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Processo nº 519/2023
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 26 de Outubro de 2023
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A.
Recorrida: Região Administrativa Especial de Macau
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A., com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra,
Região Administrativa Especial de Macau,
pedindo que seja a acção julgada procedente e a Ré condenada:
- no pagamento da quantia indemnizatória de MOP380,000,000.00, a que acresce os juros legais contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Ou em alternativa,
- na prática do acto de concessão do novo terreno de uma área bruta equivalente ao do lote A3, com concessão dos novos prazos de arrendamento e de aproveitamento.
Proferida sentença, foi julgada procedente a excepção peremptória da prescrição, com a absolvição da Ré dos pedidos formulados pela Autora.
Não se conformando com a decisão proferida veio a Autora recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a quo julgou procedente a excepção peremptória deduzida pela recorrida, e absolveu-a dos pedidos da autora, por entender que a recorrente tinha tido conhecimento dos factos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual em 30 de Julho de 2016 (data do decurso do prazo de arrendamento), pelo que o prazo de prescrição deveria completar-se em 30 de Julho de 2019, isto é, 3 anos após a referida data.
B. Como ensinavam os Drs. João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, antigos juízes do TSI, na análise de se existem ou não danos efectivos, deve ter-se em conta os danos potencialmente provocados por certas circunstâncias futuras.
C. O prazo prescricional só começa a correr quando o facto danoso venha a gerar uma lesão efectiva e fazer nascer o direito de indemnização.
D. A recorrente entende que os danos por si sofridos resultaram do despacho de declaração de caducidade do Chefe do Executivo, a que alude o artigo 167.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras).
E. Flui dos acórdãos do TUI, proferidos nos processos n.ºs 55/2016 e 28/2017, que o despacho de declaração de caducidade do Chefe do Executivo não é um acto de mera declaração, visto que também faz extinguir a relação jurídica contratual estabelecida entre a Administração e a concessionária.
F. A não conclusão do aproveitamento do Lote A3 pela recorrente dentro do prazo de arrendamento deveu-se ao “conjunto de actos culposos” da recorrida descrito na petição inicial, e os danos sofridos pela recorrente só surgiram aquando da publicação do despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade.
G. Os danos provocados pela “declaração de caducidade da concessão” deveram-se aos referidos “actos culposos”, que conduziram à paragem das obras e, pelo decurso do prazo legal, à necessária caducidade da concessão por arrendamento do terreno. Trata-se dum resultado danoso de caducidade legal.
H. Tais danos provocados pela “declaração da caducidade da concessão” só ocorreram no momento em que o Chefe do Executivo declarou a caducidade da concessão, tornando o dano presumido no dano real e efectivo.
I. Na verdade, a recorrente só tomou conhecimento do surgimento dos danos efectivos em 16 de Maio de 2018, data da publicação do supramencionado despacho no Boletim Oficial da RAEM, n.º 20, II Série.
J. A recorrente recorreu contenciosamente para o TSI e o TUI da decisão de caducidade da concessão. Em 6 de Julho de 2020, foi-lhe notificada a decisão de decaimento proferida pelo TUI.
K. Logo, antes do trânsito em julgado da decisão do recurso contencioso interposto do despacho do STOP n.º 11/2018, não se podia instaurar a acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por danos causados pelo respectivo acto.
L. Depois de 30 de Julho de 2016, o procedimento administrativo a que a recorrente podia recorrer de molde a impedir os danos é a interposição de recurso contencioso do despacho do STOP n.º 11/2018, após a sua publicação, em 16 de Maio de 2018, no Boletim Oficial da RAEM, n.º 20, II Série.
M. Como refere o TSI no acórdão proferido no processo n.º 265/2020, só através do acto de declaração da caducidade do contrato de concessão do terreno é que o recorrente veio a tomar conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e da pessoa do responsável.
N. Portanto, foi só quando o Chefe do Executivo declarou caduca a concessão que a recorrente veio a ter conhecimento dos danos. Dessa decisão ela recorreu contenciosamente para evitar danos.
O. Pelo que é aplicável o disposto no artigo 6.º, n.º 2 do DL n.º 28/91/M – no dia 7 de Maio de 2021, data da instauração do presente processo, a o direito ainda não prescreveu, pelo que a acção não deveria ter sido rejeitada com fundamento em prescrição.
P. Nos casos em que a não conclusão do aproveitamento de terreno dentro do prazo de arrendamento não é imputável aos concessionários, a prática adoptada pela Administração tem sido sempre a de declarar caduca a concessão pelo decurso do prazo de arrendamento e, ao mesmo tempo, conceder de novo o terreno ao mesmo concessionário, com quem o Governo da RAEM celebra um novo contrato de concessão, com o pagamento de prémio no valor actualizado.
Q. Como são os casos dos despachos do STOP n.ºs 89/2007 e 8/2009, tendo ambos indicado que se trata da solução adoptada em processos anteriores.
R. Considerando o teor destes despachos, foi criado na recorrente uma legítima expectativa de que o Lote A3 seria, ao ser declarada a caducidade do contrato de concessão, novamente concedido a favor dela.
S. No entanto, quanto ao Lote A3, o Chefe do Executivo limitou-se a exarar o despacho que declarou a caducidade da concessão do terreno, sem que o terreno tivesse sido concedido de novo a favor da recorrente.
T. Foi só no momento da publicação de tal despacho no B.O. da RAEM que a recorrente veio a tomar conhecimento de que deixava de poder continuar o desenvolvimento do Lote A3. Foi neste momento que os danos surgiram efectivamente.
U. Face ao exposto, como a recorrente só teve conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente a ocorrência de danos efectivos, aquando da publicação do despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão, pede a V. Exas. que a sentença recorrida seja revogada nas partes em que se julgou prescrito o direito de indemnização pretendido pela recorrente e se absolveu a recorrida dos pedidos formulados.
V. A sentença recorrida salienta reiteradamente que a recorrente teve conhecimento dos “factos constitutivos” do direito de indemnização a partir de 30 de Julho de 2016, mas não formulou, antes da prescrição, pedido indemnizatório contra a recorrida.
W. Na verdade, a recorrente apresentou um pedido em 16 de Junho de 2016, requerendo às autoridades a prorrogação do prazo de arrendamento do terreno em questão até 21 de Agosto de 2026.
X. Em 21 de Setembro de 2016, a recorrente foi notificada da decisão de não renovação da concessão do Lote A3 após terminado o prazo de arrendamento. Em 20 de Outubro de 2016, dessa decisão foi interposto recurso contencioso. A recorrida foi citada em 28 de Julho de 2017.
Y. O aludido recurso contencioso acabou por ser decidido em 26 de Abril de 2018. A recorrente recorreu. Em 25 de Setembro de 2019 foi proferida a decisão final, que transitou em julgado em 10 de Outubro de 2019.
Z. Se a sentença recorrida estivesse certa ao dizer que a recorrida tomou conhecimento, ao fim dos 25 anos do prazo de arrendamento, de que tinha o direito a ser indemnizada pelos danos causados pela recorrida, então o seu pedido de prorrogação do prazo de arrendamento por 10 anos deveria exprimir, directa ou indirectamente, a sua intenção de evitar os danos, assim como a intenção de exercer, em fases posteriores e através da anulação do acto administrativo que indeferiu a renovação, o direito de indemnização. O que, nos termos do disposto no artigo 315.º, n.º 1 do C. Civil, faria interromper a prescrição do direito de indemnização.
AA. Decidiu o STA de Portugal, no acórdão de 24 de Abril de 2022, proferido no processo n.º 047353, no seguinte sentido:
«há que considerar que a dedução do recurso é idónea a permitir que, na acção de indemnização que se lhe siga, se discuta a reparação de todos os danos relacionados com o acto impugnado, pelo que o recurso haverá de influir na contagem do prazo prescricional do direito de indemnização por tais danos.
(…)entre o recurso interposto de um acto e a acção de indemnização por danos dele decorrentes, não pode duvidar-se que aquele que impugne o acto mostra, «ipso facto», a vontade de acometer judicialmente o que, em sede de responsabilidade civil, constitui uma acção ilícita e culposa; sendo assim, o recurso inclina-se naturalmente à determinação de vários dos elementos essenciais da responsabilidade civil, pelo que pode ser encarado como um passo preliminar de um futuro exercício do direito a indemnização.(…) Donde se vê que a notificação de que o recurso foi interposto envolve a comunicação, indirecta mas capaz, de que o recorrente quer extrair da anulação do acto efeitos múltiplos - que se estendem às pretensões indemnizatórias que o caso consinta.
Portanto, e à luz da regra geral inserta no artº 323º, n° 1 do C. Civil, a notificação da entidade recorrida para responder no recurso de anulação de um acto administrativo interrompe a prescrição do direito de indemnização que se baseie nesse acto.»
BB. O TSI também refere, no acórdão proferido no processo n.º 265/2020, que a interposição de recurso contencioso consubstancia indirectamente a intenção de exercer o direito à indemnização, e que a citação da Administração faz interromper o prazo prescricional.
CC. Considerando que a recorrida foi citada em 28 de Julho de 2017, mesmo que o prazo prescricional para intentar a acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual por danos causados pelo acto administrativo em escrutínio tivesse começado a correr desde 30 de Julho de 2016, a contagem deveria interromper-se em 28 de Julho de 2017.
DD. Se o recurso interposto pela recorrente da decisão de indeferir a prorrogação do prazo tivesse acabado por ser julgado procedente, os supra falados actos culposos não teriam produzido quaisquer danos, uma vez que a prorrogação do prazo pelo período de 10 anos ter-lhe-ia permitido continuar a aproveitar o terreno.
EE. Razão pela qual, a recorrente não podia propor acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, por danos causados pelo respectivo acto administrativo que indeferiu a prorrogação do prazo, antes do trânsito em julgado, em 10 de Outubro de 2019, da decisão do recurso interposto deste acto.
FF. De acordo com o artigo 319.º do C. Civil, mesmo que se entenda que a recorrente tomou conhecimento do direito a indemnização em 30 de Julho de 2016, a citação da recorrida em 28 de Julho de 2017 fez interromper o prazo de prescrição, que só voltou a correr a partir de 10 de Outubro de 2019, ou seja, a data do trânsito em julgado da decisão do supra aludido recurso. Portanto, o prazo de prescrição devia completar-se em 10 de Outubro de 2022.
GG. Convém reiterar que o prazo previsto no n.º 1 do artigo 491.º do Código Civil, ex vi artigo 6.º, n.º 1 do DL n.º 28/91/M, é de 3 anos, pelo que a acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual instaurada pela recorrente em 7 de Maio de 2021 não deveria ter sido rejeitada com fundamento em prescrição.
HH. Face ao expendido, por se verificar a circunstância interruptiva da prescrição, pede a V. Exas. que a sentença recorrida seja revogada nas partes em que se julgou prescrito o direito de indemnização pretendido pela recorrente e se absolveu a recorrida dos pedidos formulados.
Contra-alegando veio a Ré e agora Recorrida RAEM apresentar as seguintes conclusões:
1. A recorrente interpôs recurso contencioso do despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão provisória do terreno em causa. O recurso foi julgado improcedente pelo acórdão do TUI, proferido no processo n.º 55/2020. Por outras palavras, tal despacho do Chefe do Executivo é um acto lícito, que não pode servir de causa de pedir em que se funda a pretensão da recorrente do direito de indemnização por facto ilícito, nem causaria as perdas por si alegadas, nem tornaria, como alegou a mesma, danos presumidos em danos efectivos.
2. A indemnização descrita e requerida pela recorrente na petição inicial consiste principalmente nos custos e despesas alegadamente respeitantes ao terreno em questão, e no valor estimado – menos o custo de construção – do edifício hipotético se tal tivesse sido construído no terreno dentro do prazo contratual. Não é difícil constatar que os factos danosos invocados pela recorrente são alguns actos da recorrida que, a ver da recorrente, conduziram à sua impossibilidade de concluir o aproveitamento do terreno no prazo de concessão. Todos esses factos tiveram lugar na vigência do contrato de concessão do terreno, sendo assim totalmente independentes do facto de o Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão provisória do terreno.
3. É claro que não foi o despacho de declaração de caducidade da concessão do terreno exarado pelo Chefe do Executivo que causou os danos apontados pela recorrente. Mesmo que o Chefe do Executivo não tivesse declarado a caducidade da concessão provisória do terreno, a concessão não era renovável, de acordo com a lei, pelo decurso do prazo de arrendamento. Pelo que seria igualmente impossível para a recorrente continuar a aproveitar o terreno. Dito de outra forma, os alegados prejuízos ocorreram efectivamente no momento em que findou o prazo de arrendamento do terreno. Além disso, mesmo que o terreno seja novamente concedido a favor da recorrente, isso apenas significa, na melhor das hipóteses, que esta possa aproveitar de novo o terreno para a construção, para venda, de prédios, e talvez consiga obter lucros que cobram as perdas decorrentes da não conclusão do aproveitamento no anterior prazo de arrendamento ou aproveitamento, o que a faria “achar”, do ponto de vista subjectivo ou contabilístico, que não há perdas. Todavia, isso não equivale, a nível jurídico, a que os danos descritos na petição inicial, alegadamente decorrentes das actuações da recorrida na vigência do contrato de concessão, e o correspondente direito indemnizatório, nunca tenham existido!
4. Nos termos do disposto no artigo 491.º, n.º 1 do C. Civil, ex vi artigo 6.º, n.º 1 do DL n.º 28/91/M, o direito de indemnização deve ser exercido junto do tribunal no prazo de 3 anos a contar da data em que a recorrente teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sob pena da extinção, por prescrição, desse direito. Para efeito de determinar o início do supramencionado prazo prescricional de 3 anos, devemos considerar os factos danosos invocados pela recorrente para procurar apurar quando é que esta teve ou deveria ter tido conhecimento dos danos efectivos que lhe foram causados pelos factos, ou seja, quando é que teve ou deveria ter tido conhecimento de que foi lesada pelos respectivos factos no sentido de não conseguir concluir o aproveitamento do terreno ou continuar a aproveitar o mesmo
5. A recorrente, enquanto concessionária do terreno em escrutínio, sabia claramente que o prazo de arrendamento terminava em 30 de Julho de 2016, e que a concessão era provisória. Além disso, nunca apresentou a licença de utilização para provar o aproveitamento do terreno. Portanto, deveria ter tido conhecimento do decurso, em 30 de Julho de 2016, do prazo da concessão provisória do terreno, e da impossibilidade de continuar a aproveitar tal terreno a partir desse data.
6. Aliás, a Administração já prometeu, repetida e publicamente, a devolução, nos termos da Lei n.º 10/2013, de várias parcelas de terreno situadas em B, cujos prazos de arrendamento findariam em Julho de 2016.
7. Por conseguinte, a recorrente deixou de poder continuar aproveitar o terreno em causa a partir do termo do prazo de arrendamento, tendo já surgido os danos por si alegados. Enquanto concessionária, ela teve ou deveria ter tido conhecimento, no momento do decurso do prazo de arrendamento, da titularidade do direito indemnizatório aqui pretendido. Além disso, estava inequivocamente ciente do decurso do respectivo prazo, e sempre convicta de que os danos por ela sofridos resultaram das práticas da recorrida. Por outras palavras, no momento da caducidade da concessão do terreno, sabia claramente que era a recorrida a responsável.
8. Não se esqueça que, o STOP por despacho de 5 de Setembro de 2016 indeferiu o pedido de prorrogação do prazo formulado pela recorrente, e reiterou inequivocamente a posição e os fundamentos jurídicos da não renovabilidade da concessão provisória do terreno em questão após o decurso do prazo de arrendamento. A recorrente foi notificada da supra referida decisão em 21 de Setembro de 2016.
9. Daí flui que a recorrente sempre soube que, findo o prazo de arrendamento, não poderia continuar a aproveitar o terreno. Caso contrário, não teria pedido a prorrogação do prazo. A recorrente teve conhecimento claro, o mais tardar em 21 de Setembro de 2016, da posição e decisão das autoridades no sentido de não renovar o prazo de arrendamento do terreno em causa.
10. Os alegados danos não resultaram do despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno, mas antes decorreram do facto objectivo de a recorrente deixar de poder aproveitar o terreno. Tendo em conta que a recorrente devia ter conhecimento da impossibilidade do aproveitamento após o decurso do prazo de arrendamento, e que o seu pedido de prorrogação do prazo foi indeferido definitivamente pela Administração, impõe-se então concluir que, independentemente de quanto tempo os trâmites administrativos levaram até ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade do terreno, a recorrente teve ou deveria ter tido conhecimento, o mais tardar em 21 de Setembro de 2016, dos danos efectivos por si alegados e do correspondente direito de indemnização, com a convicção de que a recorrida era a responsável.
11. A recorrente mencionou alguns casos anteriores relativos à caducidade de concessão de terreno, mas os respectivos factos ocorreram todos antes da entrada em vigor da Lei n.º 10/2013, pelo que em nada são comparáveis com o caso dos presentes autos.
12. Além disso, ao presente processo não são aplicáveis, nem o artigo 6.º, n.º 2 do DL n.º 28/91/M, nem o artigo 116.º do CPAC, nem o artigo 315.º, n.º 1 do C. Civil.
13. De acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 2 do DL n.º 28/91/M e artigo 116.º do CPAC1, tais normas são apenas aplicáveis quando o direito de indemnização resulte do acto administrativo contenciosamente recorrido! No caso em apreço, todavia, os danos alegados pela recorrente não foram causados pelo respectivo despacho do Chefe do Executivo, pelo que as normas aqui não são aplicáveis.
14. O mesmo é o caso do artigo 315.º, n.º 1 do C. Civil! A leitura do acórdão n.º 047353 do STA de Portugal2, citado pelo TSI, permite constatar, inequivocamente, que tal acórdão limitou-se a dizer(!) (sic) que, se o facto danoso for o acto administrativo impugnado no recurso contencioso, este recurso pode ser interpretado como uma expressão indirecta da intenção de exercício do direito de indemnização por danos causados pelo respectivo acto, e neste caso a citação pode, nos termos do artigo 315.º, n.º 1 do C. Civil, interromper a prescrição.
15. No entanto(!)(sic), cumpre reiterar que, in casu, o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão provisória do terreno não foi o facto que causou os danos apontados pela recorrente, pelo que o recurso contencioso interposto deste despacho e a subsequente citação da entidade administrativa não têm o efeito interruptivo da prescrição a que alude o artigo 315.º, n.º 1 do C. Civil.
16. Concluindo, nos termos do disposto no artigo 491.º, n.º 1 do C. Civil, aplicável ex vi artigo 6.º, n.º 1 do DL n.º 28/91/M, o direito de indemnização pretendido pela recorrente prescreveu no prazo de 3 anos a contar da data do decurso do prazo do contrato de concessão do terreno em causa (30 de Julho de 2016), ou da data em que teve conhecimento da decisão de não renovação do prazo de arrendamento (21 de Setembro de 2016), quer dizer que prescreveu em 30 de Julho de 2019 ou 21 de Setembro de 2019. Ao presente processo não são aplicáveis, nem o artigo 6.º, n.º 2 do DL n.º 28/91/M, nem o artigo 116.º do CPAC, nem o artigo 315.º, n.º 1 do C. Civil. A presente acção foi intentada pela recorrente em 7 de Maio de 2021, altura em que o seu direito de indemnização já se encontrava extinta por prescrição, pelo que o pedido indemnizatório tem de ser indeferido. A sentença recorrida deve ser mantida por não padecer de nenhum dos vícios apontados pela recorrente.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos Factos

Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
- A Autora é uma sociedade comercial, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 7***(SO), que se dedica à indústria de construção civil e fomento imobiliário, a compra, venda e administração de propriedades (conforme o doc. 1 junto da petição inicial a fls. 37 a 58 dos autos).
- A Autora foi titular de uma concessão por arrendamento de um terreno, com a área de 4,169 m2, designado por lote 3 da zona A do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande” situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sobo n.º 22***, a fls. 78 do livro B-8K, destinado à construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento (conforme o doc. 10 junto da contestação a fls. 448 a 449 dos autos).
- O supradito terreno foi originalmente concedido à Sociedade de Empreendimentos B, S.A.R.L., por escritura de 30/7/1991, na sequência do Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento do Boletim Oficial n.º 52, de 29/12/1989, contrato de concessão que veio a ser posteriormente alterado pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, publicado no B.O. n.º 27, de 6/7/1992, 57/SATOP/93, publicado no B.O. n.º 17, de 26/4/1993, 56/SATOP/94, publicado no B.O n.º 22, II Série, de 1/6/1994 e 71/SATOP/99, publicado no B.O n.º 33, II Série, de 18/8/1999 (conforme o doc. 2 junto da petição inicial a fls. 59 a 74 e o doc. 11 junto da contestação a fls. 450 a 459 dos autos).
- Por Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril, foram aprovados os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, constituído pelas zonas A, C, D e E.
- Pelo Despacho n.º 91/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial n.º 30, II Série, de 27/7/1994, foi autorizada a transmissão a favor da Autora, dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do terreno relativamente ao supradito lote 3 da zona A (conforme o doc. 10 junto da contestação a fls. 448 a 449 dos autos).
- Fixa-se a cláusula segunda – Prazo do arrendamento – do contrato anexo ao referido Despacho n.º 91/SATOP/94, com o seguinte teor:
“1. O arrendamento, objecto do presente contrato, é válido até 30 de Julho do ano 2016.
2. O prazo do arrendamento, fixado no número anterior, pode, nos termos da legislação aplicável, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049.” (ibid.)
- Determina-se na cláusula terceira – Aproveitamento e finalidade do terreno, do mesmo contrato o seguinte:
“O lote de terreno referido na cláusula primeira é aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento, com as seguintes áreas de construção:
Comércio………………………….…………...……….……………… 8 026 m2
Escritórios……………………….…………...……...………………29 868 m2
Estacionamento………..………………………………...………….. 11 659 m2
em conformidade com o Plano de Pormenor e respectivo regulamento, relativo à zona «A», aprovado pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no Boletim Oficial n.º 15/91, 2.º suplemento, de 18 de Abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 134/92/M, publicada no Boletim Oficial n.º 25/92, de 22 de Junho.” (ibid.).
- E na cláusula quinta – Prazo de aproveitamento, o seguinte:
“1. O aproveitamento do terreno deve operar-se no prazo global de 66 (sessenta e seis) meses, contados a partir da data de 6 de Julho de 1992.
2. Sem prejuízo do prazo estipulado no número anterior, a terceira outorgante deve, relativamente à apresentação dos projectos, observar, na parte aplicável, os prazos estipulados no n.º 3 da cláusula sexta do contrato de concessão titulado pelo Despacho n.º 73/SATOP/92, com as alterações introduzidas pelo Despacho n.º 57/SATOP/93.” (ibid.).
- Em 8/6/1998, por carta dirigida ao então Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a Autora solicitou a aprovação da alteração de finalidade do Lote 3, zona A e mereceu a resposta deste por ofício n.º 577/1385.1/DSODEP/98, de 21/12/1998, a informar que “deverá ser entregue uma revisão geral das fichas apresentadas de modo a que seja compatibilizada a informação contida nas várias fichas e eliminadas todas as imprevisões e contradições apontadas, as quais parecendo apenas acertos de pormenor, mas revestem-se, na realidade de enorme importância, pois repercutem-se directamente na interpretação e na clara leitura dos princípios orientadores que o Plano pretende estabelecer, por forma a que não restem dúvidas na sua implementação” (conforme os docs. 4 e 5 junto da petição inicial a fls. 77 e 105 a 107 dos autos).
- Por ofício n.º 280/962.4/DSODEP/99, de 21/6/1999, o então Director do DSSOPT remeteu à Autora a minuta de revisão do contrato de concessão por arrendamento elaborada, a fim de esta se pronunciar sobre as condições estipuladas no prazo de 20 dias, para além de informar que “ainda de acordo com o mesmo despacho, que os processos de alteração das finalidades dos lotes 1, 3 e 12 da zona A do Plano da Praia Grande, porque dependem da publicação no Boletim Oficial da alteração à Portaria n.º 69/91/M de 10 de Abril, terão seguimento após a referida publicação, correndo por conta dessa Sociedade todos os custos nomeadamente os resultantes da participação do autor do Plano. Deverão ainda ser apresentados com a brevidade possível pelas titulares dos lotes 1, 3 e 12 os requerimentos formalizando o pedido de alteração de finalidade.” (conforme o doc. 25 junto da contestação a fls. 638 a 639 dos autos).
- Pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no B.O. n.º 33, II Série, de 18/8/1999, foi deferida a prorrogação do prazo de aproveitamento relativamente ao lote da zona A, por período de 60 meses a contar da publicação do despacho, até 18/8/2004 (conforme o doc. 2 junto da petição inicial a fls. 71 a 73 dos autos).
- Posteriormente, pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 8/4/2005, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais de 48 meses até 18/8/2008 (conforme o doc. 17 junto da petição inicial a fls. 147 a 148 dos autos).
- Entretanto, em 21/8/2006, foi revogada a Portaria n.º 69/91/M que aprovou os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, por Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006.
- Em 27/6/2011, a Autora aproveitou a apresentação da resposta convidada sobre a justificação de não conclusão do aproveitamento do terreno, apresentou ainda o novo estudo prévio assim como o respectivo projecto (conforme os docs. 20 e 21 junto da petição inicial a fls. 152 a 183 dos autos).
- Em 15/8/2014, por Despacho do Chefe do Executivo, foi concedida à Autora a prorrogação do prazo de aproveitamento do lote A3 até ao fim do prazo de arrendamento, ou seja, 30/7/2016, com aplicação da multa pelo incumprimento do prazo (conforme o doc. 24 junto da petição inicial a fls. 211 a 212 dos autos).
- Em 16/6/2016, por carta dirigida ao Chefe do Executivo, a Autora solicitou a prorrogação do prazo de concessão por arrendamento do terreno por 10 anos, pedido esse foi indeferido pelo Despacho do STOP, datado de 5/9/2016 (conforme o doc. 62 junto da contestação a fls. 849 a 872 dos autos).
- Por Despacho do Chefe do Executivo, de 3/5/2018, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 11/2018, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II Série, de 16/5/2018, foi declarada a caducidade da concessão do terreno, com o seguinte teor:
“Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 11/2018
Por escritura pública de 30 de Julho de 1991, exarada de fls. 4 e seguintes do livro 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, celebrada em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, e com as alterações introduzidas pelos Despacho n.º 73/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, Despacho n.º 57/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993, Despacho n.º 56/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999, foi titulada a concessão por arrendamento de vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situados na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior, a favor da Sociedade de Empreendimentos B, S.A., com sede na Avenida Comercial de Macau, Edifício ......, ....º andar ..., em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 4 *** (SO) a fls. 166 do livro C10.
Entretanto, através do Despacho n.º 91/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 30, II Série, de 27 de Julho de 1994, foi titulada a transmissão onerosa dos direitos resultantes da concessão do terreno, com a área de 4 169m2, designado por lote 3 da zona A do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A., com sede em Macau, na Alameda Doutor Carlos D’Assumpção n.os ...-..., Centro Comercial ...... ....º andar, registada da na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 7 *** (SO).
O mencionado lote está descrito na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, sob o n.º 22 *** a fls. 78 do livro B8K e o direito resultante da concessão inscrito a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A., sob o n.º 4 *** a fls. 85 do livro F20K, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato de transmissão titulado pelo sobredito Despacho n.º 91/SATOP/94, o arrendamento do terreno é válido até 30 de Julho de 2016.
Segundo o estabelecido na cláusula terceira do mesmo contrato de transmissão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento, em conformidade com o plano de pormenor e respectivo regulamento, relativo à zona A, aprovado pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril de 1991, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 134/92/M, de 22 de Junho.
O prazo de arrendamento do aludido terreno expirou em 30 de Julho de 2016, e este não se mostrava aproveitado.
De acordo com o disposto no artigo 44.º e no n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força do preceituado no artigo 215.º desta lei, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo que não pode exceder 25 anos e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente.
As concessões provisórias não podem ser renovadas nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Neste contexto, dado que a concessão em causa não se tornou definitiva, é verificada a sua caducidade pelo decurso do prazo.
Assim,
Usando da faculdade conferida pelo artigo 64.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o Secretário para os Transportes e Obras Públicas manda:
1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 4 169 m2, designado por lote 3 da zona A do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na península de Macau, descrito na CRP sob o n.º 22 *** a fls. 78 do livro B8K, a que se refere o Processo n.º 57/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livres de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A., destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. Do acto de declaração de caducidade cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contados a partir da sua notificação, nos termos da subalínea (1) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, republicada integralmente pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º, ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
4. A referida sociedade pode ainda reclamar para o autor do acto, Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º e do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
5. O processo da Comissão de Terras pode ser consultado pelos representantes da mencionada sociedade na Divisão de Apoio Técnico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sita em Macau, na Estrada de D. Maria II, n.º 33, 18.º andar, durante as horas de expediente, podendo ser requeridas certidão, reprodução ou declaração autenticada dos respectivos documentos, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
6. O presente despacho entra imediatamente em vigor.
9 de Maio de 2018.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário.”
(conforme o doc. 63 junto da contestação a fls. 873 a 876 dos autos).
- Dessa decisão recorreu a Autora para o Tribunal de Segunda Instância, que veio a julgar improcedente o recurso interposto, por Acórdão n.º 592/2018, de 16/12/2019.
- Seguidamente, por Acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 55/2020, de 1/7/2020, foi negado provimento ao recurso interposto do referido Acórdão do TSI.
- Em 7/5/2021, a Autora intentou a presente acção no Tribunal Administrativo.

b) Do Direito

É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Face ao que se alega, importa antes conhecer da excepção peremptória de prescrição deduzida pela Ré na contestação, e quanto a isto, as questões que urge apreciar e decidir são as seguintes:
- Se o invocado direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual prescreveu por decurso do prazo previsto no disposto no artigo 491.º do CCM, ex vi o artigo 6.º, n.º 1 do DL n.º 28/91/M, de 22 de Abril?
- Em caso afirmativo, se haverá lugar à indemnização com base na responsabilidade contratual da Ré, e se esse direito encontra-se prescrito por ter decorrido o prazo ordinário previsto no artigo 302.º do CCM?
1. Em entender da Ré, em síntese, que pelo menos até ao termo do prazo de arrendamento de 25 anos, em 30/7/2016, a Autora estava perfeitamente ciente da impossibilidade da conclusão do aproveitamento do terreno e dos prejuízos que daí lhe resultou. Assim, tendo-se verificado nesse momento (ou na data do seu conhecimento da decisão de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de arrendamento, em 21/9/2016, conforme demonstrado no doc. 8 junto da contestação), os requisitos de que depende o exercício do direito de indemnização, a acção indemnizatória proposta em 7/5/2021 é manifestamente extemporânea, pelo decurso do prazo de 3 anos previsto no artigo 491.º do CCM.
Em contrapartida, contra-argumentou a Autora na sua réplica que deve ser o acto da declaração de caducidade que configura o momento a partir do qual esta tomou efectivo conhecimento da verificação dos danos, e que pôs termo definitivamente à relação jurídica que até então existia entre a Administração Pública e a concessionária. Além do mais, sempre a Autora estaria autorizada a intentar a acção indemnizatória dentro dos seis meses que se seguem ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal de Última Instância que trata da matéria da impugnação do acto de declaração de caducidade do Chefe do Executivo de 3/5/2018, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 2 do DL n.º 28/91/M.
Vejamos então esta questão.
1.1 Como se vê, a presente acção está estruturada, em primeira linha, no instituto da responsabilidade extracontratual por facto ilícito da entidade pública (RAEM e as demais pessoas colectivas públicas) emergente no domínio dos actos de gestão pública, que se encontra regulado pelo regime jurídico do DL n.º 28/91/M, de 22 de Abril (conforme se alega nos artigos 69.º a 113.º na petição inicial).
De acordo com o artigo 6.º, n.º 1 do referido DL (com alteração do DL n.º 110/99/M), “O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, dos titulares dos seus órgãos e dos agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do artigo 491.º do Código Civil.”.
Por sua vez, o artigo 491.º do CCM preceitua que “O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”.
Ao estabelecer um curto prazo especial de 3 anos, o legislador pretendeu evitar, nas palavras do professor Vaz Serra, que “as circunstâncias do acto ou omissão danosos tenham de ser apreciadas judicialmente muito tempo após a prática desse acto ou omissão”3 , e ainda determinou, sem descurar o interesse legítimo do credor em não ver prescrito o seu direito antes de o poder ter exercido, que este prazo só se conta a partir da data em que o lesado teve conhecimento ou – mais exigente do que consta da previsão normativa do Código Civil português – deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete4 5 e da pessoa do responsável.
Numa tentativa de precisar o alcance que se deva atribuir à expressão imprecisa “teve conhecimento (e deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete)”, consideravam os autores portugueses ser suficiente que o lesado conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, ou seja, o facto ilícito, a culpa, o dano e a relação de causalidade entre o facto e o dano, soube ou deveria ter sabido ter direito de indemnização pelos danos que sofreu6. Mais do que isso, ainda segundo esclarecido pela jurisprudência portuguesa, o dies a quo relevante para marcar o início do prazo de prescrição de três anos é aquele “em que sejam conhecidos do lesado os pressupostos da acção de indemnização, traduzidos nos seus elementos fácticos, e não do conhecimento judicial da verificação do facto lesivo e sua qualificação, v.g. como facto ilícito, em acção que, para este último efeito, tenha sido proposta.”7 .
Uma outra nota que importa referir é que a lei tornou o início do prazo dependente do conhecimento do dano, mas não da sua extensão integral. A solução consagrada é justificada “não apenas pelo regime do CC quanto ao âmbito e natureza dos danos indemnizáveis e objecto da condenação” (cfr. artigos 558.º, n.º 2, primeira parte, quanto aos danos futuros previsíveis, 560.º, n.º 6 e 561.º do CCM), mas “ainda pela circunstância de o CC e o CPC permitirem ao lesado a dedução de um pedido genérico de indemnização” (cfr. artigos 563.º do CCM e 392.º, n.º 1, alínea b) do CPC), “a ampliação do pedido no decurso do processo” (cfr. artigos 563.º, segunda parte e 564.º, n.º 2 do CPC), e “o incidente de liquidação” (cfr. artigos 308.º a 310.º do CPC).8
Na RAEM, a jurisprudência mais recente do Tribunal de Última Instância tem-se inclinado no mesmo sentido quanto à prescrição do direito de indemnização, nos termos que se segue:
“Aqui, cabe salientar quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer o preceito em causa significar (apenas) que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não – cabe sublinhar – da “consciência da possibilidade legal do ressarcimento.” (cfr., v.g., A. Varela in, “Das Obrigações em geral”, pág. 596).
“Assim, evidente se apresenta que o lesado tem conhecimento do direito que invoca - para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição – quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, não estando o início da contagem do prazo (especial de 3 anos) dependente do “conhecimento jurídico” pelo lesado do respectivo direito, supondo, antes, e apenas, que o lesado conheça os “factos constitutivos” desse direito, (ou seja, que saiba que o acto foi praticado, ou omitido, por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e que dessa prática, ou omissão, resultaram, para si, danos).” (veja-se o Acórdão do Tribunal de Última Instância, n.º 183/2020, de 29/9/2021, sublinhado nosso).
1.2 Na situação vertente, pelo que se alega na petição inicial, o direito de indemnização decorre da impossibilidade do aproveitamento do terreno dentro do prazo da concessão, provocada por actuação lenta, pouco diligente da Ré, mas que era apta a criar expectativas legítimas por parte da Autora na aprovação do projecto de alteração e na conclusão do aproveitamento do terreno em causa, designadamente: a emissão da licença de obra nos anos noventa por modo a autorizar a construção do parque de estacionamento; a revogação da Portaria n.º 69/91/M com o Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006 de 21/8/2006, que havia aprovado o plano urbanístico da Zona da Baía da Praia Grande; a emissão do parecer de viabilidade sobre o projecto apresentado pela Autora, assim como a autorização das sucessivas prorrogações do prazo de aproveitamento. Temos por certo que se são esses factos ilícitos que redundariam na impossibilidade do aproveitamento do terreno concedido, todos já deveriam ter ocorrido na vigência do prazo do contrato de concessão, de que a Autora teve efectivo conhecimento pelo que se alega.
Além do mais, disso ela não pôde deixar de estar ciente. Como se sabe, não tendo ainda a concessão sido convertida em definitiva por não se mostrar concluído o aproveitamento dentro do prazo fixado para este efeito, não era renovável a concessão provisória, ao abrigo das normas do artigo 48.º, n.º 1, ex vi o artigo 215.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras). Por consequência, deveria operar-se, no fim da vigência da concessão por arrendamento, automaticamente, ope legis, a caducidade da concessão pelo decurso do prazo (Neste sentido, entre outros, cfr. os Acórdãos do Tribunal de Última Instância, processo n.º 118/2019, de 29/11/2019, e do Tribunal de Segunda Instância, processos n.ºs 354/2017, de 7/5/2020 e 578/2018, de 21/3/2019).
É verdade que a referida Lei n.º 10/2013 exige que a caducidade das concessões seja declarada por despacho do Chefe do Executivo, mas é também isento de dúvida que este acto administrativo tem natureza meramente declarativa e não constitutiva, porquanto a causa de caducidade constitui um facto em si mesmo extintivo, realidade essa pré-existente inalterável por força da declaração posterior da Administração. Foi isso que se poderia constatar numa situação paradigmática de “caducidade-preclusão”, que depende “apenas do decurso do prazo e da constatação objectiva da falta de apresentação da licença de utilização do prédio por parte do concessionário” (Veja-se o Acórdão do Tribunal de Última Instância proferido no processo n.º 7/2018 de 23/5/2018). Aliás, a este propósito, importa que a jurisprudência do nosso Tribunal mais alto é assertiva no sentido de qualificar a caducidade por decurso do prazo de arrendamento como caducidade-preclusão (cfr. e.g. o Acórdão do Tribunal de Última Instância proferido no processo n.º 145/2020, de 4/12/2020).
Voltamos ao caso em apreço:
Fixa-se na cláusula segunda do contrato de concessão anexo ao Despacho n.º 91/SATOP/94 que titula a autorização da transmissão a favor da Autora, dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do terreno relativamente ao lote 3 da zona A, o prazo de arrendamento até 30 de Julho do ano 2016. Portanto, seria incontroverso que nesta data do termo do prazo de arrendamento, deveria ocorrer o efeito extintivo decorrente da caducidade da concessão. Por outras palavras, foi nessa data e não na posterior data do despacho do Chefe do Executivo, que se tornou definitivamente impossível a conclusão do aproveitamento, devendo-se a partir dela, e não desse despacho, contar o prazo prescricional de 3 anos.
1.3 O outro fundamento subsidiário sufragado pela Autora na réplica não é menos inconcludente. Não cremos que a norma do artigo 6.º, n.º 2 do DL n.º 28/91/M (com alteração do DL n.º 110/99/M) seja aplicável ao caso concreto por modo a permitir ainda a propositura da acção de indemnização dentro dos seis meses a contar desde o trânsito em julgado da decisão do Tribunal de Última Instância, datada de 1/7/2020.
Como resulta explicitamente da referida norma do artigo 6.º, n.º 2 (“…Se o direito de indemnização resultar da prática de acto recorrido contenciosamente, a prescrição que, nos termos do n.º 1, devesse ocorrer em data anterior não terá lugar antes de decorridos 6 meses sobre o trânsito em julgado da respectiva decisão.”), o prazo de seis meses a partir do trânsito em julgado da decisão sobre o recurso contencioso interposto do acto aproveita apenas à acção indemnizatória fundada no acto administrativo ilegal que funciona como facto constitutivo da responsabilidade.
Portanto, o que se configura aqui é uma causa específica da interrupção do prazo de prescrição, ao lado das causas previstas nos termos gerais do artigo 315.º do CCM, que faz depender o exercício do direito de indemnização da prévia impugnação contenciosa do acto administrativo lesivo, na pressuposição de que o direito se pudesse ter extinguido, pelo decurso do prazo do seu exercício, na pendência do recurso contencioso ou logo depois do trânsito em julgado da sentença nele proferida.
É que “Com efeito, se o lesado puder exercer o direito de indemnização em processo autónomo, independentemente da averiguação prévia da legalidade do acto administrativo (como decorre, com toda a evidência, do disposto no artigo 38.º), não faz sentido que o prazo prescricional fique subordinado às vicissitudes do processo impugnatório, se este tiver sido também interposto, a ponto de se conferir ao lesado o benefício de prorrogação do prazo para além da decisão definitiva a proferir neste processo”, conforme ensinam os professores Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadinha.9
Se assim é, parece não restar ao lesado nesta situação senão uma das duas opções quanto à selecção dos factos estruturantes da respectiva causa de pedir – ou com base no acto administrativo que foi formalizado na data mais recente, mas que pudesse ser legal por vir a ser mantido pela decisão judicial proferida em sede da impugnação contenciosa, ou em virtude das sucessivas actuações administrativas lesivas anteriormente concluídas, o que contudo poderiam ser jamais idóneas para sustentar uma acção indemnizatória autónoma, por força da prescrição nos termos previstos no direito civil.
No caso dos autos, a Autora que pretende ser beneficiária da extensão do prazo a que se refere na supradita norma, invocou a situação lesiva que fora criada pelas actuações “irregulares” anteriormente verificadas, e não alegou nenhuma lesão concreta que possa ser imputada, de modo autónomo, ao acto administrativo do Chefe do Executivo da declaração de caducidade em 3/5/2018.
Bem se compreende que assim fosse. Se a acção tivesse sido configurada, preferencialmente com base na responsabilidade extracontratual por facto ilícito, apenas as actuações ilícitas lesivas poderiam servir. E tal acto de declaração de caducidade da concessão de 3/5/2018 é pelo contrário lícito face ao teor do decisório do Acórdão do Tribunal de Última Instância, no processo n.º 55/2020, que portanto, nunca poderia fundamentar a pretensão indemnizatória deduzida nestes termos.
1.4 Recapitulando, consideramos que se verificaram, em 30/7/2016, todos os factos constitutivos da obrigação de indemnizar, e nessa data a própria Autora deveria ter tido conhecimento dos necessários elementos fácticos que integram os pressupostos da acção indemnizatória. Isto seria sempre assim, ainda que tivesse em vista, de forma analítica, a extensão dos danos alegadamente provocados pelas actuações ilícitas da Ré.
Foi por Autora peticionada, neste processo, a indemnização no montante de MOP 380,000,000.00, resultante da redução por sua vontade, de acordo com o princípio dispositivo, do somatório entre por um lado, o montante do acréscimo patrimonial que teria resultado da efectivação do aproveitamento nos termos concebidos num e noutra situação, conforme se segue: ou MOP4,460,000,000 em função da concretização hipotética do aproveitamento do terreno para finalidade inicialmente aprovada pelo Despacho n.º 91/SATOP/94, ou alternativamente, MOP4,875,000,000 em função da concretização hipotética do aproveitamento do terreno nos moldes definidos pelo projecto de aproveitamento apresentado em 27/6/2011, e por outro, o das despesas incorridas entre 2012 e 2019, supostamente por causa do aproveitamento do terreno lote A3, no valor de MOP943,816,605.
A contradição lógica entre uma parcela indemnizatória e a outra é notória, já que a indemnização por lucros cessantes pressupõe a conclusão hipotética do aproveitamento do terreno nos termos definidos por contrato de concessão, enquanto que o reembolso das despesas efectivamente incorridas já depende da destruição retroactiva dos efeitos da concessão.
Se interpretarmos as pretensões indemnizatórias deduzidas em coerência com a causa de pedir descrita – reiterando, as actuações ilícitas culposas da Ré que constituíram factos impeditivos do aproveitamento do terreno, e por conseguinte, da conversão da concessão em definitiva dentro do prazo de concessão, diríamos que somente a primeira pretensão quanto aos lucros cessantes teria cabimento – porquanto o direito de aproveitamento do terreno aqui falado é aquele que estava inicialmente projectado, resultante da transmissão dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do terreno titulada pelo contrato anexo ao Despacho n.º 91/SATOP/94.
Nesta linha, se se tratar aqui de um “acréscimo patrimonial” que a Autora deixaria de obter por causa da conduta lesiva da Ré, a ocorrência desse tipo de “lucros cessantes” - correspondentes “aos ganhos que se frustraram, os prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património”10 – deveria coincidir com o momento em que o lesado perdeu definitivamente qualquer possibilidade de ganho. Ora, já vimos que isso ocorreu em 30/7/2016, com a impossibilidade definitiva da conclusão da construção, que frustrou consequentemente qualquer expectativa de ganhar que pressupusesse a conclusão do aproveitamento.
Nestes termos, considera-se prescrito o direito de indemnização invocado nesta parte por ter exaurido o prazo de 3 anos a contar de 30/7/2016, na data de propositura da presente acção em 7/5/2021.
1.4.1 Em relação ao montante peticionado em virtude da frustração da concretização do aproveitamento do terreno para finalidade concebida segundo o projecto apresentado pela Autora em 27/6/2011, o dano reclamado nesta parte não resultou da violação do direito de aproveitamento titulado, mas sim, em virtude da frustração da expectativa na revisão contratual com alteração de uma finalidade para outra distinta daquela inicialmente prevista.
Independentemente da inviabilidade substancial dessa pretensão por estar deslocada da causa de pedir como vimos atrás, não temos dúvida de que o direito de indemnização invocado nesta parte também prescreveu.
Por um lado, se o direito era fundado na possibilidade de “revisão das cláusulas contratuais”, que a Autora legitimamente esperava obter, então também a sua consciência da perda dessa oportunidade deveria ser contemporânea à da impossibilidade definitiva do aproveitamento no âmbito da concessão existente, o que implicaria a impossibilidade da revisão da concessão que se extinguiria por caducidade.
Por outro lado, ainda que se aceite que a Autora tivesse introduzido, sem ser explícito, uma causa de pedir distinta do que a principal, que é a frustração da sua expectativa legítima na revisão do contrato, o que teríamos é nada mais do que a responsabilidade pela culpa in contrahendo. A prescrição desta modalidade de responsabilidade rege-se pelo disposto do artigo 491.º do CCM, por força da aplicação do artigo 219.º do CCM. Isto é, o prazo de prescrição relativamente ao direito de indemnização invocado nesta parte é de 3 anos.
Portanto, parece que nada obsta a que concluamos, com base nas mesmas razões expostas anteriormente, pela prescrição do direito de indemnização peticionada.
Uma vez completado o prazo prescricional, tem a Ré beneficiária “a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito” (art.º 297 º, n.º 1 do Código Civil), desse modo, paralisando a pretensão da Autora credora, na configuração de excepção peremptória (art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
1.4.2 Como acabamos de referir atrás, no que respeita ao reembolso das despesas incorridas entre 2012 e 2019, todas necessárias ao aproveitamento do terreno lote A3, no valor de MOP943,816,605, a falta da ressarcibilidade dos danos reclamados é evidente, por força da interpretação do pedido em conformidade com a respectiva causa de pedir.
A razão é simples: se o princípio geral que se impunha na reparação dos danos causados for aquele de reconstituição natural no sentido de “reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação” nos termos do artigo 556.º do CCM, e se é também certo que o evento lesivo que tivesse ocasionado os danos peticionados nos termos descritos na petição inicial era, concretamente, a actuação impeditiva da conclusão do aproveitamento pela Autora no prazo de concessão, então caso não se tivesse verificado esse evento impeditivo, sendo-lhe, portanto, ainda possível concluir a construção projectada por modo a possibilitar a subsequente conversão da concessão do terreno em definitiva, todas as despesas aqui reclamadas, sendo indispensáveis para a concretização do aproveitamento, teriam sido igualmente devidas e necessariamente efectuadas.
Assim, o que foi reclamado nesta parte não se integra no âmbito da indemnização, tendo a acção fundada na violação do direito de aproveitamento do terreno concedido. Em nosso entender, haveria lugar à indemnização nesta parte apenas quando a pretensão particular fosse a de destruir todos os efeitos decorrentes da própria concessão através da sua anulação – neste caso, o montante a ressarcir destina-se à cobertura dos danos que o lesado não sofreria sem aquela concessão titulada (ou seja daquilo que se designa por “dano de confiança” ou “interesse contratual negativo” que a existir, também não mereceria tutela em virtude da prescrição do direito pelas considerações vertidas no ponto supra).
Portanto, à luz da causa de pedir que consiste tão-só no impedimento injustificada da conclusão do aproveitamento do terreno concedido, a apontada contradição lógica entre as pretensões indemnizatórias referentes às duas parcelas distintas fica ultrapassada, na medida em que se deve interpretar o pedido indemnizatório da Autora em termos de se circunscrever à parte do acréscimo patrimonial alegadamente frustrado pela actuação da Ré (Ou seja, a Autora enganou-se ao reclamar as despesas realizadas ao lado do lucro cessante, e na realidade o valor de MOP943,816,605 devia ter sido abatido à importância do lucro cessante contabilizado. Além disso, nem a desconsideração desse montante pecuniário prejudicará o efeito jurídico que concretamente se pretendeu, o qual se restringiu ao montante de MOP380,000,000).
2. Não obstante, não se ignora que a presente acção ainda se encontra subsidiariamente estruturada a partir da responsabilidade contratual da Ré (conforme se alega nos artigos 114.º a 135.º na petição inicial). Como é consabido, na aplicação do prazo ordinário de 15 anos, a prescrição do direito de indemnização está longe de se completar.
Para sustentar a existência da responsabilidade contratual da Ré, alegou a Autora que esta incumpriu os deveres acessórios no âmbito do contrato de concessão, em violação do princípio de boa fé.
À partida, se a responsabilidade contratual a que se refere na alegação emerge do concessão que sempre se encontrava tutelada pelo contrato anexo ao Despacho n.º 91/SATOP/94, não se deveria afirmar então que a violação dos deveres acessórios contratuais no âmbito desse contrato relativamente à alegada actuação lenta, pouco eficiente até omissiva por parte da Ré na aprovação dos projectos sucessivamente apresentados desde 8/6/1998, o que implicaria a frustração da revisão da concessão, a ser titulada por novo contrato distinto. É evidente que a matéria que se discute fora do âmbito do contrato formalizado, tratando-se aqui da responsabilidade pela culpa em contrahendo, donde a questão de prescrição foi abordada acima no ponto 1.4.1.
Ademais, a responsabilidade contratual invocada não é cumulativa da responsabilidade extracontratual, mas é subsidiária em relação a esta. Na realidade, também não pode haver cumulação real entre uma e outra, apesar das diferentes responsabilidades puderem emergir dos mesmos factos jurídicos (cfr. entre os outros Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 4444/03.8TBVIS.C1.S1, de 7/2/2017, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 08197/11, de 2/4/2014, consulta disponível sobre http://www.dgsi.pt).
Portanto, para nós, não há senão uma única maneira de configurar a acção indemnizatória a propor. Considerando o direito de aproveitamento do terreno que foi alegadamente lesado, integrante da causa de pedir invocada na acção, andou bem a Autora ao direccionar a presente acção com fundamento principal na responsabilidade extracontratual por facto ilícito, enquanto a sua pretensão subsidiária de responsabilizar contratualmente a Ré carece de qualquer fundamento.
Procuremos justificar melhor esta afirmação.
Como se sabe, a responsabilidade civil contratual distingue-se da responsabilidade civil extracontratual, consoante o direito violado: a primeira “é originada pela violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico” e a segunda, “resulta da violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto (direito real, direito de personalidade)”.11
No caso em apreço, importa descortinar, brevemente, o conteúdo do direito que para a concessionária resultava da concessão por arrendamento do terreno. Poderemos reconhecer, sem grande esforço, que este direito tem natureza real, sendo, portanto, um direito absoluto.
Desde logo, por força do artigo 1.º do DL n.º 51/83/M, de 26 de Dezembro, veio estabelecer-se que “O direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano abrange poderes de construção ou transformação, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas se mantêm na propriedade do concessionário ou subconcessionário até expirar o prazo do arrendamento ou subarrendamento ou enquanto este não for rescindido; expirado o prazo ou operada a rescisão aplica-se o regime de benfeitorias consignado na Lei de Terras.”.
Como se vê, o direito de construir, constituído pela concessão por arrendamento apresenta a mesma estrutura do direito de superfície para edificar a que se refere no artigo 1417.º do CCM. Desse direito emergiria para o concessionário, um direito de propriedade sobre as construções efectuadas que “se mantêm na propriedade do concessionário ou subconcessionário até expirar o prazo do arrendamento ou subarrendamento.”.
Enquanto titular do direito de constituir, o concessionário, “proprietário das construções, tem o direito de as alienar, de constituir a propriedade horizontal em edifícios aprovados com esse fim, e de alienar ou onerar as respectivas fracções autónomas.” E além disso, “Pode ainda hipotecar não só o direito resultante da concessão que lhe dá o poder de construir sobre terreno alheio, mas também a propriedade dos edifícios (art. 1.º, 2 do cit. Dec.-Lei n.º 51/83/M)”12.
Além disso, como sucede relativamente aos direitos reais limitados, o exercício do direito de constituir resultante da concessão por arrendamento, ao abrigo da citada norma do artigo 1.º do DL n.º 51/83/M, encontrava-se vinculado ao fim e os limites consignados no respectivo título constitutivo.
Nestes termos ditos, estando em causa um direito absoluto – o direito de construir no terreno concedido resultante da concessão por arrendamento, é forçoso entender que a responsabilidade emergente da prática do acto lesivo desse direito é extracontratual.
Acrescenta que é esse regime o aplicável ao caso concreto, não obstante a existência de uma relação contratual de concessão de que cada concessionário é titular.
É certo que no quadro desse contrato, assim como frequentemente sucede em relação aos múltiplos contratos previstos no Código Civil, impunha-se a cada outorgante o dever acessório de colaborar com a sua contraparte na realização das prestações que lhe são adstritas, inclusivamente o de abster-se de condutas injustificáveis susceptíveis de perturbar o cumprimento pontual do contrato, e de lesar, por essa forma, o direito de crédito de outra parte. Contudo convém não esquecer que quando se invoca um direito real absoluto que foi violado, já não é somente um dever obrigacional de cooperação que vincula a parte contratual, é, mais do que isso, “uma obrigação passiva universal ou dever geral de abstenção que impende sobre todas as outras pessoas”.13
Na situação vertente, não se contesta que a Ré no quadro de uma relação pautada pelo respeito pelo princípio da boa fé, tinha o dever de abster-se de condutas que impusessem obstáculos injustificados ao uso da concessão. Mas tal dever de abstenção não deixa de ser consumido por outro tipo de dever de alcance mais amplo, de dever geral de abstenção de toda e qualquer interferência indevida.
Além disso, também a Autora ao imputar a Ré as condutas alegadamente lesivas, designadamente, a falta da aprovação tempestiva dos projectos de alteração de finalidade de aproveitamento sucessivamente apresentados, não estava a dirigir-se contra a RAEM como contraparte do contrato. É óbvio que nenhum desses factos, ainda que tivessem sido todos demonstrados, ocorreria no quadro daquela relação contratual da concessão, mas sim num contexto diferente – no âmbito dos procedimentos administrativos autónomos em que os órgãos administrativos actuariam, não como representativo da RAEM no respectivo contrato, mas enquanto as autoridades administrativas que exercem a competência legalmente atribuída no relacionamento com o administrado, que deva ser igualmente pautado pelo respeito pelo princípio de boa fé e outros princípios fundamentais.
Se assim é, a Ré apenas pode ser chamada à responsabilização mediante o instituto da responsabilidade civil extracontratual.
Nesta conformidade, é de concluir que não pode haver indemnização com base na responsabilidade contratual, por conseguinte, não é aplicável o prazo ordinário da prescrição.
3. Quanto à atribuição da nova concessão do terreno por novo período de arrendamento, peticionado no pedido da alínea c), formulado como alternativo dos indemnizatórios com base nas normas dos artigos 556.º e 560.º, n.º 1 do CCM, uma vez prescrito todo o direito de indemnização reclamado pela Autora, deve a Ré ser necessariamente absolvida deste pedido.
Tudo visto, não resta senão absolver a Ré de todos os pedidos formulados pela Autora.».

Todos os argumentos esgrimidos nas conclusões de recurso mais não são do que uma repetição da argumentação já usada pela Recorrente em primeira instância objecto da decisão recorrida.
Invoca a Recorrente agora que o pedido de prorrogação do prazo formulado em 16.06.2016 e a subsequente acção instaurada do despacho de indeferimento “exprimiam a sua intenção de evitar os danos e a intenção de posteriormente vir a instaurar a acção com vista a exercer o direito à indemnização.
A falta de fundamento deste argumento - que nem sequer havia sido invocado em sede de réplica –, é manifesta uma vez que o que resulta do pedido de prorrogação de prazo e subsequente acção contra o despacho de indeferimento é a vontade da Recorrente em manter a concessão do terreno, não tendo interrompido qualquer prazo de prescrição, da mesma maneira que também não o interrompeu o recurso do despacho que declarou a caducidade da concessão do terreno.
Destarte, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da Douta decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Registe e Notifique.

RAEM, 26 de Outubro de 2023

Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Dispõe o artigo 6.º, n.º 2 do DL n.º 28/91/M que «Se o direito de indemnização resultar da prática de acto recorrido contenciosamente, a prescrição que, nos termos do n.º 1, devesse ocorrer em data anterior não terá lugar antes de decorridos 6 meses sobre o trânsito em julgado da respectiva decisão.»
Estatui o artigo 116.º do CPAC que «Não pode ser proposta acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, por danos causados por acto administrativo ilícito de que tenha sido interposto recurso contencioso, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão, excepto, quando não tenha sido utilizada a faculdade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, relativamente a perdas e danos que, pela sua natureza, devam subsistir mesmo em caso de reposição da situação actual hipotética obtida através do provimento do recurso.»
2 «Ora, para se evitarem os inconvenientes (…), na acção de indemnização que se lhe siga, se discuta a reparação de todos os danos relacionados com o acto impugnado, (…). Ora, tendo em conta as ligações estreitas, que atrás assinalámos, entre o recurso interposto de um acto e a acção de indemnização por danos dele decorrentes, não pode duvidar-se que aquele que impugne o acto mostra, «ipso facto», a vontade de acometer judicialmente o que, em sede de responsabilidade civil, constitui uma acção ilícita e culposa; (…), a interposição de recurso contencioso significa sempre que a pessoa prejudicada pelo acto administrativo impugnado não quer acatar a sua existência e os seus efeitos (…). Portanto, e à luz da regra geral inserta no artº 323º, n° 1 do C. Civil, a notificação da entidade recorrida para responder no recurso de anulação de um acto administrativo interrompe a prescrição do direito de indemnização que se baseie nesse acto.»
3 Veja-se neste sentido, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, das Obrigações em geral, Universidade Católica Editora, pp. 374 a 375.
4 Neste ponto, tendo acolhido as propostas que haviam sido equacionadas por Vaz Serra, revelando-se “o facto de o desconhecimento se ficar a dever a culpa do credor, pois se ele não teve conhecimento da pessoa do responsável ou do seu direito, podendo tê-lo tido, não se justifica que esse tempo de inércia não conte prescritivamente.” (Código Civil de Macau, anotado e comentado, Livro II, Direito das Obrigações, Volume VII, CFJJ, 2020).
5 Veja-se neste sentido, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, das Obrigações em geral, Universidade Católica Editora, pp. 374 a 375.
6 Neste sentido, cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol.1, p. 626, Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 610.
7 Cfr. cit. Comentário ao Código Civil, p. 375.
8 Cfr. cit Comentário ao Código Civil, p. 376
9 Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, pp. 249 a 250.
10 Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, pp. 579 a 580.
11 Veja-se Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 137.
12 José Gonçalves Marques, Direitos Reais, pp. 94 a 95.
13 Carlos Alberto da Mota Pinto, obra. cit, p. 182.
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