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Processo n.º 370/2023
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 27 de Setembro de 2023

Assuntos:
     
- Infracção administração de prestação ilegal de alojamento

SUMÁRIO:

I - No que toca à determinação concreta do infractor da conduta da prestação ilegal de alojamento a que se refere no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010, constitui o entendimento deste TSI de que a qualidade jurídica do arrendatário é título bastante para lhe atribuir o poder de controlo da fracção, e por conseguinte para o responsabilizar pelas actividades desenvolvidas nela, sendo o mesmo responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa (Cfr. ac. do TSI de 05/11/2015, Processo n.º 424/2015).
     
II - Dos autos resultam que o contrato de arrendamento em causa é nulo por falta do reconhecimento notarial da assinatura, e como tal nunca podia produzir os seus efeitos nos termos normais., pois nos termos do disposto no artigo 1032.º do CCM, na redação alterada pela Lei n.º 13/2017 (alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil), fica consagrada uma exigência da formalidade ad substantiam, em conjugação com o disposto do artigo 357.º, n.º 1 do CCM, por se ter imposto, como forma de declaração negocial, o documento escrito particular com assinaturas notarialmente reconhecidas. Assim, a inobservância desta forma prescrita pela lei gera a nulidade da declaração negocial ao abrigo do artigo do 212.º do mesmo CCM.

III - Tendo o acto impugnado assentado no pressuposto de que o Recorrido (infractor) tinha o controlo da fracção autónoma porque era arrendatário desta (e não noutros pressupostos) e demonstrando-se que o mesmo não chegou a adquirir essa qualidade em virtude da nulidade do contrato de arrendamento, a consequência dessa demonstração não pode deixar de ser a da anulabilidade de tal acto por violação de lei.


O Relator,

_______________
Fong Man Chong











Processo n.º 370/2023
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 27 de Setembro de 2023

Recorrente : Directora dos Serviços de Turismo (旅遊局局長)

Recorrida : A

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
Directora dos Serviços de Turismo (旅遊局局長), devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 09/02/2023, veio, em 16/02/2023, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 114 a 123, tendo formulado as seguintes conclusões:
      (1).本次司法裁判的上訴針對尊敬的行政法院法官對上述卷宗作出的判決書。該判決裁定司法上訴理由成立,撤銷被上訴實體於2021年8月31日在2021年8月2日834/DI/2021號報告書上所作之批示,當中,因司法上訴人違反第3/2010號法律第十條第一款之規定,而向司法上訴人科處二十萬澳門元的罰款。
      (2).在理解並尊重不同意見的前提下,被訴實體認為原審判決沾有法律適用錯誤及事實認定錯誤的瑕疵,被訴實體並無違反原審法院判決書中所指之任何瑕疵。
      (3).原審判決認為被訴行為乃建基於司法上訴人為承租人的認定上,故由租賃合同的無效而認定被訴行為沾有對事實認定的錯誤的非有效瑕疵,對此,上訴人並未能表示認同,並認為原審法院的判決存在事實認定及法律適用錯誤。
      (4).首先,原審判決認定司法上訴人就涉案單位所簽訂的租賃合同因欠缺對簽名的公證認定而屬無效。
      (5).被訴實體對原審判決認同會存在一些特殊的情況導致阻礙上述無效後果的產生表示贊同,然而原審判決認為本案中,並不存在司法上訴人濫用權利或“venire contra factum proprium”此等妨礙租賃合同無效的情況,被訴實體認為相關內容存在法律適用不正確的瑕疵。
      (6).司法上訴人自簽訂合同後,至涉案獨立單位被發現利用作非法提供住宿,乃至司法上訴人提起司法上訴,甚至經過房地產經紀的提醒,亦無表現出有意繼續對租賃合同完成公證認定的手續。
      (7).司法上訴人提出租賃合同無效問題的目的,明顯是為了撇清其對涉案單位的控制權,同時為了否定其對涉案單位具承租人應盡之責,其中包括避免涉案單位被利用作非法提供住宿等違法活動等的責任。
      (8).原審判決否定租賃合同的合法性,相當於否定涉案單位控制權經由租賃合同移轉予司法上訴人,這肯定並非出租人之本意,出租人訂立合同的目的,就是為了與司法上訴人成立租賃關係,將涉案單位出租予司法上訴人,並收取租金。從簡單的邏輯推理及生活經驗亦可得悉,倘出租人知道司法上訴人會透過主張租賃合同無效而撇清其違法責任,出租人不會與司法上訴人訂立合同。
      (9).司法上訴人的合同無效主張使得涉案單位的業權人暴露在此等不公義的情況下,使業權人須承擔其從未意識到的由涉案單位控制權而所衍生之各種義務與責任。
      (10).因此,被訴實體認為在司法上訴人作出上述明顯超越基於善意、善良風俗的主張時,符合《民法典》第326條濫用權利的規定的情況。
      (11).另一方面,即使司法上訴人此一非善意的主張,並不構成濫用權利或“venire contra factum proprium”此等妨礙租賃合同無效的情況,但亦無阻認定原審判決在對司法上訴人並不享有承租人權利義務的事實判斷出現錯誤。
      (12).於立法會第三常設委員會就第13/2017號法律修改《民法典》不動產租賃法律制度所作出的第5/V/2017號意見書第120點中指出《民法典》第1032條的修改目的是要解決因不履行不動產租賃合同所產生的問題。
      (13).《民法典》第1032條第2款規定:“即使欠缺書面憑證,只要能證明該欠缺可歸責於一方當事人,則他方當事人仍可藉其他證據方法使不動產之租賃獲得法院承認,但法律另有規定者除外。”
      (14).由上述可見,立法者並未打算單憑合同的形式瑕疵而全然否定當事人之間的租賃關係。
      (15).根據尊敬的駐被上訴法院檢察官之意見,其指出:“儘管欠缺公證認定可能導致不動產租賃合同無效,但無效不代表法律行為不曾存在...況且,法律行為的形式無效主要仍是產生返還已受領給付的義務...不等於當事人之間從未存在相關法律事實及不受相應約束”。
      (16).上述內容亦反映無效之行為與法律上不存在之行為的其中一個顯著差異,即前者亦能產生某些側面的與次要的效果(efeitos laterais ou secundários)。(參閱Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol.II, 8.ª Reimpressão, P.414-415)在本案中,上述所指之側面的與次要的效果,乃為司法上訴人與涉案單位所有權人之間的租賃關係,其對法律關係間接客體(涉案單位)的控制權,並因而產生的出租人及承租人權利及義務。
      (17).從而,原審判決對被訴行為因事實認定錯誤而沾有可撤銷瑕疵的結論必不成立,因為被訴行為對司法上訴人具有承租人身份的認定並無錯誤,被訴行為並無違反任何法律規定或原則。
      (18).司法上訴人在旅遊局作出的供述及在起訴狀之中,均未有對獨立單位被利用作涉及第3/2010號法律規定的非法提供住宿行為作出質疑,亦承認於獨立單位租賃合同中以承租人身份作出簽署。涉案獨立單位所有權人及其授權人均知悉並同意獨立單位為出租予司法上訴人。
      (19).合同因形式上不符規定無阻其進行形式轉換,而使該租賃合同轉換成私文書,使雙方當事人仍受合同中的條款而各自承擔其應有的義務。
      (20).雖然租賃合同上的簽名並未經公證認定,但司法上訴人為具有完全行為能力,其理應明白簽署有關的不動產租賃合同即成為獨立單位的承租人,獨立單位的控制權已無容置疑地在主觀及客觀上轉移予司法上訴人,並因而取得獨立單位的控制權,亦應履行相關義務。
      (21).司法上訴人在簽署租賃合同時,就代表其全盤接受其中的條款(其中明確包括有關保證不會非法提供住宿、轉租、分租等聲明),及承擔如承租人般行事的義務,而絕非原審判決所言因司法上訴人不享有承租人身份,而不受《民法典》第983條的約束。
      (22).被上訴實體認為相關獨立單位租賃關係仍為有效,並約束雙方當事人,司法上訴人具承租人身份,並使其須承擔因違反第3/2010號法律第十條第一款的規定,以任何方式控制被利用作非法提供住宿而產生的違法責任。
      (23).因此,在尊重不同見解的前提下,被上訴實體難以認同原審判決中指被訴行為沾有事實前提供錯誤的認定,並認為此導致原審判決沾有事實認定及法律適用錯誤的瑕疵。
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 187 a 190 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

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    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
      - 2019年9月30日,旅遊局巡查小組人員進入澳門波爾圖街...號......大廈...樓...座單位以調查該單位涉嫌被用作非法提供住宿事宜,並隨即制作編號263/DI-AI/2019實況筆錄(見行政卷宗第32頁至第34頁及背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
      - 上述獨立單位以一個廳間、一個大房間、兩個小房間、一個廚房、兩個衛生間及一個陽台所組成(同上)。
      - 上述獨立單位業權人為B,於2003年3月27日在物業登記局作出取得登記,登記用途為居住,且沒有獲旅遊局發出經營酒店場所的執照(見行政卷宗第8頁及背頁)。
      - 業權人B於2019年9月7日與司法上訴人A簽署涉案單位的租賃合同,租賃期為1年,由2019年9月15日起至2020年9月14日止,每月租金為港幣18,000.00元(見行政卷宗第24頁)。
      - 有關租賃合同之簽名未經公證認定(同上)。
      - 在上述租賃合同還訂明,有關獨立單位除供承租人A居住外,另有居住人C、D、E、F、G及H(同上)。
      - 自2019年9月28日至9月30日旅遊局稽查活動當日,上述獨立單位被用於向I、J及K三人提供住宿,且三名住宿者均為持有效中華人民共和國往來港澳通行證入境的非澳門特別行政區居民(見行政卷宗第26頁、第27頁及第28頁)。
      - 三名住宿者系經上指之C介紹,通過向後者支付現金澳門幣1,000.00元於上述獨立單位住宿(見行政卷宗第11背頁至第18頁及背頁)。
      - 2021年8月31日,被上訴實體同意編號834/DI/2021報告書的建議,決定按第3/2010號法律第10條第1款的規定,因司法上訴人作為涉案獨立單位的承租人,控制用作非法提供住宿的獨立單位,對其科處罰款澳門幣200,000.00元 (見行政卷宗第143頁至第151頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
      - 2021年9月8日,被上訴實體透過第770/AI/2021號通知令,將上述決定通知司法上訴人(見卷宗第152頁至第154頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
      - 2021年11月8日,司法上訴人針對上述決定提起本司法上訴。
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    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
     
I. Relatório
Recorrente A, melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
Entidade Recorrida Directora dos Serviços de Turismo que, pelo seu despacho exarado no relatório n.º 834/DI/2021 de 31/8/2021, determinou a aplicação à Recorrente de uma sanção pecuniária no valor de MOP 200,000.00, nos termos do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010.
Alegou a Recorrente, com os fundamentos de fls. 2 a 10 dos autos, em síntese:
- a anulabilidade do acto recorrido por violação dos artigos 2.º e 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010.
Concluiu, pedindo que seja anulado o acto recorrido.
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A Entidade Recorrida apresentou a contestação com os fundamentos de fls. 70 a 87 dos autos, pugnando-se pela legalidade do acto recorrido, concluiu no sentido de ser o presente recurso julgado improcedente.
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Nenhuma das partes apresentou as alegações facultativas.
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O digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, a fls. 101 e 102v dos autos, no sentido de ser julgado improcedente o presente recurso, cujo teor se transcreve no seguinte:
“司法上訴人A針對被訴實體旅遊局局長於2021年8月31日作出的行政行為提起是次司法上訴,被訴行為是被訴實體認定司法上訴人觸犯第3/2010號法律第10條第1款規定的行政違法行為,對司法上訴人科處澳門幣200,000元的罰款的決定。
司法上訴人主張被訴行為違反第3/2010號法律第10條第1款的規定。
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以下陳述我們的意見:
司法上訴人主張被訴行為違法,是認為涉案租賃合同未經公證認定,屬無效行為,司法上訴人不具備承租人資格,以及司法上訴人對涉案單位不具備管控能力,違法責任應歸咎於在單位居住的其他住客。
針對上述第一項主張,按照起訴狀描述,司法上訴人認為由於欠缺上述法定形式,涉案的租賃合同自始無效,不會約束司法上訴人,也不能要求司法上訴人以承租人身份去承擔涉案單位的違法行為。
按照第3/2010號法律《禁止非法提供住宿》第10條第1款規定:對非法提供住宿者,或以任何方式控制用作非法提供住宿的樓宇或獨立單位者,均科處澳門元二十萬元至八十萬元罰款。換言之,適用上述行政處罰的前提在於違法者有否作出非法提供住宿或以任何方式控制用作非法提供住宿的樓宇或獨立單位的行為,而並非違法者是否具備任何特定(承租人)身份。
儘管欠缺公證認定可能導致不動產租賃合同無效(參見第三常設委員會第5/V/2017號意見書中文版第51頁),但無效不代表法律行為不曾存在,Manuel de Andrade解釋: “a inexistência pressupõe que um negócio jurídico nem sequer chegou a ser concluído; a nulidade pressupõe que ele foi concluído, sim, mas sem os requisitos que legalmente é necessário observar na sua conclusão para que daí se sigam os efeitos jurídicos pretendidos.” (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1992, p. 414)。況且,法律行為的形式無效主要仍是產生返還已受領給付的義務(參見Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica Editora, p.496),不等於當事人之間從未存在相關法律事實及不受相應約束,葡萄牙最高法院指出:“a nulidade, conquanto tipicizada pelos mais drásticos predicados de neutralização do negócio operando interactivos ex tunc, nem assim pode autorizar a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido. A celebração do negócio revela-o existente como evento e por isso não está ao alcance da ordem jurídica tratar o acto realizado como se este não houvesse realmente ocorrido, mas apenas recusar-lhe a produção de efeitos jurídicos que lhe vão implicados. Não é, por conseguinte, exacta a ideia de que, mercê da nulidade, tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado ou produzido quaisquer efeitos. Bem ao invés porque o contrato é algo que na realidade aconteceu, daí precisamente a sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes.” (STJ, proc. n.º 03B484, 2003/10/16)
在本個案中,無論是否基於形式瑕疵而無效,司法上訴人確實承認以承租人身份簽署涉案的租賃合同,沒有否認(反而在起訴狀引用)證人L已提醒其須辦理涉案單位租賃合同的公證認定手續的事實,還表示事件的起因是由於涉案單位的業主要求租賃合同需要一名持澳門居民身份證的人士簽署;那麼,司法上訴人主張上述法律問題不足以否定其在事實層面上確實以涉案單位的承租人身份出現在本個案的行政違法行為之中,未見有關主張足以構成任何非有效瑕疵。
針對第二項主張,按照上級法院對同類案件的普遍理解(包括中級法院第955/2018號合議庭裁判),即使未能證明違法者直接參與提供非法住宿的活動,但其作為涉案單位的承租人,由租賃合同生效的第一天起便要對單位進行全面管控,包括確保單位不得被用作提供非法住宿,但其無盡其應盡的責任,因此須依法承擔相應的法律責任。在本個案中,司法上訴人無疑是以涉案單位的承租人的角色出現在租賃合同及被指控的違法事實之中,無論司法上訴人有沒有實際上對涉案單位進行管控,但司法上訴人絕對有作出相關管控行為的權力,更何況,司法上訴人亦承認是由於需要其作為澳門居民作為承租人簽署涉案的租賃合同,相關業主才出租涉案單位,那麼,司法上訴人在本個案中對造成涉案的非法旅館的出現並對他人非法提供住宿及在控制上述單位的事宜上顯然亦存在重要及主導地位。
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基於此,建議裁定上訴理由不成立,維持被訴行為。”
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***
II. Fundamentação

1. Matéria de facto
Com base nos elementos resultantes dos autos considera-se provada a seguinte factualidade pertinente:
(...)

***

2. Matéria de direito
No caso em apreço, foi a Recorrente chamada à responsabilização pela conduta tipificada na norma específica do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010, pelo facto de ser este que, sendo arrendatária da fracção autónoma, exercia o controlo sobre a mesma que fora utilizada para a prestação ilegal de alojamento.

Alegou a Recorrente, em síntese, que ela não deveria assumir a posição jurídica da arrendatária da fracção autónoma em causa, pelo facto de ser nulo o contrato celebrado, cuja assinatura não foi reconhecida notarialmente conforme o disposto do artigo 1032.º n.º 1 do CCM, alterado pelo artigo 2.º da Lei n.º 13/2017. Além disso, nem sequer a mesma tinha poder efectivo de controlo sobre a dita fracção, porquanto foi a hóspede C que a controlava, e que no exercício desse controlo, angariou os não residentes para ali os acomodar, não tendo a Recorrente conhecimento disso, não podendo ser responsabilizada pelo facto ilícito praticado por outros.

Cumpre apreciar.

A norma do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010 que serviu de base ao acto ora recorrido tem a seguinte redacção: “1. Quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 200 000 a 800 000 patacas.”

Considera-se como “a prestação ilegal de alojamento”, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da referida Lei, a actividade de 1) prestação de alojamento ao público, 2) sem possuir a licença para exploração de estabelecimentos hoteleiros, em prédio ou fracção autónoma não destinado a fins de actividade hoteleira e similar, 3) cujo ocupante é não residente da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), a quem não foi concedida autorização especial de permanência.

É incontroverso que no caso concreto, existe a actividade qualificável como prestação ilegal de alojamento, com base na seguinte factualidade demonstrada nos autos:
- A fracção em causa, 澳門波爾圖街...號......大廈...樓...座單位, com fim habitacional, foi destinada ao alojamento, sem que esteja dotada de licença para exploração de estabelecimento hoteleiro.
- A dita fracção foi utilizada para acomodar os não residentes da RAEM, I, J e K, que não tinham qualquer autorização especial de permanência.

No que toca à determinação concreta do infractor da conduta da prestação ilegal de alojamento a que se refere no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010, constitui a jurisprudência constante do Tribunal de Segunda Instância que a qualidade jurídica do arrendatário é título bastante para lhe atribuir o poder de controlo da fracção, e por conseguinte para o responsabilizar pelas actividades ilícitas desenvolvidas nela, sendo o mesmo responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa. Cita-se, por exemplo, o segmento do Acórdão do TSI de 05/11/2015, Processo n.º 424/2015, no seguinte:
“…Como arrendatário, advêm-lhe deveres, tal como decorre do art. 983º do CC, que não só se impõem perante o locador, como perante terceiros e perante a sociedade, não se tendo por transmitida a responsabilidade decorrente da violação desses deveres. Daí que se alguém desenvolve uma actividade de alojamento ilegal num prédio que se mostra arrendado, o arrendatário, enquanto responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa, não deixa de ser responsabilizado pelo desenvolvimento dessa actividade proibida, pois tem o dever de olhar pela coisa e saber do que ali se passa…” (No mesmo sentido, veja-se melhor, os Acórdãos do TSI de 29/11/2012, Processo n.º 693/2012, de 25/9/2014, Processo n.º 45/2014 e de 27/11/2014, Processo n.º 262/2014).

Desse conjunto das jurisprudências, pode extrair-se, ao contrário do que parece ser o entendimento da Recorrente, o controlo do prédio ou da fracção autónoma que releva para a responsabilização do infractor nos termos do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010, foi concebido como tipo de controlo virtual e abstracto, em vez de ser fáctico e concreto, que provenha da posição jurídica que o infractor ocupa na relação de arrendamento da fracção.
Foi a ora Recorrente considerada como infractora que controlava a fracção autónoma para a prestação ilegal de alojamento por ser aquela que subscreveu, em 7/9/2019, o contrato de arrendamento da fracção autónoma. Diante do acto recorrido tal como ele é fundamentado, e na mesma linha da jurisprudência citada, adiantamos que o argumento subsidiário do presente recurso deixa de ser pertinente: se para o efeito da aplicação da norma do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010, não é o controlo efectivo ou o poder de facto que nos interessa, mas sim o tipo de controlo virtual resultante da posição jurídica que o infractor ocupa relativamente à fracção utilizada.

Portanto, pouco importa que a Recorrente ainda ficasse com a chave da casa arrendada, ou a mesma estivesse ao corrente do que se passava na dita fracção autónoma. A nosso ver, a única questão que resta responder é se ela era ou não juridicamente arrendatária, por efeito do contrato celebrado, daquela fracção utilizada para a prestação ilegal de arrendamento.

Segundo o que se alega na petição inicial, aquele contrato de arrendamento é nulo por falta do reconhecimento notarial da assinatura, e como tal nunca podia produzir os seus efeitos nos termos normais. Motivo pelo qual a ora Recorrente não tinha sequer a posição jurídica da arrendatária.

Vejamos isso então.

A norma do artigo 1032.º na redação alterada pela Lei n.º 13/2017 (Alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil) dispõe o seguinte:
“Artigo 1032.º
(Forma)
1. O contrato de arrendamento é celebrado por escrito particular, cujas assinaturas devem ser reconhecidas notarialmente.
2. Salvo disposição legal em contrário, o arrendamento será, não obstante a falta de título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato.”

Do que se trata no n.º 1 da norma citada é de uma exigência da formalidade ad substantiam conforme manda o disposto do artigo 357.º, n.º 1 do CCM, por ter-se imposto, como forma de declaração negocial, o documento escrito particular com assinaturas notarialmente reconhecidas. Assim, a inobservância desta forma prescrita pela lei gera a nulidade da declaração negocial ao abrigo do artigo do 212.º do mesmo Código.

No entanto, não se ignora que era discutível, à luz da redacção da norma anterior à Lei n.º 13/2017, se a forma escrita exigida pelo artigo 1032.º do Código Civil para a formalização do contrato de arrendamento urbano é uma formalidade ad substantiam, ou uma mera formalidade ad probationem, conforme é ou não o documento escrito substituível por outros meios de prova mais difíceis de conseguir (Veja-se, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, p. 435. E o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 260/2014, de 21/4/2016), tendo em conta que apesar da exigência imperativa decorrente do n.º 1, o n.º 2 do artigo parece ter autorizado o suprimento da falta do título por qualquer outro meio de prova.

Não obstante a controvérsia, tal exigência acrescida de “reconhecimento notarial” do documento que viria a ser introduzida pela nova Lei parece inutilizar o sentido e o alcance da norma do n.º 2. Pois, a falta do documento escrito implicaria, naturalmente, a falta do reconhecimento notarial, assim, ainda que se pudesse demonstrar a existência do arrendamento por outros meios de prova, certo é que inexistirá nenhuma maneira de fazer suprir a inobservância da forma “adicional”. Dito nestes termos, é incontroverso que o contrato de arrendamento é nulo ao abrigo do artigo 212.º do CCM, por causa da falta de reconhecimento notarial das assinaturas.

Sendo o negócio nulo, não produz, desde o início (ab intio), por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo, os efeitos a que tendia (Veja-se, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, p.619). E apenas admitir-se-ia a paralisação dos efeitos da nulidade por vício de forma invocada por um dos contraentes nos casos excepcionalíssimos, como no caso de abuso de direito ou “venir contra factum proprium” (cfr. obra cit. pp. 436 a 438).
Quanto a este último ponto, recorda-se, enuncia o Prof. Baptista Machado como pressupostos da imputação da consequência jurídica do venire contra factum proprium: - (i) uma situação objectiva de confiança (uma conduta que possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao desenvolvimento futuro de certa situação); - (ii) investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento (que o facto gerador da confiança se apresente como o determinante, em termos de causalidade, a influenciar as decisões da contraparte);- (iii) boa-fé da contraparte que confiou (a confiança da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esta esteja de boa fé e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico) (cfr. João Bapista Machado, Tutela da Confiança e venire contra factum proprium”, Obra Dispersa I, 416-419.)

O que, obviamente, não se encontram reunidos na situação vertente: apesar de a falta do reconhecimento notarial da assinatura do contrato ser imputável à própria arrendatária (que reconheceu por causa da indisponibilidade, não ter concluído a formalidade exigida quando foi solicitada para tal pela agente imobiliária (conforme se alega nos artigos 19.º a 21.º da petição inicial)), certo é que a mesma nunca declarou prescindir do respectivo cumprimento, declaração essa que pudesse criar a situação objectiva da confiança. Também inexistiu a confiança subjectiva da contra-parte na estabilização da situação jurídica constituída (Ou seja, o senhorio nem por comportamento faltoso da arrendatária, deixou de ter presente sobre a obrigatoriedade do reconhecimento notarial de assinatura, e pelo contrário, devia sempre representar a nulidade desse contrato como consequência possível). E além do mais, ainda que se reconhecesse a necessidade da tutela da boa-fé do contraparte, nada obsta que a nulidade seja invocada pela arrendatária contra a Recorrida no nosso caso em apreço, que não é nem contraparte nem terceiro na celebração do contrato de arrendamento, não havendo portanto a confiança desta que merecerá a protecção jurídica.

Não se podendo ter por verificado o “caso excepcionalíssimo” da paralisação dos efeitos da nulidade formal, sendo por isso o contrato de arrendamento em causa nulo, este nunca poderia conferir à ora Recorrente a qualidade de arrendatária enquanto responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa, não estando a mesma vinculada aos deveres postulados pelos artigos 983.º do CCM (No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 260/2014, de 21/4/2016).

Por outro lado, nem a Recorrente era arrendatária fáctico da fracção autónoma. Aliás como já vimos atrás, tal argumento foi postergado pelo acto sancionatório na sua fundamentação, que se encontra apoiada tão só no facto de ser a Recorrente quem subscreveu o contrato de arrendamento com o respectivo senhorio, assumindo ela, por conseguinte, a qualidade de arrendatária. Como parece ser óbvio, a comodidade que resultaria dessa tese para a actividade administrativa instrutória tendente à aplicação da sanção poderia levar a uma situação desvantajosa para a Administração, isto é, se cair por terra o título, cairá naturalmente o acto administrativo que se fundava na existência desse título, por estar inquinado do vício de erro no pressuposto de facto, gerador da anulabilidade do acto.

Neste sentido, deve-se anular o acto recorrido.
***

III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso contencioso, com a consequente anulação do acto recorrido.
*
Sem custas pela Entidade Recorrida, por ser subjectivamente isenta.
*
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pela Directora dos Serviços de Turismo que aplicou à recorrente uma multa no valor de 200.000,00 patacas pela prática da infracção administrativa prevista no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010.
Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 103 a 107 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto administrativo recorrido.
Inconformada com a dita sentença, veio a Entidade Recorrida interpor o presente recurso jurisdicional, pedindo a respectiva revogação por parte do Tribunal de Segunda Instância.

2.
Parece-nos, pelas razões que de seguida passaremos a enunciar, que o presente recurso jurisdicional não merece ser provido.
(i)
O acto administrativo contenciosamente recorrido aplicou à Recorrente uma multa no montante de 200.000,00 patacas pela prática da infracção prevista no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010, no qual se preceitua o seguinte: «Quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 200 000 a 800 000 patacas».
Como resulta expressamente da fundamentação do acto recorrido, o Recorrente foi responsabilizado em virtude de, segundo a Administração, ser o mesmo o arrendatário da fracção autónoma que servia de alojamento ilegal e, por via dessa qualidade jurídica, ter o controlo da dita fracção.
(ii)
A douta sentença a quo concluiu no sentido da não demonstração da qualidade de arrendatário do Recorrido em virtude da nulidade do contrato de arrendamento por falta de reconhecimento notarial das assinaturas nele apostas, em contravenção do disposto no artigo 1032.º do Código Civil e, em consequência, uma vez que o acto administrativo recorrido se baseou exclusivamente na qualidade jurídica do Recorrido para dar como demonstrada a prática da infracção, anulou o acto por falta de um dos seus pressupostos.
A Entidade Recorrida não se conforma com este julgamento, alegando, em síntese, que o Recorrente actua em abuso de direito sob a forma de venire contra factum proprium ao invocar a nulidade por vício de forma e que, ainda que se considere que o contrato é nulo, nem por isso se pode concluir, contrariamente ao decidido, que o Recorrido não teve o controlo fáctico da fracção autónoma em causa e isto bastará, segundo diz para justificar a aplicação da sanção aqui controvertida.
Vejamos.
(iii)
(iii.1)
A título prévio, diremos o seguinte.
Embora a questão da validade do contrato de arrendamento tenha natureza civil, a verdade é que da norma do artigo 14.º do CPAC resulta que, quando esteja em causa o conhecimento de questões cuja resolução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito que sejam da competência de outro tribunal, o juiz administrativo não está obrigado a suspender a instância até que o tribunal competente se pronuncia. Consagra-se ali, portanto, o princípio da devolução facultativa ou da suficiência da jurisdição administrativa.
Optando o tribunal administrativo por conhecer da questão prejudicial, os efeitos dessa decisão restringir-se-ão ao processo administrativo, não adquirindo, pois, força de caso julgado material.
(iii.2.)
(iii.2.1.)
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1032.º do Código Civil, que dispõe sobre a respectiva forma, o contrato de arrendamento é celebrado por escrito particular, devendo as assinaturas dos contraentes ser reconhecidas notarialmente. A lei, portanto, não impõe apenas, como sucedeu até à entrada em vigor da Lei n.º 13/2017, a observância da forma escrita, exige, além disso, o reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes.
No caso em apreço, é incontroverso que as assinaturas apostas no documento que formalizou o contrato de arrendamento aqui em causa não foram reconhecidas notarialmente, pelo que não pode deixar de concluir-se ter ocorrido a preterição da forma imposta por lei e que esta, como é próprio dos vícios de forma dos negócios jurídicos, é geradora da nulidade do contrato face ao disposto no artigo 212.º do Código Civil (no mesmo sentido de que a preterição do reconhecimento das assinaturas, quando exigido por lei, gera a nulidade do contrato por vício de forma, pode ver-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5.3.2016, processo n.º 1159/14.5TBCLD.C1, disponível em dgsi.pt).
Sempre diremos, complementarmente, que, em nosso modesto entendimento, com a alteração no n.º 1 do artigo 1032.º do Código Civil introduzida pela Lei n.º 13/2017, deixou, definitivamente, de poder considerar-se que a forma do contrato de arrendamento é meramente ad probationem, ou seja, destinada apenas à prova da declaração negocial, ao invés do que, face à redacção primitiva do Código Civil se podia, com alguma tranquilidade, defender.
Com efeito, a alteração introduzida no n.º 1 do artigo 1032.º do Código Civil implica, se estamos a ver bem, uma necessária releitura hermenêutica da norma contida no n.º 2 desse mesmo artigo («Salvo disposição legal em contrário, o arrendamento será, não obstante a falta de título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato») de modo a que se possam considerar abrangidas no âmbito da sua regulação as situações, como a dos presentes autos, em que não falte a forma escrita ao contrato (única situação abrangida pela letra do n.º 2 do artigo 1032.º do Código Civil), mas falte apenas o reconhecimento notarial das assinaturas apostas no documento. Segundo nos parece, contrariamente ao que sucede com o próprio contrato, cuja prova pode ser feita por outro modo que não através de documento escrito, assim se suprindo a falta deste, esse suprimento, pela própria natureza das coisas, não pode ter lugar em relação ao reconhecimento notarial das assinaturas.
Deste modo, a forma de conferir utilidade ao disposto no n.º 2 do artigo 1032.º do Código Civil que se nos afigura mais consentânea com a respectiva finalidade é a de considerar que, da norma ali contida resulta um impedimento à invocação da nulidade derivada da falta de reconhecimento notarial das assinaturas por parte do contratante ao qual for imputável a preterição dessa formalidade. Se assim for, como cremos que é, estaremos, portanto, perante uma nulidade atípica, na medida em que a sua invocação fica vedada a uma das partes do contrato, no caso de a mesma lhe ser imputável.
Nas hipóteses em que nada se demonstra quanto à imputabilidade da falta de forma, incluindo a falta de reconhecimento notarial das assinaturas, a nulidade será invocável por qualquer interessado, podendo, além disso, ser oficiosamente declarada pelo tribunal nos termos gerais resultantes da norma do artigo 279.º do Código Civil.
Em todo o caso, a inibição da invocação da nulidade pela parte a quem seja imputável só vale no confronto com a outra parte contratual, única em relação à qual se pode justificar a protecção das expectativas, não já, como na situação em apreço, em relação a terceiros que, de alguma forma, se queiram prevalecer do contrato. Nesse caso, a parte contra quem o contrato seja oposto pode invocar a nulidade e, do mesmo modo, o tribunal dela poderá conhecer ex officio.
(iii.2.2.)
Em relação ao invocado abuso de direito do Recorrido, sob a forma de venire contra factum proprium, a douta sentença recorrida já disse o que a havia para dizer quanto à sua inverificação.
Como a jurisprudência comparada tem vindo a assinalar em termos que nos parecem de seguir, a paralisação da invocabilidade do vício de forma com fundamento no abuso de direito deve apenas ocorrer verificados que estejam os seguintes pressupostos:
- Ser claramente imputável à parte que quer prevalecer-se da nulidade a culpa pelo desrespeito das regras legais que impunham a celebração do negócio por determinada forma qualificada;
- Que a parte que queira prevalecer-se do vício o tenha causado com o seu comportamento no momento da celebração do negócio, agindo de modo preterintencional ou, pelo menos, com culpa grave;
- Que a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se tenha traduzido num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer pontos ou focos de litigiosidade relevante, assumindo estas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes – e criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto (assim, na jurisprudência portuguesa, por todos e com amplas referências doutrinais e jurisprudenciais, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.03.2019, processo n.º 499/14.8T8EVR.E1.S1, que neste ponto seguimos praticamente ipsis verbis, com versão integral disponível em linha).
É manifesto, estamos em crer, que tais pressupostos não ocorrem no presente caso, resultando improcedente, por isso, a excepção do abuso de direito.
(iii.2)
Sendo o contrato nulo por vício de forma, tal significa que o mesmo não produziu, desde o início, os efeitos a que tendia, sendo, pois, desprovido de força jurísgena, de tal forma que o Recorrido não chegou a adquirir, em momento algum, contrariamente ao que foi pressuposto pela Administração no acto recorrido, a posição de arrendatário, ou, mais correctamente, os direitos e obrigações emergentes da celebração, como locatário, do dito contrato.
Ora, tendo o acto impugnado, como acima vimos, assentado no pressuposto de que o Recorrido tinha o controlo da fracção autónoma porque era arrendatário desta e demonstrando-se que o mesmo não chegou a adquirir essa qualidade em virtude da nulidade do contrato de arrendamento, a consequência dessa demonstração não pode deixar de ser a da anulabilidade de tal acto por violação de lei.
Uma última nota: tal como a decisão recorrida, argutamente, não deixou de assinalar, a demonstração de que ao arrendatário falta a qualidade jurídica de arrendatário não excluiria, em tese, que o mesmo pudesse ter exercido um controlo de facto da fracção autónoma, um mero poder de facto, à semelhança de uma posse formal, isto é, uma posse que, por oposição à causal não tem causa num título jurídico válido o qual seria suficiente para a sua responsabilização no âmbito do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010. O ponto é que o acto administrativo recorrido se não fundou nesse eventual controlo fáctico, cuja caracterização e densificação fáctica não efectuou, antes se cingiu, exclusivamente, à invocação da qualidade, necessariamente jurídica, de arrendatário por parte do Recorrido, pelo que, falhando, como no caso falha, a demonstração da mesma, ficará o acto sem apoio que o sustente e permita a sua manutenção na ordem jurídica.

3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita, da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pela Recorrente/Entidade Recorrida e além disso, frisamos o seguinte:
a) – Não foi a Recorrente a única pessoa que figura no contrato como arrendatária, mas sim há mais outras seis pessoas, só que, à luz dos factos apurados, não foi a Recorrente que “angariou” as outras 3 pessoas para morar naquela fracção autónoma, mas sim foi a pessoa C que deixou essas 3 pessoas/turistas que moravam no apartamento e cobrava rendas. Neste aspecto, não sabemos que relação existente entre essas 3 pessoas e a Recorrente;
b) – Pelo que, faltam elementos probatórios que apontem para a culpa (ainda na forma de negligência) da Recorrente no cometimento da infracção imputada;
c) – Por outro lado, não accionamos o mecanismo punitivo do artigo 118º/2 do CPAC (sendo a competência exclusiva do TA – artigo 119º/4 do CPAC) por os autos não conterem todos os elementos necessários para esta finalidade.
Nestes termos, como a sentença recorrida já analisou praticamente todas as questões levantadas, ficamos dispensados de voltar as tocar nesta sede, sendo da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual é de manter a sentença recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I - No que toca à determinação concreta do infractor da conduta da prestação ilegal de alojamento a que se refere no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010, constitui o entendimento deste TSI de que a qualidade jurídica do arrendatário é título bastante para lhe atribuir o poder de controlo da fracção, e por conseguinte para o responsabilizar pelas actividades desenvolvidas nela, sendo o mesmo responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa (Cfr. ac. do TSI de 05/11/2015, Processo n.º 424/2015).
II - Dos autos resultam que o contrato de arrendamento em causa é nulo por falta do reconhecimento notarial da assinatura, e como tal nunca podia produzir os seus efeitos nos termos normais., pois nos termos do disposto no artigo 1032.º do CCM, na redação alterada pela Lei n.º 13/2017 (alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil), fica consagrada uma exigência da formalidade ad substantiam, em conjugação com o disposto do artigo 357.º, n.º 1 do CCM, por se ter imposto, como forma de declaração negocial, o documento escrito particular com assinaturas notarialmente reconhecidas. Assim, a inobservância desta forma prescrita pela lei gera a nulidade da declaração negocial ao abrigo do artigo do 212.º do mesmo CCM.
III - Tendo o acto impugnado assentado no pressuposto de que o Recorrido (infractor) tinha o controlo da fracção autónoma porque era arrendatário desta (e não noutros pressupostos) e demonstrando-se que o mesmo não chegou a adquirir essa qualidade em virtude da nulidade do contrato de arrendamento, a consequência dessa demonstração não pode deixar de ser a da anulabilidade de tal acto por violação de lei.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
*
Sem custa por isenção subjectiva.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 27 de Setembro de 2023.

Fong Man Chong
(Relator)

Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)

Fui presente,
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador)
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