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Processo nº 241/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 8 de Novembro de 2023
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do despacho de 23.02.2023 proferido pelo Secretário para a Segurança da decisão de indeferimento sobre o pedido de organização do processo de aposentação, formulando as seguintes conclusões:
1. O recorrente A ingressou no Corpo de Polícia de Segurança Pública em Setembro de 1998 e prestou serviço ao governo da RAEM por mais de 24 anos.
2. Desde 2018, o recorrente começou a dirigir-se aos principais hospitais para tratamento devido a dores no joelho direito e na cintura.
3. De acordo com os relatórios médicos emitidos por “Macau Yin Kui Hospital” e Hospital Kiang Wu, o recorrente foi diagnosticado com degeneração da articulação da coluna lombar, ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho direito, lombalgia, etc.; desde então, o recorrente apresentou sempre os atestados médicos emitidos pelos hospitais como motivo válido para a ausência por doença (vide doc. 2 e 3, os originais encontram-se apensados aos autos administrativos).
4. Entretanto, de acordo com um atestado médico emitido em 18 de Maio de 2020 pelo "Macau Yin Kui Hospital", foi informado de que a incapacidade permanente parcial (IPP) do recorrente foi avaliada em 11% (vide doc. 4, o original encontra-se apensado aos autos administrativos).
5. Até 19 de Setembro de 2020, o interessado ​​estava afastado do trabalho por motivo de doença por mais de 738 dias, dos quais 298 dias das faltas justificadas de 17 de Maio de 2018 a 28 de Março de 2019 foram confirmados pela Junta de Saúde.
6. O recorrente retornou ao trabalho em 07 de Março de 2022, mas porque sua ausência por motivo de doença ultrapassou o prazo de 18 meses acima estipulado, nos termos da alínea a) do no. 1 do artigo 107o e alínea b) do no. 1 do artigo 262o do "Estatuto", devia automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação; assim, o recorrente apresentou em 27 de Maio de 2022 o pedido de aposentação ao seu superior.
7. Posteriormente, o Departamento de Gestão de Recursos do Corpo de Polícia de Segurança Pública emitiu em 30 de Dezembro de 2022 uma notificação nº. 458/DRH/DGR/2022, informando que a Junta de Saúde considerou que a situação de doença de 17 de Maio de 2018 a 19 de Setembro de 2020 não atendeu à situação aludida no no. 3 do artigo 105º e no. 1 do artigo 106º do "Estatuto", a ausência por doença concedida não atende ao prazo legal de 18 meses, pois, não reúne as condições para a aposentação obrigatória. Com base nisso, o Corpo de Polícia de Segurança Pública indeferiu o pedido do recorrente de organização de processo de aposentação (vide doc. 5, o original encontra-se apensado aos autos administrativos).
8. Assim, o recorrente apresentou em 30 de Janeiro de 2023 o recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Segurança, ressaltando que o recorrente reuniu todas as condições para desligação automática para efeitos de aposentação do "Estatuto", e solicitou a retirada do indeferimento ao pedido de organização de processo de aposentação, e organizar oficiosamente o processo de aposentação, bem como enviar os autos ao Fundo de Pensões.
9. E o Secretário para a Segurança proferiu em 23 de Fevereiro de 2023 o Despacho nº. 016/SS/2023 e através da Notificação nº. 059/DRH/DGR/2023 elaborada em 01 de Março de 2023 pelo Departamento de Gestão de Recursos do Corpo de Polícia de Segurança Pública, notificou o recorrente, de que o recurso hierárquico do recorrente foi indeferido por não cumprir as disposições do "Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau" (vide doc. 1).
10. O parecer da Junta de Saúde violou o princípio da justiça e faltou a fundamentação.
11. Segundo o despacho recorrido: "...de acordo com o parecer da Junta de Saúde confirmado pelo Director dos Serviços de Saúde, a Junta de Saúde recomendou ao recorrente voltar a trabalhar desde 1 de Novembro de 2019, e a ausência por doença do recorrente de 29 de Março de 2019 a 19 de Setembro de 2020 não foi confirmada."
12. Após análise do processo, tomou conhecimento de que a Junta de Saúde realizou reuniões ordinárias em 27 de Julho de 2018, 14 de Setembro de 2018, 9 de Novembro de 2018, 25 de Janeiro de 2019 e 20 de Setembro de 2019. Naquela época, cada parecer confirmava a ausência do recorrente de 17 de Maio de 2018 a 28 de Março de 2019 ser faltas justificadas, no entanto, a ausência desde 29 de Março de 2019 não foi reconhecida pela Junta de Saúde como faltas justificadas.
13. Em primeiro lugar, nos termos dos artigos 100º e 101º do “Estatuto”, nos documentos que justificam a ausência por doença, o Atestado Médico, as Declarações de internamento hospitalar e convalescença ou Declaração da Junta de Saúde, tratam-se também de faltas justificadas; dos quais, o atestado médico é obrigatoriamente passado por médico dos estabelecimentos hospitalares ou centros de saúde; ou seja, a força probatória dos três documentos acima indicados é igual.
14. Desde 2018, o recorrente sempre justificou as faltas pelos atestados médicos, sendo que tais atestados foram emitidos por médicos especialistas de hospitais inscritos em Macau.
15. Verifica-se que os atestados médicos sempre apresentados pelo recorrente cumpriram integralmente os requisitos legais.
16. De acordo com os atestados médicos apresentados pelo recorrente e emitidos pelo “Macau Yin Kui Hospital” em 21 de Março de 2019 e 23 de Julho de 2019, respectivamente, os dois atestados médicos também mostraram que o recorrente foi diagnosticado com degeneração da articulação da coluna lombar, ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho direito, lombalgia e dor repetida no joelho direito, recomendou-se 8 dias de ausência por doença (vide doc. 6 e 7, os originais encontram-se apensados aos autos administrativos).
17. Perante os atestados médicos emitidos pelo mesmo hospital com o mesmo conteúdo, as opiniões da Junta de Saúde são inconsistentes e completamente diferentes, as faltas num total de 298 dias de 17 de Maio de 2018 a 28 de Março de 2019 foram reconhecidas como faltas justificadas; no entanto, quanto a um total de 440 dias das faltas de 29 de Março de 2019 a 19 de Setembro de 2020, apenas com base no conteúdo do atestado médico apresentado pelo recorrente, não conseguiu provar que sua ausência era uma ausência justificada (vide doc. 8, o original encontra-se apensado aos autos administrativos).
18. De acordo com a Notificação nº. 122/DRH/DGR/2020 elaborada em 29 de Maio de 2020 pelo Departamento de Gestão de Recursos do Corpo de Polícia de Segurança Pública: 「…A Junta Médica procedeu à apreciação dos autos em 8 de Maio de 2020 (vide anexo): “O teor dos relatórios médicos apresentados pelo trabalhador não comprovaram que sua ausência ao trabalho no período de 10/12/2019 a 28/04/2020 fosse a ausência justificada, a Junta não a confirmou. Esta Junta hoje exige que o trabalhador apresente um relatório médico para que a Junta possa avaliar se sua ausência ao trabalho de 03/12/2019 a 10/12/2019 for uma ausência justificada. A Junta agora exige que o trabalhador apresente um relatório de avaliação à capacidade para o trabalho”」, mas também disse: 「Observação: Pode solicitar relatório médico pelas seguintes maneiras: 1. Se foi atendido no Hospital Kiang Wu, no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia e no "Macau Yin Kui Hospital", pode ir pessoalmente ao instituição médica onde foi atendido para fazer um pedido.」
19. Vê-se que, por um lado, a Junta de Saúde salientou que o relatório médico pertinente não demonstrou que a ausência do recorrente era justificada e, por outro lado, também afirmou que o relatório médico deveria ser apresentado para avaliação.
20. No entanto, os atestados médicos e relatórios de avaliação de capacidade para o trabalho apresentados pelo recorrente são todos emitidos por médicos especialistas inscritos em Macau, incluindo o Hospital Kiang Wu e o Hospital Yin Kui, e certificados oficialmente, sendo atestados médicos e relatórios de natureza profissional, o que é incontestável.
21. O recorrente tem sempre apresentado à Junta de Saúde os relatórios médicos emitidos pelos hospitais designados, mas porque a ausência anterior foi confirmada como faltas justificadas, no entanto, foi posteriormente alegado que o conteúdo dos relatórios médicos do recorrente era insuficiente para provar que a ausência ao trabalho de 29 de Março de 2019 a 19 de Setembro de 2020 ser uma ausência justificada? Entretanto, uma vez que nenhum dos relatórios médicos oficialmente certificados pode provar a situação relevante, de onde deve ser emitido o relatório médico para ser suficiente para comprová-la?
22. Além disso, a Junta de Saúde, nos termos da alínea a) do no. 1 do artigo 105º do “Estatuto”, tem competência para verificar se o trabalhador for apto em regressar ao serviço; nos termos do artigo 33º do Decreto-Lei no. 81/99/M, a Junta Médica tem competência para verificar e confirmar as situações de doença e incapacidade, bem como ter em vista a justificações de faltas e das situações; no entanto, não há poder para vetar ou recusar o reconhecimento de atestados médicos que cumpram a lei.
23. De acordo com o recurso referente ao acórdão nº. 137/2021, em que um parágrafo das fls. 20 a 21 assim mencionou:「E, em face do exposto, (totalmente) correcta é a consideração pelo Ministério Público tecida no seu Parecer, no sentido de que “a intervenção da Junta de Saúde não se destina a verificar a exactidão ou a idoneidade certificativa dos atestados médicos que anteriormente tenham sido emitidos para justificar a ausência ao serviço por doença por parte do trabalhador. A Junta pronuncia-se sobre a aptidão ou inaptidão deste para regressar ao serviço, devendo, desejavelmente, fazê-lo de forma inequívoca, para que não haja qualquer dúvida relativamente ao sentido do seu parecer. Dizendo de outro modo, mas com o mesmo alcance, a intervenção pericial da Junta de Saúde não opera ex tunc, mas apenas ex nunc, para o futuro”」
24. Verifica-se que o parecer emitido pela Junta de Saúde não tem efeito retroativo sobre os atestados médicos emitidos, sendo, portanto, incompreensível tanto legal quanto logicamente como reavaliar os factos passados referentes à ausência por doença do recorrente justificada por um médico na altura de ser diagnosticado?
25. Além disso, o parecer da Junta de Saúde não continha explicações substantivas e específicas, nem análise detalhada das razões da não confirmação, mas apenas expressou a não confirmação, portanto, o parecer obviamente não é abrangente e carece de fundamentação, a partir do parecer é impossível saber qual é o critério de juízo da Junta de Saúde, e sem dúvida, trata-se de incumprimento da obrigação imposta pela lei à autoridade.
26. Nos termos do artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo: 「No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.」
27. Obviamente, como uma Junta profissional, diante da mesma situação acima indicada, as opiniões dadas são inconsistentes e contraditórias, desrespeitando absolutamente os princípios da justiça e da isenção referidos no artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo e a inobservância da fundamentação referida no artigo 114º do Código do Procedimento Administrativo, o recorrente enfrenta, assim, um resultado totalmente injusto.
28. Portanto, o parecer da Junta de Saúde é altamente questionável e não deve ser levado em consideração.
29. O Secretário para a Segurança violou o dever de prudência, os princípios da proporcionalidade e da boa fé.
30. O despacho recorrido, ou seja, o despacho nº 016/SS/2023 proferido pelo Secretário para a Segurança, tem como base o parecer emitido pela Junta de Saúde, ressaltando que a ausência por motivo de doença no período de 29 de Março de 2019 a 19 de Setembro de 2020 não foi confirmada pela Junta, de modo que não atendeu à regulamentação pertinente, e negou provimento ao recurso hierárquico do recorrente (vide doc. 1).
31. Como a autoridade de decisão final, a autoridade administrativa deve ter o dever de prudência de revisar todos os documentos e evidências após a consulta aos departamentos relevantes, e tomar uma decisão somente após ponderar e considerar que é adequada e própria.
32. De acordo com o conteúdo do atestado médico emitido pelo “Macau Yin Kui Hospital” em 19 de Maio de 2020:
「Disablement assessment:
Since his back pain and right knee pain is in recovery stage, so he is not fit to resume his previous job duty yet. According to Chapter III, category 71, d) 1)and Chapter XV, category 49, B), 2): 11% IPP is his present disablement」
33. Ou seja, a situação de doença do recorrente encontra-se com crises fracas aludidas na 1) do ciático aludido na alínea d) do artigo 71º do capítulo III - perturbações sensitivas, bem como com bloqueio aludido na alínea 2) das lesões dos meniscos ou dos ligamentos intra-articulares aludidas na alínea b) do artigo 49º do capítulo XV – joelho, de modo que a incapacidade permanente parcial (IPP) do recorrente foi avaliada em 11%, aliás, os grupos profissionais mais afectados por essa incapacidade incluem movimentos intensos da pelve, movimentos intensos dos membros inferiores e habilidades especiais de equilíbrio.
34. Enquanto guarda de segurança pública de primeira classe, compete ao recorrente manter a ordem pública e a paz social, prevenir e investigar crimes, proteger o património público e privado, controlar a imigração clandestina, controlar e fiscalizar a circulação de veículos e peões, bem como responsabilizar-se pelo trabalho de entrada e saída e, no âmbito das condições administrativas e da respectiva fiscalização, exercer as competências conferidas por lei, bem como participar na protecção civil e responder a situações de emergência.
35. Por o corpo do recorrente ser esticado ao longo dos anos, tem problemas no ísquio e nos ligamentos. Ele não consegue ficar de pé e sentado por muito tempo, e é impossível praticar desporto de alta intensidade, como corrida e salto. Sua mobilidade é limitada, de modo que sua aptidão física não pode atender aos requisitos profissionais.
36. Ou seja, a incapacidade permanente parcial (IPP) de 11% terá um enorme impacto à carreira do recorrente como guarda de primeira classe, mas, a Junta de Saúde sempre se recusou a confirmá-la sob o argumento de que não podia ser provada.
37. Perante o referido parecer emitido pela Junta de Saúde, o despacho recorrido não cumpriu o dever de prudência de constatar que esse parecer obviamente não respeitava o princípio da justiça e carecia de fundamentação, limitando-se a citar o parecer da Junta de Saúde, mas, o conteúdo relevante não indicou os factos concretos e as disposições legais em que se baseou, assim, indeferiu o recurso hierárquico do recorrente.
38. O recorrente exerce as funções de guarda há mais de 15 anos, tendo a sua ausência por motivo de doença totalizado 738 dias, o que já ultrapassou o prazo legal de 18 meses estipulado no “Estatuto”.
39. Salvo o devido respeito, o recorrente entende que a fundamentação do despacho recorrido é, de facto, insuficiente, sendo inadequada e imprópria a decisão de negar provimento ao recurso, o que lesou o direito do recorrente de propor a aposentação obrigatória por reunir as condições legalmente estipuladas.
40. Face ao acimo exposto, o despacho recorrido violou manifestamente os princípios da proporcionalidade e da boa fé constantes dos artigos 5º e 8º do Código do Procedimento Administrativo, estando padecido de vícios anuláveis, as suas consequências jurídicas são anuláveis ​​nos termos do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo.
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar apresentando as seguintes conclusões:
1) Os fundamentos do recurso interposto pelo Recorrente são: os pareceres da Junta de Saúde violaram o princípio da justiça e carece de fundamentação; O Exmº Sr. Secretário para a Segurança violou os princípios da prudência, da proporcionalidade e da boa-fé.
2) Relativamente ao alegado pelo Recorrente de que o parecer da Junta de Saúde violou o princípio da justiça e carece de fundamentação, é de referir que de acordo com a nova publicação no RA nº 36/2021 sobre o artº 33º, nº 3 do DL nº 81/99/M, compete à Junta de Revisão apreciar, mediante requerimento do interessado ou a pedido dos serviços, as deliberações da Junta de Saúde relativas a incapacidades, confirmando-as ou alterando-as.
3) Se o Recorrente questiona sobre a deliberação da Junta de Saúde, deveria através da via supracitada solicitar à Junta de Revisão para proceder a apreciação.
4) Porém, a Entidade Recorrida não recebeu qualquer informação de que o Recorrente apresentou pedido à Junta de Revisão para proceder a apreciação, incluindo na petição inicial também não houve referência disso.
5) Assim sendo, a Entidade Recorrida entende que não deve questionar a deliberação tomada pela Junta de Saúde alegado no presente recurso.
6) Quanto ao impugnado pelo Recorrente de que a Entidade Recorrida violou o dever de prudência, os princípios da proporcionalidade e da boa-fé.
7) Nos termos do artº 107º, nº 1, al. a) do "Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau": "Findos os prazos limite referidos no artigo anterior, o trabalhador: a) É automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação se tiver completado 15 anos de serviço para este efeito relevantes, independentemente de ter capacidade ou não para o trabalho;".
8) Nos termos do artº 106º, nº 1, al. a) do "Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau": "1. Os períodos de faltas por doença a que se refere o n.º 3 do artigo anterior não podem ultrapassar o limite de 18 meses."
9) Nos termos do artº 105º, nº 3, al. a) do "Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau": " 3. Quando a Junta de Saúde considere que o trabalhador não se encontra em condições de retomar a actividade, pode determinar a permanência na situação de faltas por doença por períodos sucessivos de 30 dias, até ao limite legal, e marcar a data de submissão a nova Junta." (o sublinhado é nosso)
10) Daí se vê que, como a justificação das faltas por doença do trabalhador é diferente, portanto, o prazo referido no artº 107.º, nº 1, al. a) do "Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau" tem de necessariamente ser a Junta de Saúde a considerar o período das faltas por doença em que o trabalhador se encontra inapto para realizar o seu trabalho.
11) Conforme o parecer emitido pela Junta de Saúde na reunião da 1 de Novembro de 2019, homologado pelo Director dos Serviços de Saúde, a Junta de Saúde afirma que segundo o resultado da avaliação da capacidade de trabalho elaborado pelo médico assistente, demonstra que o Recorrente perdeu 8 % da capacidade de trabalho, o relatório médico apresentado pelo Recorrente não conseguiu fornecer fundamentação suficiente, por isso, não foi aceite a justificação das faltas por doença do Recorrente, bem como, aconselhou o Recorrente voltar ao departamento para trabalhar. (Vide fls. 40 dos autos)
12) Na reunião de 6 de Dezembro de 2019, a Junta de Saúde continuou a recusar a razão da justificação das faltas por doença do Recorrente, afirmando que o Recorrente não existe incapacidade permanente para o trabalho, ao mesmo tempo, tornou a referir que na reunião de 1º de Novembro de 2019, aconselhou o Recorrente voltar ao departamento para trabalhar. (Vide fls. 39 dos autos)
13) Nas reuniões subsequentes, a Junta de Saúde continuou a entender não razoável a justificação das faltas por doença do Recorrente, apresentando os seus fundamentos. (vide fls. 36 a 38)
14) Dado que a instauração do processo de aposentação é da competência do Fundo de Pensões, pelo que a PSP remeteu os dados do Recorrente ao Fundo de Pensões para análise, tendo o Fundo de Pensões respondido que com base nos dados pertinentes, a Junta de Saúde face ao período das faltas por doença concedidas ao Recorrente ainda não atingiu o prazo legal (dezoito meses ou cinco anos), pelo que a situação do Recorrente não preenche os pressupostos previstos nos artº 106º, nº 1, nº 2 e 107º, nº 1 a) do "Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau", portanto é impossível de aplicar a aposentação obrigatória disposto no artº 262º, nº 2 do "Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau". (Vide fls. 59 a 63 dos autos)
15) O Exmº Sr. Secretário para a Segurança antes de proferir o despacho, já tinha considerado cabalmente os pareceres da Junta de Saúde, as disposições relevantes do "Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau" e os pareceres do Fundo de Pensões.
16) Salvo o devido respeito por opinião diferente, a Entidade Recorrida entende que os pareceres da Junta de Saúde estão bem fundamentados. (Vide fls. 36 a 40 dos autos)
17) O Recorrente somente não concorda com os pareceres da Junta de Saúde.
18) Contudo, o Recorrente não solicitou à Junta de Revisão para apreciar os pareceres da Junta de Saúde.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer, invocando a excepção da falta de objecto do presente recurso.
  
  As partes foram notificadas para se pronunciarem o que apenas a Entidade Recorrida fez, concluindo pela procedência da excepção invocada.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
a) Em 30.12.2022 o Recorrente foi notificado que não preenchia as condições obrigatórias de aposentação pelo que o seu pedido de organizar o processo de aposentação foi indeferido, tudo conforme consta de fls. 108 e 109 do PA traduzido a fls. 61 a 64;
b) Não se conformando com aquela decisão pelo Recorrente foi interposto recurso hierárquico da mesma o qual veio a ser indeferido por Despacho do Secretário para a Segurança de 23.02.2023 conforme consta de fls. 133 do PA traduzido a fls. 55 a 58 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos;
c) Aquele Despacho foi notificado ao Recorrente em 01.03.2023 – cf. fls. 135 do PA traduzido a fls. 52 a 54 -.

b) Do Direito.
  
  Relativamente à matéria dos autos o Douto Parecer elaborado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público tem o seguinte teor:
  «Visto.
  Em nosso modesto entendimento, existe um obstáculo ao conhecimento do mérito do presente recurso.
  Em síntese, pelo seguinte.
  O que é típico do acto administrativo e, especialmente, do acto administrativo impugnável, isto é, daquele que, além de verticalmente definitivo, produz efeitos externos (artigo 28.º, n.º 1 do CPAC), é o facto de ele traduzir o exercício de um poder de definição jurídica unilateral normativamente conferido à Administração (assim, por todos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 223).
  Na verdade, prossegue o citado Professor, «a imposição do ónus de impugnação só se afigura aceitável quando um órgão administrativo emita uma pronúncia que corresponda ao exercício de um poder de definição jurídica, isto é, quando desse modo esteja a desempenhar uma função que lhe tenha sido normativamente atribuída, ou por previsão normativa específica, ou, pelo menos, porque a emissão de um tal acto configura a expressão normal de um poder inscrito no âmbito das competências de definição jurídica do órgão e das atribuições do ente ao qual o órgão pertence» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria ... , p. 225, com destacados nossos).
  Ora, na situação em apreço, salvo o devido respeito, parece-nos evidente, que o Secretário para a Segurança não praticou qualquer acto que tenha procedido à definição unilateral e vinculativa do direito aplicável relativamente à questão de saber se e em que que concretos termos se verificam os pressupostos da desligação do serviço e da consequente aposentação obrigatória do Recorrente.
  A norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM) não podia ser mais clara, ao preceituar que findo o prazo limite referido no artigo 106.º, o trabalhador é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação se tiver completado 15 anos de serviço para este efeito relevantes, independentemente de ter capacidade ou não para o trabalho.
  Como se alcança da simples leitura da norma, a consequência da desligação do serviço produz-se automaticamente, é dizer, por força da lei, independentemente, portanto, de qualquer decisão da Administração, que a lei, manifestamente, de todo não prevê.
  Daí que, no caso, a pronúncia da Entidade Recorrida não corresponda a um acto administrativo de indeferimento, mas, antes, a uma mera actuação de recusa de reconhecimento de um direito ou, ao menos, de um interesse legalmente protegido de que o mesmo se arroga titular cuja tutela contenciosa deve operar através da acção própria que a lei prevê para o efeito no artigo 100.º do CPAC, sem que, em qualquer caso, se possa dizer que tal actuação da Administração, através da qual esta, em rigor, mais não manifestou senão a sua opinião quanto à verificação dos pressupostos legais da desligação do serviço, constitua, pois, um verdadeiro acto administrativo, no sentido do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ou seja, no sentido de constituir uma decisão unilateral produtora de efeitos jurídicos que se impõem autoritariamente.
  Assim, propendemos no sentido da falta de objecto do presente recurso contencioso, uma vez que falta o indispensável acto administrativo produtor de efeitos externos, a qual tem por consequência a absolvição da Entidade Recorrida da instância (artigo 46.º, n.º 2, alínea b) do CPAC e 412.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).».
  
  Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, supra reproduzido, à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não é um acto administrativo uma vez que não produz efeitos externos – artº 28º nº 1 do CPAC “a contrário” – pelo que, não é o mesmo recorrível, carecendo o recurso de objecto, excepção dilatória que sendo de conhecimento oficioso impede o conhecimento do recurso e determina a absolvição da instância da Entidade Recorrida, tudo nos termos dos artº 46º nº 2 al. b) do CPAC e artº 412º nº 1 e 2 e 414º ambos do CPC aplicável “ex vi” 1º do CPAC.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, rejeita-se o recurso interposto.
  
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4UC´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 8 de Novembro de 2023
  Rui Pereira Ribeiro
  (Relator)
  Fong Man Chong
  (Primeiro Juiz Adjunto)
  Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz Adjunto)
  Álvaro António Mangas Abreu Dantas
  (Delegado Coordenador do Ministério Público)
241/2023 REC CONT 13