Processo nº 685/2023/A
(Suspensão de Eficácia)
Data do Acórdão: 19 de Outubro de 2023
ASSUNTO:
- Revogação de autorização de residência;
- Suspensão de eficácia.
SUMÁRIO:
- Resultando da execução do despacho cuja suspensão de eficácia se pede, a impossibilidade do Requerente continuar a formação académica em curso, verifica-se estar preenchido o requisito do prejuízo de difícil reparação.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 685/2023/A
(Suspensão de Eficácia)
Data: 19 de Outubro de 2023
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 02.08.2023 que declarou a nulidade da sua autorização de residência em Macau.
Para tanto alega a Requerente em síntese que vive em Macau desde os 16 anos de idade, tendo-lhe sido concedida a autorização de residência em 2009, aqui trabalhando como professora do ensino secundário desde que concluiu os seus estudos universitários, continuando em Macau a frequentar outros cursos para aperfeiçoar as suas capacidades de ensino, estando actualmente a desempenhar um curso de Mestrado na Faculdade de Ciência da Educação da Universidade de Educação do Sul da China. A Requerente adquiriu um apartamento em Macau tendo contraído empréstimo bancário para o efeito e seguro de saúde.
Mais alega que notificada do despacho cuja execução se pede teve de se demitir do seu emprego, tendo perdido os seus rendimentos o que acrescido de ter de se ausentar do local onde cresceu e viveu durante 14 anos e ficando impossibilitada de cumprir com as obrigações financeiras que assumiu, lhe causa prejuízo irreparável.
Concluindo pela inexistência de grave lesão para o interesse público e de inexistência de fortes indícios de ilegalidade do Recurso conclui pela verificação dos requisitos para que seja declarada a suspensão de eficácia do acto que se pede.
Citada a Entidade Requerida para contestar veio esta fazê-lo impugnando a verificação dos prejuízos invocados pela Requerente, concluindo que não estão verificados os pressupostos para que a providência seja concedida.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
«1.
A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança que declarou a nulidade da autorização de residência que lhe foi concedida em 26 de Novembro de 2009.
A Entidade Requerida apresentou contestação.
2.
(i)
Decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
(i) a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que estre defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
(ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
(iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa, bastando, pois, a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.290/2019).
(ii)
No caso, o acto suspendendo, apesar de meramente declarativo, tem um evidente efeito positivo por isso que dele decorre uma efectiva alteração na prévia situação jurídica da Requerente.
Além disso, até pela falta da alegação a que se refere o n.º 1 do artigo 129.º do CPAC, a ser decretada a suspensão de eficácia do acto daí não resulta grave lesão para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que se pode dizer preenchido o requisito da providência a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
Do mesmo modo, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, mostrando-se assim verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
Resta a questão de saber se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação ao Requerente, único requisito de decretamento da providência que é controvertido.
A nosso ver, a resposta a tal questão deve ser positiva.
Na verdade, estamos em crer que a situação, embora não totalmente análoga, apresenta significativas semelhanças com aquelas outras que já foram decididas pelos nossos Tribunais a propósito das suspensões de eficácia dos actos de cancelamento dos bilhetes de identidade de residentes permanentes.
A Requerente é uma residente permanente da Região, que obteve a autorização de residência no ano de 2009, há cerca de 14 anos, portanto, e que desde então tem vivido em Macau, ao que tudo indica, de forma regular e contínua, aqui cresceu e se tornou adulta, mantendo aqui os seus vínculos pessoas mais significativos.
Parece-nos, por isso, que a imposição à Recorrente da sua expulsão de Macau ou do impedimento da sua entrada em Macau, com todas as implicações que daí, com toda a probabilidade, advirão, designadamente, mas não apenas, em matéria de perda de rendimento, constitui dano merecedor de tutela jurídica que íntegra o conceito de prejuízo de difícil reparação para efeitos do artigo 121º, n.º 1, al. a), do CPAC (cfr. em sentido que nos parece idêntico, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 13.1.2021, processo n.º 212/2020. No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 7.11.2019, tirado no processo n.º 1013/2019/A e, mais recentemente, os acórdãos proferidos nos processos n.º 155/2023/A, 163/2023 e 262/2023/A e, por último, no processo n.º 333/2023).
Estão, pois, verificados, em nosso modesto entendimento, todos os requisitos de que o artigo 121.º, n.º 1 do CPAC faz depender o decretamento da suspensão de eficácia.
3.
Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser deferido o pedido de suspensão de eficácia.».
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos
a) A (A) nasceu em 21.10.1993 filha de B e C – cf. fls. 16 e 17 -;
b) Na Conservatória do registo Predial está inscrita a aquisição a favor da Requerente da fracção autónoma A13 do prédio sito em Macau na Rua XXXXXX nº 456 e outras, descrito sob o nº 21967-IV, estando também inscrita sob a mesma fracção hipoteca a favor do Banco Luso Internacional S.A. para garantia do montante de MOP3.485.000,00 – cf fls. 128 -;
c) A exerceu as funções de professora do ensino secundário da Escola XXXXXX da Taipa de 1 de Setembro de 2017 a 31 de Agosto de 2023, data em que se demitiu – cf. fls. 70 e 71 -;
d) A é aluna da turma de Macau 2021 do curso de mestrado profissional de “Educação” organizado conjuntamente pela Universidade de Educação de Guangzhou do Sul da China e pelo Centro de Estudos Permanentes Pós-Laboral de Macau – cf. fls. 91 traduzido a fls. 213 -;
e) Por despacho do Exmº Secretário para a Segurança de 02.08.2023 com base no parecer constante do relatório nº 200071/SRDARPA/2023P foi declarada a nulidade da autorização de residência concedida à Requerente em 26.11.2009, com o seguinte fundamento:
«Nº:XXXXXX Nº: número de série:_________
número de série:_______ Nº: número de série:_______
De acordo com o Artº 4, nº 2 do RA nº 23/2002, foi apreendido o BIRM para ser remetido à DSIM
Assinado pelo responsável ass. vide oringianl Nº: GP136001
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência
Notificação
Nº: 100585/SRDARPNT/2023P
-----Notifica-se a Sra. A portadora do “BIRM” n.º XXXXXX, que o Exmº Senhor SS, com base nos fundamentos do parecer do relatório n.º 200071/SRDARPA/2023P elaborado pelo DARP do nosso serviço, foi emitido despacho em 2 de Agosto de 2023, declarando a nulidade da autorização de residência concedida a V. Exª em 26 de Novembro de 2009.
-----Presentemente vem transmitir o seguinte teor do parecer do relatório supracitado:
1. A interessada B e sua filha A munidos do “Salvo conduto para deslocação a Macau e Hong Kong” vieram ao nosso serviço em 26 de Novembro de 2009, com fundamento de união com seu cônjuge/madrasta D, obtiveram autorização de residência, os dois presentemente são detentores do BIRM.
2. De acordo com o Acórdão do TJB n.º CR4-22-0049-PCC, a residente de Macau D recebeu uma retribuição de trinta mil, contraiu casamento falso com o interessado B, os dois depois do casamento nunca viveram juntos como casal. B registou elementos falsos de casamento para enganar a autoridade administrativa para lhe emitir a certidão de autorização de residência e o BIRM, o TJB decretou acórdão em 8 de Julho de 2022, julgou provado que o interessado B, D e sua ex-exposa cometeram o crime de falsificação de documento (cúmplice), condenou a cada um dos três, na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de dois anos. O acórdão foi transitado em julgado no dia 28 de Julho de 2022.
3. Dado que a autorização de residência concedida ao B baseou-se na certidão de casamento que não corresponde a verdade do facto, bem como o acto criminoso envolvido no processo foi o factor principal que conduziu a concessão da autorização de residência pelo nosso serviço, e como o tribunal de primeira instância condenou a conduta criminosa relevante, pelo que este departamento veio nos termos legais realizar processo de audiência escrita face à declaração de nulidade da autorização de residência concedida ao interessado e à sua filha acompanhante, para o efeito foi emitida “Notificação de Audiência Escrita” aos dois.
4. No dia 16 de Dezembro de 2022, sobre a audiência escrita, este serviço recebeu as alegações escritas e documentos relacionados apresentados pelo interessado e sua filha acompanhante. O conteúdo das alegações escritas era mais ou menos sobre que os dois já estão habituados à vida de Macau e desejam manter a autorização de residência.
5. Após análise dos documentos apresentados pelo interessada e pela sua filha acompanhante na fase da audiência, os fundamentos apresentados não são suficientes; ao mesmo tempo, considerando que: 1. A relação matrimonial entre o interessado B e D foi o requisito ou pressuposto principal que implicou a prática do acto administrativo da concessão da autorização da residência em Macau, não havendo esta relação a autorização de residência nunca poderia ser concedida; 2. A relação matrimonial entre o interessado B e D é falsa, e o acto administrativo da concessão da autorização de residência padece então vício de erro; além disso, durante a prática do acto administrativo envolveu-se no supracitado crime praticado pelo interessado; 3. A única razão e fundamento da A ter obtido autorização de residência foi devido a essa relação de casamento entre seu pai B e D, do mesmo modo, o acto administrativo da autorização de residência que lhe foi concedida, também estava envolvida no crime supracitado; posto isto, é da opinião, nos termos do artº 122º, nº 2, c) do CPA, declarar a nulidade da autorização de residência concedida ao interessado B e a sua filha acompanhante A.
-----Relativamente à decisão supracitada, V. Exª poderá nos termos do artº 25.º do CPAC, interpor recurso contencioso ao TSI.
Chefe do DARP
Ass. vide original
E sub-chefe de departamento
F sub-che de departamento substituto
11/08/2023
Requerente A, portadora do BIRM nº XXXXXX, às 22h40 do dia 21/08/2023, tomei conhecimento de todo o conteúdo da notificação e recebi o original.
Requerente
Ass. vide original
Observações: nosso serviço através do ofício nº 107719/CPSP-SRDARP/OFI/2023P notificou por correio no endereço de Macau acima.».
f) A Requerente foi notificada daquele despacho em 21.08.2023 – cf. fls. 182 -;
g) Em 19.09.2023 foi apresentado o presente pedido de suspensão de eficácia – cf. fls. 2 -.
Os demais factos invocados pela Requerente são irrelevantes para a decisão da causa tendo em consideração os requisitos para a declaração da providência, entre eles o prejuízo de difícil reparação pelo que quanto a essa matéria não tomamos posição, sem prejuízo dos factos constarem de documento que não foi impugnado.
2. Do Direito
De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.».
No caso dos autos o acto em causa nega à Requerente o estatuto de residente da RAEM, o que, tal como se refere no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, é de conteúdo positivo, uma vez que dele resulta a alteração da situação jurídica que autorizava a permanência da Requerente na RAEM.
Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
«Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.».
Vejamos então.
De relevante e no essencial invoca a Requerente que a declaração de nulidade da autorização de residência impede que continue a exercer a sua actividade de professora auferindo os respectivos rendimentos colocando-a na situação de não poder cumprir com os compromissos que assumiu, nomeadamente o pagamento de seguros que contratou e das prestações para liquidação do empréstimo contraído para aquisição da fracção autónoma que lhe pertence e estar a frequentar o curso de mestrado profissional de Educação organizado pela Universidade de Educação de Guangzhou do Sul da China e pelo Centro de Estudos Permanentes Pós-Laboral de Macau.
Dúvidas não subsistem que quanto à situação profissional assistiria razão à Requerente se a perda da situação profissional decorresse da execução do despacho cuja suspensão agora se pede.
Não duvidamos sequer que a cessação da relação laboral a seu pedido tenha decorrido da notificação do despacho de declaração de nulidade da sua autorização de residência.
Contudo dessa atitude da Requerente resultou nada haver agora a acautelar em termos profissionais porque a relação laboral já cessou.
Porém resulta também demonstrado que a Requerente está a frequentar um curso de Mestrado no Centro de Estudos Permanentes Pós-Laboral de Macau.
Da cessação imediata da sua autorização de residência resulta a impossibilidade da Requerente continuar as actividades lectivas o que irremediavelmente atrasa a sua formação profissional, factor agora ainda mais relevante dada a situação de desemprego em que ficou decorrente desta situação e que não poderá ser ressarcido nem recuperado através de uma eventual indemnização.
Assim sendo, e com base nesse elemento, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência, deferindo-se o pedido.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos vai deferido o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 02.08.2023 que declarou a nulidade da autorização de residência da Requerente A.
Sem custas por delas estar isenta a entidade Requerida.
Registe e Notifique.
RAEM, 19 de Outubro de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1° Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2° Juiz-Adjunto)
Fui presente,
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador)
685/2023/A SUPSENSÃO 1