdão do TUI supra indicadao «“Perante o Governo, é sempre uma concessionária a responsável pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, seus administradores e colaboradores e pelo cumprimento por parte deles das normas legais e regulamentares, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade”.
  (…)
  Por sua vez, dispõe o art. 29º do mencionado Regulamento Administrativo, (que tem como epígrafe “Responsabilidade das concessionárias”) que:
  “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”.
  (…)
  Assentando em “motivos objectivos” e “razões de partilha dos benefícios e riscos”, tem – essencialmente – em vista, beneficiar o “ofendido”, permitindo-lhe a faculdade de eleger, de entre os “responsáveis”, aquele que se lhe apresente com maior resistência económica para suportar o encargo ressarcitório que reclama e pretende vir a obter, equiparando-se, por assim dizer, “quem fez” com “quem não fez e devia fazer”, “quem deixou de fazer e não se importou que se fizesse”, “quem financiou para que se fizesse”, ou ainda, “quem beneficia quando os outros fazem”…
  Porém, como já se referiu, (e no que para aqui, agora, especialmente releva), impõe-se ter presente que necessária não é uma “identidade de causa” – “fonte” – para que se possa estar perante uma “obrigação solidária”.».
  Aqui chegados temos por assente a situação prevista no artº 29º do indicado Regulamento Administrativo sendo de responsabilidade pelo risco ou objectiva, como se entenda chamar-lhe, não carece de ser equiparada à relação comitente/comissário, a qual vai muito para além do dever de fiscalização que impende sobre as concessionárias sobre os promotores de jogo.
  Pelo que, não descurando que há jurisprudência comparada que sustenta que o comitente responde independentemente do decurso do prazo enquanto a obrigação for exigível do comissário, entendemos que, a situação dos autos não se enquadra naquele quadro, cabendo ao devedor escolher e decidir o tempo em que o faz, quando no caso em apreço quiser exigir o cumprimento da obrigação não só daquele com quem contratou mas também daquele que por força da responsabilidade objectiva é solidariamente responsável.
  À semelhança do que ocorre com a situação prevista no artº 514º do C.Civ., deixando o devedor decorrer o tempo em que pode exigir o cumprimento da obrigação de quem é solidariamente responsável nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, apenas a si (devedor) se lhe pode imputar a inércia, nada justificando em nosso modesto entender que se estenda o prazo de prescrição sem que tal encontre suporte na letra da lei, sempre sem prejuízo de em termos de direito a constituir se vir optar por essa solução, mas que não cabe no direito constituído.».
  Algumas referências naquela decisão estão agora desactualizadas dada a publicação e entrada em vigor que entretanto ocorreu da Lei nº 7/2022 e da Lei 16/2022 que inclusivamente revogou o Regulamento Administrativo nº 6/2002.
  Pese embora a Lei 16/2022 não se aplique ao caso em apreço dado que quer a decisão sobre a matéria de facto quer a sentença foram anteriores à entrada em vigor daquela, inclusive a norma interpretativa do seu artº 63º quanto ao artigo 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2022, não pode deixar de se referir que dessa norma se pode retirar que no caso em apreço nunca esteve no espírito do legislador equiparar a relação entre as concessionárias e os promotores de jogo no que concerne à responsabilidade solidária à relação comitente/comissário.
  Destarte, pelos fundamentos atrás aduzidos entendemos que o prazo de prescrição aplicável à concessionária é o de três anos previsto no artº 491º do C.Civ….”.
Por ora não se vê qualquer razão plausível para alterar a posição já assumida.
Limitamos acrescentar que o nº 3 do artº 33º (sob o título de “Responsabilidade solidária das concessionárias”) da Lei nº 16/2022, não obstante não ser aplicável no presente caso, prevê expressamente que “ A responsabilidade solidária referida no presente artigo pode ser excluída quando se comprove que a concessionária cumpriu responsavelmente o seu dever de supervisão”, o que reforça a posição já assumida no sentido de que “nunca esteve no espírito do legislador equiparar a relação entre as concessionárias e os promotores de jogo no que concerne à responsabilidade solidária à relação comitente/comissário” ou à contratual dos promotores de jogo.
Prevê o nº 1 do artº 491º do C.C. que “O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
No caso sub justice, ficou provado que “É do conhecimento geral da população de Macau que, em Setembro de 2015, houve frustração das tentativas de reembolso de créditos levadas a cabo pelos clientes da 1ª Ré” (resposta ao quesito 19º).
Ora, salvo o devido respeito, não entendemos que o facto supra transcrito é suficiente para concluir que o Autor, em Setembro de 2015, já sabia que a 2ª Ré era responsável solidária pelo reembolso das quantias por depositadas na Sala de VIP da 1ª Ré D Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada.
Não há outros elementos que permitem saber o momento desse conhecimento.
Nesta conformidade, a excepção invocada não deixa de ser julgada improcedente.
Pelo exposto, é de manter a decisão recorrida nesta parte com fundamento algo diverso.
2. Do erro na aplicação do direito no que concerne à responsabilidade solidária da 2ª Ré:
Para a 2ª Ré, tendo em conta o disposto do nº 3 do artº 23º da Lei nº 16/2001, a sua responsabilidade solidária só se opera perante o Governo da RAEM, e não perante a terceiros particulares.
Na sua óptica, o Regulamento Administrativo nº 6/2002 tem a natureza complementar em relação à citada Lei, pelo que não pode, com eficácia externa, ultrapassar o alcance legal previamente definido.
Tanto este TSI como o TUI, já se pronunciaram sobre a questão em causa, tendo concluído de forma unânime de que a responsabilidade solidária das concessionárias de jogo de fortuna e azar legalmente prevista não só perante ao Governo da RAEM, mas também perante a terceiros particulares.
No Proc. nº 475/2018 deste TSI, afirmamos que o espírito normativo do artº 29º e da al. 5) do artº 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é no sentido de “atribuir maior responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, é razoável e lógica exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, as responsabilidades decorrentes das mesmas.
  Nesta conformidade, ainda que um promotor de jogo obtenha de forma ilegal financiamento para manter o funcionamento da sala de VIP de jogo, esta actividade tem reflexo directo na actividade da exploração de jogo da concessionária.
  Se a concessionária não cumprir o seu dever de fiscalização, permitindo ou tolerando o promotor de jogo desenvolver este tipo actividade no seu casino, não deixará de ser considerada como responsável solidária pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artº 29º do citado Regulamento Administrativo”.
O TUI, no Proc. nº 45/2019, explicou de forma detalhada a razão de ser esta responsabilidade solidária das concessionárias de jogo de fortuna e azar, bem com o âmbito da sua aplicação, a saber:
“…
  Segundo a “Nota Justificativa” que acompanhou a “proposta de Lei” que após aprovada obteve o n.º 16/2001, no referido art. 23º, (então, art. 21º), encontra-se “uma das maiores inovações da presente proposta de lei. Pela primeira vez no ordenamento jurídico local são editadas normas para regulamentar o exercício da actividade dos promotores junkets.
  Estas normas acolheram soluções já consagradas para a actividade dos corretores de apostas nas corridas de cavalos (cfr. Despacho do Chefe do Executivo n.º 245/2000, datado de 28 de Dezembro e publicado no Boletim Oficial de 8 de Janeiro de 2001)”.
  Assim, e salvo melhor opinião, na busca do (melhor) sentido e alcance do art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001, não se pode olvidar que a sua “intenção legislativa” foi a de aí se adoptar (a mesma) solução (antes) já (assumida e) prevista para os “corretores de apostas nas corridas de cavalos”, nos termos do prescrito no referido Despacho do Chefe do Executivo n.º 245/2000, onde no seu n.º 5 se estatuía que: “Perante a entidade concedente, é sempre a concessionária a responsável pela actividade desenvolvida pelos corretores de apostas”; (disposição legal que, como se referiu, e em nossa opinião, está na base do n.º 3 do art. 23º da Lei n.º 16/2001).
  Ora, ponderando-se no assim preceituado, longe da verdade cremos que não estaremos se, em face de tal estatuição, considerarmos que a intenção pelo legislador assumida foi clara: a de evitar que a concessionária se pudesse eximir de qualquer responsabilidade perante a entidade concedente quando em causa estivessem actos praticados pelos corretores de apostas; (especialmente, sabendo-se que a actividade destes últimos beneficiava a concessionária, e que, os seus “contornos” não estavam, no momento, legalmente bem definidos).
  Porém, imprescindível é desde já aqui clarificar (também) que o assim estatuído não significa nem implica uma “afirmação”, (ainda que implícita), no sentido de que “tão só a concessionária é responsável” – sendo a “única” e “exclusiva” responsável – por toda a actividade desenvolvida pelos corretores de apostas, (não havendo pois qualquer “irresponsabilização” destes), muito menos se podendo dali retirar que a concessionária “apenas é responsável perante o Governo” pela actividade desenvolvida pelos corretores de apostas, valendo a pena e havendo pois aqui que atentar que no (mesmo) Despacho (n.º 245/2000) se prescreve (expressamente) no seu art. 18º que “É da responsabilidade da concessionária toda a actividade dos corretores de apostas, por forma a ser registado imediatamente no sistema informático central do hipódromo e mostrado simultaneamente no Totalizador o produto integral das apostas”.
  Nesta conformidade, e considerando que no aludido Despacho já se previa que “perante a entidade concedente, a concessionária seria sempre responsável pela actividade desenvolvida pelos corretores de apostas”, (cfr., n.º 5), (totalmente) razoável e adequado se mostra (igualmente) de concluir que a norma do dito “n.º 18” se refere à sua “responsabilidade pela actividade dos corretores de apostas em relação a «terceiros», (designadamente), perante os «apostadores»”.
  Outro (eventual) entendimento, (com o devido respeito), implicaria a consideração de que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos correctos e adequados, indo ao ponto de, “repetir” (por duas vezes), reproduzindo a “mesma norma”, com a utilização e introdução de expressões e elementos gramaticais com significados completamente distintos, o que, como sem esforço se mostra de constatar, colide, frontalmente, com as regras de hermenêutica jurídica, em especial, com o disposto no art. 8º, n.º 3, in fine, do C.C.M..
  Por sua vez, e em consonância com o que se acaba de referir, importa ainda mencionar que as citadas normas regulamentares referentes à actividade dos “corretores de apostas”, (cfr., n.º 5 e n.º 18), têm na sua base o acordado no (próprio) “contrato de concessão da exploração das corridas de cavalos”, (celebrado em 04.08.1995), onde, na cláusula sexta, (com a epígrafe “Vendas fora do recinto”), se estatuía (nomeadamente) que:
  “Um. (…)
  Dois. Será da responsabilidade da concessionária toda a actividade dos estabelecimentos e agentes de venda de bilhetes de apostas mútuas, por forma a ser registado no totalizador o produto integral das vendas efectuadas.
  Três. Perante a entidade concedente será sempre a concessionária a responsável pela actividade dos estabelecimentos e agentes de venda de bilhetes de lotaria e apostas mútuas.
  Quatro. (…)”.
  Como é bom de ver, também o “âmbito de aplicação” do clausulado no “n.º 2” é (totalmente) distinto do “n.º 3”, neste tendo-se em vista a “responsabilidade da concessionária junto da entidade concedente” pela actividade dos estabelecimentos e agentes de venda de bilhetes de lotaria e apostas mútuas, pretendendo-se, com o n.º 2, responsabilizar a concessionária pela actividade dos estabelecimentos e dos agentes de venda de bilhetes de apostas mútuas “perante terceiros”, (nomeadamente, “os adquirentes de bilhetes de apostas mútuas”).
  Feito este excurso pelo caminho trilhado pelo legislador na elaboração do art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001, em melhores condições estaremos para avançar na procura do (verdadeiro) sentido e alcance do art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
  Ora, este comando legal – enquadra-se na Secção II sobre a “Actividade de promoção de jogos” do Capítulo III do dito Regulamento que tem como título “Exercício da actividade de promoção de jogos”, e – destina-se, como o indica a sua própria epígrafe, a regular a “Responsabilidade das concessionárias”, (pela “actividade de promoção de jogo”).
  E, em face da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, adianta-se, desde já, que o referido art. 29º não deve ser entendido como uma (mera) “repetição”, “explicitação”, (ou mesmo, “desenvolvimento”), do atrás aludido art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001, pois que, em nossa modesta opinião, tratam-se de duas “normas diversas”, com motivos, objectivos e “âmbitos de aplicação distintos”, e, assim, (necessariamente), com “sentido e alcance (igualmente) distintos”.
  Na verdade, e à imagem do que se deixou dito em relação ao art. 23º da Lei n.º 16/2001, cremos que o aludido art. 29º tem (igualmente) a sua fonte (de inspiração) no “n.º 18” do referido Despacho do Chefe do Executivo n.º 245/2000, (onde, como já se viu, prescreve que “É da responsabilidade da concessionária toda a actividade dos corretores de apostas, por forma a ser registado imediatamente no sistema informático central do hipódromo e mostrado simultaneamente no Totalizador o produto integral das apostas”).
  Não se nega que – em relação ao assim previsto neste n.º 18 do Despacho n.º 245/2000 – tem o teor do art. 29º do dito Regulamento Administrativo uma redacção mais elaborada, (eventualmente, mais cuidada e rigorosa em termos jurídicos, embora, em nossa opinião, possa ainda ser objecto de melhor explicitação).
  Todavia, no fundo, e se bem ajuizamos, cremos que a sua (verdadeira) razão de ser e objectivo não se afasta do que (também) se pretendeu acautelar com o aludido “n.º 18 do Despacho” em questão.
  Daí, em face do que se deixou exposto, (e ponderando na “letra” do art. 29º do referido Regulamento Administrativo), adequado se nos apresenta de considerar que com o mesmo se pretendeu estatuir que as concessionárias são (também) “solidariamente responsáveis” com os (seus) promotores de jogo para com “terceiros” pela actividade por estes desenvolvida nos casinos.
  Com efeito, e recordando Inês Fernandes Godinho, “A responsabilidade solidária consiste em uma modalidade de obrigação, específica quanto aos sujeitos. (…) Esta obrigação dos responsáveis é solidária quando ambos os sujeitos se encontram em situação – imposta – de deverem responder pela totalidade da dívida”; (in ob. cit., pág. 51 e 52).
  Assentando em “motivos objectivos” e “razões de partilha dos benefícios e riscos”, tem – essencialmente – em vista, beneficiar o “ofendido”, permitindo-lhe a faculdade de eleger, de entre os “responsáveis”, aquele que se lhe apresente com maior resistência económica para suportar o encargo ressarcitório que reclama e pretende vir a obter, equiparando-se, por assim dizer, “quem fez” com “quem não fez e devia fazer”, “quem deixou de fazer e não se importou que se fizesse”, “quem financiou para que se fizesse”, ou ainda, “quem beneficia quando os outros fazem”…
  Porém, como já se referiu, (e no que para aqui, agora, especialmente releva), impõe-se ter presente que necessária não é uma “identidade de causa” – “fonte” – para que se possa estar perante uma “obrigação solidária”.
  Como a propósito nota A. Varela: “Por via de regra, as obrigações solidárias nascem do mesmo facto jurídico: do mesmo contrato ou negócio unilateral, do mesmo facto ilícito, etc. (…) De todo o modo, nada há na lei nem na lógica dos bons princípios que exclua a possibilidade de a solidariedade (perfeita) vigorar entre pessoas que se obriguem em momentos sucessivos, através de causas distintas. Não será isso frequente, mas nada há que exclua liminarmente a eventualidade da sua verificação.
  Nos casos de responsabilidade por actos de terceiro (comitente em face do comissário, pessoas colectivas públicas em face dos seus agentes ou representantes, etc.), pode realmente suceder que a causa (fundamento) da obrigação seja diferente para cada um dos responsáveis solidários e que estas obrigações nasçam mesmo de factos distintos, não coincidentes no tempo.
  Se houver culpa do comitente ou da pessoa colectiva pública, ao lado da culpa do comissário, a responsabilidade dos primeiros abrangerá logo a má escolha do comissário, as instruções deficientes que lhe foram dadas ou a insuficiente fiscalização da sua actividade, ao passo que a responsabilidade do segundo nascerá, em regra, só a partir do facto danoso”; (in ob. cit., pág. 759 a 762).
  Pode-se, assim, com razoável segurança concluir que a responsabilidade solidária “(…) encontra, como obrigação solidária que é, uma das suas justificações de existência em uma razão de garantia. Quando falamos aqui em garantia é por não querermos utilizar o termo eficácia. E sublinhamos, a traço forte, a ideia de garantia, por ser a ideia que preside à satisfação dos interesses das vítimas. (…)
  A responsabilidade solidária ambiciona garantir que a vítima, independentemente do que suceda entre os responsáveis entre si, se vê ressarcida pelos prejuízos que sofreu e vê minoradas as consequências (o resultado) dos actos praticados pelos responsáveis. Esta é uma ideia que nos parece percorrer transversalmente a responsabilidade solidária”, sendo, ainda, certo, que “A responsabilidade solidária opera em termos paralelos ou análogos à responsabilidade do comitente. (…)”; (cfr., v.g., Inês Fernandes Godinho in, ob. cit., pág. 58 e 182, afigurando-se de notar aqui também que a referida natureza “solidária” da responsabilidade da concessionária pela actividade dos promotores de jogo ao abrigo do art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é igualmente reconhecida por Luís Pessanha in, “O Jogo de Fortuna e Azar e a Promoção do Investimento em Macau”, Administração n.º 77, Vol. XX, 2007-3º, pág. 879, e Alexandre Libório Dias Pereira in, “Casino Law in Macau: From Competition to Consumer Protection?”, B.F.D.U.M., Ano XIX, n.º 36, 2015, pág. 56).
  Insiste, porém, a ora recorrente, que a referida “responsabilidade solidária” prevista no art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 se refere (tão só) a uma responsabilidade que actua (apenas) “perante o Governo”, à imagem do art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 6/2001, em causa não estando uma responsabilização da concessionária perante “terceiros”, (designadamente, perante a “clientela” dos promotores de jogo).
  Porém, e como já deixamos adiantado, não se mostra de acompanhar este ponto de vista, afigurando-se-nos de considerar que uma idêntica leitura e interpretação do dito art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 – como constituindo uma norma “complementar” do art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001, e como tal, que a responsabilidade aí prevista tenha o mesmo alcance e sentido, sendo uma responsabilidade apenas, e tão só, “perante o Governo” – consubstancia (também aqui) uma flagrante violação das regras interpretativas previstas no art. 8º do C.C.M., pois que se teria de assumir o pressuposto (incorrecto) de que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, repetindo-se, e, simultaneamente, introduzindo e eliminando, indevida e injustificadamente, elementos gramaticais essenciais para o seu correcto entendimento e interpretação, (como v.g., e especialmente sucede com a expressão “perante o Governo”), sem que daí resulte qualquer utilidade e consequência, cabendo ainda notar que tal “construção jurídica” desconsidera também o (atrás) referido “elemento histórico” e o “contexto sistemático” do diploma e comando legal em questão, (atribuindo igualmente, menos adequado sentido à noção jurídica de “responsabilidade solidária”).
  Com efeito, para se compreender o sentido e alcance do art. 23º da Lei n.º 16/2001 e art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, imprescindível é ter em conta a sua “origem histórica” em face do atrás aludido Despacho do Chefe do Executivo n.º 245/2000, (que autorizou o exercício da actividade dos corretores de apostas nas corridas de cavalos por parte da “Companhia de Corridas de Cavalos de Macau, S.A.R.L.”).
  E como atrás também já se fez referência, (em nossa opinião), resulta de forma clara desse Despacho que não se pode confundir o aí estatuído no “n.º 5”, segundo o qual, “perante a entidade concedente a concessionária seria sempre responsável pela actividade desenvolvida pelos corretores de apostas”, com a regra do “n.º 18”, através da qual se estabelece que é da responsabilidade da concessionária toda a actividade dos corretores de apostas, apresentando-nos assim evidente que esta última regra se refere à “responsabilidade da concessionária perante terceiros” pela actividade dos corretores de apostas, designadamente perante os “apostadores”, enquanto “clientela” dos corretores de apostas, (no mesmo sentido, cfr., também, nºs 2 e 3 da cláusula sexta do “contrato de concessão da exploração de corridas e cavalos”), mostrando-se desta forma de concluir que a regra contida no art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não se confunde com a norma prevista no art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001, tendo, (como já se deixou consignado), um “âmbito de aplicação, sentido e alcance distintos”.
  Por outro lado, cremos que uma consideração no sentido de se (dever) ter o art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 enquanto fundamento de uma “responsabilidade solidária perante o Governo”, (nos mesmos termos do art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001), desconsidera, também, o seu respectivo “contexto sistemático”.
  Como se sabe, a “interpretação deve ter em conta a «unidade do sistema jurídico». (…) Por isso a interpretação duma fonte não se faz isoladamente, atendendo por exemplo a um texto como se fosse válido fora do tempo e do espaço. Resulta pelo contrário da inserção desse texto num conjunto jurídico todo. (…)
  Por via de conexão, situa-se a fonte no sistema em que se integra.
  Nenhum preceito pode ser interpretado isoladamente do contexto. É natural que cada trecho duma lei surja como um momento do desenrolar lógico de um plano; não se coloca casualmente dentro daquele conjunto. Cada um dos números dum artigo só é compreensível se o situarmos perante todo o texto do artigo, cada artigo perante os que o antecedem ou imediatamente o seguem. Atender ao contexto é situar uma disposição. (…)”; (cfr., v.g., Oliveira Ascensão in, “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, pág. 391 e 392).
  E, atento o que se consignou, importa, desde logo, observar que o art. 31º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 contém também uma norma sobre “Responsabilidade dos promotores de jogo”, estatuindo-se aí que “Os promotores de jogo são responsáveis solidariamente com os seus empregados e com os seus colaboradores pela actividade desenvolvida nos casinos por estes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”.
  Nesta conformidade, razoável não seria de questionar que se o Regulamento Administrativo apenas tivesse em vista “complementar” – no sentido de se limitar a “desenvolver” – as regras previstas na Lei n.º 16/2001, seria também este comando do dito art. 31º uma “norma – meramente – complementar” do art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001?
  Ora, cremos que a resposta só pode ser de sentido negativo, não havendo, em nossa opinião, qualquer argumento – com base no elemento literal, ou em suposta interpretação sistemática com suporte na Lei n.º 16/2001 – que o sustente.
  Por sua vez, assumindo que uma responsabilidade (“solidária”) “perante o Governo”, traduzir-se-ia no resultado da prática de “infracções administrativas” e na consequente aplicação de “sanções” aos seus “responsáveis”, como explicar que os referidos artºs 29º e 31º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não estejam inseridos no Capítulo IV, (especial e especificamente) destinado às “Infracções Administrativas”, e suas “sanções”, onde, em termos sistemáticos (e lógicos), faria todo o sentido a sua inclusão?
  Também aqui, clara e evidente se apresenta a resposta, cabendo salientar que o dito “Capítulo IV”, referente às “Infracções Administrativas”, (e os seus art. 32º-A, com a epígrafe “Sanções principais”, o art. 32º-B, prevendo as “Sanções acessórias” e o art. 32º-C, quanto à “Competência sancionatória” que o integram), foi introduzido pelo Regulamento Administrativo n.º 27/2009, (respeitante ao “pagamento das comissões ou outras remunerações aos promotores de jogo”), não se nos apresentando assim razoável considerar que não se tenha também aproveitado esta oportunidade para aí se colocar a “matéria do art. 29º” (sobre a suposta “responsabilidade solidária da concessionária perante a concedente”) se este fosse o seu verdadeiro sentido e objectivo.
  Aqui chegados, pertinente se nos apresenta ainda a seguinte consideração.
  No que toca à vigência do “princípio da culpa” em sede das “infracções administrativas” – matéria que, no fundo, se identifica com a “natureza jurídica da infracção administrativa”, ou seja, se “objectiva”, (despiciendo sendo a verificação do elemento subjectivo), ou “subjectiva”, (estando então sujeita à constatação da culpabilidade do infractor), podendo até ser “híbrida” – admite-se desde já que a questão não é (totalmente) “pacífica”, pois que conhecida é a divergência a nível da doutrina, (muito explícitos não sendo também, infelizmente os preceitos legais que a regulam).
  Na verdade, e como é sabido, entendimentos existem que pugnam pela sua “natureza subjectiva”, sendo assim a “infracção administrativa” dependente da verificação de uma “conduta culposa”, (ou mesmo dolosa), por parte do seu agente, opiniões havendo que consideram desnecessário demonstrar que o infractor teve, (ou não), “ânimo de agir” de modo contrário ao preceituado, sendo portanto “objectiva”, notando-se que se defende também a tese da sua natureza “híbrida”, ao infractor cabendo a “prova do contrário” com base na chamada “culpa presumida”; (cfr., v.g., Lorenzo M. R. Baquer in, “Multas Administrativas”, Revista de Administración Pública, pág. 9 a 65; A. Del Teso in, “El Principio de Culpabilidad en el Derecho Administrativo Sancionador”; Eduardo Fortunato Bim in, “A Inconstitucionalidade da Responsabilidade Objectiva no Direito Tributário Sancionador”, Revista dos Tribunais, São Paulo, Junho 2001, pág. 143 a 169; Edilson P. N. Júnior in, “Sanções Administrativas e Princípios de Direito Penal”, Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, 2001, pág. 103 a 128; podendo-se também sobre o tema ver Marcelo M. Prates in, “Sanção Administrativa Geral: Anatomia e Autonomia”, Almedina, 2005, com abundante doutrina sobre a matéria).
  Dúvidas não existindo que a “culpa”, (ou melhor, o “tipo” e “grau de culpa”), do infractor é circunstância a ponderar que sede de “graduação da sanção” – de multa – em face da prática de uma infracção administrativa, (cfr., v.g., o art. 12º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 32/2000, art. 9º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 35/2000, e, mais recentemente, o art. 24º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 34/2009), cremos que em face do “Regime geral das infracções administrativas” aprovado pelo D.L. n.º 52/99/M, relevante se nos afigura ser tal “elemento subjectivo” em sede do seu regime material, (pois que nos termos do seu art. 3º, n.º 3, subsidiariamente aplicáveis são os “princípios gerais do direito e do processo penal”, preceituando, também, o art. 9º que “ao regime material das infracções administrativas” são aplicáveis várias disposições do Código Penal, nomeadamente, o estatuído no art. 123º, n.º 2, onde se estatui, expressamente, que “nas contravenções, a negligência é sempre punida”).
  E, nesta conformidade, razoável não se nos mostra considerar que o aludido “art. 29º” constitua uma adequada justificação para a invocada “responsabilidade solidária da concessionária perante a concedente”, até mesmo por não se apresentar em harmonia com a regra da “pessoalização da infracção e da sua pena”, e que, naturalmente, implica, que a pena aplicada como efeito e consequência da prática de uma infracção seja – pelo menos por princípio – decretada, (imposta), à pessoa, física ou jurídica, que a cometeu, (isto, sem prejuízo de, em certos casos, nomeadamente, quando o “infractor for pessoa colectiva”, se poder prever, em caso da pena aplicada se tratar de uma “multa”, que o seu “pagamento pode ser feito solidariamente” – cfr., v.g., o art. 13º do Regulamento Administrativo n.º 24/2019, art. 17º do Regulamento Administrativo n.º 16/2021 e art. 11º do Regulamento Administrativo n.º 28/2021).
  Com efeito – e a título de mero exemplo – atente-se no teor do art. 32º-A do dito Regulamento Administrativo n.º 6/2002, (adequadamente inserido no Capítulo IV, referente às “Infracções Administrativas”, e com a epígrafe “Sanções Principais”), onde se preceitua que:
  “1. É punida com multa de 100 000 a 500 000 patacas a concessionária que pagar, por forma directa ou indirecta, a promotor de jogo comissões ou outras remunerações em valor superior ao limite máximo fixado pelo despacho referido no n.º 1 do artigo 27.º, ou que não cumprir as normas sobre formas de pagamento nele estabelecidas.
  2. Com igual multa é punido o promotor de jogo que receber comissões ou outras remunerações em valor superior ao limite máximo mencionado no número anterior ou que aceitar pagamentos sob a forma não autorizada pelo despacho referido no número anterior.
  3. É punida com multa de 50 000 a 250 000 patacas a concessionária que não entregar à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, dentro do respectivo prazo, a informação referida na alínea 1) do artigo 30.º
  4. Sempre que a infracção resulte da omissão de um dever, a aplicação da sanção não dispensa o infractor do seu cumprimento, caso este ainda seja possível”.
  E, em face do assim preceituado, claro nos parece que no n.º 1, em causa estão “actos” praticados e imputáveis à “concessionária” e que levam à sua condenação na multa aí prescrita, sendo, que no n.º 2 se impõe uma multa do mesmo valor ao “promotor de jogo”, por conta de “actos” por este praticados e ao próprio imputáveis, tratando-se, como se mostra de concluir, de “responsabilidades distintas”, imputáveis a “actos próprios de cada um dos intervenientes”, inexistindo qualquer “responsabilidade solidária”, (note-se mesmo que o n.º 4 não deixa de se referir, expressamente, ao “infractor”).
  Aliás, pelas mesmas razões, ou seja pela própria “natureza das infracções”, tão pouco existe qualquer responsabilidade solidária nas situações previstas no (seguinte) art. 32º-B, pois que não se apresenta possível a “responsabilidade solidária” da concessionária em relação a infracções que dão lugar à “suspensão” ou “cancelamento” da licença do promotor, impondo-se, também, assim, a conclusão que uma idêntica construção jurídica levaria a que a norma do art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 fosse (totalmente) esvaziada de qualquer sentido e conteúdo útil, (cabendo ter presente que o art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001 não estabelece qualquer “solidariedade”, prevendo, antes, uma “responsabilidade «própria» das concessionárias perante o Governo” decorrente dos deveres de supervisão que lhes são impostos).
  E, dest’arte, apresenta-se-nos de considerar pois que a melhor interpretação vai no sentido de que o art. 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 se destina a impor a “responsabilidade solidária da concessionária perante «terceiros» pela actividade pelos (seus) promotores de jogo desenvolvida”, cabendo porém assinalar (e realçar) que a mesma, independentemente da prática de qualquer “infracção administrativa”, detém, mesmo assim, uma “natureza jurídico-administrativa”, e com um âmbito de aplicação limitado à “actividade típica pelos promotores de jogo desenvolvida em benefício da concessionária”, (justificada se apresentando assim a sua solidariedade com os prejuízos que eventualmente possam ser causados a terceiros por essa mesma actividade).
  Não se ignora, também, que se sustenta que o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um (mero) “regulamento complementar”, e que, assim sendo, a interpretação da regra da responsabilidade prevista no art. 29º daquele diploma nos termos propostos configuraria uma “violação de lei”, (devendo por isso ser interpretado em conformidade com a Lei n.º 16/2001 que visa regulamentar).
  Contudo, também aqui, outro se apresenta ser o nosso ponto de vista.
  Desde logo, não nos parece que se possa (simplesmente) considerar o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 como um (mero) “regulamento complementar” – no sentido que é dado pela (posterior) Lei n.º 13/2009 – apenas porque a Lei n.º 16/2001 estipula no seu art. 52º, (com a epígrafe “Regulamentação Complementar”) que “O Chefe do Executivo e o Governo aprovarão os diplomas complementares da presente lei”, (n.º 1), e que “Além de outras disposições necessárias à boa execução da presente lei, os diplomas complementares incluirão normas respeitantes à regulamentação do concurso público, ao contrato de concessão, à utilização e frequência das salas de jogo, ao funcionamento dos recintos afectos à exploração, à fiscalização das receitas brutas dos jogos, às pessoas afectas à exploração, à prática dos jogos em casino e às infracções administrativas”, (n.º 2), não nos parecendo, tão pouco, decisivo, o facto de aí se invocar, expressamente, o art. 52º da “Lei n.º 16/2001”.
  Na verdade, importa ter presente que esta Lei n.º 16/2001 estabelece o “Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino”, regime que não deixa de poder ser “complementado”, ou “completado”, “no sentido de integrar as lacunas de leis e normas ou adaptá-las no sentido de realizar as funções administrativas”.
  Como sobre idêntica questão foi expressamente referido no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 18.07.2007, Proc. n.º 28/2006, (valendo a pena aqui atentar na seguinte passagem desde aresto):
  “(…)
  Os regulamentos administrativos aprovados pelo Conselho de Estado podem ser classificados, segundo as suas funções, em regulamento administrativo executivo e regulamento administrativo independente. Aquele é o resultado do exercício do poder normativo executivo, este do poder normativo constitutivo.
  “A normação executiva é uma actividade normativa de sujeito administrativo desenvolvida com o objectivo de executar ou aplicar determinadas leis e normas ou disposições constantes de diplomas normativos de sujeito administrativo superior. A normação executiva pode ser realizada oficiosamente ou por delegação, mas sempre sem possibilidade de ampliar ou restringir o conteúdo das leis, normas ou diplomas normativos de hierarquia superior. Os regulamentos administrativos e portarias elaborados por meio de normação executiva são normalmente designados por ‘estatuto executivo’, ‘regulamento executivo’ ou ‘regra executiva’. Não podem subsistir autonomamente, da mesma maneira, no caso de serem revogados a lei, as normas ou diplomas normativos superiores, objecto de execução.
  A normação constitutiva é uma actividade normativa de sujeito administrativo desenvolvida no sentido de integrar as lacunas de leis e normas ou adaptá-las no sentido de realizar as funções administrativas. A actividade normativa constitutiva de integração de lacunas de leis e normas consiste em o sujeito administrativo legislar na ausência de correlativas disposições de leis e normas, exercendo o poder normativo consagrado na Constituição e lei orgânica. É a chamada normação auto-determinada”.
  (…). Os regulamentos administrativos executivos não podem constituir novos direitos ou deveres, antes podem os regulamentos administrativos constitutivos.
  (…)
  Em Macau, a Assembleia Legislativa não tem meios técnicos comparáveis aos do Governo, que lhe permitam editar normas jurídicas com a qualidade necessária, em quantidade suficiente.
  Importa, ainda, anotar que o legislador está distanciado dos casos concretos da vida quotidiana, verificando-se também a impossibilidade de previsão completa por parte do legislador, de modo a que tem de ser a Administração a intervir para preencher os espaços deixados em branco pela lei.
  O princípio da eficiência conduz também a ter de se reconhecer um poder regulamentar independente ao Governo. Como se expressa MANUEL AFONSO VAZ, as teses da inadequação do órgão parlamentar, face às preocupações directivas e conformadoras do Estado dos nossos dias, têm total cabimento naqueles sistemas em que o Governo não tem competência legislativa.
  Também E e outros, referindo-se aos regulamentos administrativos, reforçam a mesma ideia: “A eficiência administrativa da Região Administrativa Especial de Macau depende em, larga medida da efectiva formulação e implementação destes regulamentos”.
  (…)
  Para terminar e o mais importante é que temos de considerar, na apreciação da presente causa, a regulação, doutrina e prática da relação entre o regulamento administrativo e a lei prevista na Constituição da China, pelas seguintes razões:
  - Tanto a Constituição da China de 82, em vigor, como a Lei Básica da Região Especial de Macau são leis constitucionais aprovadas pela Assembleia Popular Nacional. Tem a primeira a posição jurídica suprema no sistema jurídico da China e a segunda elaborada nos termos do art. 31.º daquela. Ambas produzem efeitos em todo o território nacional;
  - Muitos juristas que participaram na feitura da Constituição de 82 também participaram na elaboração da Lei Básica da Região Especial de Macau. As suas teorias de relação entre regulamento administrativo e lei têm com certeza bastante correlação;
  - São basicamente idênticas as disposições da Constituição de 82 e da Lei Básica da Região Especial de Macau sobre os órgãos legislativos, as competências e o sujeito que aprova o regulamento administrativo:
  (…)
  - O regime normativo de regulamento administrativo da Lei Básica deriva da Constituição de 82, diferente de regulamento do antigo regime jurídico de Macau. Aquele tem o âmbito de regulação bastante mais amplo, este é semelhante aos regulamentos previstos no art. 90.º da Constituição de 82 elaborados pelos diversos ministérios e comissões do Conselho de Estado;
  - O referido entendimento sobre a relação entre a lei e o regulamento administrativo é acolhido na Lei de Legislação aprovada pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional em 15 de Março de 2000;
  (…)
  A normação auto-determinada. É uma actividade de normação administrativa desenvolvida pelo órgão administrativo no exercício das competências conferidas por lei, fixando certas regras de conduta a administrado. É uma actividade independente e autónoma do órgão administrativo de normação relativa a matéria não regulada pela lei ou por outras normas, nos termos das respectivas disposições da Constituição e de leis orgânicas, dentro das suas competências. É por isso chamada normação auto-determinada ou independente. Grande parte de normação administrativa é de carácter auto-determinado. (…)
  Também não resulta de nenhum preceito da Lei Básica que os regulamentos administrativos não possam estabelecer deveres ou restrições sobre os particulares. De acordo com o artigo 40.º, o que os regulamentos não podem é impor restrições aos direitos fundamentais, a que se refere o Capítulo III da Lei Básica e aos direitos previstos nos Pactos mencionados naquele artigo 40.º, matéria que deve constar de lei. Assim, desde que a matéria não esteja reservada à lei da Assembleia Legislativa, nada obsta a que regulamentos possam estabelecer deveres ou impor restrições sobre os particulares.
  (…)”; (podendo-se, sobre o tema, ver também João Albuquerque in, “Lições de Ciência Política e Direito Constitucional”, F.D.U.M., 2002-2003, pág. 367 e segs., e António Katchi in, “As Fontes do Direito em Macau”, F.D.U.M., 2006, pág. 488 e segs.).
  Nesta conformidade, e atento ao que se deixou transcrito, importa sublinhar que o referido Regulamento Administrativo n.º 6/2002 contém, (claramente), matéria de “normação primária”, não sendo, manifestamente, um (mero) “regulamento de execução” da Lei n.º 16/2001, pois que não só regula o “procedimento – administrativo – do licenciamento dos promotores de jogo”, preceituando, também, sobre toda a sua “actividade”, estabelecendo, nomeadamente, “direitos”, (v.g., a “não exclusividade da actividade de promoção de jogo”, no art. 18º), “deveres”, (v.g., o “dever de sigilo”, no art. 21º), “responsabilidades”, (com os seus empregados e colaboradores, no art. 31º), e “restrições”, (v.g., as limitações das “comissões” e “remunerações”, no art. 27º), constituindo, pois, (todas) estas, “matérias” que, em nossa opinião, vão muito para além de uma (mera) “normação executiva”.
*
  Porém, e seja como for, uma última nota (adicional) se apresenta aqui útil e adequada.
  É a seguinte.
  Como se deixou consignado, uma “concessão” implica, pela sua própria natureza, um marcado “interesse público”, ficando, como se viu, por lei sujeita a um regime de “direito público”, de carácter “jurídico-administrativo”, como é o “contrato de concessão”; (no caso, e dada a “matéria” em causa, celebrado nos termos do preceituado no Regulamento Administrativo n.º 26/2001 que, no que toca às “Cláusulas contratuais”, prescreve no seu art. 90º, n.º 17, que “(…) o contrato de concessão deve conter, designadamente, cláusulas relativas: À obrigação, assumida pela concessionária, de explorar a concessão nos termos e condições constantes do contrato de concessão”).
  Ora, no contrato de concessão entre a R.A.E.M. e a ora recorrente (“A”) celebrado por escritura de 24.06.2002, consta a seguinte regra inserida na cláusula septuagésima terceira, (com a epígrafe “Exoneração da concedente na responsabilidade extracontratual da concessionária perante terceiros”):
  “Um. A concedente não assume nem partilha qualquer responsabilidade que possa emergir para a concessionária de actos por esta ou por conta desta praticados que envolvam ou possam envolver responsabilidade civil ou outra.
  Dois. A concessionária responderá, ainda, nos termos gerais da relação comitente-comissário, pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das actividades que integram a concessão”; (notando-se que, em 08.09.2006, foi esta cláusula objecto de uma alteração contratual para excluir a sua responsabilidade pelos prejuízos causados pela “subconcessionária”, ali passando a constar que “(…) Dois. A concessionária responderá, ainda, nos termos gerais da relação comitente-comissário, pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas, com excepção da subconcessão, para o desenvolvimento das actividades que integram a concessão”).
  Considerando que o objecto do contrato de concessão, (e subconcessão), é a “exploração de jogos”, parece claro e evidente que se terão de incluir os “promotores de jogo” entre as “entidades contratadas para o desenvolvimento das actividades que integram a concessão” – referidas no n.º 2 – sem esforço se mostrando de concluir ser exactamente a necessidade de “defesa e salvaguarda do interesse público” subjacente à concessão (e subconcessão) que justifica, (e impõe), no âmbito dos respectivos contratos, a “responsabilização da concessionária” (e subconcessionária), nos termos gerais da relação “comitente-comissário”, (pelos prejuízos causados pelas ditas entidades por aquelas contratadas para o desenvolvimento das actividades que integram a concessão), sendo assim igualmente evidente que se está perante uma “vinculação jurídico-pública” que caracteriza a sujeição do concessionário a um regime de “direito público”, em função da específica “natureza administrativa” do contrato de concessão e dos fins de interesse geral que lhe estão subjacentes, (estando assim em causa uma disposição contratual com eficácia normativa).
  Aliás, e em nossa modesta opinião, mal se compreenderia que o desenvolvimento das actividades que integram a “concessão” – como se viu, de índole marcadamente “pública”, e que envolvem, pela sua própria natureza, a realização de “fins de interesse geral” – pudesse ser efectuado em benefício da concessionária por outras entidades contratadas para o efeito, sem que daí resultasse qualquer responsabilização daquela pelos prejuízos pela actividade que estas mesmas entidades pudessem causar, apresentando-se-nos, desta forma, claro e razoável, que nos termos dos contratos de concessão, (e subconcessão), se tenha igualmente clausulado sobre a aqui contestada “responsabilidade (solidária) extracontratual – independentemente de culpa das concessionárias, (e subconcessionárias) – perante «terceiros»” pelos danos causados pelas entidades (pelas mesmas) contratadas para o desenvolvimento das actividades que integram a concessão, (tendo o seu fundamento no princípio jurídico “Ubi commoda, ibi incommoda” ou “Cuius commoda eius et incommoda”, princípio que também está subjacente à responsabilidade do comitente).
  Finalmente, note-se, de resto, que tais “cláusulas contratuais” que se referem à responsabilidade extracontratual da concessionária (ou subconcessionária) perante terceiros, têm um âmbito de aplicação completamente distinto de uma outra inserida nas “disposições finais” dos respectivos contratos, tendo como epígrafe “Promotores de Jogo” e que correspondendo ao artigo 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001 dispõe que: “Perante o Governo, a [sub]concessionária é responsável pela actividade desenvolvida nos casinos e demais zonas de jogos pêlos promotores de jogo junto a si registados, bem como dos administradores e colaboradores destes, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade”, (cfr., a cláusula octogésima oitava do contrato de concessão com a “A Resorts (Macau), S.A.”, claro se apresentando de concluir que a cláusula contratual em questão, tal como a norma do art. 23º, n.º 3 da Lei n.º 16/2001, não exclui a “responsabilidade solidária extracontratual perante terceiros da concessionária”).
  … ”.
A Lei nº 16/2022, que revogou o Regulamento Administrativo nº 6/2002, nada altera a natureza desta responsabilidade solidária.
Bem pelo contrário, vem afirmar o que já defendemos na vigência do referido Regulamento Administrativo, pois o nº 1 do artº 33º da Lei nº 16/2022 estabelece de forna inequívoca que “As concessionárias são solidariamente responsáveis pelas multas administrativas e responsabilidade civil resultantes do exercício da actividade de promoção de jogos autorizada ou do exercício da actividade de colaborador autorizada nos seus casinos, pelas seguintes entidades: 1) Promotores de jogo, seus administradores e principais empregados; e 2) Colaboradores”.
Em relação à norma interpretativa do artº 63º da Lei nº 16/2022, a mesma prevê que:
  “1. A aceitação, no casino, de depósito de fundos ou fichas de outrem, pelos promotores de jogo, administradores e colaboradores destes, bem como pelos empregados dos promotores de jogo que exercem funções no casino, só se considera actividade desenvolvida nos casinos prevista no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, quando os fundos ou fichas foram utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino ou foram ganhos nestes jogos.
  2. Para efeitos do disposto no número anterior, ao apreciar se os fundos ou fichas depositados foram utilizados em jogos de fortuna ou azar em casino ou foram ganhos nestes jogos, são tidos em consideração, nomeadamente, os registos da concessionária relativos à troca ou ao jogo.
  3. O disposto no presente artigo tem natureza interpretativa relativamente ao artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.”.
  Esta norma, para nós, tem dois aspectos relevantes:
1. A responsabilidade solidária prevista no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 só existe quando os depósitos têm conexão com as actividades de jogo de fortuna e azar.
2. O depósito só per si não é suficiente para comprovar a existência da conexão em referência, é necessário recorrer a outros elementos para a sua comprovação, nomeadamente aos registos da concessionária relativos à troca ou ao jogo.
  No caso em apreço, ficaram provados que:
- O Autor frequentava regularmente as salas operadas pela 1.a Ré, designadamente no Casino A Macau, onde se dedicava a actividades de jogo. (resposta ao quesito 1º-A)
- O Autor possuía também uma conta de cliente aberta junto da C Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal, Limitada (C), outra sociedade dedicada à promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, onde depositou diversas quantias para fazer apostas em casino. (resposta ao quesito 2º)
- As instruções dadas pelo Autor foram cumpridas e foram levantados, no total, HKD18.000.000,00 da conta do Autor aberta junto da C, os quais passaram a ser depositados na conta do Autor aberta junto da 1ª Ré. (resposta ao quesito 11º)
- A 2.ª Ré não fiscaliza transacções específicas de clientes da 1.ª Ré. (resposta ao quesito 21º)
- Nem destaca pessoal seu para a tesouraria da 1.ª Ré. (resposta ao quesito 22º)
- Nem acompanha funcionários da 1.ª Ré para que estes recolham fundos de outras salas VIP, quer no seu casino, quer, muito menos, nos casinos de outras concessionárias. (resposta ao quesito 23º)
- De acordo com a prática geral das concessionárias, das sub-concessionárias e dos promotores de jogo, é permitido que os jogadores de salas VIP estabeleçam aí contas em seu nome. (resposta ao quesito 25º)
- O Autor é um jogador habitual. (resposta ao quesito 28º)
Ora, perante a factualidade acima elencada, a qual não foi qualquer objecto de impugnação, achamos que está comprovada que o depósito do Autor visa fazer aposta em casino, tendo portanto conexão com a actividade de jogo de fortuna e azar.
  Face ao expendido, é de julgar improvido o recurso nesta parte.
*
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
*
Custas do recurso pela 2ª Ré.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 27 de Setembro de 2023.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro




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410/2023