打印全文
Processo n.º 734/2023
(Autos de recurso laboral)

Data: 8/Novembro/2023

Assuntos:
- Ser simultaneamente acidente de viação e acidente de trabalho
- Facto modificativo ou extintivo, ónus da prova
- Relegação para liquidação em execução de sentença

SUMÁRIO
A lei determina que, sendo o acidente, simultaneamente, de viação e de trabalho, a entidade seguradora para quem foi transferida a responsabilidade por acidente de trabalho é a primeira responsável pelo pagamento ao sinistrado. Feito o pagamento, esta fica sub-rogada nos direitos do sinistrado, podendo depois reclamar os valores pagos (ao sinistrado) junto da seguradora do veículo causador do acidente de viação.
No tocante à eventual sobreposição de indemnizações, trata-se dum facto modificativo ou extintivo cuja alegação e prova compete àquele contra quem é invocado o direito (artigo 335.º, n.º 2 do Código Civil).
Se a entidade seguradora para quem foi transferida a responsabilidade por acidente de trabalho pretendia invocar que os direitos do sinistrado decorrentes do acidente de trabalho já se encontravam parcialmente ressarcidos através do pagamento do valor indemnizatório pela seguradora do veículo causador do acidente de viação e pelo arguido no processo-crime, cabe àquela seguradora a alegação e o ónus da prova dessa situação.
Em boa verdade, o juiz só pode relegar para liquidação em execução de sentença a fixação da indemnização quando na acção se provou a existência de danos mas sem haver possibilidade de logo fixar o seu quantitativo.
Isto é, na liquidação limita-se a apurar o valor a ser executado e não cabe discutir se o interessado tem ou não esse direito, devendo esta questão ser resolvida na própria acção declarativa.
Não tendo a entidade seguradora cumprido o ónus de prova da existência de sobreposição de indemnizações, impõe-se julgar improcedente a tal excepção peremptória e, em consequência, condenar a entidade seguradora no pagamento ao sinistrado das indemnizações devidas.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 734/2023
(Autos de recurso laboral)

Data: 8/Novembro/2023

Recorrente:
- A (sinistrado)

Recorrida:
- B, S.A. (entidade seguradora)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, sinistrado nos autos de acidente de trabalho, melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença que relegou o cálculo do valor da indemnização para liquidação em execução de sentença, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “I. Vem o presente recurso interposto da sentença de 3 de Julho de 2023 que condenou a B SA a pagar ao Recorrente a indemnização por Incapacidade Temporária Absoluta, Incapacidade Temporária Parcial e Incapacidade Permanente Parcial, no montante que venha a ser liquidado em execução de sentença.
     II. A douta decisão do Tribunal “a quo”, considerou não ter elementos suficientes para determinar o montante da indemnização, em virtude do Sinistrado/Recorrente ter chegado a acordo com a C SA e com o arguido, no âmbito do processo criminal CR2-21-0147-PCC, no pagamento por estes de uma indemnização de MOP$525.000,00, e com isso poder haver sobreposição de indemnizações.
     III. Os presentes autos tiveram origem num acidente de viação ocorrido em 8 de Junho de 2019, pelas 18h08m, no Parque de estacionamento do Prédio sito na Taipa, na Rua de Hong Chau, Edifício XXXX provocado pelo veículo de matrícula MQ-XX-XX, propriedade de D (D - XXXX XXXX 4382).
     IV. Tal acidente de viação foi qualificado como acidente de trabalho, por o Sinistrado/Recorrente se encontrar na altura no exercício das suas funções laborais para a sua empregadora OTIS Elevadores.
     V. Porém, o acidente deu também origem a Inquérito criminal que correu termos no Ministério Público e culminou com acusação, tendo sido distribuído no Tribunal Judicial de Base, ao 2º Juízo Criminal, onde foi registado com o n.º CR2-20-0055-PCS que posteriormente veio a ser registado com o n.º CR2-21-0147-PCC.
     VI. Na audiência de julgamento do dia 16/06/2022, sabendo-se já qual a percentagem de IPP e quantos dias de incapacidade temporária para o trabalho que a junta médica, no processo laboral, havia fixado ao sinistrado (vide fls. 207), foi possível chegar a acordo com a Demandada C SA e com o Arguido, e assim colocar fim ao processo criminal.
     VII. Nesse acordo, ficou estabelecido que seriam pagas as seguintes quantias ao demandante: pela C SA a quantia de MOP$400.000,00 e pelo Arguido a quantia de MOP$125.000,00.
     VIII. Foi referido com clareza que tal montante era pago para além do que o sinistrado teria a receber neste processo laboral, que na altura já se sabia ser o montante de MOP$656.895,85 (IPP de 7% - $336.839,20, 300 dias de ITA - $297.036,33, 30 dias de ITP a 50% - $14.851,82 e 33 dias de ITP a 25% - 8.168,50), montante este cujo cálculo foi referido pela Seguradora B S.A., que mais tarde o veio confirmar, por escrito, nas suas alegações de recurso, como adiante se verá.
     IX. As partes intervenientes no acordo, não consideraram haver necessidade de consignar expressamente em acta que danos ou que parte dos danos cobriam as indemnizações acordadas, pois existia uma enorme diferença entre os pedidos no processo criminal e o montante que iria receber no processo laboral.
     X. Diferenças essas resultantes da percentagem de Incapacidade Permanente Parcial atribuída nos diferentes processos (8% no processo criminal e 7% no processo laboral), o que resultava numa diferença, no processo laboral, de menos MOP$48.119,89 (384.959,09 se 8% - 336.839,20).
     XI. Acrescendo ainda a diferença de menos MOP$98.342,50 existente entre as despesas hospitalares e de transportes reclamadas no processo criminal, que em todos os pedidos totalizaram a quantia de MOP$244.038,90 e a quantia que a Seguradora B aceitou pagar no processo laboral que foi de MOP$145.696,40 e relativamente à qual o Demandante (ora Recorrente) reduziu o seu pedido.
     XII. Muito embora não tenha ficado a constar da acta a que danos se referia a indemnização de $400.000,00 e $125.000,00 a pagar pela C SA e pelo Arguido, a verdade é que ficou dela a constar que estas importâncias não prejudicavam os direitos que o Sinistrado (ali Demandante) tinha a receber no processo laboral.
     XIII. E efectivamente, no ponto 6 da acta consta “民事請求人(E)所收取的上述賠償不免除其在相關勞工/工作意外案件當中所享有的權利”, o que é mesmo que dizer que a indemnização acordada no processo criminal e, com o que se lhe pôs fim, não prejudica o direito do sinistrado de receber a indemnização calculada no processo laboral pelas IPP, ITA e ITP que lhe tinham sido fixadas na junta médica colegial, ou seja, que a indemnização acordada no processo criminal vai para além (ou é independente) da que tem a receber no processo laboral a que já se sabia qual era o montante.
     XIV. Só assim é compreensível tamanha redução do pedido.
     XV. Aliás, o Sinistrado já havia sido sujeito, em 27.01.2022, a uma junta médica (vide fls. 207) na qual lhe foi fixada a percentagem de 7% de incapacidade permanente parcial (IPP), 300 dias de incapacidade temporária absoluta (ITA), e 63 dias de incapacidade temporária parcial (ITP), sendo que nestes últimos 30 dias eram a 50% e 33 dias a 25%, não tendo contestado a decisão dos peritos médicos.
     XVI. A Seguradora B SA, em requerimento de 6/10/2022 (já muito depois do acordo efectuado no processo criminal), também demonstrou a sua concordância com o resultado da junta médica.
     XVII. E, mesmo no processo criminal, assumiu expressamente, no ponto 8 da suas alegações de recurso, que era devedora ao Sinistrado da quantia de MOP$656.895,85 “por haver certeza de que a irá pagar a título de ITA, ITP e IPP”, tendo até deduzido a competente ampliação do seu pedido (cfr. cópia das alegações que junta como doc. 1, que aqui dá como reproduzidas para todos os legais efeitos).
     XVIII. Estavam, pois, reunidos todos os elementos/requisitos para que o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” decidisse pela condenação da B no pagamento ao Sinistrado da quantia de MOP$656.895,85, até porque, na sentença de que se recorre está dada como provada a IPP de 7%, 300 dias de ITA, 30 dias de ITP a 50% e 33 dias de ITP a 25% deu como provado.
     XIX. Não existindo qualquer sobreposição entre o valor da indemnização recebida no âmbito do processo criminal e a indemnização a receber no âmbito deste processo laboral.
     XX. Aliás, de acordo com o disposto no artigo 47º, n.º 1, alínea a), b) e c) do Decreto-Lei n.º 40/95/M, no âmbito laboral, a Seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de Trabalho, assegura apenas o pagamento de dois terços (2/3) da retribuição-base do Sinistrado.
     XXI. Sendo que o um terço (1/3) restante seria sempre da responsabilidade do causador do acidente de viação, neste caso o Arguido, e da Seguradora para quem o mesmo havia transferido a responsabilidade mediante apólice de seguro automóvel.
     XXII. Assim como sempre seria da responsabilidade destes, a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Sinistrado (ali Demandante), sendo que o montante pedido foi de MOP$400.000,00.
     XXIII. Como seria também da responsabilidade dos mesmos a indemnização pela diferença de MOP$48.119,89 da IPP, que no processo criminal foi fixada em 8% e pela diferença de MOP$98.342,50 entre as despesas médicas e de transportes reclamadas no processo criminal e as pagas pela Seguradora Companha de Seguros de Macau no processo laboral.
     XXIV. A própria B SA – seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho – aceitou expressamente ter de pagar ao Sinistrado, de IPP, ITA e ITP, o montante de MOP$656.895,85.
     XXV. E o próprio Magistrado do Ministério Público, no seu requerimento de fls. 498, refere no ponto 6 que do acordo celebrado no processo criminal resulta claramente que a indemnização recebida pelo sinistrado não dispensa todos os seus direitos no processo laboral, ou seja, que a indemnização acordada não inclui nela a indemnização da incapacidade permanente e das incapacidades temporárias.
     XXVI. Não existindo, por isso, quaisquer dúvidas de que nunca essa indemnização se referiria às IPP, ITA e ITP a atribuir no âmbito deste Processo Laboral.
     XXVII. E essa terá de ser a interpretação mais correcta, e única possível, pois que,
     XXVIII. Se as MOP$656.895,85 correspondem a 2/3 do total das perdas do sinistrado, o outro 1/3 terá de ser do montante de MOP$328.447,93, e
     XXIX. Se a este montante adicionarmos o pedido indemnizatório por danos não patrimoniais de MOP$400.000,00, mais a diferença de MOP$48.119,89 resultante da IPP de 8% atribuída no processo criminal, mais a diferença de MOP$98.342,50 entre as despesas médicas e de transportes reclamadas no processo criminal e as pagas pela Seguradora B no processo laboral, temos um total de MOP$869.910,323 que continuava a ser devido ao sinistrado para além do que lhe devia ser indemnizado pela Seguradora Laboral a B SA.
     XXX. Não será, pois, difícil de entender que os montantes acordados pelo Sinistrado com a F SA, de MOP$400.000,00, e com o Arguido, de MOP$125.000,00, no processo crime, sejam para pagamento desta parte do seu pedido indemnizatório, não existindo, assim, qualquer sobreposição.
     XXXI. Acresce que, de acordo com o disposto no artigo 58º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 40/95/M, “Quando o acidente for, simultaneamente, de viação e de trabalho, a reparação é efectuada pela seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, nos termos deste diploma, ficando esta sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação”.
     XXXII. Ou seja, em primeira linha terá de ser o processo laboral a condenar a seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho a pagar o que no processo laboral for devido ao Sinistrado.
     XXXIII. Cabendo, depois, a esta seguradora, que fica sub-rogada nos direitos do Sinistrado, reclamar da Seguradora do veículo causador do acidente de viação, com o que pretendeu o legislador imprimir celeridade na atribuição das indemnizações ao Sinistrado, que é a parte mais fraca nestas situações.
     XXXIV. Deveria pois, a sentença recorrida ter condenado a Seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho (a B SA) a pagar ao Sinistrado os montantes resultantes das IPP, ITA e ITP atribuídos pela Junta médica, ou seja, o montante de MOP$656.895,85, ficando depois, esta, sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente (a C SA).
     XXXV. Ao não o ter feito, incorreu o tribunal “a quo” no vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 571º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e violou ainda o disposto no artigo 564º, n.º 2 do mesmo código, bem como violou o artigo 58º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 40/95/M.
     XXXVI. Pelo que, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve a sentença do tribunal “a quo” ser declarada nula por omissão de pronúncia, ou ser revogada e substituída por outra que condene a B SA a pagar ao Sinistrado a quantia de MOP$656.895,85, resultante de IPP de 7%, 300 dias de ITA, 30 dias de ITP a 50% e 33 dias de ITP a 25%.
     Assim, nos termos supra expostos e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá esse Venerando Tribunal, conceder provimento ao presente recurso nos termos supra referidos e, em consequência, ser a sentença do Tribunal “a quo” declarada nula por omissão de pronúncia – artigo 571º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ou ser revogada e substituída por outra que condene a B a pagar ao Sinistrado a quantia de MOP$656.895,85, resultante de IPP de 7%, 300 dias de ITA, 30 dias de ITP a 50% e 33 dias de ITP a 25%.
     Assim fazendo, como habitualmente, a costumada Justiça.”
*
Ao recurso não respondeu a entidade seguradora.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
在本勞動特別訴訟程序中,遇難人E、僱主實體F有限公司及保險實體B股份有限公司於試行調解中未能達成完全和解,而保險實體不認同臨床法醫學意見書中363天暫時絕對無能力(ITA)之期間及8%長期部份無能力(IPP)之減值,並聲請組成會診委員會以進行鑑定。
除了上述部份以外,上述各方於試行調解中均接受以下內容:
­ 是次事故屬於工作意外;
­ 意外與侵害之間存有因果關係;
­ 遇難人之基本工資為月薪澳門幣44,555.45元;
­ 是次意外所引致之醫療費用(包括醫療費用、證書費及交通費)澳門幣150,383.38元已獲全數支付;
­ 遇難人已獲支付17天(即2020年7月3日至9日、8月1日至3日及9月9日至15日)的全薪工資以及澳門幣126,339.76元,作為暫時絕對無能力之部份損害賠償;
­ 是次意外所引致的責任轉移至上述保險公司。
*
透過會診委員會所進行之鑑定,其成員一致認定遇難人之暫時絕對無能力(ITA)之期間為300天、暫時部份無能力(ITP)之期間為63天及減值分別為50%(共30天)及25%(共33天)及長期部份無能力(IPP)之減值為7%(5%+2%)。為著適當的效力,載於卷宗第197及207頁之會診鑑定報告之內容視為完全轉錄。
在接獲有關報告及補充報告後,遇難人及保險實體分別提出了卷宗第201及背、208及220頁之意見(為著有關效力在此視為獲完全轉錄)。
*
– 基於涉案的意外,遇難人曾於CR2-21-0147-PCC(CR2-20-0055-PCS)號合議庭普通刑事案中提出民事賠償請求,連同其後的請求追加,遇難人提出以下請求:
1) 於意外發生當月(2019年06月)至2020年02月期間因意外無法工作而喪失的薪金澳門幣299,888.28元(卷宗第474至489頁的經修正後的民事賠償請求第43條);
2) 自少在拆除固定器(2021年3月26日)之前一年內按照上述喪失薪金的差額(澳門幣33,320.92元)而計算的工作能力的減少而導致的謀生能力的可預見損失澳門幣399,851.04元(卷宗第474至489頁的經修正後的民事賠償請求第45及46條);
3) 於2020年03月至2020年12月期間因意外導致所收取的薪金與其意外前的薪金差額澳門幣176,476.04元(卷宗第474至489頁的經修正後的民事賠償請求第53A條);
4) 交通費澳門幣1,464.98元(卷宗第482背頁的經修正後的民事賠償請求第15條);
5) 自意外當日至2020年02月期間,本案工人以暫時絕對無能力名義收取由僱主墊支且須向其返還的賠償澳門幣106,218.00元(卷宗第482背頁的經修正後的民事賠償請求第16條);
6) 因拆除固定器手術後的暫時絕對無能力賠償澳門幣76,110.44元(卷宗第483背頁的經修正後的民事賠償請求第25條);
7) 自2021年05月13日至2021年07月07日(56日)的暫時絕對無能力期間的全額工資澳門幣86,983.36元(卷宗第484及背頁的經修正後的民事賠償請求第3及5條);
8) 因最後一次手術而產生的醫療費、交通費、檢測費合共澳門幣1,104.62元(卷宗第484背頁的經修正後的民事賠償請求第6條);
9) 8%的長期部分無能力賠償澳門幣490,696.68元(卷宗第485頁的經修正後的民事賠償請求第10條);
10) 非財產損害賠償為澳門幣400,000.00元(卷宗第486背頁的經修正後的民事賠償請求第69條);及
11) 直至遇難人65歲為止的長期部份無能力賠償澳門幣1,532,149.80元(卷宗第491及492頁的經修正後的請求追加第13條)。
– 於2022年6月16日,本案遇難人、本案保險人、C股份有限公司及D在上述刑事案件中達成了已獲確定判決認可的和解協議,本案遇難人將民事賠償的總金額縮減為澳門幣525,000元,且C股份有限公司及D同意合共向其支付前述賠償款項,且本案遇難人收取前述賠償並不免除其在相關勞工/工作意外案件中所享有的權利。
*
Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida pelo tribunal recorrido, na parte em que considerou não ter elementos suficientes para determinar o montante da indemnização, em virtude do sinistrado, ora recorrente, ter chegado a acordo com a C SA e com o arguido, no âmbito do processo-crime n.º CR2-21-0147-PCC, e que relegou o cálculo do valor indemnizatório para liquidação em execução de sentença.
Vejamos.
No âmbito do processo-crime n.º CR2-21-0147-PCC, o sinistrado deduziu pedido de indemnização civil contra a seguradora do veículo causador do acidente a C SA e contra o condutor do veículo (arguido no processo).
No dia designado para audiência de julgamento, foi acordado entre o sinistrado, a Companhia de Seguros e o arguido naquele processo colocar fim ao processo-crime mediante o pagamento das seguintes quantias: MOP$400.000,00 pela C e MOP125.000,00 pelo arguido.
Ao mesmo tempo, foi realçado pelo sinistrado nesse acordo que não prescindia dos direitos decorrentes do acidente de trabalho.
Ora bem, entende o tribunal recorrido que atentos os valores peticionados pelo sinistrado naquele processo-crime, não exclui a hipótese de sobreposição de indemnizações, pelo que em vez de condenar a entidade seguradora (para quem foi transferida a responsabilidade por acidente de trabalho), ora recorrida, relegou o cálculo do valor indemnizatório para liquidação em execução de sentença.
Dispõe o n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M: “Quando o acidente for, simultaneamente, de viação e de trabalho, a reparação é efectuada pela seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, nos termos deste diploma, ficando esta sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação.”
A lei determina que, sendo o acidente, simultaneamente, de viação e de trabalho, a entidade seguradora para quem foi transferida a responsabilidade por acidente de trabalho é a primeira responsável pelo pagamento ao sinistrado. Feito o pagamento, esta fica sub-rogada nos direitos do sinistrado, podendo depois reclamar os valores pagos (ao sinistrado) junto da seguradora do veículo causador do acidente de viação.
Entende o tribunal recorrido que poderia haver sobreposição de indemnizações.
Efectivamente, pode haver ou pode não haver.
Melhor dizendo, trata-se dum facto modificativo ou extintivo cuja alegação e prova compete àquele contra quem é invocado o direito (artigo 335.º, n.º 2 do Código Civil).
No caso em apreço, se a entidade seguradora para quem foi transferida a responsabilidade por acidente de trabalho queria invocar que os direitos do sinistrado decorrentes do acidente de trabalho já se encontravam parcialmente ressarcidos através do pagamento do valor indemnizatório de MOP$525.000,00 pela seguradora do veículo causador do acidente de viação e pelo arguido no processo-crime, àquela seguradora cabe a alegação e o ónus da prova dessa situação.
Mas não, ou seja, apenas resulta provado que foi efectuado o pagamento dos montantes de MOP$400.000,00 e MOP$125.0000 a favor do sinistrado, respectivamente, pela seguradora do veículo causador do acidente de viação e pelo arguido no processo-crime, e não logrou a prova de que o tal pagamento tinha algo a ver com as indemnizações de IPP, ITA ou ITP.
Em boa verdade, o juiz só pode relegar para liquidação em execução de sentença a fixação da indemnização quando na acção se provou a existência de danos mas sem haver possibilidade de logo fixar o seu quantitativo.
Isto é, na liquidação limita-se a apurar o valor a ser executado e não cabe discutir se o interessado tem ou não esse direito, devendo esta questão ser resolvida na própria acção declarativa.
No caso vertente, sendo a sobreposição de indemnizações um facto modificativo e extintivo do direito, mas não tendo a entidade seguradora cumprido o tal ónus, impõe-se julgar improcedente a respectiva excepção peremptória e, em consequência, condenar a entidade seguradora no pagamento ao sinistrado ora recorrente das indemnizações devidas.
Posto isto, há-de revogar a sentença recorrida e condenar a entidade seguradora para quem foi transferida a responsabilidade por acidente de trabalho a B, S.A. a pagar ao sinistrado A a quantia total de MOP$513.724,03, resultante de:
- IPP de 7% (MOP$44.555,45 x 108 x 7%), na quantia de MOP$336.839,20;
- ITA[MOP$44.555,45 : 30 x 2/3 x (300-17dias) – MOP$126.339,76 já recebida], na quantia de MOP$153.864,51;
- ITP[(MOP$44.555,45 : 30 x 2/3 x 30 dias x 50%) + (MOP$44.555,45 : 30 x 2/3 x 33 dias x 25%)], na quantia de MOP$23.020,32.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente A e, em consequência, revoga a sentença recorrida e condena a entidade seguradora a B, S.A. a pagar ao recorrente a quantia total de MOP$513.724,03, acrescida de juros legais contados a partir da data da sentença de primeira instância até integral e efectivo pagamento.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 8 de Novembro de 2023
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)



Recurso laboral 734/2023 Página 15