Processo nº 445/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 8 de Novembro de 2023
Recorrente: A
Recorrida: B Lda.
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B, Lda., com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinária contra
C, D e A, todos, também, com os demais sinais dos autos,
Pedindo a Autora/Recorrida que:
1. Seja emitido, em substituição dos três R.R., declaração negocial nos termos dos artigos 436.º e 820.º do Código Civil de Macau, no sentido de proceder à compra e venda do imóvel destinado à indústria situado em Macau na Avenida do Almirante Magalhães Correia, xxxxxxxxxxxxxx e na Rua Seis do Bairro da Areia Preta xxxxxxxxxxxxxxx (descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21757, assinalado pela letra A2, com a referência matricial na DSF sob o n.º 71544), livre de quaisquer encargos, com a B, Lda., de modo a transferir o direito de propriedade do referido imóvel (fracção autónoma em causa) para a Autora, B, Lda.;
Caso o Tribunal assim não entendesse, pediu subsidiariamente:
2. Sejam condenados os três R.R. a assumirem toda a responsabilidade culposa e a responsabilidade solidária por inadimplemento dos três R.R. e, nos termos do artigo 436.º n.º 2 do Código Civil de Macau, condenar os R.R. a devolver o sinal em dobro à Autora, isto é, devolver o sinal no montante de HKD$10.400.000,00 (dez milhões e quatrocentos mil dólares de Hong Kong) e pagar uma indemnização correspondente ao sinal, no montante de HKD$10.400.000,00 (dez milhões e quatrocentos mil dólares de Hong Kong), ou seja, pagar à Autora um montante de HKD$20.800.000,00 (vinte milhões e oitocentos mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP$21.424.000,00 (vinte e um milhões e quatrocentas e vinte e quatro mil patacas); ou subsidiariamente,
3. Sejam condenados os R.R. na obrigação de devolver o sinal de HKD$10.400.000,00 (dez milhões e quatrocentos mil dólares de Hong Kong) à Autora por os R.R. terem recebido o sinal da Autora, acrescido de juros até ao seu integral pagamento;
4. Sejam condenados os R.R. a pagarem à Autora os danos causados na presente acção por culpa dos R.R., incluindo o imposto de selo já pago pela Autora no montante de MOP$391.230,00 (trezentas e noventa e um mil e duzentas e trinta patacas).
Proferida sentença, foi julgado improcedentes os fundamentos invocados pelos R.R. na excepção e procedentes os fundamentos invocados pela Autora na acção, e decide os seguintes:
1. Condenar a 1.ª Ré C a pagar à Autora a quantia de MOP$14.543.486,70 【(MOP$21.424.000,00 + MOP$391.230,00)*4/6】com base nos fundamentos acima referidos;
2. Condenar o 2.º Réu D a pagar à Autora a quantia de MOP$3.635.871,70 【(MOP$21.424.000,00 + MOP$391.230,00)/6】;
3. Condenar o 3.º Réu A a pagar à Autora a quantia de MOP$3.635.871,70 【(MOP$21.424.000,00 + MOP$391.230,00)/6】.
Não se conformando com a decisão proferida vem o 3º Réu e agora Recorrente A interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:
1. O Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo em 6 de Janeiro de 2023, ora “sentença recorrida”, cujo conteúdo é o seguinte:
“V. Decisão:
Pelos acima expostos, este Tribunal julga improcedentes os fundamentos invocados pelos R.R. na excepção e procedentes os fundamentos invocados pela Autora na acção, e decide os seguintes:
1. Condenar a 1.ª Ré C a pagar à Autora a quantia de MOP$14.543.486,70 【(MOP$21.424.000,00 + MOP$391.230,00)*4/6】com base nos fundamentos acima referidos;
2. Condenar o 2.º Réu D a pagar à Autora a quantia de MOP$3.635.871,70 【(MOP$21.424.000,00 + MOP$391.230,00)/6】;
3. Condenar o 3.º Réu A a pagar à Autora a quantia de MOP$3.635.871,70 【(MOP$21.424.000,00 + MOP$391.230,00)/6】.”
2. O Recorrente entende que na parte abaixo mencionada da sentença recorrida existem “erro no reconhecimento dos factos” e “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”: 1. “Erro no reconhecimento dos factos”: A) A procuração não abrangia o poder de “garantir” o tratamento dos assuntos da compra e venda; B) Insolvente já não tem capacidade de representar outrem para tratar dos assuntos da compra e venda do imóvel; 2. “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão contra o Recorrente”
3. Quanto a A) “Erro no reconhecimento dos factos”: A procuração não abrangia o poder de “garantir” o tratamento dos assuntos da compra e venda: No ponto 12 dos factos provados (quesito 5.º da base instrutória) em que fundamentou a sentença recorrida consta que: “Os três R.R. garantiram à Autora que iriam proceder às formalidades de cancelamento dos registos de penhora e de apreensão depois de assinar o acordo mencionado na alínea C) dos factos assentes e receber o referido sinal. (resposta ao quesito 5.º da base instrutória)”, quanto a isso, com o devido respeito, o Recorrente não pode dar a sua concordância.
4. O Recorrente entende que é de salientar que durante a ocorrência do caso, o Recorrente não interveio pessoalmente em quaisquer actos envolvidos nos presentes autos por se encontrar a estudar na Europa; e a procuração outorgada pelo Recorrente a favor da 1.ª Ré não abrangia o poder mencionado no ponto 12 dos factos provados (quesito 5.º da base instrutória), ou seja, poder de “garantir” quando o acordo poderia ser assinado mas sim apenas o poder de vender ao abrigo da matéria da delegação de poderes em geral.
5. No caso em apreço, não se conseguiu provar que a procuração outorgada pelo Recorrente a favor da 1.ª Ré abrangia o poder de “garantir” a realização dos actos relativos ao tratamento dos registos de acções judiciais em toda a matéria de compra e venda, pelo que, a declaração de vontade de “garantir” emitida pela 1.ª Ré na qualidade do Recorrente à Autora constitui a “representação sem poderes” prevista no artigo 261.º do Código Civil, e o Recorrente não ratificou a “garantia” feita pela 1.ª Ré na qualidade do Recorrente à Autora nem se conseguiu provar que o Recorrente tomou conhecimento do referido acto de garantia quando a 1.ª Ré o praticou, pelo que, tal acto de garantia não produz efeitos em relação ao Recorrente.
6. Ou pode-se dizer que conforme os “efeitos da representação” previstos no artigo 251.º do Código Civil, o acto de “garantia” realizado pela 1.ª Ré excedeu o âmbito dos poderes delegados.
7. Na aplicação da lei, a sentença recorrida entendeu – “o ponto 3 dos factos provados revela que ao assinar o contrato promessa de compra e venda em causa, o 3.º Réu foi representado pela 1.ª Ré, e nos presentes autos, não há quaisquer factos que demonstrem que a 1.ª Ré não tinha poderes para representar o 3.º Réu ou abusou dos poderes que lhe foram conferidos pelo 3.º Réu para realizar o referido acto.”, obviamente, só se mencionou que o Recorrente outorgou a procuração a favor da 1.ª Ré e assinou o contrato promessa e os acordos em causa, não referindo detalhadamente que a procuração também abrangia o poder de “garantir” a conclusão do tratamento dos referidos registos de acções judiciais.
8. Pelo que, sem outras provas mais objectivas para o suportar, o ponto 12 dos factos provados da sentença recorrida não pode ser procedente, e conforme os factos actualmente existentes, só se pode provar que “a 1.ª Ré e o 2.º Réu garantiram à Autora que iriam proceder às formalidades de cancelamento dos registos de penhora e de apreensão depois de assinar o acordo mencionado na alínea C) dos factos assentes e receber o referido sinal.”, e só assim corresponde à verdade.
9. Assim sendo, existe nesta parte “erro no reconhecimento dos factos”, conduzindo à procedência do recurso e à revogação da sentença nesta parte.
10. “Erro no reconhecimento dos factos”: B) Insolvente já não tem capacidade de representar outrem para tratar dos assuntos da compra e venda do imóvel: No caso em apreço, antes de proceder à compra e venda do imóvel em causa, a 1.ª Ré já foi declarada insolvente pelo Tribunal Judicial de Base.
11. Ao abrigo do artigo 1095.º n.º 1 por remissão do artigo 1187.º do Código de Processo Civil de Macau, uma vez declarada a insolvência, o insolvente não pode administrar e dispor dos seus bens presentes ou futuros e os referidos bens tornam-se massa falida.
12. Nos termos do artigo 256.º do Código Civil de Macau – “O procurador não necessita de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar.”
13. Porém, a lei não prevê se a pessoa declarada insolvente pode ser procuradora e tem a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar”!
14. O Recorrente entende que ao realizar os actos ao abrigo da delegação de poderes que são confiados pelo constituinte, a pessoa declarada insolvente já não tem a capacidade de entender e querer exigida por lei, nomeadamente quando tais actos têm, na sua essência, a mesma natureza patrimonial com o procurador e existe conexão entre si, o procurador não pode praticar os actos correspondentes à capacidade de entender e querer da vontade do constituinte de acordo com os interesses legítimos do constituinte.
15. Conforme o entendimento do Recorrente, tal como previsto nos artigos 170.º n.º 1 alínea e), 181.º n.º 1 alínea c), 629.º n.º 2, 1789.º n.º 2 e 1822.º n.º alínea a) do vigente Código Civil de Macau, caso a pessoa seja declarada insolvente, esta não pode continuar a realizar os actos ou não pode desempenhar as funções de administrador por existir dúvida sobre a sua capacidade de entender e querer.
16. No caso em apreço, quando foi declarada insolvente, a 1.ª Ré já não pode agir com autonomia, e igualmente, sendo a procuradora do Recorrente, a 1.ª Ré, quando foi declarada insolvente, também não tem a capacidade de entender e querer exigida pelo procurador para praticar os actos ao abrigo da delegação de poderes que correspondem aos interesses legítimos do Recorrente.
17. Assim sendo, desde o momento em que a 1.ª Ré foi declarada insolvente, os seus actos já não podem representar o Recorrente para tratar dos assuntos da compra e venda em causa e da matéria da causa, e mesmo que os actos fossem praticados pela 1.ª Ré no âmbito dos poderes conferidos na procuração, os referidos actos também não produzem efeitos jurídicos em relação ao Recorrente.
18. Mais ainda, conforme os factos já conhecidos nos presentes autos, ao assinar o contrato promessa de compra e venda do imóvel em causa e os referidos acordos, a Autora soube que a 1.ª Ré é insolvente, porém, ao tomar conhecimento de a 1.ª Ré estar munido da procuração outorgada pelo Recorrente, a Autora não verificou junto do Recorrente se os efeitos da referida procuração foram ratificados depois de a 1.ª Ré ter sido declarada insolvente, o que constitui a negligência da Autora, situação essa não pode gerar responsabilidade cível do Recorrente nos presentes autos.
19. Assim sendo, existe nesta parte “erro no reconhecimento dos factos”, conduzindo à procedência do recurso e à revogação da sentença nesta parte.
20. II. Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão contra o Recorrente: Há, no total, 17 pontos dos factos provados na sentença recorrida. Verificados várias vezes os referidos factos, o Recorrente ainda entende ser insuficientes para suportar o conteúdo do ponto 3 da decisão da sentença recorrida “Condenar o 3.º Réu A a pagar à Autora a quantia de MOP$3.635.871,70 【(MOP$21.424.000,00 + MOP$391.230,00)/6】.”.
5 (sic) O Recorrente entende que para corresponder ao conteúdo da decisão acima referido, é necessário verificar os seguintes requisitos de facto: 1) O Recorrente e a Autora assinaram o contrato promessa de compra e venda do imóvel em causa e os referidos acordos; 2) O Recorrente recebeu o preço da transacção; 3) O Recorrente incumpriu definitivamente a compra e venda; 4) Foram verificados os requisitos do pagamento do sinal em dobro.
21. Quanto aos aludidos requisitos, os pontos 8 a 11 dos factos provados só provaram que as verbas prestadas pela Autora foram recebidas pelo (sic) mas não provaram que o Recorrente recebeu qualquer verba da transacção paga pela Autora.
22. Além do mais, os factos provados também não referiram detalhadamente que o Recorrente tomou conhecimento das situações concretas da transacção nem referiram como é que o Recorrente incumpriu definitivamente a compra e venda (mesmo que os documentos dos autos revelem que 1/6 do direito de propriedade do imóvel que o Recorrente detinha acabou por ser transferido através da venda judicial).
23. Por não se verificar os aludidos dois requisitos relevantes e caber à Autora o ónus da prova, é difícil suportar indubitavelmente o ponto 3 da decisão da sentença recorrida.
24. Assim sendo, existe nesta parte o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, conduzindo à procedência do recurso e à revogação da sentença nesta parte.
Notificada do despacho de admissão de recurso a Autora silenciou.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Do recurso interposto quanto à matéria de facto.
Vem o presente recurso interposto da resposta dada à matéria do quesito 5 da Base instrutória, invocando que os poderes que conferiu a sua mãe para poder vender o imóvel não conferiam poderes para garantir que iriam proceder ao cancelamento dos registos de penhora e de apreensão para depois procederem à prometida venda à Autora.
Ora, no que concerne à apreensão para a massa da insolvência a promessa de que se iria diligenciar pelo levantamento da mesma nada tem a ver com o 3º Réu, uma vez que, como resulta dos autos quem havia sido declarada insolvente foi a 1ª Ré e não o 3º Réu – cf. fls. 34 -, pelo que, relativamente a penhoras, arrestos e apreensões em processos nos quais o 3º Réu não era parte, nada tinha este que conferir poderes a autorizar o quer que fosse.
Relativamente ao 3º Réu havia apenas a penhora de prédio hipotecado que foi vendida na execução que correu termos sob o nº CV1-09-0059-CEO, a qual quando foi realizada em 06.01.2010 já o agora Recorrente era maior de idade – cf. fls. 28 e 29 – e relativamente à qual nada se diz que não haja sido notificado, pelo que falece o argumento de que se o Recorrente “soubesse” não tinha consentido na venda, argumentação essa que até resulta numa falsidade. Mais a execução e penhora resulta de dívida que havia sido relacionada no inventário no qual o 3º Réu interveio quando já era maior de idade – cf. fls. 48 – pelo que, conhecia a existência da dívida, como aliás reconhece na sua contestação.
Mais ainda, igualmente não é credível que não soubesse da apreensão para a massa falida porquanto a apreensão do direito da 1ª Ré ocorre quando já consta como comproprietário do bem havendo como tal que ter sido notificado da mesma, omissão que não consta que alguma vez se haja invocado. Para além de que, também resulta da contestação que sabia da mesma.
Por fim, quando se confere poderes para vender determinado imóvel, salvo se da procuração constarem expressamente orientações noutro sentido, segundo as regras da experiência os poderes abrangem toda a negociação que pressupõe o acto. Ora, é do conhecimento comum que os bens são vendidos livres de ónus e encargos e ninguém vai adquirir um bem sobre o qual existe uma penhora, pelo que – salvo menção expressa em contrário constante da procuração -, cabe nos poderes da pessoa encarregue de proceder à venda garantir que o prédio estará desonerado até ao momento da realização da escritura.
Assim sendo, sempre seria de aceitar que cabia nos poderes da pessoa encarregue de realizar a venda a capacidade de dizer que se iria diligenciar pela desoneração do prédio da penhora1 que sobre ele impendia.
No entanto, ainda que assim não se entendesse, haveria o 3º Réu de ter demonstrado que a procuração não conferia poderes para em seu nome se assumir o compromisso de que o prédio ficaria desonerado da penhora, e nada como começar por juntar a procuração (ou certidão dela) em que conferiu poderes para a prática do acto para se poder analisar.
Já existindo a penhora quando foi prometida a venda e se o 3º Réu queria vender o imóvel com a penhora haveria que o ter consagrado na procuração outorgada para o efeito dado ser um facto relevante, ou demonstrar que havia dado orientações expressas nesse sentido.
Porém, essa procuração nunca foi junta aos autos.
Tal como tem vindo a ser entendido por este Tribunal – veja-se Acórdão de 09.05.2019, proferido no processo nº 240/2019, impõe-se “a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados”, os quais “além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.”
Ora, em momento algum das sua alegações e conclusões de recurso o 3º Réu e agora Recorrente indica quais os meios probatórios que haja indicado e que obrigassem a concluir no sentido de não se ter provado a matéria do quesito 5º da Base Instrutória
Aqui chegados temos que:
1. O 3º Réu vem invocar não ter conhecimento da penhora que existia sobre bem de qual era proprietário, o que não é de modo algum credível, quando não consta que alguma vez não haja sido notificado da penhora do seu direito, a dívida subjacente a essa penhora já constava da relação de bens do inventário em que tal bem lhe foi adjudicado, e a apreensão do direito da 1ª Ré ocorre quando já consta como comproprietário do bem havendo como tal que ter sido notificado da mesma, omissão que não consta que alguma vez se haja invocado.
2. Não se indicam quais os meios probatórios produzidos que impunham ao tribunal “a quo” responder à matéria do quesito 5º da Base Instrutória de modo diferente.
Destarte, só pode improceder o recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto.
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A primeira ré é dona de 4/6 indivisos da fracção denominada por A2, sita em Macau, na Avenida do Almirante Magalhães Correia xxxxxxxxx e na Rua Seis do Bairro da Areia Preta xxxxxxxxx, inscrita na matriz predial sob o n.º 71544 e descrita no Registo Predial sob o n.º 21757. (Alínea A) dos factos assentes)
2. Os segundo e terceiro réus foram donos, cada um, de 1/6 indivisos da referida fracção autónoma, quotas que foram judicialmente vendidas e que, por apresentação de 17/01/2017, foram registadas a favor do comprador Banco Comercial de Macau com base em título de transmissão emitido em 12/01/2017 nos autos de execução n.º CV1-09-0059-CEI onde aquela fracção autónoma havia sido penhorada com registo da penhora efectuado por apresentação de 12/01/2010. (Alínea B) dos factos assentes)
3. No dia 27 de Agosto de 2014, altura em que a primeira ré já era dona da referida quota indivisa de 4/6 e os segundo e terceiro réus ainda eram donos de 1/6, a autora celebrou com os réus (o terceiro representado pela 1.ª ré a quem tinha concedido poderes para o efeito) no Escritório de Advocacia E de Macau um acordo cujo teor consta de fls. 59 a 62 e aqui se dá por reproduzido em que a autora prometeu comprar e os réus prometeram vender a referida fracção autónoma pelo preço de HKD$14.000.000,00. (Alínea C) dos factos assentes)
4. A autora procedeu ao pagamento do imposto de selo relativo ao acordo referido em C) no valor de MOP$391.230,00 no dia 23 de Setembro de 2014. (Alínea D) dos factos assentes)
5. Entre a autora e os réus foi acordado que a escritura da compra e venda prometida seria celebrada antes de 26 de Agosto de 2016. (Alínea E) dos factos assentes)
6. A presente acção foi intentada em 18 de Abril de 2017. (Alínea F) dos factos assentes)
7. A 1.ª Ré C foi declarada “insolvente”, em 02 de Dezembro de 2011, pelo Meritíssimo Juiz no processo n.º CV3-11-0002-CFI do Tribunal Judicial de Base de Macau, com publicação no Boletim Oficial da RAEM. (Alínea G) dos factos assentes)
- Factos dados como provados após audiência de julgamento: (cujos fundamentos cfr. fls. 641 a 645 dos autos)
8. Em 27 de Agosto de 2014, a 1.ª Ré e o 2.º Réu já receberam o sinal pago pela Autora no montante de HKD$2.800.000,00. (resposta ao quesito 1.º da base instrutória)
9. Em 24 de Junho de 2015, a 1.ª Ré e o 2.º Réu já receberam o sinal pago pela Autora no montante de HKD$400.000,00. (resposta ao quesito 2.º da base instrutória)
10. Em 1 de Julho de 2015, a 1.ª Ré e o 2.º Réu já receberam o sinal pago pela Autora no montante de HKD$7.000.000,00. (resposta ao quesito 3.º da base instrutória)
11. Em 18 de Março de 2016, a pedido da 1.ª Ré e do 2.º Réu, a Autora depositou o sinal, no montante de RMB $170.000,00, na conta bancária da 1.ª Ré C, n.º xxxxxxxxxx, aberta no Banco China Resource, Zhuhai. (resposta ao quesito 4.º da base instrutória)
12. Os três R.R. garantiram à Autora que iriam proceder às formalidades de cancelamento dos registos de penhora e de apreensão depois de assinar o acordo mencionado na alínea C) dos factos assentes e receber o referido sinal. (resposta ao quesito 5.º da base instrutória)
13. Após 26 de Agosto de 2016, a Autora interpelou a 1.ª Ré para proceder às formalidades da assinatura da escritura e de cancelamento de todos os encargos. (resposta ao quesito 6.º da base instrutória)
14. Antes de 26 de Agosto de 2016, a Autora solicitou ao escritório de advogados que efectuasse notificação aos três R.R., arranjasse as formalidades da assinatura da escritura e do cancelamento dos encargos e notificasse aos R.R. para comparecerem ao escritório de advogados para proceder às formalidades da assinatura da escritura. (resposta ao quesito 7.º da base instrutória)
15. Ao assinar o acordo mencionado na alínea C) dos factos assentes em que a Autora prometeu comprar e a 1.ª Ré e o 2.ª Réu prometeram vender o imóvel em causa, a Autora estava bem ciente de que a 1.ª Ré se encontrava em situação de insolvência e a quota que a 1.ª Ré detinha no imóvel em causa era massa falida. (resposta ao quesito 9.º da base instrutória)
16. Apesar de existir 4 registos de encargos sobre o imóvel em causa, a Autora ainda quis assinar o acordo mencionado na alínea C) dos factos assentes. (resposta ao quesito 10.º da base instrutória)
17. Ao assinar o acordo mencionado na alínea C) dos factos assentes, a Autora foi informada de que o imóvel em causa só lhe poderia ser cedido depois de obter o consentimento do credor. (resposta ao quesito 11.º da base instrutória)
b) Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«O Tribunal deve analisar concretamente os factos dados como provados nos presentes autos e aplicar a lei, de modo a dirimir o litígio entre as partes.
No caso em apreço, o primeiro pedido da Autora é a execução específica, e subsidiariamente, a Autora pediu a condenação dos três R.R. a devolver-lhe, solidariamente, o sinal em dobro ou, pelo menos, em singelo, e pagar-lhe, a título de indemnização, o imposto de selo já pago pela Autora.
O ponto 3 dos factos provados revela que ao assinar o contrato promessa de compra e venda em causa, o 3.º Réu foi representado pela 1.ª Ré, e nos presentes autos, não há quaisquer factos que demonstrem que a 1.ª Ré não tinha poderes para representar o 3.º Réu ou abusou dos poderes que lhe foram conferidos pelo 3.º Réu para realizar o referido acto.
Além disso, conforme os pontos 3, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados e os documentos de fls. 59 a 62, 70 a 72, 74 a 76 e 78 a 79 dos autos, deve-se considerar nos presentes autos que a Autora e os três R.R. assinaram o contrato promessa de compra venda e a Autora já pagou aos três R.R. (no decurso, o 3.º Réu foi representado pela 1.ª Ré) o sinal no montante total de HKD$10.400.000,00.
O pedido de execução específica formulado pela Autora já foi julgado improcedente (cfr. fls. 322 a 323; 452 dos autos), pelo que, não é necessário analisar mais.
Agora, vem este Tribunal analisar os pedidos subsidiários da Autora.
Quanto aos pedidos subsidiários, é de referir que, nas contestações, as reconvenções e as excepções deduzidas pelos três R.R. que rodearam a validade e a resolução do contrato promessa em causa já foram totalmente apreciadas (cfr. fls. 323 a 327 dos autos, e fls. 452 e seu verso), pelo que, nos presentes autos, já não existe qualquer excepção ou reconvenção a conhecer que basta para impedir o conhecimento dos referidos pedidos.
O contrato promessa em causa foi assinado em 27 de Agosto de 2014, e os pontos 15 e 16 dos factos provados revelam que mesmo que ao assinar o contrato promessa em causa, a Autora estivesse bem ciente de que a 1.ª Ré se encontrava em situação de insolvência e existissem 4 registos de encargos sobre o imóvel em causa, a Autora ainda queira assinar o acordo mencionado na alínea C) dos factos assentes.
Além disso, o ponto 12 dos factos provados também demonstra que os três R.R. garantiram à Autora que iriam proceder às formalidades de cancelamento dos registos de penhora e de apreensão depois de assinar o acordo mencionado na alínea C) dos factos assentes e receber o referido sinal.
Tal como exposto no despacho de fls. 324 dos autos, mesmo que os artigos 1187.º e 1095.º do Código de Processo Civil estipulem que o insolvente não pode “administrar e dispor dos seus bens presentes ou futuros”, isto não impede a 1.ª Ré de assinar o contrato promessa em causa e o facto de 1.ª Ré ter sido declarada insolvente também não afecta a validade do referido contrato promessa.
Nestas circunstâncias, sendo os vendedores do contrato promessa em causa, os três R.R. ficam obrigados a cancelar os registos de penhora e de apreensão no registo predial e assinar o presente contrato promessa com a Autora.
O ponto 2 dos factos provados demonstra que a quota de 2/6 do imóvel em causa que os 2.º e 3.º R.R. detinham já foi cedida ao terceiro. Além disso, tal como invocado pelo administrador da insolvência (cfr. ponto 4 de fls. 428 dos autos e também certidão de registo predial de fls. 445 dos autos), a quota de 4/6 que pertencia à 1.ª Ré também foi adquirida pelo terceiro.
Conforme referido no acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Última Instância no Processo n.º 44/2011, de 30 de Novembro de 2011, citado pela Autora nas suas alegações jurídicas, já se tornam impossíveis a assinatura do presente contrato de compra e venda de todo o imóvel em causa e a prestação de todo o imóvel em causa à Autora.
Ao abrigo do artigo 790.º n.º 1 do Código Civil, “Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.” Nos termos do artigo 788.º do Código Civil, incumbe aos três R.R. provar que a impossibilidade subjectivamente superveniente nos presentes autos não procede de culpa sua. Tal como referido em fls. 325 e 326 dos autos, o imóvel em causa acabou por ser transferido para terceiro através da venda judicial por os três R.R. não terem conseguido pagar a dívida ao credor, isto, obviamente, deve ser imputado aos três R.R..
Dado que os três R.R. não conseguiram ilidir a sua culpa da impossibilidade superveniente da prestação, são estes responsáveis como se faltassem culposamente ao cumprimento da obrigação.
Em conformidade com o artigo 436.º n.º 2 do Código Civil, “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.”
Conforme tal disposto legal, a Autora tem o direito de exigir aos três R.R. a restituição do sinal em dobro, pelo que, o primeiro pedido subsidiário da Autora deve ser julgado procedente, não sendo necessário conhecer do pedido subsidiário formulado pela Autora.
Aliás, por estar expressamente convencido no contrato promessa (cfr. Cláusula 10 de fls. 60 dos autos), os três R.R. devem ser condenados a pagarem à Autora a indemnização correspondente ao imposto de selo, a contrário sensu da primeira parte do n.º 4 do artigo 436.º do Código Civil.
Ainda é de analisar se os três R.R. devem responder solidariamente pela restituição do sinal em dobro a título de indemnização como solicitado pela Autora.
Nos termos do artigo 506.º do Código Civil, “A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.”
Salvo melhor opinião, no caso em apreço, este Tribunal não vê que há solidariedade dos três R.R. resultante da vontade da parte ou da lei. Além disso, os factos provados nos presentes autos também não podem demonstrar que o negócio jurídico em causa tem natureza de acto objectivo comercial ou se refere à obrigação nascida do exercício de uma empresa comercial pela parte da transacção em causa (cfr. artigo 567.º do Código Comercial que prevê que “nas obrigações nascidas do exercício de uma empresa os co-obrigados respondem solidariamente, salvo convenção em contrário.”), pelo que, não se pode considerar que a referida obrigação tem natureza solidária mas sim os três R.R. devem ser condenados a assumir a responsabilidade pela parte correspondente de acordo com as quotas dos três R.R. (no âmbito do Direito Comparado, cfr. acórdão proferido pelo Tribunal de Relação de Coimbra no Processo n.º 2029/18.3T8LRA.C1, de 12/01/2021; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal no Processo n.º 6121/05.6TBLRA.C1.S1, de 13/02/2014; e o caso semelhante, cfr. acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 64/2022, de 7/4/2022).
Dizendo mais simplesmente, quanto ao sinal em dobro, no montante total de HKD$20.800.000,00 (equivalente a MOP$21.424.000,00) e ao imposto de selo no montante de MOP$391.230,00, a 1.ª Ré deve assumir 4/6, o 2.º Réu 1/6 e o 3.º Réu 1/6.
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Quanto à dívida que a 1.ª Ré deve assumir, este Tribunal ainda tem de suprir que, tal como acima referido, ao abrigo do artigo 1187.º em conjugação com o artigo 1095.º do Código de Processo Civil, uma vez declarado insolvente, o insolvente não pode administrar e dispor dos seus bens presentes ou futuros, porém, isto não impede o insolvente de assinar o contrato promessa.
Mas, é de salientar que, ao abrigo do artigo 1103.º n.º 1 do mesmo Código, dado que o contrato promessa em causa foi assinado pela insolvente após a prolação da sentença de declaração de insolvência e na altura a Autora também estava bem ciente de que a 1.ª Ré se encontrava em situação de insolvência (pontos 15 e 16 dos factos provados), o referido contrato promessa não pode opor à massa falida. Aliás, a parte do contrato promessa em que envolve a 1.ª Ré também não foi ratificada nos termos do artigo 1103.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Assim sendo, o sinal em dobro e o imposto de selo emergente do contrato promessa dos presentes autos que a 1.ª Ré deve assumir a título de indemnização não constitui a dívida da massa insolvente, pelo que, não se pode pedir a sua graduação no processo de insolvência nem podem ser liquidados pela massa insolvente.
Isto implica que o que esta sentença condena é que a referida dívida é assumida pela própria 1.ª Ré em vez de assumida pela massa insolvente.».
As alegações e conclusões de recurso quase que raiam a má-fé processual invocando-se argumentos de defesa que não têm o mínimo fundamento, alegando-se desconhecer-se factos que constam do registo predial do imóvel e dívidas que já existiam ao tempo do inventário em que o direito sobre o imóvel em causa foi adjudicado ao Recorrente e por fim caindo-se numa argumentação de direito que de Direito tem pouco e é no mínimo imperceptível.
Desde logo, há que dizer que a impugnação da resposta dada ao quesito 5º da Base Instrutória é inócua em termos de decisão final assim como a própria matéria contida no quesito para a decisão.
Aquela matéria – a do quesito 5º da Base Instrutória – só interessaria para a decisão da causa se estivesse em causa a recusa da promitente compradora em outorgar a escritura de compra e venda porque o prédio não havia sido desonerado das penhoras e da apreensão para a massa falida.
Porém, nada disso se discute nestes autos.
A questão a decidir nestes autos é que a Autora prometeu comprar e os Réus prometeram vender, e não venderam porque o prédio foi vendido a terceiros no âmbito das execuções fiscais.
Em conclusão os Réus assumiram um compromisso e não cumpriram.
Para facilitar o raciocínio, podemos acrescentar que se pode prometer vender bens alheios e o promitente comprador saber que esses bens são alheios, sendo esse contrato válido. Cabe ao promitente vendedor colocar-se em situação de honrar o que prometeu, nomeadamente adquirindo os bens em causa de modo a que os possa vender aos promitentes compradores nos termos acordados.
No caso em apreço os Réus não honraram o compromisso de venda que assumiram, sendo irrelevante se se comprometeram ou não a expurgar o prédio dos ónus que sobre ele impendiam, relevando apenas que não o venderam à Autora e o prédio foi vendido a terceiros.
Quanto ao mais que se alega.
Tal como se diz a insolvência impede o insolvente de administrar e dispor dos seus bens presentes e futuros – cf. artº 1095º do CPC -.
A insolvência não produz quaisquer efeitos na capacidade de entendimento e intelectual do declarado como tal.
A insolvência não impede o falido de exercer o mandato.
Assim sendo, da matéria de facto resulta que o 3º Réu agora Recorrente, juntamente com os 1ª e 2º Réus, prometeu vender a fracção autónoma objecto destes autos, promessa essa que não honrou porquanto o seu direito sobre a mesma foi vendido em venda judicial no processo onde havia sido penhorada.
Isto é o que em síntese e de essencial resulta dos factos.
Concluiu-se e muito bem na Douta sentença recorrida com base na argumentação supra reproduzida para a qual remetemos e à qual aderimos sem reservas que o 3º Réu – e os demais promitentes vendedores – não cumpriram o contrato de promessa de compra e venda que celebraram com a Autora ora Recorrida e em consequência são obrigados a pagar a esta o dobro do que receberam a título de sinal, pelo que não há reparo a fazer ao decidido o qual encontra respaldo na factualidade apurada e na fundamentação de direito usada.
Assim sendo e sem necessidade de outra argumentação, improcedendo todas as conclusões de recurso as quais não têm qualquer fundamento, impõe-se negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 8 de Novembro de 2023
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Refere-se apenas a penhora porque é o único acto que diz respeito ao Réu.
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445/2023 CÍVEL 4