打印全文
Processo nº 488/2023
(Autos de Recurso Cível e Laboral)

Data do Acórdão: 19 de Outubro de 2023

ASSUNTO:
- Administração do Condomínio
- Impugnação das deliberações da Assembleia Geral de Condóminos
- Legitimidade

SUMÁRIO:
- “A impugnação das deliberações releva de uma relação entre condóminos, sendo, por isso, na sua titularidade, enquanto detentores de um direito pessoal de compropriedade e, por isso, mesmo com direito individual de voto na assembleia de condóminos, que radica a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação que nela seja assumida” – Citação ver texto -;
- Sendo impugnada deliberação tomada em Assembleia Geral de Condóminos na posição de demandados haveriam de estar aqueles que tendo estado presentes ou representados na Assembleia Geral em que aquela foi tomada, votaram a seu favor;
- Estes condóminos que aprovaram a deliberação são pessoas identificáveis e não incertos.


____________________
Rui Pereira Ribeiro














Processo nº 488/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Outubro de 2023
Recorrente: A (Recurso Interlocutório e Recurso Final)
Recorridos: B, C, D e E (Recurso Interlocutório e Recurso Final)
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  B, C, D e E, todos, com os demais sinais dos autos,
  vieram instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
  A, representados na presente lide pela Administração do Condomínio,
  pedindo que seja a acção julgada procedente, por provada, e que, em consequência sejam as deliberações aprovadas na assembleia geral de condóminos, ocorrida no dia 05.05.2020, declaradas nulas ou anuláveis.
  
  DO RECURSO DO DESPACHO SANEADOR:
  
  Proferido despacho a fls. 344/345 em que foi julgado improcedente a excepção da ilegitimidade dos Réus, vieram os Réus interpor recurso do mesmo apresentando as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso da decisão plasmada a fls. 344 a 345 verso dos autos, que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva dos RR. incertos e fixou uma taxa de justiça de 2UC, a ser suportada pelos mesmos, pelo indeferimento da referida excepção, com a qual os Recorrentes não se conformam.
II. Numa acção como a presente só têm legitimidade passiva para intervir e interesse em contradizer os condóminos que votaram a favor da sua aprovação das deliberações impugnadas.
III. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas acções como a presente é assegurada pela administração do condomínio nos termos do n.º 2 do artigo 36.º da Lei n.º 14/2017.
IV. Sobre o Autor impende o dever de identificar as partes nos termos do disposto no artigo 389.º, n.º 1. alínea a) do CPC.
V. Uma acção só pode ser movida contra incertos, quando não seja possível identificar e determinar os interessados directos em contradizer que devam assumir a posição de réus.
VI. E isto porque o facto de uma determinada acção, ser movida contra incertos tem consequências processuais expressamente previstas na lei, designadamente as previstas, ao nível da sua representação pelo Ministério Público, no artigo 51.º do CPC, ao nível da sua citação edital, no n.º 6, in fine, do artigo 180.º do CPC, e, ao nível do alcance do caso julgado, no n.º 1 do artigo 574.º, no n.º 1 do artigo 576.º, no artigo 416.º e nos n.ºs 1 e 2, este a contrario, do artigo 417.º, todos do CPC.
VII. Com a entrada em vigor da lei n.º 14/2017, o funcionamento da assembleia geral do condomínio passou a estar previsto e regulamentado nos seus artigos 22.º a 37.º, com a inovação de não só obrigar ao registo das presenças dos condóminos mediante a confirmação da sua identidade, ou da do seu representante, através do respectivo documento de identificação e a recolha da respectiva assinatura na lista de presenças, e ao registo da reunião em acta contendo todos os elementos previstos no n.º 2 do referido artigo 32.º, como também de exigir, através dos artigos 27.º e 28.º, que a votàção seja feita através de boletim de voto que, em face do n.º 3 do referido artigo 27.º, contenha a fracção ou fracções autónomas a que respeita, ou através de outra forma que permita determinar o sentido de voto de cada um dos condóminos participantes na assembleia.
VIII. O legislador estabeleceu, através dos referidos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 14/2017, regras para se apurar de forma individualizada a vontade de cada condómino e, consequentemente, determinar e identificar quaisquer potenciais réus de acções daquela natureza.
IX. A lei n.º 14/2017, através dos n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 32.º, passou a impor à administração do condomínio a obrigação de guardar a documentação relativa às reuniões da assembleia, e a facultá-la à consulta nomeadamente de todos os condóminos, designadamente os que pretendam impugnar as deliberações aprovadas, independentemente de terem ou não comparecido na assembleia
X. O legislador não viu qualquer situação de conflito entre a eventual qualidade da Administração de representante judiciária dos condóminos réus neste tipo de acções e a obrigação de guardar e disponibilizar a qualquer condómino, mesmo potenciais demandantes em tais acções, toda a documentação relativa às reuniões da assembleia, porquanto a administração do condomínio nunca assume a posição de parte numa acção de impugnação das deliberações da assembleia geral de condomínio (ao contrário do que sucede nos casos previstos no artigo 45.º da Lei n.º 14/2017), agindo apenas em representação legal dos condóminos demandados.
XI. Competia aos AA. diligenciar no sentido de apurar a identidade dos condóminos que aprovaram as deliberações da Assembleia e instaurar a presente acção contra os condóminos necessariamente certos que aprovaram as deliberações a impugnar.
XII. Os AA. instauraram a presente acção contra os “Condóminos incertos do Edifício” e em lado algum especificam que os mesmos são os condóminos incertos do Edifício que votaram a favor da aprovação das deliberações que pretendem impugnar por meio da presente acção.
XIII. A presente acção foi objectivamente (mal) instaurada contra os “Condóminos incertos do Edifício” que, assim, abrangem tanto os que votaram a favor da aprovação das deliberações ora impugnadas, como os restantes, e, consequentemente, sempre seriam parte ilegítima da presente acção.
XIV. Os AA. não alegaram na sua petição inicial qualquer facto que consubstanciasse uma impossibilidade de identificação dos condóminos certos que aprovaram as deliberações da Assembleia que pretendem impugnar, para justificar terem movido a mesma contra incertos.
XV. A Decisão Recorrida transfere para os ora Recorrentes o ónus de determinação e identificação dos RR. e, assim, determina que estes venham aos autos, em prejuízo próprio, colmatar as falhas dos autores, desconhecendo-se qualquer normativo, de resto não citado pela Decisão Recorrida, que o admita.
XVI. A Decisão Recorrida, ao julgar que os “Condóminos incertos do Edifício” são parte passiva legítima dos presentes autos fez tábua rasa do n.º 1 alínea a) do artigo 389.º, do artigo 51.º, do n.º 6, in fine, do artigo 180.º, do n.º 1 do artigo 574.º, do n.º 1 do artigo 576.º, do artigo 416.º e dos nos n.ºs 1 e 2, este a contrario, do artigo 417.º, todos do CPC e, bem assim, dos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.ºs 3, 4 e 6 todos da Lei n.º 14/2017.
XVII. A Decisão Recorrida incorreu em erro de julgmento e violou o disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 412.º, alínea e) do artigo 413.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º, todos do CPC
XVIII. A defesa por excepção em sede da contestação é intrínseca à própria dinâmica do processo declarativo comum ordinário, logo o seu indeferimento não é passível de fixação de taxa de justiça, nem tão-pouco na subsequente condenação no pagamento enfermando asslm, nesta parte, a Decisão Recorrida de erro de julgamento por falta de fundamento legal.
XIX. Da Decisão Recorrida não resulta qualquer fundamento de direito ou de facto que justifique a decisão de fixar uma taxa de justiça de 2UC e condenar os Recorrentes no seu pagamento, por os mesmos se terem limitado a defender-se por meio de excepção, naquilo que é a tramitação normal do processo, padecendo, assim, a Decisão Recorrida, nesta parte, de nulidade nos termos do disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi artigo 569.º, n.º 3.
  Notificada da admissão do recurso a parte contrária não contra-alegou.
  
  DO RECURSO DA DECISÃO FINAL:
  
  Proferida sentença, foi a acção julgada procedente anulando-se as deliberações aprovadas na assembleia geral de condomínios, ocorrida no dia 5 de Maio de 2020.
  
  Não se conformando com a decisão final proferida vieram os Réus e agora Recorrente apresentar as seguintes conclusões:
i. Vem o presente recurso da sentença proferida nos presentes autos em 7 de Fevereiro de 2023, a fls. 544 e ss., na parte que decidiu anular as deliberações aprovadas pela Assembleia, com fundamento na (alegada) irregularidade da respectiva convocatória - no que não se concede - e, em consequência, julgou procedente a acção.
ii. Em face dos factos provados nos presentes autos e atento o disposto no n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 14/2017, estão os Recorrentes absolutamente convictos que a convocatória da Assembleia não padece de qualquer irregularidade, porquanto a administração do condomínio procedeu, em estrito cumprimento do disposto no referido artigo 24.º, com a antecedência necessária, à afixação da convocatória em apreço no átrio de entrada da zona comercial do Prédio e, bem assim, nos átrios de entrada do “Edifício Luís Gonzaga Gomes” e do “Edifício Venceslau de Morais”, a qual se manteve afixada, com todos os seus anexos à disposição dos condóminos, até à data da Assembleia.
iii. O n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 14/2017 é bastante claro e objectivo, exigindo apenas a afixação das convocatórias para as reuniões das assembleias gerais de condomínio no átrio de entrada de cada um dos edifícios que compõem o condomínio, ou em outro local de passagem comum aos condóminos, independentemente do número de entradas que cada edifício possui.
iv. Se o legislador tivesse pretendido que as convocatórias fossem afixadas em todas e quaisquer entradas de cada edifício, certamente não teria deixado de o consignar na lei, mas, ao invés, bastou-se com a afixação da convocatória no átrio de entrada de cada edifício, nos termos previstos no referido n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 14/2017.
v. Estabelece o artigo 8.º do CC que a interpretação deve reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. n.º 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. n.º 2).
vi. Além do mais na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. n.º 3).
vii. A Lei n.º 14/2017 é um diploma legal recente e actual, que nasceu da necessidade de contemporizar o regime jurídico da administração das partes comuns do condomínio previsto nos já revogados artigos 1327.º a 1372.º do CC, com a realidade de Macau.
viii. Um dos aspectos do regime jurídico em apreço que sofreu maior aperfeiçoamento através da Lei n.º 14/2017 foi o meio de convocar os condóminos para as reuniões da assembleia geral de condomínio, previsto no artigo 24.º, n.º 1 da referida lei, que passou a bastar-se com a afixação da convocatória no átrio de entrada de cada edifício, ou em outro local de passagem comum aos condóminos.
ix. O legislador teve presente que, por norma, cada edifício em Macau tem várias portas de entrada, uma principal - a do átrio de entrada do edifício onde normalmente estão as respectivas instalações de atendimento e recepção, os porteiros, os painéis informativos, etc. - e outras secundárias, que tanto podem dar acesso directo a zonas comuns do edifício, como a fracções autónomas, levando a que cada condómino para aceder à sua fracção autónoma faça caminho preferencialmente pela entrada que lhe é mais conveniente.
x. A referida lei, por forma a garantir o direito de informação dos condóminos que não se bastem, por qualquer motivo, com a mera afixação da convocatória no átrio de entrada, passou também a prever, através do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 14/2017, a possibilidade de estes, se assim o entenderem, comunicarem por escrito à administração do condomínio a intenção de serem notificados para as reuniões da assembleia geral por outras formas que não a prevista no n.º 1 do referido artigo, nomeadamente por depósito na caixa de correio ou por correio electrónico.
xi. Dito de outro modo, o legislador, não obstante determinar que a convocatória se faça nos termos previstos no n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 14/2017, criou através do n.º 2 do mesmo artigo, um mecanismo correctivo que permite coadunar a forma de convocação dos condóminos às necessidades especiais destes, nomeadamente, permitindo aos condóminos que não possam ou não queiram tomar conhecimento das convocatórias para a assembleia geral por via da sua afixação, solicitar à administração do condomínio que esta lhes seja feita por outra forma.
xii. Competia aos Recorridos nos termos do n.º 2 do artigo 24.º da lei n.º 14/2017, tomar a iniciativa de comunicar à administração do condomínio a sua intenção de serem notificados para as reuniões da assembleia do condomínio por outras formas, o que nunca fizeram.
xiii. O Tribunal a quo, ao ignorar a faculdade conferida aos condóminos pelo n.º 2 do artigo 24.º da lei n.º 14/2017, desresponsabilizou os Recorridos dos seus deveres e obrigações, ao passo que aditou formalidades à convocação que não decorrem da lei, complicando aquilo que o legislador quis simplificar e prejudicou os interesses do condomínio.
xiv. O n.º 1 do artigo 24.º da lei n.º 14/2017 não carece de interpretação extensiva, pelo que a decisão em apreço não tratou de aplicar, nem se conformou com a vontade do legislador, impondo formalidades na convocação das reuniões da assembleia geral de condomínio que não resultam da lei.
xv. O Tribunal a quo, ao extrair da lei exigências que não resultam da sua letra, nem têm concordância com o seu espírito, violou não só o n.º 1 do artigo 24.º da lei n.º 14/2017, como também o n.º 3 do artigo 8.º do CC.
xvi. A Sentença Recorrida, ao julgar que a convocatória em crise padece de irregularidade e, em consequência, anular as deliberações da Assembleia nos termos do artigo 34.º, n.º 2 da lei n.º 14/2017, subverteu a motivação que levou à alteração legislativa em apreço e fez tábua rasa da letra do n.º 1 do artigo 24.º da referida Lei, violando-o.
xvii. Resultando dos factos provados nestes autos que toda a zona comercial do Prédio, e todas as fracções autónomas que a compõem, está interligada entre si, apenas se pode concluir que o local onde foi afixada a convocatória é também um local de passagem comum aos condóminos e, consequentemente, também por esta perspectiva, não padece a convocatória em crise de qualquer irregularidade.
xviii. A Sentença Recorrida ao ignorar que o local onde foi afixada a convocatória é não só o átrio de entrada do Centro Comercial Camões, como também um local de passagem comum dos condóminos, violou n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 14/2017.

  Pelos Autores/Recorridos foram apresentadas contra-alegações pugnando para que se negue provimento ao recurso, contudo, não apresentando conclusões.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  DO RECURSO DO DESPACHO SANEADOR
  
  Foi a acção instaurada contra os A, representados na presente lide pela Administração do Condomínio.
  É objecto desta acção as deliberações aprovadas na assembleia geral de condóminos, ocorrida no dia 05.05.2020, cuja declaração de nulidade ou anulação se pede.
  Quanto a esta matéria é do seguinte teor a decisão recorrida:
  «Legitimidade dos Réus
  Na contestação vieram os Réus, representada pela administração do A, suscitar a questão da ilegitimidade passiva dos “incertos”, invocando que os condóminos, que aprovaram as deliberações da Assembleia objecto da presente acção da nulidade ou anulação, são identificáveis e por isso devem ser certos através da lista de presenças, da acta e menção da assembleia e os boletins de voto.
  Por sua vez, os Autores entendem que a identificação dos referidos condóminos impõe um ónus excessivo a eles que impede a tutela efectiva do direito, e é um exercício inútil e adverso à celeridade do processo, negando-a.
  Salvo o devido respeito, não nos parece que aos Réus assista razão.
  Não se trata duma questão de saber se os condóminos quem votaram favoravelmente as deliberações em causa têm, em vez do condonúnio, legitimidade passiva, questão que já foi pronunciada pelos despachos das fls. 66 e 78 dos autos.
  Também não se trata duma questão da irregularidade da citação relativamente à descrição do nome dos Réus (condoinínio mas não condóminos) nas fls. 83 dos autos, questão que não foi suscitada pelos Réus logo na contestação e por isso é considerada como suprida nos termos do art. 151º do CPC.
  A questão reside em saber se têm os Autores o ónus de identificar como réus os condóminos individualizados quem votaram favoravelmente as deliberações em causa.
  Nos termos dó art. 36º, n. 2º da Lei n. 14/2017, vigente durante a realização da assembleia geral de condóminos em causa, “2. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções de impugnação compete à administração, salvo se ela for o autor, ou à pessoa que a assembleia geral do condomínio designar para esse efeito.”
  Nos termos do art. 32º, n. 3º da Lei n. 14/2017, “3. Salvo deliberação da assembleia geral do condomínio em sentido distinto, incumbe à administração guardar toda a documentação relativa às reuniões da assembleia geral do condomfnio, nomeadamente as actas, as listas de presenças e os instrumentos de representação.”
  Daí resulta que à administração cabe a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções de impugnação, bem como a guarda dos documentos relativos às reuniões da assembleia geral do condomínio, nomeadamente as actas, as listas de presenças e os instrumentos de representação, documentos com os quais se identificam os condóminos quem votaram favoravelmente as deliberações.
  Por isso, o que importa é que a participação efectiva da administração, através da representação judiciária, na acção de impugnação de deliberação. A razão de ser reside em que ela se concentra todos os poderes quer de facto quer de direito para gerir as partes comuns do condomínio e tem um grande interesse e intimidade em intervir na acção de impugnação de deliberação, sendo que quer o condomínio quer os condóminos só são um conjunto difuso dos proprietários das fracções autónomas que integram o edifício e a eles são afectados os efeitos jurídicos decretados pela decisão do Tribunal. Em conclusão, quando houver a intervenção efectiva da administração na acção, a incerteza da identificação dos condóminos não impedirá a sua legitimidade passiva, desde que não haja condições nem possibilidades para a identificação.
  No caso vertente, os Autores alegaram na PI que tiveram conhecimento da realização da assembleia geral de condóminos no momento posterior nem lá estiveram presentes. Assim, segundo esses fundamentos, é razoável que os Autores não conseguiram identificar facilmente os condóminos quem votaram favoravelmente as deliberações.
  Tendo em conta que é a administração quem guarda os documentos relativos às reuniões da assembleia geral do condomínio e os interesses entre os Autores e aadmínistração são opostos no presente litígio, não é muito exígível nem expectável que os Autores peçam a ofereça da lista dos condóminos junto da administração para intentar a presente acção.
  Por outro lado, a administração sabe bem a identificação dos condóminos quem votaram favoravelmente as deliberações através dos documentos guardados, por isso nada impede que os Réus, representada por ela, deduzam o reconhecimento da legitimidade como réus dos determinados condóminos.
  Assim sendo, julga-se improcedente a excepção por ilegitimidade passiva.
  Fixa-se a taxa de justiça em 2UC, suportada pelos Réus.
  Notifique.».
  
  Vejamos então.
  
  Como se diz no sumário do Acórdão do STJ Português de 30.09.2014 proferido no processo 22/11, Sumários 2014, pág. 479 citado por Abílio Neto no Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, em anotação 6 ao artº 1433º, “A impugnação das deliberações releva de uma relação entre condóminos , sendo, por isso , na sua titularidade, enquanto detentores de um direito pessoal de compropriedade e, por isso, mesmo com direito individual de voto na assembleia de condóminos, que radica a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação que nela seja assumida”.
  Concluía-se naquele Acórdão que sendo impugnada deliberação tomada em Assembleia Geral de Condóminos na posição de demandados haveriam de estar aqueles que tendo estado presentes ou representados na Assembleia Geral em que aquela foi tomada, votaram a seu favor.
   No escopo deste entendimento - e tal como já se dispunha no nº 2 do artº 1352º do C.Civ. – está o nº 2 do artº 36º da Lei nº 14/2017 que dispõe que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções de impugnação compete à administração, salvo se ela for o autor, ou à pessoa que a assembleia geral do condomínio designar para esse efeito”.
  Considerando que nos termos do nº 1 do artº 1323º do C.Civ. cada condómino é comproprietário das partes comuns do edifício, que é nessa qualidade que participa na Assembleia Geral do condomínio, impugnada uma deliberação nos termos dos artº 34º e 35º da Lei nº 14/2017, de acordo com o disposto no artº 58º do CPC têm legitimidade para demandar os sujeitos elencados no indicado artº 35º e para ser demandados aqueles que votaram a favor da decisão por serem estes os que têm interesse em contradizer e defender a legalidade da deliberação que aprovaram.
  Estes condóminos que aprovaram a deliberação são pessoas identificáveis como resulta das conclusões de recurso VII e VIII que aqui citamos:
VII. Com a entrada em vigor da lei n.º 14/2017, o funcionamento da assembleia geral do condomínio passou a estar previsto e regulamentado nos seus artigos 22.º a 37.º, com a inovação de não só obrigar ao registo das presenças dos condóminos mediante a confirmação da sua identidade, ou da do seu representante, através do respectivo documento de identificação e a recolha da respectiva assinatura na lista de presenças, e ao registo da reunião em acta contendo todos os elementos previstos no n.º 2 do referido artigo 32.º, como também de exigir, através dos artigos 27.º e 28.º, que a votàção seja feita através de boletim de voto que, em face do n.º 3 do referido artigo 27.º, contenha a fracção ou fracções autónomas a que respeita, ou através de outra forma que permita determinar o sentido de voto de cada um dos condóminos participantes na assembleia.
VIII. O legislador estabeleceu, através dos referidos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 14/2017, regras para se apurar de forma individualizada a vontade de cada condómino e, consequentemente, determinar e identificar quaisquer potenciais réus de acções daquela natureza.
  Destarte, não há fundamento algum para que a acção seja instaurada contra incertos.
  Incertos são pessoas indeterminadas, cuja identidade se desconhece e cuja citação e representação tem uma regulação completamente distinta à qual também se alude e bem na conclusão VI de recurso.
  Por fim com a identificação da parte não se confunde a sua representação.
  Uma coisa é a identificação de quem é parte na acção e aquele que tem interesse em agir ou em contradizer, outra é quem o representa.
  O facto de estar bem identificado o sujeito a quem cabe a representação dos condóminos contra quem a acção é proposta não afasta a necessidade de indicar quem são os representados, até porque, a própria assembleia pode designar outra pessoa para o efeito.
  Por fim, é a parte que é condenada e não quem a representa.
  No caso em apreço se os Réus ficarem vencidos – aqueles que aprovaram a deliberação impugnada –, como aliás aconteceu, são estes e não o condomínio quem vai ter de suportar as custas com a acção, pois foram eles que ao aprovarem uma deliberação inválida deram causa à acção.
  Assim se decidiu e bem condenando os Réus em custas.
  Ora, se a acção tiver sido instaurada contra incertos não se sabe quem é que as vai pagar… e não é depois do trânsito em julgado da decisão que se vai promover a identificação de pessoas que o não foram quando a acção foi instaurada.
  De irrelevante são também as considerações feitas quanto à dificuldade em obter a identificação dos condóminos contra quem a acção deve ser instaurada como resulta também da conclusão IX do recurso e que se cita:
IX. A lei n.º 14/2017, através dos n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 32.º, passou a impor à administração do condomínio a obrigação de guardar a documentação relativa às reuniões da assembleia, e a facultá-la à consulta nomeadamente de todos os condóminos, designadamente os que pretendam impugnar as deliberações aprovadas, independentemente de terem ou não comparecido na assembleia.
  Destarte, impõe-se conceder provimento ao recurso interposto do despacho saneador julgando procedente a excepção da ilegitimidade passiva dos Réus incertos.
  A ilegitimidade das partes é uma excepção dilatória, de conhecimento ofícioso e que obsta que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – artº 412º nº 1 e 2, artº 413º al. e) e artº 414º todos do CPC -.
  Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida – despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade dos Réus -, julgando-se procedente essa mesma excepção, julgando-se os Réus incertos parte ilegítima absolvendo-os da instância, ficando prejudicada as demais questões suscitadas, nomeadamente o recurso da decisão final que fica sem efeito.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso interposto do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade dos Réus, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se procedente essa mesma excepção, julgando-se os Réus incertos parte ilegítima absolvendo-os da instância, ficando sem efeito tudo o mais que se decidiu.
  
  Custas em ambas as instâncias a cargo dos Autores.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 19 de Outubro de 2023
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (1º Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (2º Adjunto)


  

488/2023 CÍVEL 33