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Processo nº 390/2023
(Autos de Recurso Jurisdiconal em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 19 de Outubro de 2023

ASSUNTO:
- Acto prévio
- Conclusões de recurso

SUMÁRIO:
- Tendo o Tribunal recorrido entendido que os vícios invocados no recurso contencioso se reportavam a uma prévia decisão que não foi impugnada e se consolidou na ordem jurídica era esta parte da decisão que se impunha impugnar;
- Limitando-se o Recorrente a repetir nas conclusões de recurso os vícios que entende enfermam aquela indicada prévia decisão nada invocando quanto à legalidade da decisão recorrida, estando o objecto do recurso limitado às conclusões, não pode o recurso proceder.


___________________
Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 390/2023
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 19 de Outubro de 2023
Recorrente: A
Recorrido: Presidente do Instituto de Habitação
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso contencioso do despacho de 06.08.2021 do,
Presidente do Instituto de Habitação, também, com os demais sinais dos autos,
que proferiu a decisão de concordância com a exclusão do agregado familiar, representado pela ora Recorrente A, da qualidade de adquirente selecionado.

Proferida sentença, foi julgado improcedente o recurso contencioso e mantido o acto recorrido.

Não se conformando com a decisão proferida veio a Recorrente recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
I. O MM.º Juiz do Tribunal Administrativo proferiu decisão de fls. 122v a 131v dos autos, através da qual não concordou com todos os fundamentos invocados pela Recorrente no presente recurso de decisão jurisdicional, pelo que, julgou improcedentes os fundamentos e manteve o acto recorrido.
II. Porém, salvo o devido respeito por opinião diversa, a Recorrente não concorda com o entendimento do Tribunal Administrativo;
III. Em 25/03/2020, a Recorrente candidatou-se à aquisição de habitação económica “a título excepcional” com o elemento do seu agregado familiar B junto do Instituto de Habitação nos termos do artigo 14.º n.º 6 da Lei n.º 10/2011 (Lei da Habitação Económica), com as novas alterações introduzidas pela Lei n.º 11/2015;
IV. Com os fundamentos de que em 24/11/1998, a Recorrente e o seu marido C tinham adquirido uma fracção de habitação económica situada no Edifício Nam Ou Fa Un, Bloco ..., ....º andar ..., sob o número de agregado familiar composto pela Recorrente e pelo seu marido V97****;
V. Na altura, o marido da Recorrente, C, era o representante do agregado familiar, sendo a Recorrente o elemento do agregado familiar;
VI. O marido da Recorrente, C, começou a ter diabetes em 2003 e, desde então, o seu estado de saúde piorou, e posteriormente, mesmo precisou de receber periodicamente tratamento médico nos Serviços de Saúde;
VII. Para pagar as despesas médicas, o marido da Recorrente vendeu a sua fracção de habitação económica;
VIII. Mas, por ter sofrido doença por longo período de tempo, o marido da Recorrente, C, acabou por suicidar-se;
IX. Pelas razões acima referidas, em 25/03/2020, a Recorrente candidatou-se à aquisição de habitação económica a “título excepcional” junto do IH nos termos do artigo 14.º n.º 6 da Lei n.º 10/2011 (Lei da Habitação Económica), com as novas alterações introduzidas pela Lei n.º 11/2015;
X. Uma vez que ao abrigo da Lei de Habitação Económica que vigorava na altura, o requerente e o seu elemento do agregado familiar que tenha vendido a habitação económica não podiam adquirir habitação económica por forma geral;
XI. Conforme os factos dados como provados, em 13 e 27 de Abril de 2021, a Recorrente apresentou os documentos de dificuldade económica, despesas médicas, pagamento de dívidas e venda da fracção (cfr. fls. 15 e seu verso, 16 a 33 do P.A);
XII. Em 09/07/2021, o IH notificou à Recorrente para apresentar o esclarecimento escrito sobre a decisão de exclusão de adquirente seleccionado da habitação económica do agregado familiar representado pela Recorrente;
XIII. Em 09/08/2021, foi formalmente efectuada a notificação da decisão de exclusão de adquirente seleccionado mas a Recorrente só a recebeu em 09/09/2021.
XIV. A Recorrente entende que o Acórdão do Tribunal de Última Instância proferido no Processo n.º 44/2017 citado pela sentença recorrida não é aplicável à sentença em causa;
XV. Conforme os factos provados, pode-se verificar que em todo o processo de candidatura, o IH só conheceu passivamente os documentos apresentados pela Recorrente para a candidatura “a título excepcional”;
XVI. Tal como previsto no artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo:
“1. Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão competente nos termos do n.º 1 do artigo anterior. 2. Os interessados podem juntar documentos e pareceres ou requerer diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão.”;
XVII. Isto é, cabe à Recorrente o dever de ónus da prova;
XVIII. Porém, conforme o artigo 86.º n.º 1 do mesmo Código “O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.”;
XIX. Isto quer dizer que, sendo o órgão competente para conceder habitação económica, o IH não fica dispensado do dever de investigar o contexto da Recorrente.
XX. No Acórdão proferido no Processo n.º 609/2021, o Tribunal de Segunda Instância citou o parecer do magistrado do Ministério Público;
XXI. Tal parecer afirma que a Administração não fica totalmente dispensada do ónus da investigação,
XXII. No caso em apreço, a Recorrente apresentou totalmente 25 documentos em 12/03/2021 e 27/04/2021, juntando aos quais os correspondentes esclarecimento e explicação;
XXIII. Porém, o IH ainda entendeu insuficientes os elementos, e no seu ofício datado de 06/07/2021 através do qual a Recorrente foi notificada para apresentar a audiência escrita, o IH referiu que “todas as dívidas do cônjuge da Recorrente foram contraídas em 2007, mais de 2 anos após a venda da referida habitação económica, pelo que, não conseguiu provar que tinha dificuldade económica aquando da venda da habitação económica”, “analisando os documentos comprovativos por si apresentados, não há provas suficientes que demonstram que a referida fracção da habitação económica foi vendida devido à dificuldade económica.”;
XXIV. Em 21/09/2021, a Recorrente apresentou mais um esclarecimento escrito, explicando os motivos que lhe levaram à impossibilidade de apresentar os documentos complementares.
XXV. Tal como referido pelo IH, os documentos das dívidas apresentados pela Recorrente são posteriores à venda da fracção da habitação económica, porém, não é que todas as dívidas foram contraídas em 2007 como referido pelo IH;
XXVI. A dívida mais cedo deve ser em 19/12/2005 mediante uma declaração de dívida assinada pelo cônjuge da Recorrente com o Banco Nacional Ultramarino, S.A., no valor total de MOP$33.000,00;
XXVII. Outros documentos revelam ter contraído várias dívidas em 2007, incluindo as dívidas contraídas junto dos particulares e as dívidas vulgarmente designadas por “antecipação de salário” contraídas junto da sua entidade empregadora;
XXVIII. É de referir que o cônjuge da Recorrente vendeu a referida fracção de habitação económica em 18/03/2005, mas, o documento revela que este veio a contrair dívida junto do referido banco em 19/12/2005;
XXIX. Não é normal que precisou de contrair dívida após 9 meses da venda da fracção;
XXX. Importa mencionar que no processo de inventário após a morte do cônjuge da Recorrente corrido no Tribunal Judicial de Base de Macau, verificou-se que a sua herança líquida foi no valor negativo;
XXXI. Apesar de ter exercido funções públicas há muitos anos, as contribuições para o regime de previdência do cônjuge da Recorrente aquando da sua morte foram apenas de MOP$45.766,90;
XXXII. Obviamente, há indícios de que antes da morte, o cônjuge da Recorrente pediu sempre dinheiro emprestado para passar a vida;
XXXIII. Não se pode negar que a Recorrente não apresentou mais esclarecimento escrito e documento ao IH no prazo de 10 dias para fazer explicação complementar;
XXXIV. Porém, em 21/09/2021, a Recorrente já apresentou uma declaração ao IH onde esclareceu as razões pelas quais não apresentou documentos complementares no prazo fixado;
XXXV. Segundo o referido documento pode-se saber que a Recorrente já apresentou ao IH todos os documentos que ela podia oferecer antes da prolação da decisão do IH;
XXXVI. Claro é que, conforme o entendimento citado na sentença judicial acima referida, o poder de investigação do órgão administrativo não é de alcance ilimitado, porém, também temos de fazer uma retrospectiva da intenção legislativa da Lei da Habitação Económica. O artigo 2.º da Lei da Habitação Económica prevê que a construção de habitação económica tem por finalidade: 1) Apoiar os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, com determinados níveis de rendimento e património, na resolução dos seus problemas habitacionais; 2) Promover a oferta de habitação mais adequada às reais necessidades e à capacidade aquisitiva dos residentes da RAEM.
XXXVII. Sendo o órgão competente para avaliar e aprovar a qualidade de adquirente da habitação económica dos residentes de Macau, o IH, para as finalidades legislativas da Lei da Habitação Económica, também deve exercer a faculdade de investigação conferida pelos artigos 86.º e 87.º do Código do Procedimento Administrativo, para que a sua aprovação possa corresponder à intenção legislativa da Lei da Habitação Económica;
XXXVIII. Conforme o despacho proferido pelo Presidente do IH, Subst.º. em 20 de Janeiro de 2014, as condições para candidatura à adquisição da fracção a título excepcional têm como pressuposto a dificuldade económica, o qual deu os exemplos da dificuldade económica, como a angariação do dinheiro para tratamento de doença, pagamento de dívidas ou reembolso do montante de crédito à habitação em falta;
XXXIX. Porém, o IH só analisou se o cônjuge da Recorrente teve ou não falta de pagamento do montante de crédito à habitação, não realizou, por sua iniciativa, quaisquer diligências para conhecer se o cônjuge da Recorrente tinha dificuldade económica por precisar de receber tratamento por longo período de tempo devido à doença crónica;
XL. Por outro lado, o IH também não duvidou da autenticidade dos documentos apresentados pela Recorrente;
XLI. Mas sim só efectuou a apreciação num estado passivo. O famoso professor português em Direito Administrativo, Dr. Diogo Freitas do Amaral, tem certo entendimento sobre o “poder administrativo” na sua obra “Curso de Direito Administrativo”;
XLII. Mais concretamente, o IH não exerceu suficientemente o “poder administrativo” conferido por lei;
XLIII. Podemos saber disso uma vez que o IH não realizou quaisquer diligências instrutórias que são convenientes para “a sua justa e rápida decisão” (nos termos dos dispostos legais previstos no Código do Procedimento Administrativo aplicáveis subsidiariamente por força do artigo 61.º da Lei da Habitação Económica);
XLIV. Não tendo investigado claramente os factos relevantes, o IH incorreu em erro nos pressupostos de facto, fazendo com que enferme de vício a decisão proferida no exercício de poder discricionário administrativo que lhe é conferido;
XLV. Estes entendimentos também são reconhecidos pela prática judicial de Macau, como o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 753/2021;
XLVI. E no Acórdão proferido no Processo n.º 609/2021, o Tribunal de Segunda Instância referiu: “o princípio do inquisitório não é de alcance ilimitado, o qual é limitado pelo princípio de economia e celeridade processual. Só a omissão na investigação dos factos relevantes para a “justa e rápida decisão” é que causa deficit de instrução ou erro nos pressupostos de facto que podem produzir o efeito invalidamente (dos actos administrativos).”;
XLVII. Pelos fundamentos acima expostos, solicita aos MM.ºs Juízes que admitam os fundamentos acima referidos, julguem que exista vício na decisão proferida pelo Tribunal Recorrido por não considerar que o IH não exerceu o seu poder de investigação, fazendo com que a sua decisão se baseasse numa base factual incompleta ou erro nos pressupostos de facto, e em consequência, anulem a sentença recorrida.

Contra-alegando veio o Recorrido pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, não apresentando, contudo, conclusões.

Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos Factos

Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
- Em 25 de Março de 2020, a recorrente, A, apresentou ao IH um pedido da candidatura à fracção autónoma da habitação económica, e declarou no boletim que os elementos do agregado familiar incluíam a sua mãe, B (fls. 2 a 4 dos autos administrativos)
- A recorrente, A, o seu cônjuge falecido C e os dois filhos são elementos do agregado familiar da fracção da habitação económica, sita na “Estrada Marginal da Areia Preta, Edf. Jardim Nam Ou, Bloco ..., ....º andar ..., Macau” (agregado familiar n.º V97****), e esta fracção já foi vendida em 2005. (vide fls. 5 a 8 dos autos administrativos)
- Em 12 de Março de 2021, a recorrente apresentou ao IH um requerimento de autorização a título excepcional, cujo conteúdo se transcreve:
“Eu, A, titular do BIR da RAEM n.º 50*****(9), sou elemento de agregado familiar, figurando noutro boletim de candidatura, ao qual o IH já autorizou a compra ou com o qual já celebrou contrato-promessa de compra e venda de uma fracção;
Situada na fracção da Estrada Marginal da Areia Preta, n.º 235, Edf. Jardim Nam Ou, Bloco ..., ....º andar ..., Macau.
Uma vez que o marido falecido C (anexo 1) era o representante do agregado familiar da habitação económica acima referida, começou a sofrer de diabete em 2003 e começou a cuidar da saúde no início da doença, na esperança de cuidar da sua saúde através da medicina tradicional chinesa ou da prescrição informal, para que ele pudesse controlar a doença ou se recuperar, conduzindo que os filhos pudessem continuar a crescer em uma casa da classe média (naquela altura, os dois filhos tinham cerca de 12 anos e 16 anos e os dois ainda estavam a estudar). Mas, a partir do final de 2004, o efeito do controlo da doença do meu marido falecido começou a ser mal. Naquele momento, para pagar as despesas diárias da família, o empréstimo bancário hipotecário, as despesas de tratamento, etc., a pressão financeira da família era muito pesada e era realmente difícil de sustentá-los, pelo que o meu marido falecido decidiu vender a fracção económica do Edf. Jardim Nam Ou, Bloco ..., ....º andar ..., Macau, a fim de resolver as necessidades urgentes.
Inevitavelmente, a doença do meu marido falecido não melhorou após vários anos de tratamentos, o controlo da glicemia tinha sido muito insatisfatório (anexo 2), e tornou-se cada vez mais grave. Até 2007, em situação da doença descontrolada, ele procurou libertar-se por si próprio (anexo 3). A intenção original da venda da fracção era pagar as despesas diárias da família e angariar dinheiro para tratamento da doença, e não obter lucro através da venda por um preço alto, pelo que o montante obtido com a venda não foi muito após o pagamento de amortização do empréstimo bancário e, foi gasto no tratamento médico.
Pelo exposto, venho por este meio solicitar ao Sr. Presidente do IH que admita o meu esclarecimento acima referido e autorize o meu (A) presente pedido da candidatura à compra de habitação económica, cujo número do boletim de candidatura é de 8120191****, a título excepcional, nos termos do n.º 6 do art.º 14.º da Lei n.º 10/2011 (Lei da habitação económica), alterada pela Lei n.º 11/2015.
Se tiver qualquer dúvida, pode contactar-me para o número de telefone: 6272 6262.
  Requerente, A
  (ass.: vide o original)
  12 de Março de 2021”
  
(vide fls. 9 a 10 dos autos administrativo)
- Em 13 de Abril de 2021, através do ofício n.º 2104070121/DHEA, o IH notificou a recorrente de que deveria apresentar os documentos complementares ao requerimento de autorização a título excepcional, devendo, no prazo de 15 dias contados a partir da data da recepção da notificação, “apresentar documentos relacionados a dificuldades financeiras, facturas de despesas médicas, pagamento de dívidas e venda da fracção entre 2003 a 2007”. (vide fls. 15 e v. dos autos administrativos)
- Em 27 de Abril de 2021, a pedido do IH, a recorrente apresentou complementarmente os documentos necessários. (vide fls. 16 a 33 dos autos administrativos)
- Em 22 de Junho de 2021, a entidade recorrida exarou o despacho da “concordância” na Proposta n.º 0924/DHP/DHEA/2021, conformando com o resultado da apreciação proferido em 9 de Junho pela Comissão do Requerimento de Autorização a Título Excepcional que não foi admitido o requerimento de autorização de habitação económica, a título excepcional, apresentada pela recorrente. (vide fls. 34 a 37 e v. dos autos administrativos)
- Em 9 de Julho de 2021, através do ofício n.º 2107060027/DAJ, o IH notificou a recorrente de que poderia apresentar um esclarecimento escrito relativo à pretensão da exclusão do agregado familiar, representado pela ora Recorrente, da qualidade de adquirente seleccionado, e a recorrente recebeu-a em 10 de Julho. O conteúdo desta notificação é o seguinte:
“Assunto: Notificação do esclarecimento por escrito (autos n.º 527/EAS/2021)
Nos termos do disposto no art.º 68.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo D.L. n.º 57/99/M de 11 de Outubro, fica por este meio notificado de que:
Vem por este meio informar a requerente A, representante do agregado familiar, do boletim da candidatura a habitação económica n.º 8120191**** de que, após a verificação do IH, a representante do agregado familiar, A, era proprietária de uma fracção de habitação económica já vendida, situada na Estrada Marginal da Areia Preta, n.º 235, Edf. Jardim Nam Ou, Bloco ..., ....º andar ..., Macau (n.º do agregado familiar: V97****).
Relativamente ao requerimento de autorização a título excepcional apresentado por A, o Presidente do IH exarou, em 22 de Junho de 2021, na Proposta n.º 0924/DHP/DHEA/2021, um despacho da concordância, decidindo não admitir o requerimento de autorização a título excepcional apresentado por A, com os seguintes fundamentos resumidos:
“1. Em 27 de Abril de 2021, a requerente apresentou as alegações assinadas por A, que mencionou a apresentação complementar dos documentos de venda da habitação económica daquele ano, documentos de empréstimo da Caixa Económica Postal, documentos do pagamento de amortização do empréstimo bancário, e alguns documentos de tratamento de activos após o falecimento do cônjuge.
2. Dos documentos de venda da respectiva habitação económica apresentados pela requerente, demonstra-se que tal habitação económica foi vendida a outrem em 1 de Fevereiro de 2005 através do contrato de promessa de transmissão dos direitos e interesses de edifício; mais, da caderneta bancária do Banco Delta Ásia, S.A.R.L. apresentada pela requerente mostra-se que é verificada apenas em Agosto de 2003 a falta do registo do pagamento de amortização do empréstimo bancário da habitação económica acima referida, e os pagamentos posteriores se mantinham normais antes da venda da habitação económica.
3. De acordo com as certidões dos empréstimos do cônjuge apresentadas pela requerente, todas as dívidas do cônjuge da requerente ocorreram no ano de 2007, tendo já decorrido mais de 2 anos desde a venda da habitação económica acima referida, pelo que não se pode comprovar que tivesse as dificuldades financeiras no momento da venda da habitação económica.
4. Uma vez que a requerente se encontrava efectivamente registada como proprietário da habitação económica, após a avaliação dos documentos comprovativos por ela apresentados, não há prova suficiente que demonstre que a fracção da habitação económica foi vendida por motivo da dificuldade económica.
5. A construção de habitação económica tem por finalidade apoiar os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, com determinados níveis de rendimento e património, na resolução dos seus problemas habitacionais e, promover a oferta de habitação mais adequada às reais necessidades e à capacidade aquisitiva dos residentes da RAEM. Os recursos da habitação económica são limitados, pelo que devem ser melhor aproveitados os limitados recursos de habitação publico. Então, a requerente foi inscrita como proprietário da habitação económica e já desfrutou dos recursos de habitação económica uma vez, mas, a habitação económica foi vendida a outrem e, não foi dado como provado que tal fracção da habitação económica foi vendida por motivo de dificuldade económica.
6. Pelo exposto, a requerente foi inscrita como proprietário da habitação económica, já desfrutando dos recursos de habitação económica uma vez, bem como não há prova suficiente que demonstre que tal fracção da habitação económica foi vendida por motivo de dificuldade económica, então, o seu requerimento de autorização a título excepcional não pode ser considerado razoável, pelo que se sugere que não seja admitido o requerimento de autorização da candidatura de habitação económica, a título excepcional, apresentado pela requerente.
Face a tal situação, não se encontra preenchido o requisito para candidatar-se à aquisição de fracções, nos termos do disposto no art.º 14.º, n.º 5, al. 7) da Lei n.º 10/2011 - Lei da Habitação Económica, alterada pela Lei n.º 11/2015: “5. Não pode candidatar-se à aquisição de fracções: 7) O proprietário, e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha vendido uma fracção de habitação económica;”.
Com base nisso, a requerente acima referida pode apresentar um esclarecimento por escrito, e todas as provas testemunhais, materiais e documentais ou demais provas favoráveis ao seu contraditório, no prazo de 10 dias contados a partir da data de recepção da presente notificação; caso não seja apresentado esclarecimento dentro do prazo estipulado, ou este não seja aceite pelo IH, será excluída a adquirente seleccionada nos termos do disposto no art.º 28.º, n. º1, al. 1) da Lei n.º 10/2011 – Lei da Habitação Económica, alterada pela Lei n.º 11/2015. (é necessário indicar o número do processo: 527/EAS/2021, no acto da entrega do esclarecimento escrito)
(vide fls. 38 a 39 dos autos administrativos)
- A recorrente não apresentou um esclarecimento escrito ao IH.
- Em 6 de Agosto de 2021, a entidade recorrida exarou um despacho da “concordância” na Proposta n.º 1560/DAJ/2021, indicando que a recorrente, A, representante do agregado familiar, era proprietária da fracção da habitação económica já vendida, e o requerimento de autorização a título excepcional apresentado pela recorrente não foi admitido pelo Presidente do IH, nos termos do disposto nos art.º 14.º, n.º 5, al. 7) e art.º 28.º, n.º 1, al. 1) da Lai da Habitação Económica, decidiu excluir a recorrente da qualidade de adquirente seleccionado de habitação económica, com fundamento de que o agregado familiar da recorrente não preencheu os requisitos para candidatar-se à aquisição da fracção de habitação económica. (vide fls. 40 a 41 e v. dos autos administrativos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
- Em 12 de Agosto de 2021, o IH notificou a recorrente da decisão acima referida, via ofício n.º 21****0087/DAJ, e esta recebeu em 9 de Setembro. (vide fls. 42 e v. dos autos administrativos)
- Em 11 de Outubro de 2021, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso da decisão acima referida para este Tribunal.

b) Do Direito
  
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«A recorrente alegou a interposição do recurso contencioso contra a decisão proferida pela entidade recorrida em 6 de Agosto de 2021 na Proposta n.º 1560/DAJ/2021, pedindo ao tribunal a anulação, com os seguintes fundamentos: o acto recorrido padece do vício de violação da lei de forma, incluindo a falta de fundamentação, a falta de assinatura do autor do acto administrativo e, o exercício desrazoável do poder discricionário. Em suma, a requerente vendeu a fracção da habitação económica adquirida anteriormente devido às dificuldades financeiras, pelo que se encontra preenchida a justificação necessária para aprovação do requerimento de autorização a título excepcional. Finalmente, o acto recorrido é destinado à limitação dos requisitos da candidatura da recorrente – ou seja, o requisito de “o proprietário, e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha vendido uma fracção de habitação económica” foi cancelado pela nova “Lei da Habitação Económica” em vigor.
Com todo o respeito, a recorrente parece ter interpretado mal o sentido da decisão recorrida, fazendo com que a acção por si intentada perdesse o “foco”: Em essencial, o acto recorrido é – a decisão da exclusão da sua qualidade de adquirente seleccionado de habitação económica nos termos do disposto nos art.º 14.º, n.º 5, al. 7) e art.º 28.º, n.º 1, al. 1) da Lei da Habitação Económica - pela razão de que a recorrente satisfaz o requisito de “o proprietário, e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha vendido uma fracção de habitação económica”. Neste sentido, a recorrente imputa ao acto recorrido o exercício desrazoável do poder discricionário, pelo que entendeu equivocadamente não haver a justificação necessária para aprovação do requerimento de autorização a título excepcional, mas, este fundamento aponta para uma outra decisão distinguível do acto recorrido – a decisão do indeferimento do seu requerimento de autorização a título excepcional proferida em 22 de Junho de 2021 pela entidade recorrida.
Em seguida, vem especificar este ponto:
Em primeiro lugar, o artigo aplicado no acto recorrido, ou seja, os n.ºs 5 e 6 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011 - Lei da Habitação Económica, alterada pela Lei n.º 11/2015, dispõe:
“Artigo 14.º
Requisitos gerais

5. Não pode candidatar-se à aquisição de fracções:

7) O proprietário, e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha vendido uma fracção de habitação económica.
6. O presidente do IH, a título excepcional e mediante pedido devidamente fundamentado, pode autorizar a candidatura à compra das fracções por elementos dos agregados familiares referidos no número anterior.”
Além disso, face à requerente que não se encontram preenchidos os requisitos acima referidos para a candidatura à compra de fracção, a alínea 1) do n.º 1 do art.º 28.º da mesma Lei confere à Administração Pública a competência da exclusão de adquirentes selecionados.
As lógicas dos dois artigos acima referidos são obvias: caso o candidato do agregado familiar ou candidato individual de habitação económica seja verificado como o proprietário e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha vendido uma fracção de habitação económica, em princípio, não será disponível para candidatar-se à aquisição da fracção de habitação económica. Mas, o que é diferente da situação prevista no art.º 14.º, n.º 4 que pode conduzir à exclusão incondicional de candidatos. Para a requerente acima referida, a lei permite-lhe apresentar justificação ao Presidente do IH, a fim de obter a autorização a título excepcional para aquisição à fracção de habitação económica. Caso o requerimento de autorização a título excepcional não for admitido por falta da justificação, o IH pode excluir da requerente por motivo da indignidade.
Não é difícil constatar que, a decisão da Administração Pública que não foi admitido o requerimento de autorização a título excepcional, pode constituir uma pré-decisão (pré-decisões), feita antes da decisão final do procedimento administrativo – isto é, a exclusão da requerente como adquirente seleccionado de habitação económica, sendo anteriormente determinados alguns ou todos pressupostos ou requisitos necessários para a decisão final e, directamente restringido o significado final da decisão (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, p.176). Mais, a pré-decisão é igual à decisão final, enquadrando-se no acto administrativo previsto no art.º 110.º do Código do Procedimento Administrativo, que produz antecipadamente efeitos no âmbito dos direitos e obrigações do destinatário, pelo que tem a recorribilidade independente.
O procedimento habitual aplicado pela Administração Pública ao caso semelhante é tratar do indeferimento do requerimento de autorização a título excepcional juntamente com a decisão final da exclusão, entregando primeiramente à interessada para realização da audiência escrita, proferindo finalmente duas decisões e notificando-a. E, a interessada já impugna conjuntamente a legalidade das duas decisões no recurso contencioso – caso a primeira decisão for ilegal, levará inevitavelmente à anulação da segunda decisão.
Mas, in casu, a prática da entidade recorrida é diferente do passado.
Dos factos assentes pode-se saber:
- Por falta da audiência prévia, a entidade recorrida exarou directamente, em 22 de Junho de 2021, o despacho da “concordância” na Proposta n.º 0924/DHP/DHEA/2021, que foi indeferido o requerimento de autorização, a título excepcional, apresentado pela recorrente.
- Em seguida, no dia 9 de Julho de 2021, por ofício n.º 2107060027/DAJ, o IH notificou a recorrente de que o seu requerimento de autorização a título excepcional foi indeferido e, pretendia excluir o agregado familiar, representado pela recorrente, da qualidade de adquirente seleccionado. Assim, foi notificada a recorrente para apresentar um esclarecimento escrito.
- Em fim, foi tomada uma decisão da exclusão do agregado familiar, representado pela ora Recorrente, da qualidade de adquirente selecionado.
Pode-se ver que, em cada uma das tramitações processuais, a entidade recorrida fez conscientemente uma distinção rigorosa entre as duas decisões, ou seja, a decisão da exclusão da recorrente da qualidade de adquirente seleccionado de habitação económica e a decisão do indeferimento do seu requerimento de autorização a título excepcional. E, a sua decisão final foi manifestamente proferida com base em que o facto de que “o Presidente do IH não admitiu o requerimento de autorização a título excepcional por ela apresentado” se tornou uma condição estabelecida.
Isto quer dizer que, caso a recorrente pudesse esclarecer o acto recorrido com uma atitude mais cuidadosa – em conjugação com as tramitações processuais já existentes antes do acto e aquilo que uma pessoa média, colocada na posição concreta do destinatário do acto, pode compreender, a recorrente teria condições para compreender o sentido que o órgão administrativo quis verdadeiramente dar ao referido acto, isto é, excluiu a recorrente da qualidade de adquirente seleccionado de habitação económica (quanto ao critério para interposição do acto administrativo, cfr. o Acórdão do TUI n.º 44/2017 de 29 de Novembro de 2019).
Obviamente, caso a recorrente quiser impugnar a legalidade da primeira decisão neste momento, encontrará inevitavelmente a questão da caducidade da acção por decurso do prazo – esta decisão foi proferida em 22 de Junho de 2021, e só foi conhecida pela recorrente em 10 de Julho de 2021 após a recepção do ofício do IH n.º 2107060027/DAJ. Esta notificação tem todos os elementos essenciais previstos nos art.º 70.º e art.º 26.º, n.º 1 Código de Processo Administrativo Contencioso: o sentido, o autor e a data da decisão, podendo produzir efeitos a partir da data do seu conhecimento pelo destinatário, e a partir do qual corre o prazo de interposição do recurso contencioso contra a decisão.
Quanto à falta dos demais elementos não essenciais previstos no art.º 70.º do Código do Procedimento Administrativo, como: c) O órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para esse efeito; d) A indicação de o acto ser ou não susceptível de recurso contencioso, não impede que a decisão administrativa já notificada produza os seus efeitos habituais, mas “pode o interessado requerer no prazo de dez dias à entidade que praticou o acto a notificação das indicações ou dos elementos em falta”, para a suspensão da contagem do prazo da interposição do recurso (cfr. o art.º 27.º, n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso) (quanto à falta dos elementos da notificação do acto administrativo e às suas consequências, cfr. Viriato Lima Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, anotado, pp. 87 a 88).
Em suma, com base na validade da notificação via ofício de 9 de Julho de 2021, deve ser considerado que “o indeferimento do requerimento de autorização a título excepcional” já notificou a recorrente e produziu os seus efeitos, cabendo à recorrente o ónus de impugnação a tempo (face a tal, obviamente, ela não sabia disso, mas, nem sabia que desde 9 de Setembro de 2021, momento em que tinha recebido o ofício da notificação do acto recorrido e pretendeu interpor recurso, já perdeu uma boa oportunidade de recuperar e questionar a primeira decisão).
Face a tal, é obviamente que, o fundamento alegado pela recorrente – o exercício desrazoável do poder discricionário no acto recorrido (ou seja, os conteúdos alegados nos art.º 61 a art.º 106 da petição inicial) – não pode ser procedente.
*
Vejamos os demais fundamentos do recurso.
A recorrente ainda alega que o acto recorrido incorre na falta de fundamentação, ou seja, “da notificação acima referida pode-se saber que a recorrente foi manifestamente privada dos seus direitos” e “da notificação não consta a fundamentação da exclusão da requerente como adquirente seleccionado”. (vide os conteúdos alegados nos art.º 41 a art.º 43 da petição inicial)
Como é facto do conhecimento geral, o acto administrativo é diferente da notificação do acto administrativo. O vício da notificação não é causa de invalidade do acto administrativo (vide o Acórdão do TUI n.º 25/2012 de 13 de Junho de 2012 e o Acórdão do TSI n.º 375/2016 de 9 de Novembro de 2017). Por isso, a falta de fundamentação na notificação não constitui a violação do dever de fundamentação previsto nos art.º 114.º e art.º 15.º do Código do Procedimento Administrativo.
Mais, a nosso ver, a decisão recorrida proferida em 6 de Agosto de 2021 pela entidade recorrida na Proposta n.º 1560/DAJ/2021, tem os fundamentos de facto e de direito, e satisfaz formalmente os requisitos legais de fundamentação.
Desta forma, com base no mal entendimento do acto recorrido, foi considerado o ofício da notificação como o próprio acto recorrido, conduzindo que a recorrente considerasse erroneamente que o chefe da Divisão de Assuntos Jurídicos do Instituto de Habitação não tinha direito a assinar o ofício da notificação, e em consequência, violou o Despacho de delegação de competências do IH n.º 6/IH/2015, pelo que não se encontrou preenchido o art.º 113.º, n.º 1, al. h) do Código do Procedimento Administrativo.
De facto, quer o facto de não ter direito a assinar o ofício, quer o facto de não ter direito a praticar o acto, também não têm a ver com os requisitos previstos no art.º 113.º, n.º 1, al. 1) do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, devem constar do acto administrativo a assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane. O que a recorrente questionou realmente é uma questão da competência do acto, não a de saber se os requisitos formais do acto estão reunidos.
Mais, a competência da assinatura do ofício não é equivalente à competência da tomada da decisão administrativa, como o disposto no art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2009 (Disposições complementares do estatuto do pessoal de direcção e chefia) – “Salvo disposição em contrário, é permitida a delegação de assinatura da correspondência ou do expediente necessário à mera instrução dos processos e à execução de decisões em qualquer trabalhador da Administração Pública.”
De facto, de acordo com a Proposta n.º 1560/DAJ/2021, a decisão da concordância da exclusão do agregado familiar, representado pela ora Recorrente A, da qualidade de adquirente seleccionado, foi proferida pelo Presidente do IH que, na qualidade do director do IH, pode decidir as matérias enquadradas no âmbito da Lei da Habitação Económica, nos termos da lei.
Pelo exposto, é obviamente que estes dois fundamentos do recurso não podem ser procedentes.
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No fim, a recorrente ainda alegou que a nova Lei da Habitação Económica em vigor já cancelou o requisito aplicado pelo acto recorrido para limitação da candidatura da recorrente, ou seja, “o proprietário, e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha vendido uma fracção de habitação económica”. Embora não seja claramente alegado, a sua implicação expressa que o acto recorrido violou a nova “Lei da Habitação Económica”.
O que é verdade. Na “Lei da Habitação Económica” alterada pela Lei n.º 13/2020 e republicada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 200/2020, já foi excluído o requisito da limitação da requerente à aquisição de fracções - “7) O proprietário, e os elementos do respectivo agregado familiar, que tenha vendido uma fracção de habitação económica”, previsto na alínea 7) do n.º 5 do art.º 14.º da Lei original. E, no momento em que foi praticado o acto ora recorrido, ou seja, 6 de Agosto de 2021, a nova “Lei da Habitação Económica” já entrou certamente em vigor (18 de Agosto de 2020, data seguinte à da publicação da Lei n.º 13/2020).
Mas, quanto à aplicação destes dois artigos antes e depois da redacção, parece dever prevalecer a posição dada pelo legislador da nova lei relativa à respectiva questão, ou seja, devem ser consideradas as disposições transitórias (disposições transitórias formais).
Assim, dispõe-se na redacção dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 13/2020:
“Artigo 3.º
Disposições transitórias
1. As alterações introduzidas à Lei n.º 10/2011 pela presente lei, não são aplicáveis aos promitentes-compradores e proprietários que anteriormente se tenham candidatado à compra de habitação económica, aplicando-se o disposto na Lei n.º 10/2011, antes da presente alteração, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4.
2. As alterações introduzidas à Lei n.º 10/2011 pela presente lei, não são aplicáveis aos concursos de habitação económica abertos anteriormente, aplicando-se às respectivas candidaturas e aos posteriores tratamentos, designadamente à selecção de adquirentes, venda das fracções, ónus de inalienabilidade e venda de fracções, isenções fiscais e outros benefícios, bem como regime sancionatório, o disposto na Lei n.º 10/2011, antes da presente alteração, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
3. O n.º 8 do artigo 14.º e n.º 4 do artigo 34.º da Lei n.º 10/2011, alterado pela presente lei, é aplicável aos promitentes-compradores que tenham celebrado contrato-promessa de compra e venda ao abrigo do «Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação», devendo calcular-se o prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 14.º a partir da data de apresentação da candidatura até à data de escolha da fracção.
4. O n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011, alterado pela presente lei, é também aplicável ao candidato, aos elementos do seu agregado familiar e aos promitentes-compradores que, antes da entrada em vigor da presente lei, já se tenham candidatado à compra de habitação económica, devendo calcular-se o prazo estabelecido naquele número nos cinco anos anteriores à data de apresentação da candidatura e até à data de escolha da fracção.” (sublinhado nosso)
Voltando à presente causa, a recorrente apresentou em 25 de Março de 2020 ao IH um boletim da candidatura da fracção autónoma da habitação económica, ou seja, antes da data da entrada em vigor da Lei n.º 13/2020 (18 de Agosto de 2020), o procedimento da candidatura à habitação económica em questão já foi iniciado. Assim, de acordo com o n.º 2 das “disposições transitórias” acima indicado, as alterações introduzidas à Lei n.º 10/2011 pela presente lei, não são aplicáveis “às respectivas candidaturas e aos posteriores tratamentos, designadamente à selecção de adquirentes”, “aplicando-se ainda o disposto na Lei n.º 10/2011, antes da presente alteração”.
Pelo exposto, não deve ser aplicável à presente causa a redacção dada pela nova “Lei da Habitação Económica” alegada pela recorrente, pelo que é correcta a aplicação da lei no acto recorrido.
Com base nisso, deve ser julgado improcedente o recurso contencioso.».

Foi do seguinte teor o Douto Parecer do Ministério Público:
«(i)
A, melhor identificada nos presentes autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Presidente do Instituto de Habitação em 6 de Agosto de 2021, que determinou a exclusão do agregado familiar que a mesma representa enquanto adquirente selecionado em procedimento concursal para aquisição de habitação económica.
Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 122 a 131 destes autos foi o recurso contencioso julgado improcedente.
Inconformado com essa decisão, veio o Recorrente contencioso interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela respectiva revogação.
(ii)
No presente recurso, se bem interpretamos as respectivas alegações/conclusões, vem colocada uma única questão que é a atinente à violação do princípio da legalidade e do princípio do inquisitório por parte da Administração. Parece-nos, no entanto, que essa questão não cabe nos poderes de cognição do Tribunal ad quem e por isso ocorrerá um obstáculo ao conhecimento do recurso. Pelas breves razões seguintes.
(ii.1.)
De acordo com o n.º 1 do artigo 159.º do CPAC, que, neste ponto, se afasta do regime consagrado pelo artigo 630.º do Código de Processo Civil, «quando o tribunal de recurso julgue que não procede o fundamento que na decisão impugnada determinou o não conhecimento do pedido e nenhum outro motivo obste à decisão sobre o mérito da causa, os autos baixam ao tribunal recorrido para esse efeito», o que significa que, de acordo com a interpretação do preceito que nos parece preferível, em processo do contencioso administrativo, quanto ao mérito da pretensão anulatória deve existir sempre um duplo grau de jurisdição, não podendo, por isso, o tribunal de recurso conhecer (necessariamente em primeiro grau) de questão suscitada que haja sido pelo recorrente, mas relativamente à qual o tribunal a quo se tenha abstido de conhecer (assim, entre nós, VIRIATO LIMA/ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, 2015, p. 412. De notar, que se trata aqui, como é bom de ver, de uma problemática diferente da que tange à impossibilidade do conhecimento em recurso jurisdicional das chamadas «questões novas»).
Em todo o caso, constitui pressuposto de aplicação da norma referida que o tribunal de recurso, conhecendo da questão prévia que na decisão recorrida tenha obstado ao conhecimento do pedido, tenha considerado que a mesma não ocorre, isto é, que não há qualquer obstáculo ao conhecimento do mérito. É nesse pressuposto que, o tribunal ad quem, ao invés de conhecer em substituição, reenvia os autos para decisão pelo tribunal a quo da questão antes não apreciada.
Se o tribunal de recurso mantiver o julgamento do tribunal recorrido quanto à questão prévia ou dela não puder conhecer, nomeadamente, por ela não ter sido suscitada nas alegações/conclusões do recurso, a questão da apreciação do mérito da pretensão do recorrente nem sequer se colocará, como bem se compreende.
(ii.2.)
A questão que a Recorrente agora suscita no recurso não foi apreciada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo, uma vez que segundo se decidiu na douta sentença recorrido, o vício em causa reportava-se não ao acto recorrido, mas, antes, ao acto praticado pela Entidade Recorrida em 22 de Junho de 2021 que indeferiu o requerimento da Recorrente de autorização de candidatura a título excepcional, nos termos do n.º 6 do artigo 14.º da Lei n.º 10/2011 na redacção introduzida pela Lei n.º 11/2015, do qual a Recorrente foi devidamente notificada, não o tendo impugnado.
Foi, portanto, no pressuposto expressamente assumido na douta sentença recorrida, de que aquele acto de indeferimento da autorização excepcional constituía uma pré-decisão autonomamente recorrível que o Tribunal a quo se absteve de conhecer da questão que a Recorrente agora recoloca em sede de recurso, uma vez que, sempre na lógica do doutamente sentenciado no Tribunal Administrativo, a Recorrente, por falta de impugnação tempestiva desse acto pré-decisório, tê-lo-ia deixado consolidar-se na ordem jurídica como caso decidido, não podendo, por isso, ser atacado o acto final com fundamento em vícios próprios do acto destacável.
A verdade é que essa questão prévia (é certo que a douta sentença recorrida não se lhe referiu expressamente dessa forma, mas não suscita grandes dúvidas, ao que cremos, que é de uma verdadeira questão prévia da que se trata) assim decidida na sentença recorrida, não constitui objecto do presente recurso, já que a mesma não foi colocada pela Recorrente e, como sabemos, por força do princípio dispositivo, é absolutamente consensual que são as conclusões do recurso que delimitam a esfera de intervenção do Tribunal ad quem, sem prejuízo, claro está, das questões que sejam de conhecimento oficioso, desde que, quanto a estas, ainda não decididas por decisão transitada em julgada (por todos, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Lisboa, 2018, p. 115).
Deste modo, e tal como antes referimos, estando o Tribunal de Segunda Instância impedido de sindicar a decisão recorrida na parte atinente à dita questão prévia que o Tribunal recorrido considerou obstativa da apreciação do mérito do recurso contencioso na parte que agora interessa, necessariamente também estará impedido de conhecer da questão atinente ao mérito da pretensão impugnatória dirigida à anulação do acto administrativo agora colocada pela Recorrente no presente recurso jurisdicional.
Além disso, é de notar que a Recorrente se conformou com o julgamento da sentença recorrida quanto aos demais fundamentos do recurso contencioso (falta de fundamentação; competência do autor do acto e aplicação da lei no tempo) de que esta, expressamente, conheceu, julgando-os improcedentes.
Eis porque, em nosso modesto entendimento, se demonstra o que antes nos limitámos a afirmar assertivamente: estando a questão suscitada pelo Recorrente fora do âmbito dos poderes de cognição do Tribunal de Segunda Instância, ocorre, por esse motivo, um inultrapassável obstáculo processual ao conhecimento do recurso.
(iii.)
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o Tribunal não deve conhecer do recurso.».

Resumindo nas suas alegações e conclusões deste recurso vem a Recorrente invocar o vício de violação de lei por violação do princípio do inquisitório por banda da Administração no que concerne ao indeferimento por despacho de 22.06.2021 do pedido de autorização a título excepcional formulado pela Recorrente em 12.03.2021, o qual foi notificado à Recorrente em 09.07.2021, relativamente ao qual na Douta decisão recorrida se diz que a Recorrente não recorreu contenciosamente daquela, tendo-se consolidado na ordem jurídica.
Relativamente a esta parte da decisão recorrida – entender-se não ser susceptível de recurso contencioso a decisão de 22.06.2021 de indeferimento do pedido de autorização a título excepcional formulado pela Recorrente em 12.03.2021 – nada se invoca em sede de alegações e conclusões de recurso.
Destarte, como bem se refere no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público não sendo aquela parte do decidido objecto deste recurso não pode este tribunal apreciar a legalidade da decisão quando ali se entende ter-se consolidado na ordem jurídica por não ser já passível de recurso contencioso.

Assim sendo nada havendo a acrescentar aos fundamentos constantes da Douta decisão recorrida e do Douto parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, os quais reproduzimos e aos quais aderimos sem reservas, impõe-se concluir pela improcedência dos fundamentos do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.

III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe e Notifique.

RAEM, 19 de Outubro de 2023

Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)

Fui presente,
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador)

390/2023 ADM 1