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Processo nº 179/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 16 de Novembro de 2023

ASSUNTO:
- Notificação em procedimento administrativo
- Extinção do procedimento administrativo

SUMÁRIO:
- Em procedimento administrativo as notificações são feitas nos termos previstos na norma do artigo 72.º do CPA, de acordo com a qual, devem as mesmas ser feitas pessoalmente ou por ofício, telegrama, telex, telefax, ou por telefone, consoante as possibilidades e as conveniências.
- O legislador confere à Administração uma margem muito ampla de escolha quanto ao modo de proceder à notificação que, em cada caso, se mostre o mais conveniente, de acordo um juízo de discricionariedade procedimental que, como se sabe, só limitadamente o tribunal poderá sindicar.
- A opção da Administração de usar a carta registada com aviso de recepção não é merecedora de censura, na medida em que, tratando-se de um meio de notificação possível, não se mostra que na sua escolha tenha procedido de modo manifestamente desrazoável.
- São dois os requisitos de que a lei faz depender eventual decisão da Administração, que é de natureza discricionária, de extinguir um procedimento administrativo: (i) a paragem do procedimento por mais de seis meses e (ii) que essa paragem se deva a causa imputável ao interessado.
- Se em relação ao primeiro requisito não se levantam quaisquer dificuldades, já quanto ao segundo a sua afirmação dependerá da constatação de uma situação de inércia negligente do interessado relativamente à prática de um acto ou ao cumprimento de uma formalidade sem os quais o procedimento não pode prosseguir.
- Assim, quando nada obste a esse prosseguimento, a atitude omissiva do interessado, mesmo perante prévia notificação da Administração, não pode implicar a extinção do procedimento, ainda que sem prejuízo de essa atitude poder reverter em desfavor do particular.
- Se o procedimento administrativo extinto foi da iniciativa da Recorrente com vista à renovação da sua autorização de residência temporária na RAEM, e em cujo decurso a Administração a notificou para juntar diversos documentos, tendo em vista a prolação da decisão final, não tendo esta notificação em vista a prática de qualquer acto do qual dependesse o andamento do procedimento, nada obstando a que a Administração pudesse proferir decisão final, não havia razão legal para considerar que o procedimento esteve parado por causa imputável à inércia negligente da Recorrente, incorrendo em violação da norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do CPA, geradora da respectiva anulabilidade.


____________________
Rui Pereira Ribeiro











Processo nº 179/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 16 de Novembro de 2023
Recorrentes: A, B, C e D
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, B, C e D, todos, com os demais sinais dos autos,
  vêm interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 09.01.2023 que declarou extinto o procedimento administrativo relativo ao pedido de renovação da autorização de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
  Objecto
1. Foi concedida à recorrente a autorização de residência temporária com fundamento no seu investimento na empresa “F INVESTMENT LIMITED” e detenção de 90% do capital social, com o mesmo fundamento a recorrente apresentou ao IPCIM (adiante designado por “Administração”) o presente pedido de renovação da autorização de residência temporária.
2. Em 21 de Maio de 2021, por carta n.º OF/02640/DJFR/2021, a Administração notificou a recorrente de que era necessário entregar uma série de documentos para apreciação, todavia, ela nunca recebeu tal notificação nem soube o respectivo conteúdo.
3. Em 15 de Fevereiro de 2023, a recorrente recebeu o despacho de 9 de Janeiro de 2023 do Secretário para a Economia e Finanças (adiante designado por “entidade recorrida”), proferido na proposta n.º 0418/2013/03R, constante da carta n.º OF/00473/DJFR/2023: “Exercendo a competência conferida pela ordem executiva n.º 3/2020 e ao abrigo do art.º 103.º n.º 2 alínea a) do CPA, concordo com a análise da presente proposta e declaro extinto o procedimento administrativo relativo ao pedido de renovação da residência temporária dos interessados.”
4. Salvo o devido respeito, a recorrente não concorda com o acto administrativo proferido pelo despacho recorrido (adiante designado por “decisão recorrida”).
  Pressupostos
5. O presente recurso é interposto com tempestividade, a recorrente tem legitimidade em recorrer; o vosso Tribunal é competente;
  Da violação dos princípios da participação e da boa fé e da ilegalidade
6. A recorrente entende que a decisão recorrida viola os princípios da participação e da boa fé, padece do vício da ilegalidade pelo erro na interpretação e aplicação do art.º 18.º n.º 1 do Regulamento do Serviço Público de Correspondências Postais, aprovado pela Portaria n.º 441/99/M, e do art.º 103.º n.º 2 alínea a) do CPA, resultando na anulabilidade do acto administrativo recorrido nos termos do art.º 124.º do CPA.
7. Indica o art.º 9.º alínea 5) da proposta acordada pela decisão recorrida que: “Além disso, segundo a advogada ouvida, a requerente nunca recebeu pessoalmente a carta n.º OF/02640/DJFR/2021 do nosso Instituto, em Junho de 2021 não tomou conhecimento do respectivo conteúdo, por isso, sustentou que não havia qualquer razão para imputar à requerente a matéria de paragem do procedimento relativo ao pedido por mais de 6 meses, nem se devia proferir qualquer decisão desfavorável ao interessado.” E indica a alínea 6) que: “De facto, em 21 de Maio de 2021, o Instituto notificou a requerente da entrega de documentos em falta, por carta registada com aviso de recepção, segundo o endereço postal declarado pela requerente – “... RUA. CENTRAL AREIA PRETA BL.2 FL. 10ª, ED. ......” (vide as fls. 2 e 391), conforme o aviso de recepção da Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações e o sistema de acompanhamento e localização na página electrónica, demonstra-se que a carta n.º OR/02640/DJFR/2021 (sic.) foi distribuída com sucesso em 16 de Junho de 2021, foi recebida por um indivíduo chamado de G (vide as fls. 205 a 208), deste modo, o nosso Instituto já cumpriu o dever da notificação”. Salvo o devido respeito, a recorrente não concorda.
8. A lei confere à Administração o poder de selecionar o método mais adequado “consoante as possibilidades e as conveniências”.
9. Entretanto, conforme os autos, a Administração notificou a recorrente por carta n.º OF/02640/DJFR/2021 da entrega de documentos em falta, enviada em 21 de Maio de 2021 por carta registada com aviso de recepção, a qual foi recebida, porém, por um terceiro chamado de G.
10. A assinatura não foi aposta pela recorrente própria, basta fazer comparação simples com o documento de identificação da recorrente e a assinatura na procuração da advogada constituída para chegar a essa conclusão.
11. Antes de mais, de Maio a Junho de 2021, a recorrente não estava em Macau porque precisava de ir ao Interior da China tomar cuidado da sogra que tinha 84 anos e sofria lesões decorrentes do acidente e do sogro que tinha 85 anos e estava doente, o internamento da sogra resultante do acidente para tratamento médico até o seu falecimento e o sofrimento da doença do sogro constituíam a força maior, portanto, a recorrente tinha de permanecer no Interior da China por um período para tomar cuidado deles e tratar os assuntos da falecida.
12. Segundo, a recorrente nunca recebeu do terceiro o documento ou carta, constante das fls. 205 a 208 dos autos, recebida por um indivíduo desconhecido.
13. Outrossim, a recorrente não delegou ou concordou em recepção de qualquer documento pelo terceiro em representação, incluindo mas não exclusivamente o documento de citação processual, constante das fls. 205 a 208 dos autos, recebido por um indivíduo desconhecido, e as cartas de notificação subsequentes.
14. A Administração nem notificou a recorrente directa e pessoalmente.
15. Em doutrina, mesmo que a Administração saiba a identidade do interessado, que, porém, se encontre na parte incerta, para proteger os direitos da participação e da defesa do interessado, o legislador permite à Administração fazer notificação edital, nos termos do art.º 72.º n.º 2 do CPA.
16. Todavia, sabendo que não era a recorrente quem assinou o aviso de recepção, a Administração não fez notificação pessoal, nem notificação edital.
17. Pelas razões acima expostas, foi impossível para a recorrente receber a notificação da entrega de documentos em falta, emitida pela Administração, então, como poderia participar dentro do prazo no respectivo procedimento administrativo, de forma a assegurar o exercício do seu direito fundamental da defesa?
18. Deste modo, não se pode presumir razoavelmente que a recorrente recebeu a carta n.º OF/02640/DJFR/2021, enviada em 21 de Maio de 2021 pela Administração.
19. A decisão da Administração pressupõe que, através de confirmar que a recorrente recebeu a “notificação” da entrega de documentos em falta, emitida por carta n.º OF/02640/DJFR/2021, é imputável à recorrente que “a requerente não nos entregou os documentos necessários para apreciação desde a recepção da notificação, o procedimento relativo ao pedido de renovação da autorização de residência temporária esteve parado por mais de 6 meses por motivo imputável à requerente”.
20. A Administração presumiu, com base na recepção da notificação pelo terceiro, que a recorrente conseguiu receber a notificação e, apesar do desconhecimento da recorrente sobre a notificação da entrega de documentos em falta, reconheceu que “a requerente não nos entregou os documentos necessários para apreciação desde a recepção da notificação”, pelo que, verifica-se realmente que a recorrente está numa situação de ou igual à “situação da falta de notificação ou da nulidade da notificação efectuada”, o que não é imputável à recorrente.
21. Por outro lado, de acordo com o art.º 9.º alínea 7) da proposta supracitada: “ao abrigo do art.º 18.º n.º 1 do Regulamento do Serviço Público de Correspondências Postais, aprovado pela Portaria n.º 441/99/M, “A correspondência registada é entregue ao destinatário ou ao seu legítimo representante ou, na ausência deste, não trazendo a indicação de mão própria, a um adulto devidamente identificado que com ele habite ou trabalhe ou que seja conhecido do trabalhador do Operador Público de Correio como estando autorizado a recebê-la.” Pelo que, é justo raciocinar que quem recebeu a carta era representante legítimo da requerente ou um indivíduo devidamente identificado pelo trabalhador do Operador Público de Correio; na resposta à audiência, a requerente não deduziu qualquer fundamento nem apresentou prova da desconformidade do receptor às condições para receber carta, fixadas pelo Regulamento, ou do desconhecimento real da requerente sobre a recepção da carta pelo receptor com assinatura, por isso, não constitui motivo justo a afirmação da advogada constituída de que a requerente não recebeu pessoalmente a carta e não soube a matéria da entrega de documentos em falta.” Salvo o devido respeito, a recorrente não concorda.
22. De acordo com o prefácio da Portaria n.º 411/99/M (Regulamento do Serviço Público de Correspondências Postais), “O Decreto-Lei n.º 88/99/M, de 29 de Novembro, que estabelece os princípios gerais aplicáveis aos serviços postais, prevê no artigo 6.º que as normas a observar na prestação de cada um dos serviços públicos postais constam de regulamentos aprovados por portaria.” E ao abrigo do art.º 1.º n.º 1 e 2, “1. O presente regulamento estabelece as normas aplicáveis ao serviço público de correspondências postais. 2. Denomina-se serviço público de correspondências postais a aceitação pelo Operador Público de Correio de objectos postais integrados em qualquer das categorias de correspondência, a fim de serem entregues aos destinatários indicados pelos remetentes.”
23. A referida Portaria, como instruções do serviço público de correspondências postais, tem como objecto o Operador Público de Correio.
24. Pelo que, o acto do Operador Público de Correio não dispensa a Administração do dever da notificação (sic.).
25. Quando recebeu o aviso de recepção, assinado pelo terceiro, a Administração não tentou contactar com a recorrente pessoalmente, nem cumpriu o seu dever da notificação por meio edital.
26. A responsabilidade do Operador Público de Correio não é imputável à recorrente.
Da violação do princípio da proporcionalidade
27. De 2018 até hoje (período de cerca de 6 anos) (mesmo já passando o prazo de validade do respectivo documento), a recorrente tem vivido em Macau na qualidade de residente de Macau (incluindo as actividades de migrações).
28. É de salientar especialmente que, de 2020 a 2022, devido às influências da pandemia, o número de turistas a Macau diminuiu drasticamente e se registou perda grave na maioria das empresas do sector de restauração, incluindo o estabelecimento comercial “Restaurante de Panela Quente H”, explorado pela Empresa “F INVESTMENT LIMITED”, em que a recorrente investiu.
29. A Empresa tentou vender a comida vietnamita e alterou a denominação do estabelecimento comercial em “Noodles I”, mas os negócios da Empresa não se melhoraram, afinal, em Outubro de 2021, a Empresa decidiu transformar-se e alterou por outra vez a denominação do estabelecimento comercial em “J American Retro Diner.”
30. A decisão recorrida “destrui” directamente as situações jurídica e factual que a recorrente tem mantido por tantos anos, prejudica a sua devida confiança na estabilidade do direito e factualidade e lesa a sua esperança legítima de forma improporcional.
31. Por outro lado, a revogação da autorização de residência da recorrente, concedida com fundamento no investimento, vai causar-lhe danos irreparáveis.
32. No aspecto da família, sendo o pilar económico familiar importante, a recorrente precisa de alimentar o marido e dois filhos menores, se a sua autorização de permanência em Macau for revogada, vai perder a referida empresa de “J American Retro Diner”, a fonte do rendimento principal da família também vai ficar cessada, impossibilitando manter a alimentação e a vida familiar.
33. A decisão recorrida “destrui” directamente as situações jurídica e factual que a recorrente tem mantido por tantos anos, prejudica a sua devida confiança na estabilidade do direito e factualidade e lesa a sua esperança legítima de forma improporcional.
34. Sem ponderar os referidos factores, a entidade recorrida proferiu a decisão de indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência da recorrente, impossibilitando-lhe continuar a residir em Macau, isso não só vai originar o desemprego da recorrente e as dificuldades económicas da sua família, também vai obrigar o seu cônjuge e os dois filhos menores a afastar-se do ambiente habitacional íntimo, afectando gravemente a vida familiar da recorrente e o desenvolvimento psicológico e intelectual dos menores.
35. Pelo que, a decisão recorrida padece do vício da violação do princípio da proporcionalidade, previsto pelo art.º 5.º n.º 2 do CPA, resultando na sua anulabilidade nos termos do art.º 124.º do CPA.
Da entrega de documentos
36. Segundo o art.º 9.º alínea 3) da referida proposta: “Primeiro, a advogada constituída entregou uns documentos em falta no procedimento de audiência, também justificou porque não entregou as fotos do estabelecimento explorado e os documentos comprovativos da aquisição do Apartamento A do 12º andar do Edf. ......”, todavia, até hoje, a requerente ainda não entregou para apreciação a demonstração financeira do Ano 2020, verificado pelo contabilista habilitado de Macau, a declaração de rendimentos (modelo M/1) relativo ao imposto complementar de rendimentos, Grupo “A”, do Ano 2020, e a notificação da fixação de rendimento (modelo M/5) relativo ao imposto complementar de rendimentos do Ano 2020.” Salvo o devido respeito, a recorrente não concorda.
37. Como acima disse, a recorrente não recebeu atempadamente a notificação da entrega de documentos em falta, por isso, não conseguiu entregar os documentos necessários na audiência.
38. Em 27 de Fevereiro de 2023, a recorrente já apresentou reclamação à entidade recorrida e entregou os documentos solicitados pela Administração.
39. A recorrente também entende que, os documentos posteriormente entregues não afectam o facto do seu investimento em Macau.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, invocando a irrecorribilidade do acto e apresentando as seguintes conclusões:
I. A decisão de declarar extinto o procedimento, nos termos do 103, n. 2, al. a), do CPA, foi tomada na sequência de uma notificação perfeitamente regular;
II. A notificação foi enviada para o endereço indicado previamente pela Recorrente e foi recebida;
III. Se a Recorrente, tendo sido devidamente notificada, não veio ao procedimento, não pode queixar-se de ter sido impedida de participar na formação da decisão administrativa;
IV. De resto, não houve sequer decisão administrativa sobre o mérito do requerimento da Recorrente, o qual não chegou a ser objecto de decisão;
V. O princípio da proporcionalidade não tem, logicamente, aplicabilidade na decisão de extinção do procedimento por deserção;
VI. A Recorrente não demonstra nem prova que a Administração tenha agido de má-fé;
VII. Não actua de boa-fé quem tenta imputar à Administração a responsabilidade pelo facto de não ter recebido uma notificação regularmente enviada para o endereço por si fornecido e que foi comprovadamente recebida nesse local.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer concluindo pela improcedência da invocada excepção dilatória da irrecorribilidade do acto recorrido.
  
  Havendo sido relegado para a decisão final o conhecimento da excepção dilatória invocada, foram as partes notificadas para apresentar alegações facultativas, sendo ambas notificadas também daquele despacho e do parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, sendo ainda os Recorrentes, notificados, também, da contestação.
  
  Vieram as partes apresentar alegações facultativas.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  
  Da excepção dilatória da irrecorrilibilidade do acto.
  
  Vindo a Entidade Recorrida invocar a irrecorribilidade do acto, sobre esta matéria emitiu o Ilustre Magistrado do Ministério Público o seguinte Parecer:
  «
  (…)
  (i)
  Na sua douta contestação, a Entidade Recorrida suscitou, ainda que em termos dubitativos, a questão da irrecorribilidade do acto impugnado nos presentes autos. Em seu entender, a mera decisão de extinção do procedimento, não sendo uma decisão sobre o mérito do requerimento, não criou quaisquer direitos ou obrigações para a Recorrente e não se repercutiu no direito que a mesma pretendia fazer valer, porquanto não chegou o mesmo a ser apreciado [cfr, artigos 7.º e 8.º da douta contestação).
  Salvo o devido respeito, parece-me que a Entidade Recorrida não tem razão. Muito sucintamente, pelo seguinte.
  Está em causa o acto que declarou a extinção do procedimento com o fundamento previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA): paragem do procedimento por mais de 6 meses por causa imputável ao interessado.
  De acordo com o n.º 1 do artigo 28.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), são recorríveis os actos administrativos que produzam efeitos externos.
  O acto que declara extinto o procedimento administrativo com fundamento em deserção do procedimento é um acto administrativo; é dizer, é uma decisão de um órgão da Administração que tem em vista produzir efeitos numa situação individual e concreta ao abrigo de normas de direito público (artigo 110.º do CPA).
  Por outro lado, também me parece pacífico que o acto em causa produz efeitos externos, na exacta medida em atinge a esfera jurídica do seu destinatário.
  Estamos, pois, perante um acto administrativo que, para além de verticalmente definitivo, produziu efeitos externos. Recorrível, portanto (o que é típico do acto administrativo impugnável, isto é, do acto administrativo com efeitos externos é justamente o facto de ele traduzir o exercício de um poder de definição jurídica unilateral normativamente conferido à Administração: assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 223).
  Aliás, a doutrina portuguesa mais representativa nunca teve dúvidas em relação à recorribilidade do acto que declara a extinção do procedimento administrativo com fundamento na respectiva deserção (veja-se nesse sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 505 e p.. 506).
  Com todo o respeito, o argumento segundo o qual não caberia recurso em virtude de a decisão se não repercutir no direito que o interessado pretendia fazer valer, não colhe. É certo que a decisão de extinção procedimental se não extingue o direito que o particular pretendia fazer valer. No entanto, não pode sofismar-se que tal decisão se projecta directamente no direito do particular a uma decisão que aprecie a sua pretensão, o qual tem como contraponto o dever jurídico correspondente da Administração que é, justamente, o dever de decisão.
  Ora, quando a Administração decide extinguir determinado procedimento com fundamento na respectiva deserção decorrente de uma alegada inércia do interessado está, do mesmo passo, a abster-se de decidir sobre a pretensão material que o mesmo deduziu, pelo que, reconhecendo-se ter o particular o referido direito a essa decisão, não poderá deixar de se lhe reconhecer a possibilidade de submeter a fiscalização judicial através de recurso contencioso a legalidade dessa actuação da Administração.
  (ii)
  Pelo exposto, parece-me, salvo melhor opinião, que não ocorre a invocada excepção dilatória da irrecorribilidade do acto recorrido.
  (…).».
  Aderindo integralmente aos fundamentos do Parecer supra citado, pelos fundamentos do mesmo constantes julgamos improcedente a invocada excepção dilatória da irrecorribilidade do acto.
  
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela procedência do recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  Dos elementos existentes nos autos apurou-se a seguinte factualidade:
1. Por despacho de 09.01.2023 do Secretário para a Economia e Finanças foi declaro extinto o procedimento administrativo relativo ao pedido de renovação da residência temporária dos aqui Recorrentes com base nos fundamentos constantes da proposta nº 0418/2013/03R a qual consta de fls. 392 a 397 do PA, traduzida a fls. 50 a 64 destes autos, com o seguinte teor:
«Proposta n.º 0418/2013/03R
Pedido da autorização de residência temporária do titular de projecto de investimento relevante – renovação
Requerente: A
Aplicação do Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Despacho do Secretário para a Economia e Finanças
Exercendo a competência conferida pela ordem executiva n.º 3/2020 e ao abrigo do art.º 103.º n.º 2 alínea a) do CPA, concordo com a análise da presente proposta e declaro extinto o procedimento administrativo relativo ao pedido de renovação da residência temporária dos interessados.
Secretário para a Economia e Finanças
Ass. vide o original
XXX
9 de Janeiro de 2023

Parecer do Presidente substituto do IPCIM
Exmo. Sr. Secretário,
Segundo a análise, a requerente não nos entregou os documentos necessários para apreciação desde a recepção da notificação, o procedimento relativo ao pedido de renovação da autorização de residência temporária esteve parado por mais de 6 meses por motivo imputável à requerente. Após realizada a audiência escrita, a requerente ainda não entregou os documentos necessários, pelo que, ao abrigo do art.º 103.º n.º 2 alínea a) do CPA, venho propor declarar extinto o procedimento administrativo relativo ao pedido de renovação da autorização de residência temporária.
N.º
Nome
Relação
1
A
Requerente
2
B
Cônjuge
3
C
Descendente
4
D
Descendente
Presidente substituto
Ass. vide o original
XXX
02. SEP.2022

Parecer do Vogal Executivo do Conselho de Administração
Concordo com a proposta.
Ass. vide o original
Vogal Executivo
XXX
02.09.2022

Parecer do Chefe do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência
Concordo com a proposta.
Ass. vide o original
Directora do DJFR
XXX
26.AUG.2022
Assunto: apreciação do pedido da autorização de residência temporária
Sr.ª Directora do DJFR,
1. Constam do seguinte as informações de identidade dos interessados:
N.º
Nome
Relação
Documento de identificação e o número
Prazo de validade do documento até
Autorização de residência temporária com o prazo até
Data da 1ª apresentação do pedido de extensão da autorização
1
A
Requerente
Passaporte da China n.º E7000****
2026/03/02
2019/03/08
N/A
2
B
Cônjuge
Passaporte da China n.º G5739****
2025/01/29
2019/03/08
2013/08/27
3
C
Descendente
Passaporte da China n.º EF157****
2024/02/29
2019/03/08
2013/08/27
4
D
Descendente
Passaporte da China n.º EF156****
2024/04/14
2019/03/08
2013/08/27
2. Em 13 de Fevereiro de 2014, foi concedida à requerente A pela 1ª vez a autorização de residência temporária com o prazo de validade até 13 de agosto de 2015, ao mesmo tempo, pediu a extensão da autorização para o cônjuge B e os descendentes C e D, em 31 de Outubro de 2015, foi concedida a estes pela 1ª vez a autorização de residência temporária com o prazo de validade até 26 de Dezembro de 2017, e em 14 de Novembro de 2017, foi-lhes concedida pela 2ª vez a autorização de residência temporária, após renovação, com o prazo de validade até 8 de Março de 2019, por conseguinte, a requerente apresentou o presente pedido de renovação em 22 de Março de 2019.
3. Conforme os autos, a requerente A e o seu cônjuge B mantêm a relação matrimonial e não se descobre qualquer infracção penal deles.
4. Para confirmar prudentemente a filiação entre a requerente e os referidos descendentes, no 1º pedido a requerente já entregou o atestado médico de nascimento e o certificado notarial do livro de família da RPC.
5. Em 6 de Agosto de 2019, a requerente entregou o novo passaporte da China do descendente D (n.º EF156****) para substituir o velho passaporte, servindo como fundamento do pedido (vide a fls. 29).
6. Com o fim de renovação, a requerente entregou os documentos comprovativos do investimento, os dados encontram-se transcritos no seguinte (vide as fls. 9 a 11, 31 a 131 e 252 a 350):
Nome comercial: F INVESTMENT LIMITED (vide as fls. 32 e 253)
Capital: MOP$50.000,00 (vide as fls. 32 e 253)
Proporção das acções detidas: 90%, equivalente a MOP$45.000,00 (vide as fls. 32, 253 e 256)
Objecto social: investimento, exploração e gerência de restaurantes (vide as fls. 32, 253 e 260)
Endereço:
(1) Alameda Dr. Carlos D'Assumpção, n.º ..., Praça ......, 6º andar, Apartamento E (adquirido) (vide as fls. 11, 84 e 386)
(2) Avenida do Governador Jaime Silvério Marques, n.ºs ... e ..., ......, Apartamento AT, e 1º andar, Apartamentos AG e AH (tomados de arrendamento) (vide as fls. 11, 99 a 101, 275 a 306);
Licenciamento: licença de estabelecimento de comidas e bebidas n.º 54/2017, emitida pelo IAM, com o prazo de validade até 28/05/2023, o nome do estabelecimento alterou-se de “Restaurante de Panela Quente H” em “J American Retro Diner” (vide as fls. 83 e 307)
Número dos empregados: até o 1º trimestre de 2022, foram empregados 4 trabalhadores locais e 6 trabalhadores exteriores (vide a fls. 304)
Obs.: a requerente entregou em 6 de Agosto de 2019 uma declaração e documentos comprovativos, demonstrando-se que o estabelecimento situado em “Rua de Paris, n.º ...-..., Edf. ......, r/c, Loja AL, e 1º andar, Apartamentos AC e AD” ficou cessado em Julho de 2019 (vide as fls. 110 e 152)
7. Para analisar mais a situação de funcionamento do projecto de investimento, que fundamentou o pedido da requerente, em 21 de Maio de 2021, o nosso Instituto solicitou-lhe, por carta n.º OF/02640/DJFR/2021, entregar uma série de documentos necessários para apreciação dentro de 15 dias contados do dia de recepção da notificação. Segundo o registo da Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações, a referida carta foi distribuída com sucesso em 16 de Junho de 2021 (vide as fls. 205 a 208); contudo, a requerente nunca entregou os documentos necessários, o procedimento relativo ao pedido de autorização de residência temporária esteve parado por mais de 6 meses por motivo imputável à requerente.
8. Ao abrigo do art.º 103.º n.º 2 alínea a) do CPA, isso era desfavorável para o presente pedido de autorização de residência temporária da requerente, portanto, em 7 de Março de 2022, o nosso Instituto realizou a audiência escrita ao interessado por cartas n.º OF/00206/DJFR/2022 e n.º OF/00207/DJFR/2022, a requerente foi pessoalmente ao nosso Instituto em 11 de Maio de 2022 receber as cartas (vide as fls. 226 a 240); em seguida, a requerente apresentou através da advogada a resposta e uma série de documentos com o teor principal seguinte (vide as fls. 245 a 350):
(1) A advogada declarou que, a requerente nunca recebeu pessoalmente a carta n.º OF/02640/DJFR/2021 de 21 de Maio de 2021 do nosso Instituto, sobre a entrega de documentos em falta, em Junho de 2021 não tomou conhecimento do respectivo conteúdo, por isso, sustentou que não havia qualquer razão para imputar à requerente a matéria de paragem do procedimento relativo ao pedido por mais de 6 meses, nem se devia proferir qualquer decisão desfavorável ao interessado;
(2) No procedimento de audiência, a advogada apresentou uma série de documentos comprovativos do investimento, incluindo a nova certidão do registo comercial de “F INVESTMENT LIMITED”, a declaração de rendimentos (modelo M/1) relativo ao imposto complementar de rendimentos, Grupo “A”, do Ano 2019, o documento de trespasse do “Restaurante de Panela Quente H”, os conhecimentos de cobrança da contribuição industrial (M/8) dos Anos 2019 a 2021, os modelos M3/M4 do Imposto Profissional do 1.º Grupo (Relação Nominal - Empregados ou Assalariados) dos Anos 2019 a 2021, as guias de pagamento das contribuições ao FSS de 2019 ao 1º trimestre de 2022, a notificação da fixação de rendimento (modelo M/5) relativo ao imposto complementar de rendimentos do Ano 2019, o contrato de arrendamento com o prazo até 31 de Dezembro de 2022, a licença de operação para actividades económicas de “J American Retro Diner”, os documentos comprovativos de abertura do salão de cabeleireiro pela requerente em Macau (vide as fls. 252 a 350);
(3) A advogada afirmou que, não estando renovado o BIR não permanente da requerente, não foi concluído o acto notarial do acordo de compra e venda do “Apartamento A do 12º andar do Edf. ......”, a celebração do acordo com o outro documento de identificação iria originar perda desnecessária de grande valor no aspecto do imposto do selo, por isso, não apresentou o documento comprovativo da aquisição do referido Apartamento, mas sim apenas a certidão do registo predial e o cheque emitido a favor do promotor de empreendimento (vide as fls. 315 a 318);
(4) A advogada assinalou que, devido às influências da pandemia, o número de turistas a Macau diminuiu drasticamente e se registou perda grave nos negócios da Empresa. Para exercer melhor as actividades de restauração, em 2021, a Empresa “F INVESTMENT LIMITED” alterou a denominação do estabelecimento comercial de “Restaurante de Panela Quente H” em “Noodles I”, e depois alterou-a por outra vez em “J American Retro Diner”, por isso, não conseguiu fornecer as fotos de exploração do “Restaurante de Panela Quente H”;
(5) No tocante à ausência do interessado na maioria do tempo da duração da autorização de residência temporária, a advogada justificou que, a sogra da requerente, K, que tinha 84 anos e morava no Interior da China, caiu em 27 de Maio de 2019 e sofreu a fratura intertrocantérica esquerda, devido à alta idade e lesões, o seu autocuidado na vida quotidiana tornou-se difícil, portanto, o interessado tinha de voltar frequentemente ao Interior da China para tomar cuidado dela. Afinal, ela faleceu em 23 de Maio de 2021, o interessado tinha de preparar o seu funeral e, por conseguinte, tomar cuidado do sogro, L, que tinha 85 anos e morava no Interior da China, em 26 de Junho de 2021, foi diagnosticado que sofria infarto lacunar, hérnia de disco cervical, estenose espinhal cervical e aterosclerose carotídea, devido à alta idade e lesões, o seu autocuidado na vida quotidiana tornou-se difícil, portanto, o interessado tinha de voltar frequentemente ao Interior da China para tomar cuidado dele. Foram apresentados os atestados médicos dos ascendentes e a certidão de óbito;
(6) A requerente espera que seja lhe proferida uma decisão favorável ao pedido de renovação da autorização de residência temporária e lhe seja proporcionado entregar oportunamente os documentos que não foram apresentados na audiência escrita.
9. Cumpre analisar a referida resposta da forma seguinte:
(1) Ao abrigo do art.º 1.º alínea 2) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, foi concedida à recorrente a autorização de residência temporária com fundamento no seu investimento na empresa “F INVESTMENT LIMITED” e detenção de 90% do capital social, com o mesmo fundamento a recorrente apresentou o presente pedido de renovação da autorização de residência temporária.
(2) Para analisar a situação de funcionamento do projecto de investimento da requerente, em 21 de Maio de 2021, ao abrigo do art.º 9.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o nosso Instituto solicitou-lhe, por carta n.º OF/02640/DJFR/2021, entregar os documentos necessários para apreciação. Todavia, a requerente não nos entregou os referidos documentos para apreciação desde a recepção da notificação em 16 de Junho de 2021, o procedimento relativo ao presente pedido de autorização de residência temporária esteve parado por mais de 6 meses.
(3) Primeiro, a advogada constituída entregou uns documentos em falta no procedimento de audiência, também justificou porque não entregou as fotos do estabelecimento explorado e os documentos comprovativos da aquisição do Apartamento A do 12º andar do Edf. ......”, todavia, até hoje, a requerente ainda não entregou para apreciação a demonstração financeira do Ano 2020, verificado pelo contabilista habilitado de Macau, a declaração de rendimentos (modelo M/1) relativo ao imposto complementar de rendimentos, Grupo “A”, do Ano 2020, e a notificação da fixação de rendimento (modelo M/5) relativo ao imposto complementar de rendimentos do Ano 2020.
(4) É de salientar que, ao abrigo do art.º 10.º da Lei n.º 21/78/M, os contribuintes do grupo A são obrigados a apresentar à DSF nos meses de Abril a Junho a “declaração de rendimentos do modelo M/1 – Grupo A” para declarar os rendimentos do ano passado, isto é, a requerente devia completar dentro do período de Abril a Junho de 2021 o procedimento de declaração de rendimentos do Ano 2020, não era incapaz de entregar a declaração de rendimentos (modelo M/1) relativo ao imposto complementar de rendimentos, Grupo “A”, e a demonstração financeira do Ano 2020, verificado pelo contabilista habilitado de Macau, mas após o procedimento da audiência, a requerente ainda não nos entregou os documentos até hoje, impossibilitando a verificação da situação de funcionamento do respectivo projecto de investimento.
(5) Além disso, segundo a advogada ouvida, a requerente nunca recebeu pessoalmente a carta n.º OF/02640/DJFR/2021 do nosso Instituto, em Junho de 2021 não tomou conhecimento do respectivo conteúdo, por isso, sustentou que não havia qualquer razão para imputar à requerente a matéria de paragem do procedimento relativo ao pedido por mais de 6 meses, nem se devia proferir qualquer decisão desfavorável ao interessado.
(6) De facto, em 21 de Maio de 2021, o Instituto notificou a requerente da entrega de documentos em falta, por carta registada com aviso de recepção, segundo o endereço postal declarado pela requerente – “... RUA. CENTRAL AREIA PRETA BL.2 FL. 10ª, ED. ......” (vide as fls. 2 e 391), conforme o aviso de recepção da Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações e o sistema de acompanhamento e localização na página electrónica, demonstra-se que a carta n.º OF/02640/DJFR/2021 foi distribuída com sucesso em 16 de Junho de 2021, foi recebida por um indivíduo chamado de G (vide as fls. 205 a 208), deste modo, o nosso Instituto já cumpriu o dever da notificação.
(7) Ao abrigo do art.º 18.º n.º 1 do Regulamento do Serviço Público de Correspondências Postais, aprovado pela Portaria n.º 441/99/M, “A correspondência registada é entregue ao destinatário ou ao seu legítimo representante ou, na ausência deste, não trazendo a indicação de mão própria, a um adulto devidamente identificado que com ele habite ou trabalhe ou que seja conhecido do trabalhador do Operador Público de Correio como estando autorizado a recebê-la.” Pelo que, é justo raciocinar que quem recebeu a carta era representante legítimo da requerente ou um indivíduo devidamente identificado pelo trabalhador do Operador Público de Correio; na resposta à audiência, a requerente não deduziu qualquer fundamento nem apresentou prova da desconformidade do receptor às condições para receber carta, fixadas pelo Regulamento, ou do desconhecimento real da requerente sobre a recepção da carta pelo receptor com assinatura, por isso, não constitui motivo justo a afirmação da advogada constituída de que a requerente não recebeu pessoalmente a carta e não soube a matéria da entrega de documentos em falta.
(8) Por outro lado, a advogada argumentou que, o interessado também investiu em outros sectores, incluindo a abertura do salão de cabeleireiro e a intenção de aquisição de bem imóvel com finalidade habitacional, mas o interessado apresentou o presente pedido de renovação da autorização de residência temporária com fundamento no investimento na Empresa “F INVESTMENT LIMITED”, a concretização de outro investimento ou não em Macau não constitui elemento principal para o pedido.
(9) Após realizada a audiência, a requerente ainda não entregou os documentos necessários para apreciação até hoje, e a sua resposta não revela qualquer causa justa, o procedimento relativo ao pedido de autorização de residência temporária já esteve parado por mais de 6 meses por motivo imputável à requerente, pelo que, vem propor declarar extinto o respectivo procedimento administrativo.
10. Pelo exposto, a requerente não nos entregou os documentos necessários para apreciação desde a recepção da notificação, o procedimento relativo ao pedido de renovação da autorização de residência temporária esteve parado por mais de 6 meses por motivo imputável à requerente; após realizada a audiência, o interessado ainda não entregou os documentos para apreciação, nem ofereceu justificação. Pelo que, vem propor ao Secretário para a Economia e Finanças que, exercendo a competência conferida pelo art.º 1.º da ordem executiva n.º 3/2020 e ao abrigo do art.º 103.º n.º 2 alínea a) do CPA, seja declarado extinto o procedimento administrativo relativo ao pedido de renovação da residência temporária da requerente A, seu cônjuge B e descendentes C e D.
À consideração superior.
Técnico
Ass. vide o original
XXX
23 de Agosto de 2022
Divisão dos Assuntos de Fixação de Residência
Ass. vide o original
XXX
26 de Agosto de 2022
Elaborada por: XXX
2. Em 15.02.2023 foi a Recorrente A notificada daquele despacho – cf. fls. 401 do PA -.

b) Do Direito

  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia e Finanças que declarou extinto o procedimento administrativo relativo à renovação da autorização de residência temporária do Recorrente na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual invocou a excepção dilatória da irrecorribilidade do acto impugnado e, além disso, sustentou a improcedência dos fundamentos do recurso contencioso.
  Sobre a excepção da irrecorribilidade do acto já emitimos a pronúncia que consta de fls. 80 e 81 dos presentes autos.
  2.
  (i.)
  (i.1.)
  Começa a Recorrente por invocar um erro da Administração na interpretação e aplicação do artigo 18.º, n.º 1 do Regulamento do Serviço Público de Correspondências Postais, aprovado pela Portaria n.º 441/99/M. Em seu entender, a Administração não a notificou pessoalmente para proceder à junção de quaisquer documentos, pelo que foi indevida a conclusão que suportou o acto recorrido segundo a qual o procedimento teria estado parado por mais de seis meses por causa imputável à Recorrente.
  Vejamos.
  No âmbito de um procedimento administrativo desencadeado pela Recorrente, tendo em vista a renovação da autorização da sua residência temporária na RAEM, a Administração, no dia 21 de Maio de 2021, enviou àquela, para o endereço postal por si declarado, através de carta registada com aviso de recepção um ofício através do qual solicitava a entrega de diversos documentos que considerou necessários à apreciação do pedido. Essa carta foi recebida no dia 16 de Junho de 2021, não pela Recorrente, mas por um indivíduo de nome G.
  A Recorrente questiona a legalidade desta notificação, considerando que a mesma não foi apta a desencadear o início de qualquer prazo para a junção dos documentos em causa.
  Não nos parece que tenha razão.
  Em procedimento administrativo, na falta de disposição especial, as notificações são feitas nos termos previstos na norma do artigo 72.º do CPA, de acordo com a qual, devem as mesmas ser feitas pessoalmente ou por ofício, telegrama, telex, telefax, ou por telefone, consoante as possibilidades e as conveniências.
  Como se vê da simples leitura da norma, o legislador confere à Administração uma margem muito ampla de escolha quanto ao modo de proceder à notificação. De entre aqueles que estão previstos e se mostrem possíveis, a Administração escolherá aquele que, em cada caso, se mostre o mais conveniente, de acordo um juízo de discricionariedade procedimental que, como se sabe, só limitadamente o tribunal poderá sindicar.
  Na situação em apreço, a opção da Administração de usar a carta registada com aviso de recepção não é merecedora de censura, na medida em que, tratando-se de um meio de notificação possível, não se mostra, bem pelo contrário, que na sua escolha tenha procedido de modo manifestamente desrazoável.
  (i.2.)
  Questão diversa, que a Recorrente também coloca, é a de saber se a notificação foi efectuada em conformidade com o disposto no Regulamento do Serviço Público de Correspondências Postais aprovado pela Portaria 441/99/M, de 29 de Novembro e se, portanto, o acto notificado, através do qual a Administração instou a Recorrente a juntar diversos documentos produziu ou não efeitos.
  Parece-nos que sim. Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 18.º daquele Regulamento, «a correspondência registada é entregue ao destinatário ou ao seu legítimo representante ou, na ausência deste, não trazendo a indicação de mão própria, a um adulto devidamente identificado que com ele habite ou trabalhe ou que seja conhecido do trabalhador do Operador Público de Correio como estando autorizado a recebê-la», o que significa que a notificação não deixa de produzir o seu efeito pelo facto de não ter sido entregue ao próprio destinatário, mas a um adulto devidamente identificado que se encontre na morada para a qual o objecto postal é dirigido, por aí habitar ou trabalhar, tal como, no presente caso, sucedeu.
  Deste modo, tendo a carta expedida para notificação sido entregue nos termos legalmente previstos e não demonstrando a Recorrente ter ocorrido a preterição de qualquer formalidade legal, estamos em crer que não ocorreu alegado vício de violação da norma do artigo 18.º do Regulamento do Serviço Público de Correspondências Postais aprovado pela Portaria 441/99/M (a propósito da legalidade e da perfeição da notificação, seja quanto ao meio escolhido, seja quanto à questão de ter sido efectuada na pessoa de terceiro, e no sentido que propugnamos, vejam-se os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância de 19.09.2013, processo n.º 792/2012; 18.09.2014, processo n.º 182/2014 e de 07.07.2016, processo n.º 618/2015).
  (ii.)
  Diferente nos parece dever ser a resposta à questão, igualmente colocada pela Recorrente para fundamentar a sua pretensão impugnatória deduzida nos presentes autos, de saber se o acto recorrido incorreu em violação da norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
  Brevemente, pelo seguinte.
  De acordo com o ali preceituado, o órgão competente para a decisão pode declarar o procedimento extinto quando o mesmo esteja parado por mais de seis meses por causa imputável ao interessado. São dois, portanto, os requisitos de que a lei faz depender eventual decisão da Administração, que, sempre se diga, é de natureza discricionária, de extinguir um procedimento administrativo: (i) a paragem do procedimento por mais de seis meses e (ii) que essa paragem se deva a causa imputável ao interessado.
  Se em relação ao primeiro requisito não se levantam quaisquer dificuldades em relação à densificação do seu sentido normativo, já quanto ao segundo nos parece de referir que, a nosso ver, a sua afirmação dependerá da constatação de uma situação de inércia negligente do interessado relativamente à prática de um acto ou ao cumprimento de uma formalidade sem os quais o procedimento não pode prosseguir. Significa isto, assim, que, quando nada obste a esse prosseguimento, a eventual atitude omissiva do interessado, mesmo perante prévia notificação da Administração, não pode implicar a extinção do procedimento, ainda que sem prejuízo, em todo o caso, de essa atitude poder reverter em desfavor do particular (neste mesmo sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, reimpressão, Coimbra, 1998, p. 488).
  No caso, o procedimento administrativo extinto foi da iniciativa da Recorrente com vista à renovação da sua autorização de residência temporária na RAEM, e em cujo decurso a Administração notificou a Recorrente esta a fim de juntar diversos documentos, tendo em vista a prolação da decisão da decisão final, na perspectiva, certamente, da demonstração dos pressupostos da pretendida renovação.
  Ora, como facilmente se compreende, esta notificação não teve em vista a prática de qualquer acto do qual dependesse o andamento do procedimento, o qual sempre poderia prosseguir mesmo perante a inércia da Recorrente, nada obstando, nomeadamente, a que a Administração pudesse proferir decisão final a partir do material instrutório recolhido ou que ainda pudesse recolher ao abrigo dos poderes inquisitórios que a lei lhe atribui. Não havia, pois, razão legal para considerar que o procedimento esteve parado por causa imputável à inércia negligente da Recorrente, pelo que, em nosso modesto entender, o acto recorrido, ao ter decidido em contrário, incorreu em violação da norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do CPA, tal como alegado pela Recorrente, geradora da respectiva anulabilidade face ao disposto no artigo 124.º do CPA.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.».
  
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado enferma do vício de violação de lei, havendo que conceder provimento ao recurso contencioso.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso revoga-se a decisão recorrida.
  
  Sem custas por delas estar isenta a Entidade Recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 16 de Novembro de 2023
  
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz-Adjunto)
  
  Mai Man Ieng
  (Procurador-Adjunto)

179/2023 REC CONT 66